“O valor (venal) é a pedra angular do edifício económico” (T1, p. 90). O valor "constituído" é a pedra angular do sistema de contradições económicas.
O que é, então, este "valor constituído", a descoberta do Sr. Proudhon em economia política?
Uma vez admitida a utilidade, o trabalho é a fonte de todo o valor. A medida do trabalho é o tempo. O valor relativo dos produtos é determinado pelo tempo de trabalho necessário para a sua produção. O preço é a expressão monetária do valor relativo de um produto. Finalmente, o valor constituído de um produto é, pura e simplesmente, o valor que se constitui pelo tempo de trabalho nele incorporado.
Assim como Adam Smith descobriu a divisão do trabalho, o Sr. Proudhon afirma ter descoberto o "valor constituído". Não se trata exactamente de "algo inédito", mas também se deve admitir que nada há de inédito em qualquer descoberta da ciência económica. Mas, o Sr. Proudhon, que reconhece toda a importância de sua própria invenção, procura atenuar o próprio mérito "a fim de tranquilizar o leitor acerca das suas pretensões à originalidade, e para conquistar os espíritos cuja timidez os torna pouco favorável às ideias novas". No entanto, à medida que reparte por cada um de seus antecessores as contribuições para a compreensão do valor, vê-se obrigado a confessar abertamente que a maior parte, a parte do leão, do mérito recai sobre si mesmo.
"A ideia sintética de valor,… foi vagamente percebida por A. Smith...
Mas esta ideia de valor era totalmente intuitiva em Adam Smith; ora, a sociedade não modifica os seus hábitos apenas por intuições, ela decide-se apenas sob a autoridade dos factos. Era preciso que a antinomia se exprimisse de uma maneira mais sensível e mais nítida e J. B. Say foi o seu principal intérprete". [I, 66]
Eis a história completa da descoberta do valor sintético: Adam Smith – vaga intuição; JB Say – antinomia; ao Sr. Proudhon – a verdade constituinte e "constituída". E que ninguém se equivoque: todos os outros economistas, de Say a Proudhon, apenas se arrastaram na trilha da antinomia.
"É incrível que tantos homens de bom senso se agitem há mais de quarenta anos contra uma ideia tão simples. Mas não: a comparação de valores efectua-se sem que haja entre eles qualquer ponto de comparação e sem unidade de medida. Eis o que os economistas do séc. XIX resolveram sustentar contra tudo e contra todos, ao invés de abraçar a teoria revolucionária da igualdade. O que dirá disso a posteridade?" (Vol.I, p.68)
A posteridade, tão abruptamente invocado, começará por ficar confusa com a cronologia. Ela é obrigada a perguntar-se: não são Ricardo e os economistas da sua escola do século XIX? O sistema de Ricardo, fundado no princípio segundo o qual "o valor relativo das mercadorias corresponde exclusivamente à quantidade de trabalho requerido para a sua produção", remonta a 1817. Ricardo lidera uma escola dominante na Inglaterra desde a Restauração. [A Restauração começou após o término das guerras napoleónicas e da restauração da dinastia Bourbon na França, em 1815] A doutrina ricardiana resume severamente, sem piedade, o ponto de vista de toda a burguesia inglesa, que é, em si mesma, o modelo da burguesia moderna. "O que dirá disso a posteridade?" Ninguém dirá que o Sr. Proudhon não sabia de Ricardo, pois fala, e muito, sobre ele, concluindo que o sistema dele é uma "mistura incoerente". Se alguma vez a posteridade intervier nisto, talvez diga que o Sr. Proudhon, com medo de ofender a anglofobia dos seus leitores, preferiu fazer-se o editor responsável das ideias de Ricardo. Em qualquer caso, parecerá à posteridade muito ingénuo que o Sr. Proudhon exiba como "teoria revolucionária do futuro" o que Ricardo expôs cientificamente como a teoria da sociedade actual, da sociedade burguesa, bem como o facto de considerar como a solução da antinomia entre a utilidade e o valor de troca aquilo que Ricardo e sua escola apresentaram, muito antes dele, como a fórmula científica de um único termo dessa antinomia, do valor de troca. Mas deixemos de lado a posteridade, de uma vez por todas, e confrontemos o Sr. Proudhon com o seu predecessor Ricardo. Eis alguns trechos deste autor que resumem a sua doutrina sobre o valor:
