de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Quarta-feira, 9 de Janeiro de 2013
Miséria da Filosofia, resposta à "Filosofia da Miséria" do Sr. Proudhon - 3

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O preço dos alimentos tem subido quase continuamente, enquanto o preço de bens manufacturados e de luxo tem quase continuamente caído. Observe-se o sector agrícola: os produtos mais indispensáveis, como a carne, o trigo, etc., aumentaram de preço, enquanto os preços do algodão, do açúcar, do café, etc. estão em queda numa proporção surpreendente. E mesmo entre os comestíveis, são os de luxo, como as alcachofras, os espargos, etc., que hoje são relativamente mais baratos do que os de primeira necessidade. Actualmente, o supérfluo é mais fácil de produzir do que o necessário. Finalmente, nas diferentes épocas históricos, as relações recíprocas de preços são não só diferentes, mas também opostas. Em toda a Idade Média, os produtos agrícolas foram relativamente mais baratos do que os produtos manufacturados mas, nos tempos modernos, eles estão na razão inversa. Isto significa que a utilidade dos produtos agrícolas tem diminuído desde a Idade Média?

A utilização de produtos é determinada pelas condições sociais em que os consumidores se encontram colocados, e essas condições baseiam-se no antagonismo entre classes.

O algodão, a batata e a aguardente são produtos do uso mais comum. As batatas geraram a escrófula; o algodão tem, em grande medida, expulsado o linho e a lã, embora a lã e o linho sejam, em muitos casos, de maior utilidade, ainda que apenas do ponto de vista da higiene; e, finalmente, a aguardente têm ganho vantagem sobre a cerveja e o vinho, embora o seu uso alimentar seja geralmente reconhecido como venenoso. Durante um século inteiro, os governos lutaram em vão contra o ópio europeu; a economia prevaleceu, e ditou as suas ordens ao consumo.

Por que são, então, o algodão, a batata e a aguardente eixos da sociedade burguesa? Porque é necessária menos quantidade de trabalho para produzi-los e, consequentemente, são mais baratos. Por que o preço mínimo determina o consumo máximo? Acaso é por causa da utilidade absoluta desses produtos, da sua utilidade intrínseca, que correspondem, da maneira mais útil, às necessidades do operário como homem, e não do homem como operário? Não: é porque, numa sociedade fundada na miséria, os produtos mais miseráveis têm a prerrogativa fatal de servirem ao uso da grande maioria.

Dizer que as coisas mais baratas têm maior utilidade porque são as mais usadas, é o mesmo que dizer que o amplo uso da aguardente, por causa de seu baixo custo de produção, é a prova mais conclusiva da sua utilidade; significa dizer ao proletário que a batata é mais saudável que a carne; significa aceitar o presente estado de coisas; é, em suma, glorificar, como o Sr. Proudhon, uma sociedade sem compreendê-la.

Numa sociedade futura, na qual o antagonismo entre classes tenha cessado, onde não existam sequer classes, o uso deixará de ser determinado pelo tempo de produção que é o mínimo, mas o tempo dedicado à produção de cada artigo será determinada pelo grau de sua utilidade social.

Voltando à tese do Sr. Proudhon: no momento em que o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo deixa de ser a expressão do seu grau de utilidade, o seu valor de troca, determinado de antemão pelo tempo de trabalho incorporado no mesmo, torna-se bastante útil para regular a verdadeira relação entre a oferta e a procura, isto é, a relação de proporcionalidade, no sentido que o Sr. Proudhon agora lhe atribui.

Não é a venda de um determinado produto ao preço do custo de produção que constitui a "relação de proporcionalidade" entre a oferta e a procura ou a parte proporcional do produto relativa ao total da produção; são as variações na oferta e na procura que mostram ao produtor que quantidade de uma determinada mercadoria deve produzir para receber em troca, pelo menos, o custo de produção. E como estas variações são contínuas, ocorrem também movimentos contínuos de retirada e aplicação de capital nos diferentes ramos da indústria.

