Resta-nos analisar a táctica que o Iskra adoptou e sistematicamente praticou nas relações de organização com o Rabótcheie Dielo, táctica que já foi perfeitamente explicada num artigo dos Iskra, no nº 1, sobre a "Cisão da União dos Social-Democratas Russos no Estrangeiro". Adoptámos imediatamente o ponto de vista de que a verdadeira "União dos Social-Democratas Russos no Estrangeiro", reconhecido no primeiro congresso do nosso Partido pelo delegado no estrangeiro, se cindiu em duas organizações; que a questão da representação do Partido permanece aberta, sendo resolvida apenas provisória e condicionalmente pelo facto de dois membros representantes da Rússia terem sido designados para o Conselho Socialista Internacional Permanente, um por cada parte da "União" dividida. Declarámos que, no fundo, o Rabótcheie Dielo estava errado, deliberadamente nos colocámos, por princípio, ao lado do grupo "Libertação do Trabalho" e, recusando ao mesmo tempo entrar nos detalhes da cisão, assinalámos o mérito da "União" em relação ao trabalho puramente prático[1].
A nossa posição, portanto, era até certo ponto uma posição de expectativa: concordáramos com a opinião que dominava entre a maioria dos social-democratas russos — de que mesmo os inimigos mais declarados do "economismo" podiam trabalhar de mãos dadas com a "União", tendo esta proclamado mais de uma vez a sua concordância de princípios com o grupo "Libertação do Trabalho", sem pretender (parecia), afirmar o seu carácter de independência nas questões fundamentais da teoria e da táctica. A correcção da posição que adoptámos foi confirmada, indirectamente, pelo seguinte facto: quase ao mesmo tempo que aparecia o primeiro número do Iskra (Dezembro de 1900), três membros separavam-se da "União" para formar o que se chamou "Grupo de Iniciadores", e dirigiram-se: 1. à secção do estrangeiro da organização do lskra, 2. à organização revolucionária "social-democrata" e 3. à "União", para oferecer a sua mediação nas negociações de reconciliação. As duas primeiras organizações concordaram imediatamente, a terceira recusou. A verdade é que quando um orador expôs estes factos no congresso de "unificação" do ano passado, um membro da administração da "União" declarou que tal recusa se devia exclusivamente ao facto de a "União" estar descontente com a composição do "Grupo de Iniciadores". Julgando ser meu dever participar nessa explicação, não posso, contudo, deixar de notar, da minha parte, que considero tal explicação insuficiente: conhecendo o acordo das duas organizações para estabelecer as conversações, a "União" poderia dirigir-se a elas, através de outro intermediário ou directamente.
Na Primavera de 1901, a Zaria (nº 1, Abril) e o Iskra (nº 4, Maio) deram início a uma polémica directa contra o Rabótcheie Dielo. O Iskra atacou sobretudo a "Viragem Histórica" do Rabótcheie Dielo que, na sua edição de Abril e portanto depois dos acontecimentos da Primavera, se mostrou hesitante quanto ao entusiasmo pelo terror e os apelos "sanguinolentos". Apesar dessa polémica, a "União" aceitou o reinício das negociações para a reconciliação através da mediação de um novo grupo de "conciliadores". Uma conferência preliminar, composta por representantes das três organizações acima citadas realizou-se no mês de Junho e elaborou um projecto de tratado na base de um "acordo de princípios", bastante detalhado, que a "União" fez imprimir na brochura "Documentos do Congresso de Unificação".
O conteúdo desse acordo de princípios (ou resoluções da conferência de Junho, como é chamado mais frequentemente) mostra com toda a clareza que colocávamos como condição expressa dessa Unificação, a negação definitiva de todas as manifestações de oportunismo em geral, e de oportunismo russo em particular. Diz o primeiro parágrafo: "Repudiamos qualquer tentativa de levar o oportunismo à luta de classe do proletariado, tentativa que está traduzida no que se chama de "economismo", bernsteinismo, millerandismo, etc." "A actividade da social-democracia compreende... a luta ideológica contra todos os adversários do marxismo revolucionário" (§ 4, letra c). "Em todas as esferas do trabalho de organização e de agitação, a social-democracia não deve perder de vista por nenhum instante a tarefa imediata do proletariado russo: o derrube da autocracia" (§ 5, letra a); ... "a agitação não apenas no campo da luta quotidiana dos assalariados contra o capital" (§ 5, b); "não reconhecendo... a fase da luta puramente económica e da luta pelas reivindicações políticas específicas" (§5, c); ... "consideramos importante para o movimento a crítica das tendências que erigem em princípio.... o carácter elementar e a estreiteza das formas internas do movimento" (§5, d). Mesmo a pessoa mais desinteressada, após ler com alguma atenção estas resoluções, verá pela própria maneira como foram formuladas, que visam aqueles que se mostraram oportunistas e "economistas"; que esqueceram, por um instante, a tarefa de derrubar a autocracia; que reconheceram a teoria dos estádios, erigida em princípio de estreiteza etc. E quem conhece, ainda que pouco, a polémica estabelecida contra o Rabótcheie Dielo pelo grupo "Libertação do Trabalho", a Zaria e o Iskra, não pode duvidar sequer um instante que essas resoluções rejeitam, ponto por ponto, exactamente os erros em que o Rabótcheie Dielo incorreu. Por isso, quando os membros da "União" declararam ao congresso de "unificação" que os artigos inseridos no nº 10 do Rabótcheie Dielo não eram consequência da nova "viragem histórica" da "União", mas, do carácter desmesuradamente "abstracto" das resoluções[2], um orador teve toda razão de zombar disso. As resoluções estão longe de ser abstractas, respondeu ele; são extremamente concretas; basta um simples olhar para compreender que se queria "apanhar alguém".
Esta última expressão daria origem, no congresso, a um episódio caracterizador. De um lado, B. Kritchévski agarrou-se à palavra "apanhar", acreditando que se tratava de um lapso que denunciaria más intenções da nossa parte ("armar uma cilada"), e gritou pateticamente: "Quem é que se queria apanhar? — "Sim, quem?", perguntou Plekhanov, irónico. "Vou suprir a deficiência de perspicácia do camarada Plekhanov", respondeu B. Kritchévski, "vou-lhe explicar quem se queria apanhar: a redacção do "Rabótcheie Dielo" (riso geral). "Mas não nos deixamos apanhar!" (exclamações à esquerda: "pior para vocês!"). De outro lado, o membro do grupo "Borba" (grupo de conciliadores), falando contra as emendas da "União" às resoluções e desejoso de defender o nosso orador, declarou que a palavra "apanhar" tinha sem dúvida escapado por acaso, no fogo da polémica.
Da minha parte, imagino o que semelhante "defesa" custaria ao orador que fez uso da expressão. Penso que as palavras "queria-se apanhar alguém" "foram pronunciadas em tom de brincadeira, mas levadas a sério": sempre acusámos o Rabótchiei Dielo de instabilidade e vacilações. Portanto, é natural que se tenha tentado apanhá-lo, para tornar as vacilações impossíveis no futuro. Quanto às más intenções, tal não era a questão, pois tratava-se da instabilidade de princípios. E conseguimos "apanhar": a "União" assumiu tanta camaradagem[3] que as resoluções de Junho foram assinadas pelo próprio B. Kritchévski e um outro membro da administração da "União".
Os artigos do nº 10 do Rabótcheie Dielo (os nossos camaradas só puderam ver esse número quando chegaram ao congresso, alguns dias antes da abertura das sessões) mostraram nitidamente que, entre o Verão e o Outono, uma nova "viragem" ocorrera na "União": os "economistas" haviam tomado a dianteira, outra vez, e a redacção, que voga "ao sabor do vento", recomeçara a defender "os bernsteinianos mais declarados", a "liberdade de crítica" e a "espontaneidade", e a pregar pela boca de Martynov a "teoria da restrição" da esfera da nossa influência política com o objectivo de, pretensamente, acentuar essa influência). A justa observação de Parvus, de que não é difícil apanhar um oportunista com a armadilha de uma simples assinatura, mais uma vez foi confirmada: facilmente ele assinará qualquer papel, e com a mesma facilidade negará tal assinatura, pois o oportunismo contém em si exactamente a ausência de princípios determinados e firmes. Hoje os oportunistas repudiam qualquer tentativa de introduzir o oportunismo e todo o tipo de estreiteza, prometendo solenemente "não esquecer um só instante a derrube da autocracia", fazer "a agitação não só contra o capital" etc. etc. E amanhã mudarão o discurso e retomarão os velhos métodos sob o pretexto de defender a espontaneidade, a marcha progressiva da obscura luta quotidiana, exaltando as reivindicações que deixam entrever resultados tangíveis etc.. Continuando a afirmar que nos artigos do nº 10 a "União" não via, nem vê, qualquer digressão herética dos princípios gerais que fundamentaram o projecto da conferência (Dois Congressos, p. 26), manifesta assim apenas total incapacidade ou recusa de compreender a essência das divergências.
Após o nº 10 do Rabótcheie Dielo só nos resta mais uma única tentativa: estabelecer uma discussão geral para nos certificarmos se toda a "União" está solidária com esses artigos e com seu comité de redacção. E é isto que desagrada particularmente à "União": acusa-nos de querermos semear a discórdia dentro dela, de nos intrometermos onde não somos chamados etc. Acusações gratuitas, evidentemente, pois com uma redacção eleita, que "vira" à mais ligeira brisa, tudo depende de que lado sopra a brisa, e nós determinámos tal orientação em privado, onde não havia senão membros das organizações que desejavam unir-se. A proposta feita em nome da "União" sobre as emendas às resoluções de Junho dissolveu a nossa última esperança de entendimento. Tais emendas confirmaram o facto de a nova "viragem" ser em direcção ao "economismo" e de a solidariedade da maioria da "União" ser com o nº 10 do Rabótcheie Dielo. Do conjunto dessas manifestações de oportunismo, eliminava-se o que se chama de "economismo" (por causa da pretensa "indeterminação do sentido" dessas palavras embora disso decorra a necessidade se definir com maior precisão a essência do erro amplamente difundido); eliminava-se também o "millerandismo" (embora B. Kritchévski o tenho defendido no Rabótcheie Dielo nº 2-3, p. 83-83, e de forma ainda mais explícita no Vorwärts[4]). Apesar das resoluções de Junho indicarem com precisão a tarefa da social-demo-cracia — "dirigir as menores manifestações da luta do proletariado contra todas as formas de organização política e opressão económica e social” — exigindo assim que a unidade e o espírito de método sejam levados a tais manifestações de luta, a "União" acrescentava frases completamente inúteis, dizendo que "a luta económica estimulava vigorosamente o movimento de massa" (essas palavras, em si mesmas, estão fora de discussão, mas devido à existência de um "economismo" estreito levariam inevitavelmente a falsas interpretações). Ainda mais, nas emendas às resoluções de Junho chegava-se a restringir a "política", eliminando-se as palavras "nem por um instante" (não se esqueça o objectivo do derrube da autocracia) e acrescentando que "a luta económica é o meio mais amplamente aplicável para integrar as massas na luta política activa". Compreende-se que, após a introdução destas emendas, todos os nossos oradores se tenham recusado a falar, considerando que era totalmente inútil prosseguir as negociações com homens que de novo tendiam para o "economismo" e asseguravam a liberdade de vacilação.