"Não é… a utilidade que é a medida do valor de troca, embora lhe seja absolutamente essencial" (Vol.I, p. 3, Principes de l'économie politique, etc., traduzido do Inglês por F.S. Constancio, Paris 1835)
"As mercadorias possuindo utilidade, o seu valor de troca deriva de duas fontes: da sua escassez, e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las. Existem alguns produtos cujo valor é determinado apenas pela sua escassez. Como não há trabalho que possa aumentar a quantidade de tais bens, o seu valor não se pode baixar aumentando a oferta. É o caso de estátuas, de pinturas preciosas, etc. em que o valor varia de acordo com a riqueza, o gosto e o humor dos que desejam possuí-las.” (Vol.I, pp.4 e 5)
"Estes produtos, no entanto, formam uma parte muito pequena da massa de mercadorias trocada diariamente. São, de longe, a maior parte dos bens objecto de desejo, os que são produtos da indústria, e podem ser multiplicados, não num só país, mas em vários, e, querendo dispor do trabalho necessário para produzi-los, quase sem limite atribuível." (Vol.I, p. 5)
"Portanto, ao falar de mercadorias, do seu valor de troca e das leis que regulam os seus preços relativos, queremos falar dos produtos cuja quantidade pode ser aumentada pelo esforço da indústria humana, e em cuja produção a concorrência opera sem restrição.” (Vol.I, p. 5)
Ricardo cita Adam Smith, que, segundo o próprio, "definiu com grande precisão a fonte original do valor de troca" (Adam Smith, Riqueza das Nações, Livro I, Cap. 5 [Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, edição aparecida em Londres em primeiro lugar, 1776]), e acrescenta:
"Que este [ou seja, o tempo de trabalho] é realmente a base do valor de troca de todas as coisas, com excepção daquelas que não podem ser multiplicadas pela indústria humana, é uma doutrina de extrema importância na economia política, pois não existe outra fonte maior de erros, e de diferença de opinião nesta ciência, do que a que parte de ideias vagas ligadas à palavra valor.” (Vol.I, p.8)
"Se a quantidade de trabalho fixado nas mercadorias regular o seu valor de troca, a cada aumento da quantidade de trabalho exercido numa mercadoria deve corresponder um crescimento do seu valor, da mesma forma que a toda diminuição deve corresponder uma redução." (Vol.I, p.8)
Ricardo continua, censurando Smith:
1. Por "erigir outra medida padrão de valor diferente do trabalho. Por vezes fala de valor do grão, por vezes da quantidade de trabalho que pode comprar algo, etc." (Vol.I, pp.9 e 10)
2. Por "admitir o princípio, sem reservas, e, ao mesmo tempo, restringir a sua aplicação ao estado primitivo e rude da sociedade que precede a acumulação de capitais e da propriedade privada da terra." (Vol.I, p.21)
Ricardo prepara-se para provar que a propriedade da terra, isto é, a renda da terra, não pode alterar o valor relativo dos produtos agrícolas e que a acumulação de capital tem apenas um efeito passageiro e perturbador nos valores relativos que são determinados pela quantidade comparativa de trabalho despendido na sua produção. Em apoio desta tese, formula a sua famosa teoria da renda da terra, analisa o capital, e acaba por encontrar nele apenas trabalho acumulado. Em seguida, desenvolve toda uma teoria do salário e do lucro, demonstrando que salários e lucros sobem e descem na razão inversa uns dos outros, sem afectar o valor relativo do produto. Ele não negligencia a influência que a acumulação de capital e seus diferentes aspectos (capital fixo e capital circulante), como também a taxa de salários, podem exercer sobre o valor proporcional dos produtos. Na verdade, estes são os principais problemas com que Ricardo se ocupa.