"É apenas em consequência de tais variações que o capital é aplicado, precisamente na proporção necessária e não mais, na produção dos diferentes produtos que têm procura. Com a alta e a baixa de preços, os lucros sobem acima e descem abaixo do seu nível geral, e o capital ou é incentivado a entrar, ou é avisado para se afastar do emprego específico em que a variação tenha ocorrido. Quando se olha para os mercados de uma grande cidade, e se observa como são fornecidos regularmente de mercadorias, tanto nacionais como estrangeiras, na quantidade requerida, em todas as circunstâncias de variação da procura, decorrentes quer do capricho do gosto quer de uma alteração na quantidade de população, sem produzir com frequência quer efeitos de excesso por fonte muito abundante, quer preços muito altos por fornecimento pequeno em relação à procura, tem que se reconhecer que o princípio que reparte o capital por cada ramo da indústria na proporção exacta necessária, é mais activo do que geralmente se supõe.” (Ricardo, Vol.I, pp.105 e 108)

Se o Sr. Proudhon admite que o valor dos produtos é determinado pelo tempo de trabalho, então deve igualmente admitir que é apenas o movimento oscilatório que, na sociedade fundada em trocas individuais, faz do trabalho a medida do valor. Não há "relação de proporcionalidade" pronta a usar, constituída, mas apenas um movimento constituinte.

Acabámos de ver em que sentido é correcto falar de "proporcionalidade" como consequência de um valor determinado pelo tempo de trabalho. Veremos agora como esta medida pelo tempo, chamada pelo Sr. Proudhon  "lei de proporcionalidade", se transforma em lei de desproporcionalidade.

Cada nova invenção, que permita a produção numa hora daquilo que antes era produzido em duas, deprecia todos os produtos semelhantes no mercado. A concorrência força o produtor a vender o produto de duas horas tão barato quanto o produto de uma hora. A concorrência realiza a lei segundo a qual o valor relativo de um produto é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-lo. O tempo de trabalho que serve como medida do valor venal torna-se desta forma na lei da depreciação contínua do trabalho. Diremos mais: haverá depreciação não só das mercadorias introduzidas no mercado, mas também dos instrumentos de produção e de toda a fábrica. Este facto foi já apontado por Ricardo quando disse:

"Ao aumentar constantemente a facilidade de produção, diminuímos constantemente o valor de alguns dos produtos antes produzidos." (Vol.II, p.59)

Sismondi vai mais longe: vê, neste "valor constituído" pelo tempo de trabalho, a fonte de todas as contradições da indústria e do comércio modernos.

"O valor mercantil", diz ele, "é sempre determinado a longo prazo, pela quantidade de trabalho necessário para obter a coisa avaliada: não o que realmente custa, mas o que talvez custaria com meios, a partir de hoje, mais aperfeiçoados, e esta quantidade, embora difícil de avaliar, é sempre fielmente estabelecida pela competição.... É nesta base que são calculadas tanto a procura pelo vendedor, como a oferta pelo comprador. O primeiro declara, talvez, que a coisa lhe custou 10 dias de trabalho, mas se o outro percebe que pode passar a ser produzida em oito dias de trabalho e a concorrência provar isso às duas partes contratantes, o valor será reduzido e o preço de mercado fixado em apenas oito dias. Claro que cada uma das partes acredita que a coisa é útil, que é desejada e que sem desejo não haveria venda, mas a fixação do preço nada tem a ver com a utilidade". (Etudes, etc. , Vol.II, p.267)

É importante salientar este ponto: o que determina o valor não é o tempo necessário para produzir uma coisa, mas o tempo mínimo em que poderia ser produzida, e este mínimo é determinado pela concorrência. Suponhamos, por um momento, que deixa de haver concorrência e, consequentemente, deixa de haver um meio para determinar o mínimo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria; o que acontecerá? Bastará aplicar seis horas de trabalho na produção de um objecto para, de acordo com o Sr. Proudhon, poder exigir em troca seis vezes mais do que quem aplicou apenas uma hora na produção do mesmo objecto.

Em vez de uma "relação de proporcionalidade", temos uma relação de desproporcionalidade, se insistirmos em entrar em relações, boas ou más.