"O que a "União" considerou precisamente como a condição sine qua non da solidez do futuro acordo, isto é, a conservação do carácter de independência e de autonomia do Rabótcheie Dielo, o Iskra considerou como obstáculo para a realização desse mesmo acordo" (Dois Congressos, p. 25). Isto é por demais inexacto. Nunca atentámos contra a autonomia do Rabótcheie Dielo[5]. Efectivamente, negámos categoricamente o seu carácter independente, se por isso se entende o "carácter de independência" nas questões de princípio em matéria de teoria e de táctica: as resoluções de Junho implicam justamente a negação absoluta de tal independência, pois essa "independência" sempre significou na prática, repetimos, todo o tipo de vacilações e o apoio ao estado de dispersão de forças em que nos encontramos, e que é insuportável do ponto de vista do Partido. Pelos artigos do nº 10 e pelas suas "emendas", o Rabótcheie Dielo demonstrou claramente o desejo de preservar essa independência de carácter; ora, esse desejo conduziu, natural e inevitavelmente, à ruptura e à declaração de guerra. Mas estávamos prontos a reconhecer "a independência de carácter" do Rabótcheie Dielo, no sentido de que devia dedicar-se a fundações literárias nitidamente determinadas. A distribuição judiciosa dessas funções impunha-se por si própria: 1. revista científica, 2. jornal político, e 3. compilações e brochuras de divulgação. Só o facto de concordar com tal distribuição poderia provar o sincero desejo do Rabótcheie Dielo de acabar de uma vez por todas com os equívocos das resoluções de Junho, apenas tal distribuição eliminaria os atritos eventuais e asseguraria de facto a solidez do acordo, servindo ao mesmo tempo de base a um novo impulso do nosso movimento e a novos sucessos.
Não existe um único social-democrata russo que duvide que a ruptura definitiva da tendência revolucionária com a tendência oportunista se deveu não a causas de "organização", mas exactamente, ao desejo manifestado pelos oportunistas de consolidar o carácter de independência do oportunismo, e de continuar a lançar a confusão nos espíritos através dos raciocínios à la Kritchévski e à la Martynov.
Redigido no Outono de 1901-Fevereiro de 1902. Publicado pela primeira vez em brochura, em Março de 1902.
[1] O conhecimento da literatura encontrava-se na base desse julgamento sobre a cisão, além das informações colectadas no estrangeiro por alguns membros de nossa organização que para lá se dirigiram. – Lenine.
[2] A afirmação foi retomada em Dois Congressos, p. 25. - Lenine
[3] Na verdade, dissemos na introdução às resoluções de Junho que a social-democracia russa, no conjunto, sempre se manteve dentro dos princípios do grupo "Libertação do Trabalho", e que o mérito da "União" consistiu sobretudo na sã actividade, nas publicações e na organização. Noutras palavras, afirmamos a nossa plena vontade de relegar para o esquecimento todo o passado e de reconhecer a utilidade (para a causa) do trabalho dos nossos camaradas da "União", sob a condição de fazerem cessar imediatamente as vacilações que era o que pretendíamos "apanhar". Qualquer pessoa imparcial que lesse as resoluções de Junho, compreenderia tais resoluções exactamente assim. Portanto, se a "União", após ter provocado a ruptura pela sua nova "viragem" para o economismo (nos artigos do nº 10 e nas emendas), acusa-nos solenemente de não dizer a verdade (Dois Congressos, p. 30) por essa lembrança a pelos seus próprios méritos, esta acusação naturalmente pode apenas provocar sorrisos. – Lenine.
[4] No Vorwärts foi iniciada uma polémica sobre isso, entre a redacção actual, Kautsky e a Zaria. Não deixaremos de tornar tal polémica conhecida dos leitores russos. – Lenine.
[5] Isto é, no caso das consultas editoriais relacionados com a criação de um conselho supremo conjunto das organizações combinadas não serem considerados como uma restrição à autonomia. E em Junho o Rabótcheie Dielo concordou com isso. – Lenine.
A história da social-democracia russa divide-se nitidamente em três períodos.
O primeiro abrange uma dezena de anos, aproximadamente de 1884 a 1894. Foi o período do nascimento e consolidação da teoria e do programa da social-democracia. Os partidários da nova orientação na Rússia contavam-se pelos dedos. A social-democracia existia sem o movimento operário e atravessava, como partido político, um período de gestação.
O segundo período estende-se por três ou quatro anos, de 1894 a 1898. A social-democracia vem ao mundo como movimento social, como ascensão das massas populares, como partido político. É o período da infância e da adolescência. Com a rapidez de uma epidemia, o entusiasmo geral pela luta contra o populismo propaga-se entre os intelectuais, que vão aos operários, bem como se difunde o entusiasmo geral dos operários pelas greves. O movimento faz enormes progressos. A maior parte dos dirigentes é constituída por jovens, que ainda não atingiram e ainda estão longe "dos trinta e cinco anos", que o Sr. N. Mikhailóvski considerava como uma espécie de limite natural. Por causa da sua juventude, revelam-se pouco preparados para o trabalho prático e saem de cena com muita rapidez. Na maioria das vezes, porém, o seu trabalho apresentava grande amplitude. Muitos de entre eles tinham começado a pensar como revolucionários, como Narodovoltsy. Quase todos, na sua primeira juventude, haviam cultivado o heroísmo do terror. Para subtraí-los à sedução dessa tradição heróica, foi preciso lutar, romper com pessoas que queriam a qualquer custo permanecer fiéis à "Narodnaia Volia", e a quem os jovens social-democratas tinham em alta estima. A luta impunha que se instruíssem, que lessem obras ilegais de todas as tendências, que se ocupassem intensamente dos problemas do populismo legal. Formados nessa luta, os social-democratas iam ao movimento operário, sem esquecer "um instante" a teoria marxista, que os iluminava como uma luz brilhante, nem o objectivo de derrubar a autocracia. A formação de um Partido, na primavera de 1898, foi o facto mais marcante e ao mesmo tempo o último acto dos social-democratas desse período.
O terceiro período anuncia-se, como vimos, em 1897 e substitui em definitivo o segundo período em 1898 (1898-?). É um período de dispersão, de desagregação, de vacilação. Tal como entre os adolescentes ocorre a mudança de voz, também a voz da social-democracia russa desse período começou a mudar, a soar a falso — de um lado, nas obras dos senhores Struve e Prokopovitch, Bulgakov e Berdiaiev; de outro, nas de V.I. e R. M., entre B. Kritchévski e Martynov. Mas os únicos a errar foram os dirigentes, cada um da sua maneira, e a retroceder: o movimento continuava a estender-se, a avançar a passos de gigante. A luta proletária ganhava novas camadas operárias e propagava-se através da Rússia, contribuindo ao mesmo tempo, indirectamente, para reanimar o espírito democrático entre os estudantes e as outras categorias da população. Mas se a consciência dos dirigentes cedeu diante da grandeza e força do impulso espontâneo, entre os militantes social-democratas já predominava uma outra fase, porque alimentados quase que unicamente pela literatura marxista "legal", esta se revelava cada vez mais insuficiente, uma vez que a espontaneidade das massas exigia desses militantes um cada vez maior grau de consciência. Os dirigentes não apenas ficaram para trás no plano teórico ("liberdade de critica"), como também no plano prático ("métodos artesanais de trabalho"), e ainda procuraram justificar o seu atraso com toda espécie de argumentos grandiloquentes. A social-democracia foi rebaixada ao nível do sindicalismo, tanto pelos brensteinistas da literatura legal como pelos seguidores da literatura ilegal. O programa do Credo começou a realizar-se, principalmente quando o "trabalho artesanal" dos social-democratas reanimou as tendências revolucionárias não social-democratas.
E se o leitor me recrimina por me ter ocupado demasiadamente de um jornal como o Rabótcheie Dielo, responderei: O Rabótcheie Dielo assumiu importância "histórica", porque traduziu da forma mais relevante o "espírito" desse terceiro período[1]. Não era o consequente R. M., mas Kritchévski e Martynov que giravam como cata-ventos e que podiam exprimir da melhor forma a dispersão e as oscilações, o empenho em fazer concessões à "crítica", ao "economismo" e ao terrorismo. Não é o majestoso desdém pela prática, de um admirador qualquer do "absoluto" que caracteriza esse período, mas exactamente a conjugação de um praticismo mesquinho e da mais completa despreocupação em relação à teoria. Os heróis desse período não se preocuparam tanto em negar directamente as "grandes frases" como em banalizá-las: o socialismo científico deixou de ser um corpo de doutrina revolucionária e tornou-se uma mistura confusa, à qual foi acrescentado "livremente" o conteúdo de qualquer manual alemão novo; a palavra de ordem, "luta de classes", não conduzia a uma acção cada vez mais extensa e enérgica — servia de desvanecedor, pois a "luta económica está indissoluvelmente ligada à luta política", a ideia de partido não estimulava a criação de uma organização revolucionária de combate, justificando uma espécie de "burocratismo revolucionário" e uma tendência pueril em brincar com as formas "democráticas".
Ignoramos quando terminará o terceiro período e terá início o quarto (que, em todo caso, já se anuncia por numerosos sintomas). Do domínio da história, passamos aqui para o domínio do tempo presente e, em parte, para o do futuro.
Mas temos a firme convicção que o quarto período conduzirá à consolidação do marxismo militante; que a social-democracia russa sairá da crise mais forte e viril; que a retaguarda dos oportunistas será "rendida" pela verdadeira vanguarda da mais revolucionária das classes.
Exortando para que se faça essa "rendição" e resumindo tudo o que foi exposto anteriormente, podemos dar à pergunta "Que fazer?" uma breve resposta:
Liquidar o terceiro período
Anexo
[1] Eu também poderia responder com o provérbio alemão: Den Sack man schlägt, den Esel man Meint (bater no saco, mas saber que é no burro – fazer de alguém bode expiatório). Não só o Rabótcheie Dielo, mas também a grande massa de trabalhadores práticos e teóricos foi levada pela "crítica" a la mode, tornando confuso o que diz respeito à questão da espontaneidade e da secundarização do social-democrata à concepção sindical das nossas tarefas políticas e organizacionais. – Lenine.
c) Qual o tipo de organização de que necessitamos?