"Nunca a economia no uso de trabalho deixa de reduzir o valor relativo[1] de uma mercadoria, quer a poupança esteja no trabalho necessário para o fabrico do próprio produto, quer no trabalho necessário para a formação do capital, pela ajuda do qual é produzida.” (Vol.I, p.28)
"Sob tal circunstância, o valor da caça, produto do trabalho no dia do caçador, seria exactamente igual ao valor do peixe, o produto do trabalho no dia do pescador. O valor comparativo do peixe e da caça seria inteiramente regulada pela quantidade de trabalho realizado por cada um, qualquer que seja a quantidade da produção, ou quaisquer que possam ser as altas ou as baixas dos salários ou dos lucros.” (Vol.I, p.28)
"Considerar o trabalho o fundamento do valor das mercadorias, e a quantidade relativa de trabalho necessária à sua produção, a regra que determina as respectivas quantidades de bens pelas quais devem ser dadas em troca, não é negar a possibilidade que o preço real ou de mercado das mercadorias sofra desvios acidentais e temporários desse seu preço primário e natural.” (Vol.I, p.105, lc)
"É o custo de produção que regula, em última análise, o preço das mercadorias, e não, como tem sido dito muitas vezes, a relação entre a oferta e a procura." (Vol.II, p.253)
O senhor Lauderdale tinha explicado as variações do valor de troca de acordo com a lei da oferta e da procura, ou da escassez e da abundância em relação à procura. Na sua opinião, o valor de uma coisa pode aumentar quando escasseia ou quando a procura cresce, e pode diminuir quando abunda ou quando a procura se reduz. Assim, o valor de uma coisa pode variar por oito causas diferentes, a saber, quatro causas referentes à própria coisa e outras quatro que se aplicam ao dinheiro ou a qualquer outra mercadoria que sirva como medida do seu valor. Eis a refutação de Ricardo:
"As mercadorias que são monopolizadas por um indivíduo ou por uma empresa variam de valor de acordo com a lei que o Senhor Laudersdale formulou: ele cai na medida em que são oferecidas em maior quantidade, e aumenta na proporção em que escasseiam ou que a procura aumenta; o seu preço não tem uma relação necessária com o seu valor natural, mas os preços das mercadorias que estão sujeitos à concorrência, e cuja quantidade pode ser aumentada, de forma moderada, dependem, em última análise, não do estado da procura e da oferta, mas do aumento ou da diminuição dos custos de produção.” (Vol.II, p.259)
Deixamos ao leitor fazer a comparação entre a linguagem simples, clara e precisa de Ricardo e as tentativas retóricas do Sr. Proudhon para chegar à determinação do valor relativo pelo tempo de trabalho.
Ricardo mostra-nos o movimento real da produção burguesa, aquilo que constitui o valor. O Sr. Proudhon, abstraindo-se do movimento real que conta, “debate-se" para inventar novos processos e alcançar a reorganização do mundo segundo uma fórmula pretensamente original, que, na verdade, não passa da expressão teórica do movimento real existente e que já tinha sido tão bem descrito por Ricardo. Ricardo parte da sociedade actual para demonstrar como se constitui o valor; o Sr. Proudhon parte do valor constituído para, através desse valor, constituir um novo mundo social. Para o Sr. Proudhon, o valor constituído deve movimentar-se e tornar-se o factor constituinte num mundo já completamente constituída de acordo com este modo de avaliação. A determinação do valor pelo tempo de trabalho é, para Ricardo, a lei do valor de troca; para o Sr. Proudhon, é a síntese do valor de uso e do valor de troca. A teoria de valores de Ricardo é a interpretação científica da vida económica real; a teoria de valores do Sr. Proudhon é a interpretação utópica da teoria de Ricardo. Ricardo verifica a verdade da sua fórmula, derivando-a de todas as relações económicas, e, explica desta forma todos os fenómenos, mesmo aqueles como a renda da terra, a acumulação de capital e a relação entre salários e lucros, que, à primeira vista, parecem contradizê-la; é precisamente isto que faz da sua doutrina um sistema científico. O Sr. Proudhon, que redescobriu esta fórmula de Ricardo através de hipóteses inteiramente arbitrárias, é forçado depois a procurar factos económicos isolados que torce e falsifica para fazer passá-los como exemplos, aplicações já existentes, realizações iniciais da sua ideia regeneradora. (Cfr., adiante, o ponto 3. Aplicação da lei da proporcionalidade do valor)
Vejamos agora as conclusões que o Sr. Proudhon retira do valor constituído (pelo tempo de trabalho):
– uma certa quantidade de trabalho equivale ao produto criado por essa mesma quantidade de trabalho.
– qualquer jornada de trabalho equivale a outra jornada de trabalho; ou seja, se as quantidades forem iguais, o trabalho de um homem vale tanto quanto o trabalho de outro homem: não há diferenças qualitativas. Dado que as quantidades de trabalho são iguais, o produto de um homem pode ser dado em troca pelo produto de outro. Todos os homens são trabalhadores assalariados recebendo igual remuneração por igual tempo de trabalho. É a perfeita igualdade que rege as trocas.
São estas as conclusões rigorosas, as consequências naturais do valor "constituído" ou determinado pelo tempo de trabalho?
Se o valor relativo de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho necessária para produzi-lo, segue-se naturalmente que o valor relativo do trabalho, o salário, é igualmente determinado pela quantidade de trabalho necessária para produzir esse salário. O salário, isto é, o valor relativo ou o preço do trabalho é assim determinado pelo tempo de trabalho requerido para produzir tudo o que é necessário para a manutenção do operário.
