de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Segunda-feira, 11 de Outubro de 2010
Sobre o que aconteceu com o rei de Portugal

A imprensa burguesa, mesmo a mais liberal e de maior tendência «democrática», necessita apontar para uma moral de Centúrias Negras quando discute o assassinato do aventureiro português.

Vejamos, por exemplo, o correspondente de um dos melhores jornais democratas-burgueses da Europa, o Frankfurter Zeitung. Começa a sua história por um relato meio humorístico sobre a forma como os correspondentes acorreram a Lisboa, parecendo um bando mergulhando sobre uma presa, logo que se soube da notícia sensacional. «Partilhei um compartimento na carruagem-cama com um conhecido jornalista londrino », escreve o cavalheiro, «que começou a gabar-se da sua experiência: já tinha estado em Belgrado na mesma missão e considerava-se ‘um correspondente especial para casos de regicídio’».

Na realidade, o que aconteceu ao rei de Portugal é um verdadeiro «acidente de trabalho» de reis.

Não admira que tenhamos correspondentes profissionais especializados na descrição das “desventuras” profissionais de Suas Majestades.

Mas, por mais forte que seja o sensacionalismo barato e vulgar destes correspondentes, a verdade arranja sempre uma maneira de vir ao de cima. «Um lojista sedeado no bairro comercial mais movimentado» contou ao correspondente do Frankfurter Zeitung o seguinte: «‘Mal soube o que aconteceu, pendurei à porta uma flâmula de luto. Mas, passado pouco tempo, fregueses e conhecidos começaram a entrar e a perguntar-me se estaria no meu perfeito juízo ou determinado a arruinar o meu negócio’. Quer dizer que ninguém revela sentimentos de compaixão? perguntei-lhe. ‘Meu caro senhor, não iria acreditar nas respostas que me deram! E assim retirei a flâmula de luto’.»

Sobre este assunto, o correspondente liberal comenta:

«Um povo tão inatamente afável e amigável como o português deve ter passado por uma dura experiência para aprender a odiar de forma tão implacável mesmo um defunto. E se isto é verdade – como sem dúvida o é, e se o calasse estaria a distorcer a verdade histórica –, se para além dessas manifestações mudas que pronunciam um julgamento sobre a vítima coroada, a cada momento ouvimos palavras de despeito, mesmo de pessoas ‘respeitadoras da lei’, dirigidas à vítima de assassínio, vemo-nos naturalmente no desejo de analisar a rara combinação de circunstâncias que tornou tão anormal a psicologia de um povo. Porque um povo que não concede à morte o antigo e sagrado direito de reparar todos os pecados terrenos, deve estar moralmente já muito degenerado ou então têm de existir condições que engendrem um sentimento imensurável de ódio capaz de encobrir a visão clara do julgamento imparcial.»

Ó hipócritas liberais! Por que não denunciais como moralmente degenerados esses académicos e escritores franceses que ainda hoje odeiam e insultam com virulência não só as principais personalidades da Comuna de 1871, mas até os de 1793? Não só os combatentes da revolução proletária, mas até os da revolução burguesa? Porque os lacaios «democratas» da burguesia moderna acham «normal» e «moral» que o povo deva sofrer «afável» toda a espécie de indignidades, ultrajes e atrocidades às mãos de aventureiros coroados.

De outro modo, prossegue o correspondente (isto é, a não ser em resultado de condições excepcionais), «não poderíamos compreender o facto de já hoje um jornal monárquico falar das vítimas inocentes entre o povo com quase maior piedade do que o faz em relação ao rei, e vemos já com clareza como começam a formar-se lendas que envolvem os assassinos num halo de glória. Quando em quase todos os casos de assassínio os partidos políticos se apressam a dissociar-se dos assassinos, os Republicanos portugueses estão francamente orgulhosos do facto de os ‘mártires e heróis do 1 de Fevereiro’ provirem das suas fileiras…»

O democrata burguês, no seu excesso de zelo, vai ao ponto de estar disposto a descrever como uma «lenda revolucionária» o respeito que os cidadãos portugueses tributam aos homens que se sacrificaram para depor um rei que fizera da Constituição uma farsa!