O leitor pode ver, pelo que foi dito anteriormente, que a nossa "táctica-plano" consiste em recusar o apelo imediato à ofensiva, em exigir a organização de um "assédio ordenado da fortaleza inimiga", ou dito de outra forma: em exigir a concentração de todos os esforços para recrutar, organizar e mobilizar um exército permanente. Quando zombamos do Rabótcheie Dielo, que de um salto abandonou o "economismo" para se atirar aos gritos sobre a necessidade da ofensiva (gritos que irromperam em Abril de 1901, no nº' 6 da Listok do "Rabótcheie Dielo"), este jornal naturalmente nos atacou, acusando-nos de "doutrinarismo", de incompreensão do dever revolucionário, de apelo à prudência etc. Naturalmente, tais acusações, na boca dessa gente, não nos surpreenderam absolutamente, pois, não tendo essas pessoas princípios estáveis, escondem-se atrás da profunda "táctica processo"; também não nos surpreenderam as acusações de Nadejdine, que manifesta apenas o mais soberbo desprezo pelos princípios firmes de programa e de táctica.
Diz-se que a história não se repete. Nadejdine esforça-se de todas as maneiras para repeti-la e imita com ardor Tkatchev, denegrindo "a educação revolucionária", clamando sobre a necessidade de "fazer soar o toque de rebate", pregando o "ponto de vista particular da aurora da revolução" etc. Ao que parece, Nadejdine esquece a conhecida frase que diz: se o original de um acontecimento histórico é uma tragédia, a sua cópia é apenas uma farsa. A tentativa de tomada do poder, preparada pela propaganda de Tkatchev e realizada pelo terror, instrumento de "intimidação" e que realmente intimidava nessa época, era majestosa, enquanto o terrorismo "excitativo" desse Tkatchev em ponto pequeno é simplesmente ridículo, e ridículo sobretudo quando se combina com o seu projecto de organização dos trabalhadores médios.
"Se o Iskra", escreve Nadejdine, "saísse da esfera da literatura falsificada, veria que tais coisas (por exemplo, a carta de um operário publicada no nº 7 do Iskra etc.) são sintomas que atestam que a "ofensiva"' está muito, muito próxima, e que falar agora (sic) de uma organização onde todos os fios estariam unidos a um jornal para toda a Rússia, é produzir ideias abstractas e trabalho de gabinete em profusão." Vejam um pouco essa confusão inimaginável! De um lado, prega-se o terrorismo excitativo e "a organização dos trabalhadores médios", declarando que isso "será feito de modo muito mais rápido pelo agrupamento em torno de algo "mais concreto", por exemplo, em torno de jornais locais; de outro lado, pretende-se que falar "agora" de uma organização para toda a Rússia, é produzir em profusão ideias abstractas, isto é, para ser mais franco e simples, que "agora" já é muito tarde! E também não será muito tarde, respeitável L.Nadejdini para uma "organização ampla de jornais locais"? Comparem a isso o ponto de vista e a táctica do Iskra: o terrorismo excitativo é uma infantilidade; falar da organização particular dos trabalhadores médios e de uma ampla organização de jornais locais é escancarar as portas ao "economismo". É preciso falar de uma única organização de revolucionários para toda a Rússia, e não será tarde para falar dela mesmo no próprio momento em que começar a verdadeira ofensiva, e não uma ofensiva formulada no papel:
"Sim", prossegue Nadejdine, "no que diz respeito à organização, a nossa situação está longe de ser brilhante; sim, o Iskra tem toda a razão em dizer que o grosso das nossas forças militares é constituída de voluntários e insurrectos... Está certo que considerem efectivamente o estado das nossas forças. Mas, por que se esquecem que a multidão não está connosco em tudo e que, por conseguinte, não nos perguntará quando será preciso abrir as hostilidades e lançar-se ao 'motim'... Quando a própria multidão intervier com a sua força destrutiva espontânea, será capaz de triturar, de esmagar o "exército regular", no qual se propunha que se procedesse a uma organização rigorosamente sistemática, mas que não estava maduro para tal". (Ênfase nossa).
Lógica espantosa! É precisamente porque "a multidão não está connosco", que é pouco razoável e é inconveniente proclamar "a ofensiva" imediata, pois a ofensiva significa o ataque de um exército regular, e não a explosão espontânea de uma multidão. Precisamente porque a multidão é capaz de triturar e esmagar o exército regular, é absolutamente necessário que o nosso trabalho de "organização rigorosamente sistemática", no exército regular, "se combine" com o impulso espontâneo, pois haverá maiores oportunidades para que o exército regular não seja esmagado pela multidão, mas marche à sua frente, se nos apressarmos em proceder a essa organização. Nadejdine, engana-se, porque imagina que esse exército organizado sistematicamente age de forma a afastar-se da multidão, enquanto, na realidade, se ocupa de uma agitação política intensificada e multiforme, isto é, de um trabalho que tende justamente a aproximar e fundir a força destrutiva espontânea da multidão e a força destrutiva consciente da organização dos revolucionários. A verdade é que os senhores atribuem aos outros as vossas próprias faltas; e é precisamente o grupo Svoboda que, introduzindo o terrorismo no programa, exorta assim à criação de uma organização de terroristas, ora, tal organização impediria na verdade o nosso exército de se aproximar da multidão que, infelizmente, ainda não está connosco, e, infelizmente, não nos pergunta ou raramente nos pergunta, como e quando é preciso abrir as hostilidades.
"Não veremos chegar a revolução", continua Nadejdine ameaçando o Iskra, "da mesma forma que não vimos chegar os acontecimentos actuais, acontecimentos que nos apanharam de surpresa". Esta frase, juntamente com as citadas anteriormente, demonstra-nos claramente o absurdo do "ponto de vista da aurora da revolução", elaborado pela Svoboda[1]. Esse "ponto de vista" especial reduz-se, propriamente, a proclamar que "agora" é muito tarde para decidir e para a preparação. Mas, então, respeitável inimigo da "literatura falsificada", porquê escrever 132 páginas impressas sobre "os problemas de teoria[2] e de táctica"? Será que não percebem que, do "ponto de vista da aurora da revolução" seria melhor lançar 132.000 folhas volantes com este breve apelo: "Abaixo o inimigo!"?
Aqueles que como o Iskra colocam a agitação política entre todo o povo na base do seu programa, da sua táctica e do seu trabalho de organização, correm menos riscos de deixar a revolução acontecer sem percebê-la. As pessoas que, em toda a Rússia, se ocupam em entrançar os fios de uma organização, fios a serem ligados a um jornal para toda a Rússia, não deixaram de perceber os acontecimentos da Primavera; pelo contrário, ofereceram-nos a possibilidade de predizê-los. Não deixaram passar desapercebidas as manifestações descritas nos números 13 e 14 do Iskra: pelo contrário, compreendendo o seu dever de auxiliar o impulso espontâneo da multidão, participaram nessas manifestações e, ao mesmo tempo, contribuíram através do seu jornal para que todos os camaradas russos percebessem o seu carácter e utilizassem a sua experiência. Se continuarem vivos, verão acontecer a revolução que exigirá de todos nós, antes e acima de tudo, a experiência em matéria de agitação, e que saibamos sustentar (à maneira social-democrata) todos os protestos, dirigir o movimento espontâneo e preservá-lo dos erros dos seus amigos e ciladas dos seus inimigos!
Chegamos, assim, à última consideração que nos força a insistir, de forma particular, no plano de organização em torno de um jornal para toda a Rússia, através da colaboração de todos para esse jornal comum. Apenas essa organização poderá assegurar, ao empreendimento de combate social-democrata, a flexibilidade indispensável, isto é, a faculdade "de evitar a batalha em terreno descoberto com um inimigo numericamente superior, que concentrou as forças num único ponto e a faculdade de aproveitar a incapacidade do inimigo, quanto à estratégia militar, para atacá-lo onde e quando menos o espera"[3]. Seria um gravíssimo erro estruturar a organização do Partido contando apenas com as manifestações e combates de rua, ou com "a marcha progressiva da obscura luta quotidiana". Devemos realizar sempre o nosso trabalho quotidiano e devemos estar sempre prontos para tudo, porque com muita frequência é quase impossível prever a alternância dos períodos de explosão e dos períodos de calma momentânea; e quando é possível prevê-los, não se pode tirar partido disso para reorientar a organização pois num país autocrático a situação muda com assombrosa rapidez: às vezes basta uma rusga nocturna dos janízaros czaristas. E não seria possível imaginar a própria revolução sob a forma de um acto único (como parece fazer Nadejdine): a revolução será uma sucessão rápida de explosões mais ou menos violentas, alternadas com algumas fases de calma momentânea mais ou menos profunda. Por isso, a actividade essencial do nosso Partido, o palco da sua actividade, deve consistir num trabalho que seja possível e necessário tanto nos períodos de mais violenta explosão como nos de calma absoluta, isto é, deve consistir num trabalho de agitação política unificada para toda a Rússia, que ilumine todos os aspectos da vida e se dirija às massas em geral. Ora, esse trabalho é inconcebível na Rússia actual sem um jornal que interesse a todo o país e apareça com bastante frequência. A organização a ser constituída por si mesma em torno desse jornal, a organização dos seus colaboradores (no sentido amplo de palavra, isto é, todos aqueles que trabalham para ele) estará pronta para tudo, para salvar a honra, o prestígio e a continuidade no trabalho do Partido nos momentos de grande "depressão" dos revolucionários, e para preparar, determinar o início e realizar a insurreição popular armada.
Suponhamos que ocorram prisões, o que é muito comum entre nós, numa ou várias localidades. Como todas as organizações locais não trabalham numa única obra comum e regular, essas detenções são seguidas, frequentemente, pela suspensão da actividade por vários meses. Mas, se todas trabalhassem para uma obra comum, mesmo que as detenções fossem muitas, bastaria algumas semanas e duas ou três pessoas enérgicas para restabelecer o contacto dos novos círculos de jovens com o organismo central, círculos esses que, mesmo agora, surgem de maneira muito rápida, e que surgiriam e estabeleceriam ligações com esse centro de modo ainda muito mais rápido se essa obra comum, que sofre as consequências das detenções, fosse bem conhecida de todos.