A depreciação contínua do trabalho é apenas um aspecto, uma das consequências da avaliação das mercadorias pelo tempo de trabalho. O aumento excessivo de preços, a superprodução e muitos outros expedientes da anarquia industrial têm a explicação neste modo de avaliação.

Mas o tempo de trabalho usado como medida do valor dá, pelo menos, origem à variedade proporcional de produtos que tanto deleita o Sr. Proudhon?

Muito pelo contrário: o monopólio, com a sua monotonia, segue na sua esteira e invade o mundo dos produtos, assim como invadiu, à vista de todos, o mundo dos instrumentos de produção. É apenas em alguns ramos da indústria, como a indústria do algodão, que se pode fazer um progresso muito rápido. A consequência natural desse progresso é que os produtos do fabrico de algodão caem rapidamente de preço; mas como o preço do algodão desce, o preço do linho será substituído pelo do algodão. Foi desta forma que o linho foi expulso de quase toda a América do Norte. E obteve-se, em vez da variedade proporcional de produtos, a dominância do algodão.

O que resta da "relação de proporcionalidade"? Nada, além do desejo piedoso de um homem honesto que gostaria que as mercadorias fossem produzidas em proporções que permitissem ser vendidas a um preço honesto. Os burgueses de boa índole e os economistas filantropos sempre gostaram de expressar esse desejo inocente.

Ouçamos o que o velho Boisguillebert diz:

"O preço das mercadorias", diz ele, "deve ser sempre proporcional, pois é este entendimento mútuo que pode permitir-lhes coexistir de modo a trocarem-se entre si em qualquer momento [aqui está a permutabilidade contínua do Sr. Proudhon] e reciprocamente se reproduzirem. ... Na medida em que a riqueza nada mais é que este intercâmbio permanente entre homens, entre profissões, etc., é uma cegueira terrível procurar a causa da miséria fora do fim de tal tráfego provocado por desordem na proporcionalidade dos preços.” (Dissertation sur la nature des richesses, ed Daire da. [pp.405 e 408] Este trabalho de Boisguillebert é citado a partir da antologia Economistes-Financiers du XVIII siècle. Précédés de Notes Historiques sur Chaque Auteur et Accompagnés de Commentaires et de Notes Explicatives par Eugene Daire, Paris 1843).

Ouçamos também um economista moderno:

"A grande lei que se deve aplicar à produção é a lei da proporcionalidade, a única que pode preservar a continuidade do valor. ... O equivalente deve ser garantido... Todas as nações tentaram, em vários períodos de sua história, instituir diversos regulamentos e restrições comerciais, para realizar, em algum grau, o objectivo aqui explicado... mas o egoísmo inerente à natureza do homem... exortou-o a quebrar todas essas regulamentações. Uma produção proporcional é a realização de toda a verdade da ciência da Economia Social.” (W. Atkinson, Princípios de Economia Política… , Londres 1840, pp.170-95)

Fuit Troja! [Tróia já não existe!] Esta justa proporção entre a oferta e a procura, que volta a ser objecto do voto de tantos, deixou há muito de existir. Passou a velharia. Só foi possível enquanto os meios de produção foram limitados, enquanto a troca ocorreu dentro de limites muito estreitos. Com o nascimento da grande indústria, esta justa proporção teve de acabar, e a produção vê-se inevitavelmente compelida a passar, numa sucessão contínua, pelas vicissitudes da prosperidade, estagnação, crise, depressão, nova prosperidade, e assim por diante.

Aqueles que, como Sismondi, têm o desejo de retornar à justa proporção da produção preservando a base actual da sociedade, são reaccionários porque, para serem coerentes, deveriam também querer restabelecer todas as outras condições da indústria dos tempos passados.

O que manteve a produção nas proporções justas ou quase justas? Uma procura que determinava a oferta e a precedia. A produção seguia de perto o consumo. A grande indústria, forçada pelos instrumentos à sua disposição a produzir em escala sempre crescente, não pode esperar pela procura. A produção precede o consumo, a oferta pressiona a procura.