"Diminua-se o custo de produção de chapéus, e o seu preço acabará por cair para um novo preço natural, mesmo que a procura possa ter duplicado, triplicado, ou quadruplicado. Diminua-se o custo de subsistência dos homens, pela diminuição do preço natural dos alimentos e vestuário, pelos quais a vida é sustentada, e os salários, em última análise, irão cair não obstante a procura por trabalhadores possa crescer consideravelmente.” (Ricardo, Vol.II, p.253)
Sem dúvida que a linguagem de Ricardo não pode ser mais cínica. Colocar o custo de fabricação de chapéus e o custo de manutenção dos homens no mesmo plano é transformar os homens em chapéus. Mas não se proteste contra o cinismo dessa linguagem. O cinismo está nos factos, não nas palavras que os expressam. Escritores franceses como os Srs. Droz, Blanqui, Rossi e outros, obtêm uma satisfação inocente provando a sua superioridade sobre os economistas ingleses, ao observarem a etiqueta de uma fraseologia "humanitária". Se atiram à cara de Ricardo e da sua escola que estes usam uma linguagem cínica, é porque os irrita ver as relações económicas expostos em toda a sua crueza e os mistérios da burguesia desmascarados.
Resumindo: o trabalho, sendo ele próprio uma mercadoria, é medido como tal pelo tempo de trabalho necessário para produzir o trabalho-mercadoria. E o que é necessário para tanto? Exactamente o tempo de trabalho necessário para produzir os bens indispensáveis à manutenção contínua do trabalho, isto é, para manter o trabalhador vivo e em condições de propagar a sua raça. O preço natural do trabalho não é outro senão o salário mínimo.[2] Se o preço corrente dos salários ultrapassa este preço natural, é precisamente porque a lei do valor, que o Sr. Proudhon coloca como princípio, é compensada pelas consequências das variações da relação entre oferta e procura. Mas o salário mínimo não deixa de ser o centro em torno do qual gravitam os preços correntes dos salários.
Assim, o valor relativo, medido pelo tempo de trabalho, é, fatalmente, a fórmula da escravidão actual do operário, em vez de ser, como o Sr. Proudhon pretende, a "teoria revolucionária" da emancipação do proletariado.
Vejamos, agora em que casos, a aplicação do tempo de trabalho como medida de valor é incompatível com o antagonismo entre classes existente e com a distribuição desigual do produto entre o trabalhador imediato e o proprietário de trabalho acumulado.
Suponhamos um produto qualquer, por exemplo, tecido de linho. Este produto, como tal, encerra uma dada quantidade de trabalho. Esta será sempre a mesma qualquer que seja a situação recíproca daqueles que concorreram para criar o produto.
Tomemos um outro produto: um pano de lã que tenha exigido a mesma quantidade de trabalho que o tecido de linho.
Se houver uma troca destes dois produtos, existe uma troca de quantidades iguais de trabalho. Numa troca de quantidades iguais de tempo de trabalho, nada muda na posição recíproca dos produtores, assim como permanece inalterada a situação dos operários e dos fabricantes entre si. Afirmar que esta troca de produtos medidos pelo tempo de trabalho resulta em igualdade de retribuição a todos os produtores é supor que a igualdade de participação no produto existia antes da troca. Quando a troca de pano de lã pelo tecido de linho se realiza, os produtores de pano de lã passam a compartilhar o tecido numa proporção igual àquela em que anteriormente compartilhavam o pano de lã.
A ilusão do Sr. Proudhon é provocada por tomar como consequência o que poderia ser, no máximo, uma suposição gratuita.
Prossigamos.
O tempo de trabalho, como medida de valor, supõe, pelo menos, que as jornadas são equivalentes, e que a jornada de um homem vale tanto quanto a de outro? Não.
Admitamos, por um momento, que a jornada de um joalheiro equivale a três jornadas de um tecelão; permanece o facto de qualquer alteração no valor das jóias em relação ao dos tecidos, a menos que seja um resultado transitório de flutuações na oferta e na procura, dever ser consequência de uma redução ou de um aumento do tempo de trabalho despendido na produção de um ou de outro artigos. Se três jornadas de trabalho de trabalhadores diferentes estiverem relacionadas entre si na proporção de 1:2:3, qualquer variação no valor relativo dos seus produtos corresponderá a uma mudança nessa proporção de 1:2:3. Assim, os valores podem ser medidos pelo tempo de trabalho, apesar da disparidade de valor das diferentes jornadas de trabalho; mas, para aplicar uma tal medida, é necessário ter uma escala comparativa das diferentes jornadas de trabalho –e é a competição que define essa escala.