Suponhamos, por outro lado, que houvesse uma insurreição popular. Sem dúvida que hoje todos concordam que devemos pensar e preparar-nos para isso. Mas como preparar-nos? Terá um comité central que designar agentes em todas as localidades para preparar a insurreição? Mesmo que tivéssemos um comité central que tomasse essa medida, nada poderia obter nas condições actuais da Rússia. Ao contrário, uma rede de agentes[4] que se formasse por si própria trabalhando para a criação e a difusão de um jornal comum, não "esperaria de braços cruzados" a palavra de ordem de insurreição; realizaria exactamente uma obra regular, que lhe permitiria maiores hipóteses de sucesso em caso de insurreição. Obra essa que reforçaria os laços com as massas operárias, em geral, e com todas as camadas da população descontentes com a autocracia, o que é tão importante para a insurreição. É fazendo esse trabalho que aprenderíamos a avaliar, com exactidão, a situação política geral e, por conseguinte, a escolher o momento favorável à insurreição. É nesta espécie de acção que todas as organizações locais aprenderiam a reagir simultaneamente aos problemas, incidentes ou acontecimentos políticos que apaixonam toda a Rússia, a responder a esses "acontecimentos" da forma mais enérgica, uniforme e racional possível. Pois, no fundo, a insurreição constitui a "resposta" mais enérgica, uniforme e racional de todo o povo ao governo. Tal acção ensinaria, de forma precisa, a todas as organizações revolucionárias, em todos os pontos da Rússia, a manter entre si relações mais regulares e, ao mesmo tempo, mais clandestinas, relações que dariam origem à unidade efectiva do Partido, e sem as quais é impossível discutir colectivamente o plano de insurreição e tomar, às vésperas dessa insurreição, as medidas preparatórias necessárias, que devem ser mantidas no mais rigoroso sigilo.
Numa palavra, o "plano de um jornal político para toda a Rússia" não é fruto de um trabalho de gabinete, realizado por pessoas corrompidas pelo doutrinarismo e pela "literatura falsificada" (como pareceu a pessoas que não reflectiram o bastante sobre ele); pelo contrário, é um plano principalmente prático para que nos possamos preparar para a insurreição, imediatamente e de todos os lados, sem que o trabalho normal e quotidiano seja esquecido por um instante.
Conclusão
[1] Às Vésperas da Revolução, p. 62. – Lenine.
[2] Aliás, em sua "Revisão de questões da teoria", L.. Nadejdine quase nada disse sobre a teoria, salvo a seguinte passagem, extremamente curiosa do "ponto de vista da aurora da revolução": "O bernsteinismo, no seu conjunto, perde neste momento a sua acuidade, de forma que para nós tanto faz se é o Sr. Adamovitch quem diz ser o Sr. Struve quem merece a punição, ou o contrário, se é o Sr. Struve quem responde a Adamovitch, recusando-se a aceitar a demissão, pois, aproxima-se o momento decisivo da revolução" (p. 110). Seria difícil ilustrar com maior relevância a despreocupação sem limites de L. Nadejdine pela teoria. Como proclamamos já estarmos "às vésperas da revolução", portanto, “para nós tanto faz" que os ortodoxos consigam ou não desalojar definitivamente os críticos de sua posição! E o nosso sábio não nota que é precisamente durante a revolução que necessitaremos dos resultados da nossa luta teórica contra os críticos, para combater resolutamente as suas posições práticas! – Lenine.
[3] Iskra, nº' 4. "Por Onde Começar?" - "Os educadores revolucionários, que não adotam o ponto de vista da aurora da revolução, não se deixam de forma alguma perturbar pela extensão do trabalho", escreve Nadejdine (p. 62). Quanto a isso faremos a seguinte observação: se não soubermos elaborar uma táctica política, um plano de organização para um período bastante longo, e que assegure, pelo próprio processo desse trabalho, a preparação de nosso partido para ocupar o seu posto e cumprir o seu dever nas circunstâncias mais inesperadas, por mais rápido que seja o curso dos acontecimentos, não seremos mais do que miseráveis aventureiros políticos. Somente Nadejdine, que apenas desde ontem se auto-intitula social-democrata, poderia esquecer que a social-democracia tem por objetivo a transformação radical das condições de vida de toda a humanidade, e que, por conseguinte, não é permitido a um social-democrata deixar-se "perturbar" pela extensão do trabalho. – Lenine.
[4] Ai, ai! Eis que me escapou de novo a horrível palavra "agente", que tanto fere o ouvido democrático dos Martynov! Parece estranho que tal palavra não tenha ferido os corifeus da década de 70, e magoe os diletantes da década de 90. É uma palavra que me agrada, pois indica nitidamente e com precisão a causa comum à qual todos os agentes subordinam os seus pensamentos e acções, e se fosse preciso substitui-la por outra, apenas poderia pensar na palavra "colaborador", se não tivesse certo sabor de literatura falsificada e de amorfismo. Ora, precisamos de urna organização militar de agentes. Quanto ao resto, os Martynov, tão numerosos (principalmente no estrangeiro), e que de bom grado se ocupam em "promoverem-se mutuamente a general", poderiam dizer, em vez de "agente do serviço de passaportes", "comandante-chefe de uma divisão especial para o suprimento de passaportes aos revolucionários", etc. – Lenine.
"O maior erro do Iskra nesse aspecto", escreve B. Kritchévski que nos censura pela tendência de "isolando a teoria da prática, transformar a primeira numa doutrina morta" (Rab. Dielo, nº 10, p. 30), "é o seu 'plano' de uma organização geral do Partido" (isto é, o artigo "Por Onde Começar?"). Martynov faz coro e declara que "a tendência do Iskra em diminuir a importância da marcha progressiva da obscura luta quotidiana, em relação à propaganda de ideias brilhantes e acabadas... foi coroada pelo plano de organização do partido, proposto no artigo "Por Onde Começar?" publicado no número 4 desse jornal" (Idem, p. 61). Enfim, ultimamente, àqueles a quem esse "plano" agastou (as aspas exprimem a ironia quanto a isso), juntou-se L. Nadejdine que, numa brochura que acabámos de receber — Às Vésperas da Revolução (editada pelo "grupo revolucionário socialista" Svoboda, que já conhecemos) — declara que "falar agora de uma organização cujos fios seriam atados a um jornal para toda a Rússia, é produzir em profusão ideias abstractas e trabalho de gabinete" (p. 126), é fazer "literatura falsificada" etc.
A solidariedade do nosso terrorista com os partidários da "marcha progressiva da obscura luta quotidiana" não nos poderia espantar: indicámos as raízes desse parentesco nos capítulos sobre a política e a organização. Mas, desde já devemos observar que L. Nadejdine, e só ele, tentou conscienciosamente penetrar no sentido do artigo que lhe desagradou, ao qual tentou responder em profundidade, enquanto o Rab. Dielo nada disse de profundo e apenas procurou confundir a questão através de uma série de procedimentos demagógicos indignos. E por mais desagradável que seja, é preciso primeiro perder tempo para limpar as estrebarias de Augias.
a) Quem se escandalizou com o artigo "Por onde começar"
Vamos citar o rosário de expressões e exclamações que o Rabótcheie Dielo lançou sobre nós. "Não é um jornal que pode criar a organização do Partido, mas sim, o contrário"... "Um jornal colocado acima do Partido, fora do seu controlo e independente do Partido graças à sua própria rede de agentes"... "Qual foi o milagre que fez com que o Iskra esquecesse as organizações social-democratas já existentes de facto no Partido ao qual ele próprio pertence?"... "Os que possuem firmes princípios e um plano apropriado são também os supremos reguladores da luta real do partido, ao qual ditam a execução do seu plano"... "O plano relega as nossas organizações tão reais e viáveis para o reino das trevas, e quer dar vida a uma rede fantástica de agentes"... "Se o plano do Iskra fosse executado, acabaria por apagar inteiramente os traços do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, em vias de formação entre nós"... "O órgão de propaganda torna-se um legislador incontrolado, autocrata, de toda a luta revolucionária prática"... "O que deve pensar o nosso partido sobre a sua submissão absoluta a uma redacção autónoma" etc. etc.
Como o conteúdo e o tom destas citações mostram ao leitor, o Rabótcheie Dielo escandalizou-se. Entretanto, escandalizou-se não por si próprio, mas pelas organizações e comités do nosso Partido que o Iskra pretensamente pretende relegar para o reino das trevas e até fazer apagar os traços. Que horror, pensarão vocês! Apenas uma coisa é estranha. O artigo "Por Onde Começar?" apareceu em Maio de 1901; os artigos do Rabótcheie Dielo, em Setembro de 1901; ora, já estamos a meio de Janeiro de 1902. Durante estes períodos de cinco meses (tanto antes como depois de Setembro) nem nenhum comité nem nenhuma organização levantaram protesto formal contra essa coisa monstruosa, que quer relegar comités e organizações para o reino das trevas! Ora, durante esse tempo, o Iskra e a grande maioria das outras publicações locais e não locais publicaram dezenas e centenas de informações vindas de todos os pontos da Rússia. Como pôde acontecer que aqueles a quem se quer relegar para o reino das trevas não se tenham apercebido nem escandalizado com tal coisa, mas sim, que tenha sido uma terceira pessoa a melindrar-se?
Isto ocorreu porque os comités e as outras organizações não brincam ao "democratismo", mas realizam trabalho útil. Os comités leram o artigo "Por Onde Começar?" e perceberam que constituía uma tentativa de "traçar o plano de uma organização de modo a poder começar a sua construção de todos os lados, e ao mesmo tempo" e como sabiam e compreendiam perfeitamente que nenhum "desses lados" pensava em "empreender a construção" antes de se convencer da sua necessidade e da realidade do plano arquitectónico, naturalmente nem mesmo pensaram em "escandalizar-se" com a extrema audácia dos homens que declararam no Iskra o seguinte: "dada a urgência e a importância dessa questão, decidimos, da nossa parte, submeter à consideração dos camaradas o esboço de um plano que desenvolveremos de forma mais detalhada numa brochura já em preparação". Será possível, quando se considera seriamente tal questão, não compreender que, se os camaradas aceitassem o plano que lhes era oferecido, executá-lo-iam não por "submissão", mas porque estavam convencidos da sua necessidade para a nossa causa comum, e se não o aceitassem, o "esboço" (que palavra pretensiosa, não é?) acabaria por permanecer um simples esboço? Não é verdade que constitui demagogia o facto de se declarar guerra a um esboço de plano, não apenas "demolindo-o completamente" e aconselhando os camaradas a rejeitá-lo, mas também incitando os homens menos experientes em matéria de revolução contra os autores do esboço, pelo simples facto de estes "ousarem legislar", de se colocarem como "reguladores supremos", isto é ousarem oferecer um esboço de plano? Será que o nosso partido pode desenvolver-se e seguir em frente, quando uma tentativa de elevar os militantes locais para concepções e objectivos de planos mais amplos etc., recebe objecções não só porque essas concepções parecem falsas, mas também porque se fica "escandalizado" pela "preocupação" de nos elevarmos? Assim, L. Nadejdine, por exemplo, também "demoliu completamente" o nosso plano, mas não se deixou levar por uma demagogia que não poderia ser explicada a não ser pela ingenuidade ou pelo carácter primitivo das concepções políticas; desde o início repudiou deliberadamente a acusação de se colocarem "inspectores do Partido" para esse fim. Portanto, pode-se e deve-se responder em profundidade à crítica do plano feita por Nadejdine, e responder ao Rabótcheie Dielo apenas com desprezo.