Na sociedade actual, na indústria com base na troca individual, a anarquia da produção, que é fonte de tanto sofrimento, é, ao mesmo tempo, a fonte de todo o progresso.

Assim, das duas uma:

- ou quer-se a justa proporção dos séculos passados com os meios de produção actuais, e é-se ao mesmo tempo reaccionário e utópico.

- ou quer-se progresso sem anarquia e, nesse caso, para preservar as forças produtivas, é-se obrigado a abandonar a troca individual.

A troca individual só é compatível com a pequena indústria dos séculos passados, e o seu corolário de " justa proporção ", ou com a grande indústria e o seu cortejo de miséria e anarquia.

Afinal de contas, a determinação do valor pelo tempo de trabalho – a fórmula que o Sr. Proudhon aponta como fórmula regeneradora do futuro – não passa da expressão científica das relações económicas da sociedade actual, como foi demonstrado clara e precisamente por Ricardo muito antes do Sr. Proudhon.

Mas será que, pelo menos, o adjectivo "igualitário" desta fórmula pertence ao Sr. Proudhon? Não será ele o primeiro a pensar reformar a sociedade transformando todos os homens em trabalhadores reais que trocam entre si quantidades iguais de trabalho? Não terá ele o direito de censurar os comunistas – essa gente carente de todo o conhecimento de economia política, esses "homens obstinadamente tolos", esses "sonhadores do paraíso" – por não terem encontrado, antes dele, esta solução "do problema do proletariado"?

Qualquer pessoa que esteja de alguma forma familiarizada com as correntes da economia política na Inglaterra não pode deixar de saber que quase todos os socialistas desse país têm, em diferentes períodos, proposto a aplicação igualitária da teoria ricardiana. Poderíamos citar ao Sr. Proudhon: Economia Política de Hodgskin, 1827; An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth, most conducive to Human Happiness de William Thompson, 1824; TR Edmonds: Practical Moral and Political Economy, 1828, etc., etc., e mais quatro páginas de etc.s. Contentamo-nos em fazer ouvir um comunista Inglês, o Sr. Bray. Citaremos passagens decisivas da sua notável obra, Labour's Wrongs and Labour's Remedy, Leeds, 1839, e vamos dedicar-lhe algum tempo, em primeiro lugar, porque o Sr. Bray ainda é pouco conhecido na França, e em segundo lugar, porque pensamos ter descoberto nela a chave para as obras passadas, presentes e futuras do Sr. Proudhon.

"A única maneira de chegar à verdade é abordar frontalmente os primeiros princípios ... Vamos ... directamente à fonte de onde os governos têm surgido ... Indo assim à origem da coisa, veremos que cada forma de governo, e toda a injustiça social e governamental, tem origem no sistema social existente – da instituição da propriedade tal como existe actualmente – e que, portanto, se quisermos acabar com as actuais injustiças e misérias de uma vez e para sempre, as actuais disposições da sociedade devem ser totalmente subvertidas ... Combatendo os economistas no seu próprio campo, e com as suas próprias armas, evita-se o barulho sem sentido sobre visionários e teóricos, com o qual estão sempre prontos a atacar quem se atreve a dar um passo fora da trilha que “a autoridade” pronunciou ser a certa. A não ser que se retractem ou contestem as verdades estabelecidas e os princípios em que os seus argumentos são fundados, os economistas não poderão rejeitar as conclusões a que chegámos por tal método.” (Bray, pp.17 e 41)

"Só o trabalho confere valor ... Cada homem tem o direito inquestionável a tudo o que pode obter com trabalho honesto. Quando assim se apropria dos frutos de seu trabalho, não comete nenhuma injustiça contra qualquer outro ser humano, pois não interfere com direito a nenhum outro homem de fazer o mesmo ... Todas as ideias de superioridade – do patrão sobre o homem – podem ser atribuídas à negligência dos primeiros princípios, e ao consequente aumento da desigualdade de posses, e tais ideias não serão subvertidas se essa desigualdade se mantiver. Os homens mantêm uma esperança cega de poder corrigir o actual estado natural das coisas ... destruindo a desigualdade existente, mas ver-se-á em breve ... que o desgoverno não é uma causa, mas uma consequência – que não é o criador, mas o criado – que é um resultado da desigualdade de posses, e que a desigualdade de posses está ligada inseparavelmente ao sistema social actual ".(Bray, pp.33, 36 e 37)