A sua hora de trabalho vale tanto quanto a minha? Essa é a questão que é decidida pela competição.
A competição, de acordo com um economista americano, determina quantas jornadas de trabalho simples estão contidas numa jornada de trabalho complexo. Esta redução da jornada de trabalho complexo a jornadas de trabalho simples não suporá que o trabalho simples é tomado como medida de valor? Por outro lado tomar apenas a quantidade de trabalho como medida de valor, independentemente da qualidade, pressupõe que o trabalho simples se tornou o pivô da indústria. Pressupõe que os trabalhos foram equalizados pela subordinação do homem à máquina ou pela extrema divisão do trabalho; que os homens se apagam diante do trabalho; que o pêndulo do relógio se tornou na medida exacta da actividade relativa de dois trabalhadores como o é da velocidade de duas locomotivas. Portanto, não devemos dizer que uma hora de um homem vale uma hora de outro homem, mas sim que um homem de uma hora vale tanto quanto outro homem de uma hora. O tempo é tudo, o homem não é nada, ele é, no máximo, a carcaça do tempo. A qualidade já não importa. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada. Mas esta equalização do trabalho não resulta da realização da justiça eterna do Sr. Proudhon, é pura e simplesmente um facto da indústria moderna.
Na fábrica, o trabalho de um operário mal se distingue de qualquer forma de trabalho de outro operário: os operários só se distinguem entre si pela quantidade de tempo que despendem. No entanto, essa diferença quantitativa torna-se, de um certo ponto de vista, qualitativa, já que o tempo que despendem depende, em parte, de causas puramente materiais, tais como a constituição física, a idade e o sexo; e em parte, de causas morais puramente negativas, como a paciência, a diligência e a imperturbabilidade. Em suma, se há diferença de qualidade no trabalho de operários diferentes, ela é, no máximo, na qualidade do pior tipo, o que está longe de ser uma especialidade distintiva. Em última análise, este é o que o estado de coisas da quantidade na industria moderna. E é sobre esta igualdade, já realizada pelo trabalho mecanizado, que o Sr. Proudhon aplica a sua plaina da "equalização", a cumprir-se universalmente em "tempo que há-de vir!"
Todas as consequências "igualitárias" que o Sr. Proudhon deduz da doutrina de Ricardo são baseadas num erro fundamental. Ele confunde o valor das mercadorias medido pela quantidade de trabalho incorporado nelas com o valor das mercadorias medido pelo "valor do trabalho". Se estas duas formas de medir o valor das mercadorias forem equivalentes, pode-se dizer indiferentemente em relação ao valor de qualquer mercadoria que é medido pela quantidade de trabalho incorporado na mesma, ou que é medido pela quantidade de trabalho que se pode comprar com essa mercadoria; ou, de outra forma, que é medido pela quantidade de trabalho que pode adquiri-la. Mas está longe de ser assim. O valor do trabalho não serve como uma medida do valor de qualquer outra mercadoria. Alguns exemplos bastarão para explicar ainda melhor o que acabamos de afirmar.
Se o moio de trigo custasse duas jornadas de trabalho em vez de uma, teria o dobro do seu valor original, mas não colocaria em acção o dobro da quantidade de trabalho, porque não conteria mais valor nutritivo do que antes. Assim, o valor do moio de trigo, medido pela quantidade de trabalho usado para produzi-lo, teria dobrado; mas medido quer pela quantidade de trabalho que pode comprar quer pela quantidade de trabalho com que pode ser comprado, estaria muito longe de ter dobrado. Por outro lado, se o mesmo trabalho produzir o dobro da roupa que antes, o seu valor relativo cairá para metade, no entanto, essa quantidade de vestuário não exigirá metade da quantidade de trabalho anterior, nem a mesma quantidade de trabalho comprará o dobro da roupa, pois metade destas roupas continuará a servir o trabalhador da mesma forma que antes servia a mesma quantidade.
Assim, determinar o valor relativo das mercadorias pelo valor do trabalho contradiz os factos económicos. É mover-se num círculo vicioso: é determinar um valor relativo por outro valor relativo que, por sua vez, tem de ser determinado.