Mas o desprezo pelo escritor que se rebaixa ao ponto de censurar a "autocracia" e a "submissão", não nos dispensa da obrigação de desfazer a confusão que essas pessoas criam no leitor. Aqui, podemos demonstrar claramente a todos, qual é a qualidade das frases correntes sobre a "ampla democracia". Acusam-nos de esquecer os comités, de querer ou tentar relegá-los para o reino das trevas etc. O que responder a essas acusações, quando não podemos contar ao leitor quase nada de factual sobre as nossas relações práticas com os comités por razões ligadas à conspiração? As pessoas que lançam uma acusação áspera, que irrita a multidão, ganham vantagem pela sua desenvoltura e pelo desdém que demonstram pelos deveres do revolucionário, que esconde cuidadosamente dos olhos do mundo as relações e ligações que realiza, estabelece ou procura estabelecer. Compreende-se porque renunciamos de uma vez por todas a competir com essas pessoas no campo da "democracia". Quanto ao leitor não iniciado em todos os assuntos do Partido, o único meio de cumprir o nosso dever, é contar não o que existe ou o que se encontra em Werden, mas uma pequena parte do que já aconteceu, sobre o qual já se pode falar como coisa passada.
O Bund faz alusão à nossa "usurpação"[1]; a "União" sediada no estrangeiro acusa-nos de querer fazer desaparecer os traços do Partido. Olhem, senhores, terão plena satisfação quando expusermos ao público quatro factos extraídos do passado.
O primeiro facto[2]. Os membros de uma das "Uniões de luta", que tiveram participação directa na formação do nosso Partido e no envio de um delegado ao congresso que fundou o Partido, entenderam-se com um dos membros do grupo Iskra para criar uma biblioteca operária especial a fim de atender às necessidades de todo o movimento operário. Não se conseguiu criar uma biblioteca operária e as brochuras escritas para ela, As Tarefas dos Social-Democratas Russos e A Nova Lei Operária, chegaram por vias transversas e por intermédio de terceiros ao estrangeiro, onde foram impressas.
O segundo facto. Os membros do Comité Central do Bund propuseram a um dos membros do grupo Iskra montar, como então se expressou o Bund, um "laboratório literário". E lembraram que se isso não fosse conseguido, o nosso movimento poderia sofrer um recuo sensível. A brochura intitulada A Causa Operária na Rússia[3] foi a consequência das negociações.
O terceiro facto. O Comité Central do Bund, por intermédio de uma pequena cidade de província, propôs a um dos membros do Iskra que assumisse a direcção da Rabótchaia Gazeta a ser reinstituída; a proposta naturalmente foi aceite, mas depois modificada para proposta de colaboração, numa nova combinação com intervenção na redacção. De novo aceite. Foram enviados artigos (que se conseguiu conservar): "O Nosso Programa" — com um protesto directo contra a "bernsteiniada" e a reviravolta ocorrida na literatura legal e na Rabótchaia Mysl; "A Nossa Tarefa Imediata" ("a organização de um órgão do partido que apareça regularmente e esteja estreitamente ligado a todos os grupos locais", as insuficiências do "trabalho artesanal" predominante); "Uma Questão Urgente" (análise da objecção segundo a qual é preciso, primeiro, desenvolver a acção dos grupos locais, antes de se proceder à acção de um órgão comum; insistia-se sobre a importância primordial da "organização revolucionária", — sobre a necessidade de trazer para a organização, a disciplina e a técnica do trabalho clandestino elevada à mais alta perfeição"). A proposta de fazer reaparecer a Rabótchaia Gazeta não se concretizou e os artigos não foram impressos.
A quarta verdade. O membro do Comité, que organizou o II Congresso ordinário do nosso Partido, deu conhecimento a um membro do grupo Iskra do programa do congresso, e propôs a candidatura desse grupo para as funções de redacção da Rabótchaia Gazeta a ser reinstituída. Tal providência, por assim dizer preliminar, foi em seguida sancionada pelo Comité ao qual pertencia, bem como pelo Comité central do Bund; o grupo Iskra foi informado do lugar e da data do congresso, e (não fora assegurada, por determinadas razões, a possibilidade de enviar um delegado a esse congresso) também redigiu um relatório escrito especialmente para o congresso. O relatório exprimia a ideia de que a eleição do comité central, em si, não nos permitiria resolver o problema da união naquele período de plena dispersão que vivíamos, mas que, no caso de ocorrerem novas ondas de prisões, o que é mais do que provável que aconteça nas actuais e precárias condições do trabalho clandestino, ainda assim arriscaríamos a comprometer uma grande ideia: fundar um partido; era preciso, portanto, começar a convidar todos os comités e todas as outras organizações para apoiar o órgão comum reinstituído, que realmente ligaria todos os comités através de laços efectivos e prepararia realmente um grupo que assumiria a direcção de todo o conjunto do movimento; os comités e o Partido poderiam, então, transformar facilmente esse grupo criado pelos comités num comité central a partir do momento em que esse grupo crescesse e adquirisse forças. O congresso, entretanto, não pôde realizar-se por causa de uma série de detenções, e o relatório foi destruído por questões de segurança, após ter sido lido apenas por alguns camaradas, entre eles os delegados de um comité.
Que julgue o próprio leitor sobre a natureza das acusações como a alusão à usurpação, da parte do Bund, ou do argumento do Rabótcheie Dielo, que pretende termos sido nós a propor relegar os comités para o reino das trevas e "substituir" a organização do Partido pela organização da difusão das ideias através de um jornal. Sim, foi justamente perante esses comités, após repetidos convites que deles partiram, que apresentámos relatórios sobre a necessidade de aceitar um determinado plano de trabalho comum. Foi justamente para a organização do Partido que elaborámos esse plano nos artigos destinados à Rabótchaia Gazeta e num relatório para o congresso do Partido, e isso após termos sido convidados por aqueles que ocupavam posição tão influente no Partido, que assumiam a iniciativa da sua reconstituição (prática). E foi após o fracasso definitivo de duas tentativas de organização do Partido, para que juntamente connosco fosse oficialmente renovado o órgão central do Partido, que julgámos ser nosso primeiro dever lançar um órgão não oficial a fim de que, na terceira tentativa, os nossos camaradas pudessem ter diante deles certos resultados advindos da experiência, e não apenas de conjecturas hipotéticas. No momento actual, certos resultados dessa experiência já se encontram diante dos nossos olhos, e todos os camaradas podem julgar se compreendemos bem o nosso dever e, também, a opinião daqueles que buscam induzir o erro naqueles que ignoram o passado recente, a despeito de termos mostrado a uns, a sua inconsequência na questão "nacional", e a outros, a inadmissibilidade das vacilações por falta de princípios.
b) Pode um jornal ser um organizador colectivo?
O artigo "Por Onde Começar?" apresenta de essencial a colocação precisa dessa questão e a sua resolução pela afirmativa. Segundo sabemos, a única pessoa que tentou analisar a questão em profundidade e provar a necessidade de resolvê-la negativamente foi L. Nadejdine, cujos argumentos reproduzimos na íntegra:
"...A maneira como o Iskra põe em foco a necessidade de um jornal para toda a Rússia muito nos agrada, mas não podemos de forma alguma admitir que esse ponto de vista se identifique ao título do artigo, "Por Onde Começar?. Inegavelmente isto constitui algo de extrema importância, mas não é dessa forma, nem com toda uma série de panfletos populares, nem com uma montanha de proclamações que os fundamentos de uma organização de combate para um momento revolucionário podem ser lançados. É preciso abordar a questão da criação de fortes organizações políticas locais. Não as temos, temos trabalhado sobretudo entre os operários instruídos, uma vez que as massas foram conduzidas quase que exclusivamente para a luta económica. Sem fortes organizações políticas locais bem treinadas, de que serviria um jornal para toda a Rússia, mesmo que fosse perfeitamente organizado? Uma sarça ardente que queima sem se consumir, e que não inflama a ninguém! Ao redor desse jornal e por esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á para a acção, assim pensa o Iskra. Mas, esse objectivo será alcançado de modo muito mais rápido através da reunião e organização em torno de um trabalho mais concreto(!) que pode e deve consistir na criação de jornais locais em grande escala, na preparação imediata das forças operárias para manifestações; as organizações locais efectuarão uma acção constante entre os sem-trabalho (difundir sem cessar, entre eles, folhas volantes e panfletos; convocar os sem-trabalho para reuniões, exortá-los à resistência ao governo etc.). É preciso empreender localmente um trabalho político vivo; e quando surgir a necessidade da união nesse terreno real, não será artificial e não permanecerá no papel. Não será com jornais que se poderá unificar o trabalho local num plano comum para toda a Rússia" (Às Vésperas da Revolução, p. 54).
Sublinhámos nesta passagem eloquente, os trechos que permitem melhor apreender a falsa ideia que o autor faz do nosso plano e, em geral, a falsidade do ponto de vista que ele opõe ao Iskra. Sem organizações políticas locais, fortes e bem treinadas, de nada serviria à Rússia o melhor jornal que se pudesse fazer. Isto é absolutamente correcto. Infelizmente, para educar pessoas para formar organizações políticas fortes não há outro meio senão um jornal para toda a Rússia. O autor não notou a declaração essencial do Iskra, a que precede a exposição do seu "plano": é preciso "apelar para a construção de uma organização revolucionária capaz de reunir todas as forças e que seja, não apenas de nome, mas também, de facto, a dirigente do movimento, isto é, uma organização sempre pronta a apoiar cada protesto e cada explosão, aproveitando-os para fazer crescer e fortalecer um exército apto a travar o combate decisivo". Agora, prossegue o Iskra, após os acontecimentos de Fevereiro e de Março, todos, em princípio, estarão de acordo com isso; ora, não necessitamos de uma solução que se baseie apenas em princípios, mas de uma solução prática para a questão. É preciso formular imediatamente um plano preciso de construção para que, prontamente e de todos os lados, todos possam empreender essa construção. Ora, querem arrastar-nos de novo, para trás, afastando-nos da solução prática, em direcção, a essa grande verdade, justa em princípio, incontestável, mas absolutamente insuficiente e incompreensível para a grande massa dos trabalhadores: "a formação de organizações políticas fortes". Não se trata mais disso, respeitável autor, mas da forma conveniente para se proceder precisamente à formação e de facto realizá-la.