"Um sistema de igualdade não só tem do seu lado as maiores vantagens como também é de estrita justiça... Cada homem é um elo, numa cadeia de efeitos que parte duma ideia, e no final, talvez, conduza à produção de uma peça de tecido. Assim, embora se possa entreter sentimentos diferentes pelas várias profissões, isso não significa que um trabalho deva ser melhor remunerado que outro. O inventor nunca deixará de receber, além da sua justa recompensa pecuniária, o que o génio só pode obter de nós – o tributo da nossa admiração ...." (Bray, p.45)

"Pela própria natureza do trabalho e da troca, uma estrita justiça requer que todos os trocadores devam ser não só mutuamente mas também igualmente beneficiados. Os homens têm apenas duas coisas que podem trocar entre si, a saber, o trabalho e o produto do trabalho ... Se as trocas se efectuassem segundo um sistema justo, o valor dos artigos seria determinado pelo custo total de produção, e valores iguais seriam sempre trocados por valores iguais. Se, por exemplo, um chapeleiro levasse um dia para fazer um chapéu, e um sapateiro o mesmo tempo para fazer um par de sapatos – supondo a matéria-prima empregue por cada um de igual valor – e se trocarem estes artigos entre si, os benefícios são não só mútuos, mas também iguais: a vantagem obtida por qualquer das partes não pode constituir uma desvantagem para a outra, porque cada um forneceu a mesma quantidade de trabalho, e os materiais usados por cada um foram de igual valor. Mas se o chapeleiro obtivesse dois pares de sapatos por um chapéu – com o tempo e o valor dos materiais como antes – a troca seria claramente injusta. O chapeleiro usurparia o trabalho de um dia ao sapateiro, e se agisse assim em todas as suas trocas, iria receber, pelo trabalho de meio ano, o produto do trabalho de um ano inteiro de outra pessoa. Tem-se, até agora, posto em prática o sistema mais injusto de trocas – os trabalhadores fornecem o capitalista com o trabalho de um ano inteiro, em troca do valor de apenas metade de um ano – e é disso, e não de uma desigualdade de forças físicas e intelectuais entre indivíduos, que surgiu a desigualdade de riqueza e poder que, actualmente, existe. Esta desigualdade de trocas – de comprar por um preço e vender por outro – é inevitável enquanto os capitalistas continuarem a ser capitalistas, e os trabalhadores permanecerem trabalhadores – uns, uma classe de tiranos e, os outros, uma classe de escravos ... portanto, esta transacção prova claramente que os capitalistas e os proprietários apenas oferecem ao trabalhador, pelo trabalho de uma semana, uma parte da riqueza que dele obtiveram uma semana antes! – ou seja, dão-lhe nada por alguma coisa ... A transacção entre o trabalhador e o capitalista é um engano concreto, uma mera farsa: não passa, de facto e em muitas circunstâncias, de um roubo descarado embora legalizado." (Bray, pp.45, 48, 49 e 50)

"... o lucro do empregador nunca deixará de ser uma perda do trabalhador até que as trocas entre as partes sejam iguais, e as trocas nunca podem ser iguais, enquanto a sociedade for dividida em capitalistas e produtores – estes a viverem do seu trabalho e os primeiros a incharem do lucro desse trabalho. É claro que, estabelecer qualquer forma de governo que pregue a moral e o amor fraterno ... não faz existir reciprocidade onde há trocas desiguais. A desigualdade nas trocas, como causa da desigualdade de posses, é o inimigo secreto que nos devora.” (Bray, pp.51 e 52)