Sem dúvida que o Sr. Proudhon confunde as duas medidas, a medida pelo tempo de trabalho necessário à produção da mercadoria e a medida pelo valor do trabalho. "O trabalho de qualquer homem", diz ele, "pode comprar o valor que ele encerra". Assim, segundo ele, uma certa quantidade de trabalho incorporado num dado produto é equivalente ao pagamento do trabalhador, isto é, ao valor do trabalho. É o mesmo raciocínio que o leva a confundir custos de produção com salários.
"… no fundo, o que é o salário? É o preço de venda do trigo, [etc.] ..., é o preço integrado de todas estas coisas. Mas iremos um pouco mais longe: o salário é a proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza…" O que é o salário? É o valor do trabalho.
Adam Smith toma como a medida do valor ora o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, ora o valor do trabalho. Ricardo expõe esse erro, mostrando claramente a disparidade dessas duas formas de medir. O Sr. Proudhon vai mais longe do que Adam Smith no erro, identificando as duas coisas que o último tinha apenas colocado em justaposição.
É com o fim de encontrar a proporção adequada em que os trabalhadores devem participar dos produtos, ou, por outras palavras, para determinar o valor relativo do trabalho, que o Sr. Proudhon procura uma medida para o valor relativo das mercadorias. Para calcular o valor relativo das mercadorias, imagina que o melhor é considerar como equivalente de uma certa quantidade de trabalho a soma total dos produtos que ele cria, que significa supor que toda a sociedade consiste apenas em trabalhadores que recebem como salário a sua própria produção. Em segundo lugar, assume a equivalência entre as jornadas dos diversos trabalhadores. Em suma, procura a medida do valor relativo das mercadorias para encontrar a retribuição igual dos trabalhadores, e toma a igualdade de salários como um facto já estabelecido para encontrar o valor relativo das mercadorias. Que dialéctica admirável!
"Say, e os economistas que o seguiram, observaram que o próprio trabalho estava sujeito à avaliação; [seria] uma mercadoria como as outras, enfim, e haveria portanto um círculo vicioso em tomá-lo por princípio e causa eficiente do valor…
“Estes economistas, que eles me permitam dizê-lo, deram mostras com isso de uma prodigiosa desatenção. Diz-se que o trabalho vale, não enquanto mercadoria em-si mas em função dos valores que se supõem encerrados potencialmente nele. O valor do trabalho é uma expressão figurada, uma antecipação da causa sobre o efeito. É uma ficção, da mesma forma que a produtividade de capital. O trabalho produz, o capital vale e quando, por uma espécie de elipse, diz-se valor do trabalho... O trabalho, como a liberdade ... é uma coisa vaga e indeterminada na sua natureza, mas que se define qualitativamente pelo seu objecto, quer dizer, torna-se uma realidade pelo seu produto.” [I 61]
Seria necessário insistir? A partir do momento em que o economista [leia-se Sr. Proudhon] muda o nome das coisas, vera rerum vocabula [nomes reais das coisas], confessa implicitamente a sua impotência e põe-se fora de causa. (Cft. Proudhon, I, 188)
Vimos que o Sr. Proudhon faz do valor do trabalho a "causa determinante" do valor dos produtos, de tal forma que, para ele, o salário, nome oficial do "valor que encontra problemas na objecção de Say. Na mercadoria trabalho, que é uma triste realidade, ele não vê mais que uma elipse gramatical. Assim, toda a sociedade existente, baseada na mercadoria trabalho, passa, doravante, a ser baseada numa permissividade poética, numa expressão figurada. A sociedade quer "eliminar todos os inconvenientes" que a atormentam? Pois bem, basta-lhe eliminar os termos que soam mal, alterar a linguagem, e com esse fim, dirigir-se à Academia para uma nova edição do seu dicionário! Depois disto tudo, é fácil entender por que o Sr. Proudhon, num trabalho de economia política, teve que entrar em longas dissertações sobre etimologia e outras partes da gramática. Por isso, ainda não superou a fase da velha sábia polémica sobre a derivação de servus [escravo, servo] a partir de servare [preservar, conservar]. Estas dissertações filológicas têm um profundo significado, um significado esotérico, formando uma parte essencial da argumentação do Sr. Proudhon.
O trabalho, a força de trabalho, na medida em que é comprado e vendido, é uma mercadoria como qualquer outra, e tem, em consequência, um valor de troca. Mas o valor do trabalho, ou o trabalho, enquanto mercadoria, produz tão pouco quanto o valor do trigo, ou o trigo, enquanto mercadoria, serve como alimento.
O trabalho "vale" mais ou menos, consoante os produtos alimentares são mais ou menos caros, segundo o grau em que a oferta e a procura de mão-de-obra existem, etc., etc..