É falso que "tenhamos trabalhado sobretudo entre os operários instruídos, enquanto as massas foram conduzidas quase que exclusivamente para a luta económica". Sob esta forma, esta afirmação desvia-se para a tendência radicalmente falsa, que a Svoboda sempre apresentou, de opor os operários instruídos à "massa". Durante estes últimos anos, os próprios operários instruídos também se conduziram, entre nós, "de forma quase exclusiva para a luta económica". Este é o primeiro ponto. Por outro lado, as massas nunca aprenderão a conduzir a luta política, se não ajudarmos a formar dirigentes para essa luta, tanto entre os operários instruídos, como entre os intelectuais. Ora, tais dirigentes apenas podem ser educados se iniciados na apreciação quotidiana e metódica de todos os aspectos da nossa vida política, de todas as tentativas de protesto e de luta das diferentes classes e por diferentes motivos. Por isso, falar de "formação de organizações políticas" e ao mesmo tempo opor "à trabalheira da papelada" de um jornal político, o "trabalho político vivo no plano local" é simplesmente ridículo! O Iskra não procura ajustar o "plano" do seu jornal ao "plano" que consiste em realizar um "grau de preparação" que permita apoiar ao mesmo tempo o movimento dos sem-trabalho, as revoltas camponesas, o descontentamento dos membros dos zemstvos, "a cólera da população contra os abusos deste ou daquele bachibuzuque czarista" etc. De facto, todos os que conhecem o movimento sabem muito bem que a grande maioria das organizações locais nem sequer pensa nisso; que muitos dos projectos de "trabalho político vivo", aqui indicados, ainda não foram executados por nenhuma organização; que, por exemplo, a tentativa de chamar a atenção para o crescimento do descontentamento e dos protestos entre os intelectuais dos zemstvos, descontenta também a Nadejdine ("Deus! Não é aos membros dos zemstvos que esse órgão está dirigido?" Às Vésperas da Revolução, p. 129), os "economistas" (carta no nº 12 do Iskra) e numerosos activistas. Nestas condições, pode-se "começar" somente por isto: incitando as pessoas a pensar, a totalizar e a generalizar até as menores manifestações de efervescência e de luta activa. Numa época onde as tarefas da social-democracia são depreciadas, não se pode começar o "trabalho político vivo" senão através de uma agitação política viva, o que é impossível sem um jornal para toda a Rússia, que apareça frequentemente e que seja difundido de forma regular.
Os que vêem no "plano" do Iskra apenas "literatura", não o compreenderam na sua essência; tomaram como fim o que se propõe, no momento presente, como o meio mais indicado. Essas pessoas não se deram ao trabalho de reflectir sobre as duas comparações que ilustram esse plano de maneira relevante. A elaboração de um jornal político para toda a Rússia — escrevia-se no Iskra — deve ser o fio condutor: seguindo-o, poderemos desenvolver ininterruptamente a organização, aprofundá-la e alargá-la (isto é, a organização revolucionária sempre pronta a apoiar qualquer protesto ou efervescência). Por favor, digam-me: quando, os pedreiros colocam em diferentes pontos as pedras de um enorme edifício, de linhas absolutamente originais, esticam um fio que os ajuda a encontrar o lugar justo para as pedras, que lhes indica o objectivo final de todo o trabalho, que lhes permite colocar não apenas cada pedra, mas até cada pedaço de pedra que, cimentado ao que o precedeu e ao que o sucede, formará a linha definitiva e total. Será isto um trabalho "de escrita"? Não é evidente que hoje atravessamos no nosso Partido um período em que, possuindo as pedras e os pedreiros, nos falta exactamente o fio visível a todos e ao qual cada um se possa ater? Deixemos gritar aqueles que sustentam que, esticando o fio, queremos é mandar: se assim fosse, meus senhores, ao invés de intitularmos o nosso jornal de Iskra nº 1, teríamos utilizado o nome de Rabótchaia Gazeta nº 3, como nos foi proposto por alguns camaradas e como teríamos pleno direito de fazer após os acontecimentos relatados anteriormente. Mas não o fizemos, porque queríamos ter as mãos livres para combater sem piedade todos os pseudo-social-democratas: a partir do momento em que o nosso fio fosse esticado correctamente, queríamos que fosse respeitado pela sua própria rectidão, e não por ter sido esticado por um órgão oficial.
"A unificação da actividade local nos órgãos centrais é uma questão que se movimenta num círculo vicioso", diz sentenciosamente L. Nadejdine. "Para tal unificação, necessitamos de elementos homogéneos: ora, essa homogeneidade não pode ser criada senão por algo que a unifique; mas a unificação só pode ser o produto de organizações locais fortes que, no momento presente, não se distinguem exactamente pela homogeneidade". Verdade tão respeitável e tão incontestável como a que afirma a necessidade de educar pessoas para formar organizações políticas fortes. Verdade, porém, não menos estéril. Qualquer questão "se movimenta num círculo vicioso", pois, toda a vida política é uma cadeia sem-fim composta de um número infinito de elos. A arte do político consiste precisamente em encontrar um elo e a ele agarrar-se fortemente, o elo mais difícil de escapar das mãos, o mais importante naquele momento, e que garanta ao seu possuidor a melhor forma de manter toda a cadeia[4]. Se tivéssemos uma equipa de pedreiros experientes, suficientemente solidários para poder colocar as pedras onde é preciso (falando de forma abstracta, não é totalmente impossível), mesmo sem um fio condutor, poderíamos, talvez, agarrar-nos a um outro elo. Infelizmente não temos ainda esses pedreiros experientes e solidários; e, com muita frequência, as pedras são colocadas sem alinhamento, ao acaso, a tal ponto deslocadas que basta ao inimigo um sopro para dispersá-las, não como se fossem pedras, mas sim, grãos de areia.
Outra comparação: "O jornal não é apenas um propagandista colectivo e um agitador colectivo; é também um organizador colectivo. A esse respeito, pode-se compará-lo aos andaimes que se levantam em redor de um edifício em construção; constitui o esboço dos contornos do edifício, facilita as comunicações entre os diferentes construtores, permitindo-lhes que repartam a tarefa e atinjam o conjunto dos resultados obtidos pelo trabalho organizado”[5]. Pode-se realmente dizer que, da parte de um literato, de um homem especializado no trabalho de gabinete, haverá um exagero do seu papel? Os andaimes não são de modo algum necessários à construção em si; são feitos com material da pior qualidade; são utilizados durante um curto período de tempo e atirados ao fogo antes de a obra estar terminada. No que diz respeito à construção de organizações revolucionárias, a experiência confirma que, por vezes, é possível construí-las mesmo sem andaimes — como em 1870-1880. Mas, neste momento, não podemos sequer imaginar a possibilidade de construir sem andaimes o edifício de que necessitamos.
Nadejdine não está de acordo com isto, e diz: "Em torno desse jornal, por esse jornal, o povo reunir-se-á e organizar-se-á para a acção; assim pensa o Iskra. Mas esse objectivo será alcançado de modo muito mais rápido através da reunião e organização em torno de um trabalho mais concreto!" Certo, certo: "de modo muito mais rápido em torno de um trabalho mais concreto"... O provérbio russo diz: "Não cospe no poço quem precisará da água para saciar a sede." Mas há quem não se importe de saciar a sede no poço onde cuspiu. Nessa busca do mais concreto, quantas infâmias não foram levados a dizer e a escrever os nossos notáveis "críticos" legais "do marxismo" e os admiradores ilegais da Rabótchaia Mysl. Assim não é de espantar que o nosso movimento esteja comprimido pela nossa estreiteza, a nossa falta de iniciativa e de ousadia, justificadas por argumentos tradicionais semelhantes àquele que afirma ser muito mais rápida a unidade em torno de um trabalho mais concreto! E Nadejdine, que pretende ser particularmente dotado de senso das "realidades", que condena tão severamente os homens "de gabinete", que (com pretensões de sagacidade) recrimina o Iskra pela fraqueza de ver por toda a parte o "economismo", que imagina estar muito acima dessa divisão em ortodoxos e críticos, Nadejdine não percebe que, com os seus argumentos, faz o jogo dessa estreiteza que o indigna e que também bebe nos poços onde já cuspiu! Sim, a indignação mais sincera contra a estreiteza, o desejo mais ardente de desiludir aqueles que a reverenciam não são o bastante, se aquele que se indigna, erra ao sabor dos ventos, sem velas nem leme, e se se aferra instintivamente", tal como os revolucionários de 1870-1880, ao "terrorismo excitativo", ao "terrorismo agrário", ao "toque a rebate" etc. Vejamos, agora, em que consiste esse "algo de mais concreto" em torno do qual, pensa o autor, "será feita de modo muito mais rápido" a união e a organização: 1º) jornais locais; 2º) preparação de manifestações; 3º) acção entre os desempregados. Vê-se, à primeira vista, que todas essas coisas foram tomadas ao completo acaso, ao azar, unicamente para dizer alguma coisa, pois, qualquer que seja o modo com que sejam consideradas, seria um verdadeiro absurdo que aí se encontrasse algo especialmente susceptível de levar à "união e organização". Além disso, o próprio Nadejdine declara duas páginas adiante: "Já é tempo de constatarmos simplesmente este facto: na província o trabalho é ínfimo, os comités não fazem um décimo do que poderiam... os centros de unificação que possuímos, actualmente, são apenas ficção, burocratismo revolucionário, mania geral de se atacar mutuamente, e assim será enquanto não forem constituídas organizações locais fortes." Essas palavras, ainda que exageradas, encerram incontestavelmente uma grande e amarga verdade; mas, porque é que Nadejdine não vê que o trabalho local ínfimo é resultado da estreiteza de visão dos militantes, da pequena envergadura de sua acção, coisas inevitáveis devido à falta de preparação dos militantes confinados ao quadro das organizações locais? Teria esquecido, tal como o autor do artigo publicado na Svoboda sobre a organização, que nos seus primórdios a formação de uma grande imprensa local (a partir de 1898) foi acompanhada por uma intensificação especial do "economismo" e do "trabalho artesanal"? E mesmo que fosse possível organizar de forma conveniente "uma grande imprensa local" (cuja impossibilidade, salvo raríssimas excepções, já demonstrámos anteriormente), as organizações locais não poderiam "unir e organizar" todas as forças de revolucionários para uma ofensiva geral contra a autocracia, para a direcção da luta comum. Não se esqueçam que, aqui, se trata unicamente de um jornal como "factor de recrutamento", de organização, e que poderíamos devolver a Nadejdine, campeão do fraccionamento, a questão irónica que ele próprio nos coloca: "Teríamos recebido como herança 200.000 organizadores revolucionários?" Além disso, não seria possível opor a preparação de manifestações" ao plano do Iskra, pela simples razão de esse plano prever justamente manifestações de maior repercussão como um dos objectivos a atingir; porém, do que aqui se trata é da escolha dos meios práticos. Mais uma vez Nadejdine enveredou por um caminho falso; esqueceu-se que apenas um exército já "recrutado e organizado" pode "preparar" manifestações (que até agora, na grande maioria dos casos, se desenrolaram de maneira espontânea). Ora, o que exactamente não sabemos fazer, é recrutar e organizar. "Acção entre os desempregados". Sempre a mesma confusão, pois aí também se trata de uma operação militar de uma tropa mobilizada, e não de um plano de mobilização de tropas. Veremos até que ponto Nadejdine ainda subestima o prejuízo que nos causou o nosso fraccionamento, a ausência entre nós de "200.000 organizadores". Muitos (entre eles Nadejdine) recriminaram o Iskra por fornecer precárias informações sobre o desemprego e dar apenas notícias fortuitas sobre as ocorrências mais comuns da vida rural. A recriminação tem fundamento; nesse caso, porém, o Iskra é "culpado sem ter culpa". Esforçamo-nos para "esticar o nosso cordão" também no campo; mas aí quase não há pedreiros; é preciso que encorajemos todos aqueles que nos comunicam os factos, mesmo os mais corriqueiros, na esperança de que isso aumente o número de nossos colaboradores nesse campo, e que nos ensine, a todos, a escolher quais são os factos verdadeiramente relevantes. Mas, a documentação para o estudo é tão restrita que, se não for difundida para toda a Rússia, decididamente nada teremos para nos instruir. Naturalmente, um homem que possua algumas das capacidades de agitador de Nadejdine e o seu conhecimento da vida dos vagabundos poderia, através da agitação efectuada entre os desempregados, prestar serviços inestimáveis ao movimento; porém, desperdiçaria o seu talento se não se preocupasse em colocar todos os camaradas russos ao corrente do menor progresso da sua acção, a fim de dar exemplo e informações às pessoas que, na sua grande maioria, nem mesmo sabem ainda juntar-se a essa tarefa, que lhes é desconhecida.