"Tem sido deduzido, também, a partir da consideração sobre a finalidade e a utilidade da sociedade, não só que todos os homens devem trabalhar e, assim, poder trocar, e que valores iguais devem sempre trocar-se por valores iguais – e que, como o ganho de um homem nunca deve ser a perda de um outro, o valor deve ser determinado pelo custo de produção. Mas vimos que, sob o regime social actual ... o ganho do capitalista e do homem rico é sempre a perda do trabalhador – resultado que ocorre invariavelmente, com o homem pobre deixado inteiramente à mercê do homem rico, qualquer que seja a forma de governo enquanto subsistir desigualdade nas trocas – e que a igualdade nas trocas só pode ser assegurada em regimes sociais em que o trabalho é universal .... Se existir igualdade nas trocas, a riqueza dos capitalistas actuais passará, gradualmente, destes para as classes trabalhadoras." (Bray, pp.53-55)

"Enquanto o sistema de desigualdade nas trocas for tolerado, os produtores serão sempre tão pobres, tão ignorantes e tão sobrecarregados com trabalho, como são hoje, mesmo que sejam abolidas todos os impostos e eliminadas todas as taxas ... somente uma mudança total do sistema – igualdade no trabalho e nas trocas – pode alterar este estado de direito ... Os produtores só têm que fazer um esforço – e são eles que devem fazer todos os esforços para a sua própria redenção – e as suas cadeias serão rompidas para sempre ... Como objectivo, a igualdade política é um fracasso; como meio, fracasso é.” (Bray, pp.67, 88-89, 94)

"Onde é mantida a igualdade nas trocas, o ganho de um homem nunca é a perda de outro, pois cada troca é, nessas condições, simplesmente uma transferência, e não um sacrifício de trabalho e de riqueza. Assim, sob um sistema social baseado na igualdade nas trocas, um homem parcimonioso pode tornar-se rico, mas a sua riqueza não será mais do que o produto acumulado do seu próprio trabalho. Pode trocar a sua riqueza, ou pode doá-la ... mas é impossível um homem rico continuar rico por um período mais longo se deixar de trabalhar. Sob igualdade nas trocas, a riqueza não consegue ter, como agora tem, um poder procriador aparentemente auto-gerado, como o de repor-se quando é consumida; pois, a menos que seja renovada pelo trabalho, a riqueza, uma vez consumida, perde-se em definitivo. Aquilo que hoje se chama lucros e juros não pode existir como tal se existir igualdade nas trocas; o produtor e o distribuidor serão igualmente remunerados, e a soma destes trabalhos determinará o valor total do artigo criado e posto à disposição do consumidor ...

"O princípio da igualdade nas trocas, pela sua própria natureza, determina, portanto, a garantia do trabalho universal." (Bray, pp.109-110)

Depois de refutar as objecções dos economistas contra o comunismo, o Sr. Bray prossegue:

"Se uma mudança de carácter é essencial para o sucesso de um sistema social da comunidade na sua forma mais perfeita – para mais quando o presente sistema não proporciona nem circunstâncias nem facilidades para se efectuar essa mudança necessária de carácter e preparar o homem para o estado maior e melhor desejado – é evidente que estas coisas necessariamente permanecem como estão .... a não ser que se descubra e se aplique algum passo preparatório – um movimento composto em parte do sistema presente e em parte do desejado –, um estágio intermédio, ao qual a sociedade possa chegar, com todos os seus defeitos e loucuras, e do qual possa avançar, imbuída das qualidades e atributos sem os quais o sistema de comunidade e de igualdade não pode, como tal, ter existência.” (Bray, p.134)

"Todo este movimento exigiria apenas a cooperação na sua forma mais simples .... Os custos de produção determinariam, em todas as circunstâncias, o valor dos produtos, e as trocas realizar-se-iam sempre entre valores iguais. Se uma pessoa trabalhasse uma semana inteira, e outra apenas meia semana, a primeira receberia o dobro da remuneração da segunda; mas o pagamento excedente de uma não seria feito à custa da outra, nem a perda sofrida pela segunda cairia em benefício da primeira. Cada pessoa trocaria o salário que recebeu individualmente por mercadorias do mesmo valor, e em nenhum caso poderia o ganho de um homem ou de um comércio ser uma perda para outro homem ou outro comércio. O trabalho de cada indivíduo seria a única medida dos seus ganhos e das suas perdas ... (Bray, pp.158 e 160)