O correspondente de outro jornal burguês, o Corriere della Sera de Milão, relata a censura severa imposta em Portugal após o regicídio. Os telegramas não são enviados. Os ministros e os reis não se caracterizam por essa «natureza afável» que tanto atrai o nosso honesto burguês no caso da massa do povo! Guerra é guerra – argumentam os aventureiros portugueses que ocuparam o lugar do rei assassinado. As comunicações tornaram-se quase tão difíceis como numa guerra. Os relatos da imprensa têm que ser enviados por vias travessas, primeiro por correio para Paris (talvez para um endereço privado), e daí transmitidas para Milão. «Nem mesmo na Rússia», escreve o correspondente em 7 de Fevereiro, «durante os períodos revolucionários mais violentos, foi a censura tão impiedosa como agora em Portugal.»

«Alguns jornais republicanos», diz este correspondente em 9 de Fevereiro, «escrevem hoje [no dia do funeral do rei] em termos que não me atrevo a repetir num telegrama.» Numa reportagem datada de 8 de Fevereiro, que chegou depois da de 9, o comentário do jornal O País sobre o funeral é citado:

«Foram a enterrar os restos mortais de dois monarcas, cinzas inúteis de uma monarquia em ruínas, sustentada na traição e no privilégio, cujos crimes aviltaram dois séculos da nossa história.»

«Trata-se, é claro, de um jornal republicano», acrescenta o correspondente, «mas não é o aparecimento de um artigo assim redigido no dia do funeral do rei um facto eloquente?»

Nós, pelo nosso lado, acrescentaremos apenas que só podemos lamentar uma coisa – que o movimento republicano em Portugal não tenha acabado de forma suficientemente resoluta e franca com todos os aventureiros. Lamentamos que no ocorrido com o rei de Portugal se veja ainda claramente um elemento conspirativo, isto é, de terror impotente, incapaz de atingir os seus objectivos, e que fica atrás do terror genuíno, popular e regenerador pelo qual se celebrizou a Grande Revolução Francesa. É possível que o movimento republicano em Portugal cresça ainda mais. A simpatia do proletariado socialista estará sempre do lado dos republicanos contra a monarquia. Mas o que até agora conseguiram, em Portugal, foi assustar a monarquia com o assassínio de dois monarcas, não eliminá-la.

Os socialistas em todos os parlamentos europeus expressaram, o melhor que puderam, a sua simpatia para com o povo e os republicanos portugueses, a sua aversão pelas classes dominantes, cujos porta-vozes condenaram o assassínio do aventureiro e expressaram simpatia para com os seus sucessores. Alguns socialistas expuseram abertamente os seus pontos de vista no parlamento, outros saíram durante os votos de simpatia para com os «sofredores» – a monarquia. Vandervelde, no Parlamento belga, escolheu o «meio termo» –o pior dos termos – engendrando para a ocasião uma frase que prestava homenagem a «todos os mortos», ou seja tanto o rei como os que o mataram. Esperamos que Vandervelde seja a excepção solitária entre todos os socialistas do Mundo.

A tradição republicana enfraqueceu consideravelmente entre os socialistas europeus. Isto é compreensível e até certo ponto justificável na medida em que a iminência de uma revolução socialista diminui a importância prática da luta por uma república burguesa. Frequentemente, porém, o afrouxar da propaganda republicana não traduz vigor na luta pela vitória total do proletariado, mas uma fraca consciência dos objectivos da revolução proletária em geral. Não sem razão procurava Engels, com a maior das ênfases, na sua crítica ao Projecto de Programa de Erfurt de 1891, gravar nas cabeças dos trabalhadores alemães a importância da luta pela república e a possibilidade dessa luta entrar na ordem do dia também na Alemanha.[1]

Connosco, na Rússia, a luta pela república é uma questão de significado prático imediato. Apenas os oportunistas pequeno-burgueses mais desprezíveis, como os Socialistas Populares, ou o “SD” de Malichevski (em relação a ele ver o Proletary, No. 7) poderiam retirar da experiência da revolução russa a conclusão de que na Rússia a luta pela república deve ser relegada para segundo plano. Pelo contrário, a experiência da nossa revolução provou que a luta pela abolição da monarquia é inseparável, na Rússia, da luta dos camponeses pela terra e da luta de todo o povo pela liberdade. A experiência da nossa contra-revolução mostrou que uma luta pela liberdade que não afecte a monarquia não é luta nenhuma, mas cobardia e frouxidão pequeno-burguesas ou clara intenção de burlar o povo pelos carreiristas do parlamentarismo burguês.



[1] Ver Friedrich Engels, Zur Kritik des sozial-demokratischen Programmentwurfes von 1891, Die Neue Zeit, Jg. XX, 1901, B. II, H. 1.



publicado por portopctp às 01:06
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