Hoje, sem excepção, todos falam da importância que se atribui à unificação, da necessidade de "recrutar e organizar"; mas a maior parte das vezes não se tem ideias definidas sobre a questão de saber por onde começar e como realizar essa unificação. Sem dúvida estarão de acordo que para "unificar", por exemplo, os círculos de bairro de uma cidade, é preciso que haja instituições comuns, isto é, não apenas o nome comum de "união", mas na verdade todo o trabalho, uma troca de documentação, experiência e forças, uma partilha de funções para cada actividade dentro da cidade, não só por bairros, mas por especialidades. Qualquer um concordará que um aparelho clandestino sério não poderá realizar as suas "empreitadas" (se for permitido empregar esta expressão comercial), se estiver limitado aos "recursos" (materiais e humanos, bem entendido) de um único bairro, e que o talento de um especialista não poderá ser desenvolvido num campo de acção tão restrito. O mesmo ocorre em relação à união das diferentes cidades, pois a história do nosso movimento social-democrata já demonstrou e mostra que o campo de acção de uma localidade isolada é extremamente limitado: isto já foi provado anteriormente, de forma detalhada, pelo exemplo da agitação política e do trabalho de organização. É preciso — e indispensável — antes de tudo, alargar esse campo de acção, criar uma ligação efectiva entre as cidades na base de um trabalho geral regular, pois o fraccionamento reprime as faculdades daqueles que, "encerrados numa torre" (segundo a expressão do autor de uma carta ao Iskra), ignoram o que se passa no mundo, não sabem com quem se informar, como adquirir experiência, como satisfazer a sua sede de uma acção extensa. E insisto em sustentar que apenas se pode começar a criar essa ligação efectiva com um jornal comum, empresa única e regular para toda a Rússia, que resumirá as mais variadas actividades e incitará as pessoas a progredir constantemente por todas as numerosas vias que conduzem à revolução, da mesma forma que todos os caminhos levam a Roma. Se nos queremos unir não apenas em palavras, é preciso que cada círculo local reserve imediatamente, digamos, um quarto das suas forças para a participação activa na obra comum. E o jornal mostrará prontamente[6] os contornos gerais, as proporções e o carácter dessa obra; as lacunas que se fazem sentir mais fortemente na acção conduzida à escala nacional, os lugares onde a agitação é deficiente e onde a ligação é precária, as engrenagens do imenso mecanismo comum que o círculo poderia reparar ou substituir por outras melhores. Um círculo, que ainda não trabalhou e procura fazê-lo, poderia começar não como um artesão isolado na sua pequena oficina, que não conhece nem a evolução anterior da "indústria", nem o estado geral dos meios de produção industrial, mas como o colaborador de uma grande empresa que reflecte o impulso revolucionário geral contra a autocracia. E quanto mais perfeito fosse o acabamento de cada engrenagem, mais numerosos seriam os trabalhadores empregados nos diferentes detalhes da obra comum, mais densa seria a nossa rede, e menores as inevitáveis detenções a perturbar os nossos escalões.
A própria função de difusão do jornal começaria a criar uma ligação efectiva (se esse jornal for digno do nome, isto é, se aparecer regularmente e não uma vez por mês, como as grandes revistas, mas cerca de quatro vezes por mês). As relações entre cidades quanto às necessidades da causa revolucionária são, hoje, muito raras e, quando existem, constituem excepção; tornar-se-iam, então, uma regra e assegurariam, bem entendido, não apenas a difusão do jornal, mas também (o que é mais importante) a troca de experiências, documentação, forças e recursos. O trabalho de organização assumiria amplitude muito mais considerável, e o sucesso obtido numa localidade encorajaria constantemente o aperfeiçoamento do trabalho, incitaria ao aproveitamento da experiência já adquirida pelos camaradas que militassem noutro ponto do país. O trabalho local ganharia infinitamente em extensão e variedade; as revelações políticas e económicas recolhidas em toda a Rússia forneceriam o alimento intelectual aos operários de todas as profissões e de todos os graus de desenvolvimento; forneceriam material e oportunidade para debates e conferências sobre as mais variadas questões, suscitadas, também, pelas alusões da imprensa legal, pelas conversas em sociedade e pelos "tímidos" comunicados do governo. Cada explosão, cada manifestação seria apreciada e examinada sob todos os seus aspectos, em todos os pontos da Rússia; provocaria o desejo de não se ficar atrás dos outros, de se fazer melhor que os outros — (nós, socialistas, não recusamos de forma absoluta qualquer forma de emulação e "competição"!) — de preparar conscientemente o que antes fora feito de forma espontânea, de aproveitar as circunstâncias favoráveis de tempo ou de lugar para modificar o plano de ataque etc. Além disso, essa reanimação do trabalho local não conduziria a essa tensão desesperada, in extremis, de todas as forças, a esse estado de alerta de todos os nossos homens, a que nos obriga ordinariamente, hoje, toda a manifestação ou número de jornal local: de um lado, a polícia teria muito mais dificuldade para descobrir as "raízes", não sabendo em que localidade procurá-las; de outro, o trabalho comum regular ensinaria os homens a adequar um determinado ataque ao estado das forças deste ou daquele destacamento do nosso exército comum (o que, hoje, quase ninguém pensa, pois, em cada dez ataques, nove produzem-se espontaneamente) e facilitaria o "transporte" não apenas da literatura de propaganda, mas também de forças revolucionárias, de um lugar ao outro.
Actualmente, na sua maioria, essas forças são exauridas no estreito campo de acção do trabalho local. Mas, nessas outras circunstâncias, haveria a possibilidade e a oportunidade constantes de transferir de um extremo ao outro do país qualquer agitador ou organizador por menos capaz que fosse. Após terem começado por pequenas viagens para tratar de assuntos do Partido, às custas do Partido, os militantes estariam habituados a viver inteiramente por conta do Partido; tornar-se-iam revolucionários profissionais e preparar-se-iam para o papel de verdadeiros chefes políticos.
E se realmente chegássemos a obter que a totalidade ou a maior parte dos comités, grupos e círculos locais se associassem activamente para a obra comum, poderíamos em breve elaborar um semanário, regularmente divulgado em dezenas de milhares de exemplares por toda a Rússia. Esse jornal seria parte de um gigantesco fole de uma forja que atiçasse cada fagulha da luta de classes e da indignação popular, para daí fazer surgir um grande incêndio. Em torno dessa obra, em si ainda inofensiva e pequena, mas regular e geral no pleno sentido da palavra, um exército permanente de lutadores experimentados seria sistematicamente recrutado e instruído. Sobre os andaimes e cavaletes dessa organização comum em construção, logo veríamos subir, saídos das fileiras dos nossos revolucionários, os Jeliabov social-democratas e, saídos das fileiras dos nossos operários, os Bebel russos que, à frente desse exército mobilizado, levantariam todo o povo para fazer justiça à vergonha e à maldição que pesam sobre a Rússia.
É com isto que precisamos sonhar!
***
"É preciso sonhar!" Escrevo estas palavras e de repente tenho medo. Imagino-me sentado no "congresso da unificação", tendo à minha frente os redactores e colaboradores do Rabótcheie Dielo. E eis que se levanta o camarada Martynov e, ameaçador, dirige-me a palavra: "Mas, permita-me perguntar! Uma redacção autónoma ainda tem o direito de sonhar sem ter comunicado tal facto aos comités do Partido?" Depois, é o camarada Kritchévskí que se dirige a mim e (aprofundando filosoficamente o camarada Martynov, que há muito tempo já aprofundara o camarada Plekhanov) continua ainda mais ameaçador: "Irei mais longe. Pergunto-lhe: um marxista tem, em geral, o direito de sonhar, se ainda não esqueceu que, segundo Marx, à humanidade sempre se põem tarefas realizáveis, e que a táctica é um processo de crescimento das tarefas do Partido, que crescem junto com o Partido?"
À simples lembrança destas questões ameaçadoras sinto um calafrio, e penso apenas numa coisa: onde me vou esconder. Talvez atrás de Pissarev.