"... Através de escritórios comerciais gerais e locais... as quantidades das diversas mercadorias necessárias ao consumo, o valor relativo de cada uma em relação às outras, o número de operários a empregar em cada função e cada ramo do trabalho, e todas as outras questões relacionadas com a produção e distribuição, poderiam, num curto espaço de tempo ser tão facilmente determinados para uma nação como o são para uma empresa individual sob o regime presente ... Da mesma forma que no sistema existente, os indivíduos agrupar-se-iam em famílias, e as famílias em comunas. Não haveria interferência directa na distribuição actual de pessoas entre cidade e campo, apesar desta ser má, .... Sob este sistema de acções comunitárias cada indivíduo teria a liberdade de acumular tanto quanto quisesse, e de desfrutar de tal acumulação quando e onde pensasse ser adequado, da mesma forma que sob o sistema actualmente existente, ... A nossa sociedade seria, por assim dizer, uma grande holding, composta por um número infinito de pequenas empresas todas trabalhando, produzindo e trocando os seus produtos sob o pé da mais perfeita igualdade... E a mudança para acções comunitárias (que nada mais é que uma concessão da sociedade actual, a fim de alcançar o comunismo), por ser estabelecida de forma a admitir a propriedade individual dos produtos em conexão com a propriedade comum das forças produtivas – e fazer todos os indivíduos dependentes dos seus próprios esforços, ao mesmo tempo, que lhes permite uma participação igualitária em todas as vantagens proporcionadas pela natureza e pela arte – está equipada para ser aplicada à sociedade tal como esta é, e para preparar o caminho para outras e melhores transformações". (Bray, pp. 162, 163, 168, 170 e 194)

Bastam poucas palavras para responder ao Sr. Bray que, sem nós e apesar de nós, suplantou o Sr. Proudhon, com a diferença de que o Sr. Bray, longe de reivindicar a última palavra em nome da humanidade, apenas propõe medidas que acha boas para um período de transição entre a sociedade actual e um regime de comunidade.

Uma hora de trabalho de Pedro troca-se por uma hora de trabalho de Paulo. Este é axioma fundamental do Sr. Bray.

Suponhamos que Pedro tem 12 horas de trabalho a seu favor, e Paulo apenas seis. Pedro terá, consequentemente, seis horas de trabalho de sobra. O que fará com elas?

Ou não fará nada com eles – caso em que terá trabalhado seis horas inutilmente – ou fica ocioso por outras seis horas para chegar ao equilíbrio, ou então, como último recurso, vai dar o trabalho dessas seis horas a Paulo, já que para ele não tem utilidade.

O que, no final, vai Pedro ganhar mais que Paulo? Algumas horas de trabalho? Não! Terá ganho apenas algumas horas de lazer; será forçado à preguiça por seis horas. E para que este novo direito ao ócio possa ser não só apreciado, mas também popular na nova sociedade, esta teria que encontrar a mais alta felicidade na preguiça, e olhar para o trabalho como um castigo do qual deve livrar-se a qualquer custo. E, voltando ao nosso exemplo, se, ao menos, essas horas de lazer que Pedro tinha ganho em relação a Paulo fossem realmente um ganho! Nem isso. Paulo, começando por trabalhar apenas seis horas, atinge pelo trabalho constante e regular o resultado que Pedro apenas assegura começando com um excesso de trabalho. Todos vão querer ser Paulo, haverá competição para conquistar o lugar de Paulo, uma competição na preguiça.

Pois bem! O que nos trouxe a troca de quantidades iguais de trabalho? Depreciação, superprodução, excesso de trabalho, seguido de desemprego, enfim, as relações económicas, como as vemos na sociedade actual, excepto a concorrência pelo trabalho.