O trabalho não é uma "coisa vaga", é sempre um trabalho determinado, nunca é um trabalho em geral o que é comprado ou vendido. Não é só o trabalho que é qualitativamente definido pelo objecto; também o objecto é determinado pela qualidade específica do trabalho.
O trabalho, na medida em que é comprado e vendido, é ele próprio uma mercadoria. É comprado em função de quê? "Em função dos valores que se supõem encerrados potencialmente nele". Mas quando se diz que certa coisa é uma mercadoria, não há dúvida quanto à razão pela qual é comprada, ou seja, quanto à utilidade que se pretende extrair dela, da aplicação que se fará dela. É mercadoria enquanto objecto de tráfego. Os argumentos do Sr. Proudhon limitam-se ao seguinte: o trabalho não é comprado como um objecto de consumo imediato. Não, ele é comprado como um instrumento de produção, da mesma forma que uma máquina é comprada. Enquanto mercadoria, o trabalho vale mas não produz. O Sr. Proudhon poderia muito bem ter dito que não existem mercadorias, uma vez que cada produto é comprado com uma dada finalidade utilitária, e não enquanto mercadoria.
Na medição do valor das mercadorias pelo trabalho, o Sr. Proudhon vislumbra vagamente a impossibilidade de excluir o trabalho dessa mesma medida, dado que encerra um valor, enquanto mercadoria trabalho. Ele pressente que significa fazer do salário mínimo o preço natural e normal do trabalho imediato, e que equivale a aceitar o estado actual da sociedade. Então, para escapar desta consequência fatal, faz meia-volta e afirma que o trabalho não é uma mercadoria, que não pode ter valor. Esquece-se que ele próprio tomou o valor do trabalho como medida, esquece-se que todo o seu sistema repousa sobre o trabalho como mercadoria, sobre o trabalho que se troca, compra, vende, permuta por produtos, etc., sobre o trabalho que é uma fonte imediata de rendimento para o trabalhador. Esquece-se de tudo.
Para salvar o seu sistema, ele consente em sacrificar a sua base. Et propter vitam, vivendi perdere causas!
Chegamos, agora, a uma nova definição de "valor constituído": “é a relação de proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza".
Notemos, em primeiro lugar que a única frase "valor relativo ou troca" implica a ideia de uma relação em que os produtos são trocados reciprocamente. Designando esta relação por "relação de proporcionalidade", nada se modifica no valor relativo, excepto a sua expressão. Nem a depreciação nem o aumento do valor de um produto destroem a propriedade de entrar numa "relação de proporcionalidade" com os outros produtos que constituem a riqueza.
Qual a razão desta nova designação que não introduz uma ideia nova?
A "relação de proporcionalidade" sugere muitas outras relações económicas, tais como a proporcionalidade da produção, a justa proporção entre oferta e procura, etc., e o Sr. Proudhon pensou em tudo isso quando formulou esta paráfrase didáctica de valor comercial.
Em primeiro lugar, o valor relativo dos produtos a ser determinado pela quantidade comparativa de trabalho utilizado na produção de cada um deles, a relação de proporcionalidade, aplicada a este caso especial, repousa na respectiva quota de produtos que podem ser fabricados num dado tempo, e que, consequentemente, são trocáveis entre si.
Vejamos o que o Sr. Proudhon extrai a partir desta relação de proporcionalidade.
Todos sabem que, quando a oferta e a procura se equilibram, o valor relativo de qualquer produto é determinado com precisão pela quantidade de trabalho nele incorporado, que é dizer, que este valor relativo expressa a relação de proporcionalidade precisamente no sentido de que acabámos de esclarecer. O Sr. Proudhon inverte a ordem das coisas. Comece-se, diz ele, por medir o valor relativo de um produto pela quantidade de trabalho incorporado no mesmo, e a oferta e a procura infalivelmente se equilibrarão; a produção corresponderá ao consumo, o produto será sempre permutável; o seu preço actual expressará exactamente o seu verdadeiro valor. Em vez de dizer como todos os outros – quando faz bom tempo, vemos muita gente a passear – o Sr. Proudhon manda as pessoas passearem para lhes assegurar o bom tempo.
O que o Sr. Proudhon dá como consequência do valor comercial determinado a priori pelo tempo de trabalho só poderia ser obtido por uma lei expressável mais ou menos nos seguintes termos: os produtos serão, de agora em diante, trocados na proporção exacta do tempo de trabalho que custam; qualquer que seja a relação entre a oferta e a procura, a troca de mercadorias será sempre feita como se tivessem sido produzidos proporcionalmente à procura. Se o Sr. Proudhon formular e fizer aplicar uma tal lei, então dispensamos as provas. Mas se, ao contrário, insiste em justificar a teoria, não como legislador, mas como economista, então terá de provar que o tempo necessário para criar um produto indica exactamente o grau da sua utilidade e marca a sua relação de proporcionalidade com a procura e, por consequência, com o conjunto da riqueza. Neste caso, se um produto é vendido a um preço igual ao seu custo de produção, a oferta e a procura serão sempre equilibradas, porque se pressupõe que o custo de produção expressa a verdadeira relação entre a oferta e a procura.
Na verdade, o Sr. Proudhon esforça-se para provar que o tempo de trabalho necessário para criar um produto expressa a sua verdadeira relação de proporcionalidade com as necessidades, de modo que as coisas quanto menos tempo de produção exigem, mais imediatamente úteis são, e assim por diante, gradualmente. A mera produção de um objecto de luxo comprovaria, de acordo com esta doutrina, que a sociedade teria tempo livre para permitir satisfazer uma necessidade de luxo.
O Sr. Proudhon encontra a prova de sua tese na observação de que as coisas mais úteis custam menos tempo a produzir, que a sociedade começa sempre com as indústrias mais fáceis e progressivamente "se inicia na produção de objectos que exigem mais tempo de trabalho e correspondem a necessidades de uma ordem superior”.
O Sr. Proudhon toma emprestado do Sr. Dunoyer o exemplo da indústria extractiva – colecta, pastoreio, caça, pesca, etc. – que é a mais simples, a menos dispendiosa, e aquela pela qual o homem começou "o primeiro dia da sua segunda criação”. O primeiro dia da sua primeira criação está registado no Génesis, que apresenta Deus como o primeiro fabricante do mundo.
As coisas acontecem de uma maneira bem diferente do que o Sr. Proudhon imagina. No começo da civilização, a produção é fundada no antagonismo entre as ordens, as classes, os estamentos e, finalmente, no antagonismo entre o trabalho acumulado e o trabalho em realização. Sem antagonismo, não há progresso. Esta é a lei que a civilização tem seguido até hoje. Até agora as forças produtivas desenvolveram-se graças ao sistema de antagonismos de classes. Afirmar agora que seria porque todas as necessidades de todos os trabalhadores estavam satisfeitas, que os homens se poderiam dedicar à criação de produtos de uma ordem superior – com indústrias mais complexas – é desprezar os antagonismos entre classes e inverter tudo no desenvolvimento histórico. É como dizer que, como sob os imperadores romanos havia moreias mantidas em viveiros artificiais, então estava provado que toda a população romana era fartamente alimentada. A verdade era o contrário, enquanto o povo romano não tinha o suficiente para comprar pão, aos aristocratas romanos sobravam escravos suficientes para os jogar como forragem às moreias.
[1] Ricardo, como é bem conhecido, determina o valor de uma mercadoria pela quantidade de trabalho necessário para a sua produção. No entanto, devido à forma predominante de troca em cada modo de produção baseado na produção de mercadorias, incluindo, portanto, o modo de produção capitalista, este valor não se expressa directamente na quantidade de trabalho, mas em quantidades de algumas outras mercadorias. O valor de uma mercadoria expressa numa quantidade de outra mercadoria (seja ela dinheiro ou não) é denominado por Ricardo valor relativo. [Nota de Engels à edição alemã 1885]
[2] A tese de que o preço "natural", isto é, o preço normal da força de trabalho coincide com o salário mínimo, ou seja, com o equivalente em valor dos meios de subsistência absolutamente indispensável à vida e à procriação do operário, foi apresentada pela primeira vez por mim em Esboços para uma Crítica da Economia Política ( Deutsch-Französische Jahrbücher , Paris 1844) e n’ A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844 . Como aqui se vê, Marx adoptou, naquela época, esta tese; Lassalle tomou-a de nós dois. Mas, mesmo que, na realidade, os salários tendam constantemente a aproximarem-se do mínimo, a tese acima é incorrecta. É verdade que, no geral e em média, a força de trabalho é paga abaixo do seu valor, mas não é esse facto que altera o seu valor. N’O Capital (Secção “Compra e Venda de Força de Trabalho” e também no Capítulo XXIII: “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”) Marx corrigiu esta tese, analisando as condições que permitem à produção capitalista reduzir progressivamente o preço da força de trabalho, pagando abaixo do seu valor. [Nota de Engels à edição alemã 1885]
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