Mas não! Estamos errados! Há ainda um expediente que pode salvar essa nova sociedade de Pedros e Paulos. Pedro consumirá sozinho o produto do trabalho de seis horas que lhe resta. Mas a partir do momento em que deixa de trocar porque produziu, não tem necessidade de produzir para trocar, e toda a hipótese de uma sociedade fundada sobre a troca e a divisão do trabalho cairá ao chão. Salva-se a igualdade nas trocas simplesmente devido ao facto das trocas deixarem de existir: Paulo e Pedro ficam na posição de Robinson.

Portanto, supondo todos os membros da sociedade trabalhadores imediatos, a troca de quantidades iguais de horas de trabalho só é possível na condição de o número de horas a usar na produção material ser acordado de antemão. Mas um tal acordo nega a troca individual.

Obtém-se o mesmo resultado, tomando como ponto de partida não a distribuição de produtos, mas o acto de produzir. Na indústria em grande escala, Pedro não é livre de fixar para si mesmo o tempo de trabalho, já que este não vale nada sem a cooperação de todos os Pedros e de todos os Paulos que formam a fábrica. É isto que explica muito bem a resistência obstinada dos proprietários das fábricas inglesas à Lei das Dez Horas. Eles sabiam perfeitamente que uma redução de duas horas na jornada de trabalho concedida a mulheres e crianças implicaria uma redução igual nas horas de trabalho dos homens adultos. É da natureza da grande indústria que o horário de trabalho seja igual para todos. O que hoje resulta do capital e da concorrência dos operários entre si será amanhã, rompendo a relação entre trabalho e capital, a consequência de uma convenção com base na relação entre a soma das forças produtivas e a soma das necessidades existentes.

Mas uma tal convenção é uma condenação da troca individual, e assim chegamos à nossa primeira conclusão!

A princípio, não há troca de produtos; há troca de trabalhos que concorrem para a produção. O modo de troca de produtos depende do modo de troca das forças produtivas. No geral, a forma de troca de produtos corresponde à forma de produção. Altere-se esta última, e a primeira mudará em consequência. Assim, na história da sociedade, vemos que o modo de troca dos produtos é regulado pelo modo de os produzir. A troca individual corresponde também a um dado modo de produção que corresponde à existência de antagonismos entre classes. Assim, não há troca individual sem antagonismo entre classes.

Mas consciências honestas recusam esta evidência. Quando se é burguês, não se pode ver, nessa relação de antagonismo, mais que uma relação de harmonia e justiça eterna, que não permite a ninguém ganhar à custa de outro. Para o burguês a troca individual pode existir sem qualquer antagonismo de classes: para ele, estas são duas coisas completamente dispares. A troca individual, tal como a burguesia a representa, está longe de ser semelhante à troca individual tal como é praticada.

O Sr. Bray faz da ilusão da respeitável burguesia o ideal que gostaria de alcançar. Ele vê, na troca individual purificada, livre de todos os elementos de antagonismo que encontra nela, uma relação "igualitária" que quereria a sociedade adoptasse.

Sr. Bray não vê que essa relação igualitária, esse ideal correctivo que gostaria de aplicar ao mundo, é, em si mesmo, um reflexo do mundo real, e que, portanto, é totalmente impossível reconstituir a sociedade sobre a base do que é apenas uma sombra embelezada de si mesma. Conforme esta sombra se vai materializando, percebemos que o resultado, longe de ser a transfiguração sonhada, é o corpo real da sociedade.[1]

 

3. Aplicação da lei da proporcionalidade do valor



[1] A teoria do Sr. Bray, como todas as teorias, tem encontrado adeptos que se deixaram enganar pelas aparências. Foram criadas em Londres, Sheffield, Leeds e muitas outras cidades da Inglaterra lojas para a justa troca de produtos do trabalho. Estas lojas faliram escandalosamente depois de terem absorvido um capital considerável. O gosto por elas passou definitivamente: este é um aviso, M. Proudhon! [Nota de Marx]

Sabe-se que Proudhon não tomou esta advertência a sério. Em 1849 ele mesmo fez uma tentativa com um novo banco de trocas em Paris. O banco, entretanto, faliu antes de iniciar actividade: perseguições judiciais a Proudhon encobriram este colapso. [Nota de Engels à edição alemã 1885]


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