"Há desacordos e desacordos", escrevia Pissarev sobre o desacordo entre o sonho e a realidade. "O meu sonho pode ultrapassar o curso natural dos acontecimentos ou desviar-se para uma direcção onde o curso natural dos acontecimentos jamais poderá conduzir. No primeiro caso, o sonho não produz nenhum mal; pode até sustentar e reforçar a energia do trabalhador... Em tais sonhos, nada pode corromper ou paralisar a força de trabalho. Pelo contrário. Se o homem fosse completamente desprovido da faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar-se ao presente e contemplar em imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado da obra que apenas se esboça nas suas mãos, eu não poderia decididamente compreender o que levaria o homem a empreender e a realizar vastos e fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática... O desacordo entre o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem acredita seriamente no seu sonho, se observa atentamente a vida, compara as suas observações com os seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha conscientemente para a realização do seu sonho. Quando existe contacto entre o sonho e a vida, tudo vai bem".
Infelizmente há poucos sonhos dessa espécie no nosso movimento. E a culpa é sobretudo dos nossos representantes da crítica legal e do "seguidismo" ilegal, que se gabam de ponderação e do seu "senso" do "concreto".
V Parte - 2
[1] Iskra, nº 8, resposta do Comité Central da União Geral dos Judeus da Rússia e da Polónia, em nosso artigo sobre a questão nacional. – Lenine.
[2] É deliberadamente que apresentamos estes factos por ordem diferente daquela em que ocorreram. – Lenine.
[3] Em relação a isso, o autor dessa brochura pediu-me para dar a conhecer que, tal como suas brochuras anteriores, também esta foi enviada à "União", supondo que o redactor das publicações fosse o grupo "Libertação do Trabalho" (dadas as circunstâncias, não podia no momento, isto é, em Fevereiro de 1899, imaginar a mudança de redacção). Essa brochura será prontamente reeditada pela Liga. – Lenine.
[4] Camarada Kritchévski e camarada Martynov: chamo a vossa atenção para esta revoltante manifestação de "autocratismo", de "autoridade incontrolada", de "regulamentação suprema", etc., pensem nisto: o desejo de possuir toda a cadeia! Redijam depressa uma queixa. Há aqui assunto para dois editoriais do nº 12 do Rabótcheie Dielo! – Lenine.
[5] Martynov, que cita a primeira frase dessa passagem no Rabótcheie Dielo (nº 18 p.62), omite exactamente a segunda, como se quisesse mostrar a intenção de não tocar no fundo da questão, ou incapacidade de compreendê-la. – Lenine.
[6] Com uma reserva: se aprovar a orientação desse jornal e julgar útil à causa tornar-se seu colaborador, entendendo-se por isso não apenas a colaboração literária, mas toda colaboração revolucionária em geral. Nota para o Rabótcheie Dielo: subtende-se esta reserva para os revolucionários que apreciam o trabalho em lugar de brincar à democracia, que não separam a "simpatia" da participação mais ativa e mais real. – Lenine.
e) A organização "conspirativa” e o "democratismo"
No entanto, há muitas pessoas entre nós que são tão sensíveis à "voz da vida", a qual temem mais do que qualquer coisa no mundo, que acusam os adeptos das opiniões aqui expostas de seguir a linha do Narodnaia Volia [A Vontade do Povo], de não compreender o "democratismo ", etc É necessário determo-nos nestas acusações, que, é claro, foram também repetidas pelo Rabótcheie Dielo.
O autor destas linhas sabe muito bem que os "economistas" de S. Petersburgo já acusavam a Rabótchaia Gazeta de seguir o Narodnaia Volia (o que é compreensível, se comparada à Rabótchaia Mysl). Por isso não nos surpreendemos ao saber, através de um camarada pouco depois do nascimento do Iskra, que os social-democratas da cidade X consideravam o Iskra um órgão “narodovol’chista”. Este epíteto era para nós um elogio porque: qual foi o social-democrata, digno desse nome, a quem os "economistas" não acusaram de tal?
Estas acusações provêm de uma dupla confusão. Primeiramente, a história do movimento revolucionário é tão mal conhecida entre nós, que toda a teoria preconizando uma organização de combate centralizada e que declare resolutamente a guerra ao czarismo é etiquetada de afecta ao Narodnaia Volia. Mas a excelente organização que possuíam os revolucionários dos anos 70, e que devia servir de exemplo a todos nós, não foi criada pelos partidários do "Narodnaia Volia", mas pelos adeptos do "Zemlia i Volia" [Terra e Liberdade], nos quais houve uma cisão que deu origem aos tchernoperedieltsi e aos narodnoltsi. Sendo assim, ver numa organização revolucionária de combate uma herança directa do Narodnaia Volia é um absurdo histórica e logicamente, porque qualquer tendência revolucionária, se pensa seriamente na luta, não pode passar sem uma tal organização. Não foi um erro mas, pelo contrário, um grande mérito dos narodnoltsi terem-se esforçado por atrair todos os descontentes à sua organização e orientar esta última para luta efectiva contra a autocracia. O seu erro foi o de se apoiarem numa teoria que, no fundo, não era de modo algum revolucionária, e de não terem sabido ou podido ligar indissoluvelmente o seu movimento à luta de classes no seio da sociedade capitalista em desenvolvimento. E só a mais grosseira incompreensão do marxismo (ou uma "interpretação" “struvista”) podia conduzir à crença de que o nascimento de um movimento operário de massas espontâneo nos libertará da obrigação de constituir uma organização revolucionária tão boa ou mesmo melhor do que a existia entre os zemlevoltsi. Pelo contrário, é esse movimento que nos impõe essa obrigação, pois a luta espontânea do proletariado não se transformará numa “verdadeira luta de classe” senão quando for dirigida por uma forte organização de revolucionários.
Em segundo lugar, muitos militantes — e ao que parece também B. Kritchévski (Rab. Dielo, n.º 10, p. 18) — interpretam de maneira errónea a nossa polémica contra a tendência que consiste em reduzir a luta política dos social-democratas a uma "conspiração"[1]. Combatemos e combateremos as tentativas de restringir a nossa luta política às dimensões de complô, mas isso não significa que neguemos a necessidade de uma forte organização revolucionária. Pelo contrário, na brochura mencionada na nota, encontra-se além de uma polémica contra os que queriam reduzir a luta política a uma conspiração, a descrição de uma organização (social-democrata ideal) suficientemente forte para poder recorrer à “insurreição" e a todos os "outros meios de ataque", "a fim de dar um golpe definitivo no absolutismo"[2]. Pela sua forma, uma tal organização revolucionária num país autocrático pode ser qualificada de "conspirativa", porque o segredo é-lhe muito necessário, tão indispensável que predomina sobre todas as outras qualidades (número de membros, escolha dos membros, funções, etc.). É por isso que seríamos muito ingénuos se nós, social-democratas, receássemos a acusação de criar uma organização conspirativa. Tal acusação é uma lisonja para todo o inimigo do "economismo", como o é a acusação de "narodnolismo".
Ouviremos, porém, a objecção de que uma organização tão poderosa e tão estritamente secreta, concentrando nas suas mãos todos os fios da acção clandestina, organização necessariamente centralizada, pode facilmente lançar-se num ataque prematuro e forçar irreflectidamente o movimento, antes que este se torne possível e necessário pelos progressos do descontentamento político, pela força da efervescência e da exasperação da classe operária, etc.. A isso responderemos: falando em termos abstractos, não se pode negar que uma organização de combate possa iniciar de ânimo leve uma batalha que pode terminar em derrota o que, noutras condições, não aconteceria. Mas, no caso, é impossível limitarmo-nos a considerações abstractas, porque todo o combate implica possibilidades abstractas de derrota, e não há outro meio de as diminuir senão preparando-se sistematicamente para o combate. Mas se a questão se coloca no campo concreto da situação russa de hoje, chega-se à conclusão de que uma organização revolucionária forte é absolutamente necessária justamente para consolidar o movimento, e preservá-lo de ataques irreflectidos. Agora que esta organização nos falta e que o movimento revolucionário espontâneo se desenvolve rapidamente, observam-se já dois extremos opostos (que, como é lógico, "se tocam"): um "economismo" inconsistente pregando a moderação, ou então um "terrorismo excitativo" não menos inconsistente, procurando "artificialmente suscitar sintomas do fim do movimento, quando este ainda se está a desenvolver e a fortalecer, quando ainda está mais próximo do início que do fim ". (V. Zassoulitch, Zaria n.º 2-3, p. 353). O exemplo do Rabótcheie Dielo mostra que existem social-democratas que cedem diante destes dois extremos. Isto não é nada de espantar, porque, abstraindo as outras razões, é evidente que "a luta económica contra os patrões e o governo" nunca satisfará um revolucionário, e extremos opostos sempre surgirão aqui ou ali. Só uma organização de combate centralizada conduzindo firmemente a política social-democrata e dando satisfação a todos os instintos e aspirações revolucionários, está em condições de precaver o movimento contra um ataque irreflectido e preparar o ataque que prometa o êxito.
Em seguida, objectar-nos-ão que o nosso ponto de vista sobre a organização está em contradição com o "princípio democrático". Se a acusação precedente era de origem especificamente russa, esta tem nitidamente um carácter estrangeiro. Só uma organização sediada no estrangeiro (a "União dos Social-Democratas Russos") podia dar à luz, entre outras, a seguinte instrução:
"Princípio de organização. No interesse do bom desenvolvimento e união da social-democracia, convém sublinhar e lutar pelo princípio da ampla democracia na organização do partido, o que se tornou particularmente necessário pelas tendências antidemocráticas que se revelaram nas fileiras do nosso partido" (Dois Congressos. p. 18).
Veremos no capítulo seguinte como o Rabótcheie Dielo luta contra as "tendências antidemocráticas" do Iskra. Por agora, examinemos de mais perto esse "princípio" colocado pelos "economistas". Todos provavelmente concordarão que o "princípio da ampla democracia" implica duas condições necessárias: primeiro, a total transparência e, depois, a electividade de todas as funções. Seria ridículo falar de democracia sem uma publicidade completa não limitada aos membros da organização. Chamaremos ao partido socialista alemão uma organização democrática, porque nele tudo se faz abertamente, até as sessões do congresso; mas ninguém qualificará de democrática uma organização encoberta pelo véu do segredo para todos aqueles que não são seus membros. Porque colocar então o "princípio da ampla democracia", quando a condição essencial desse princípio, é impraticável numa organização clandestina? Este "princípio", neste caso, não é mais do que uma frase sonora, mas vazia, que atesta uma incompreensão completa das nossas tarefas imediatas em matéria de organização. Toda a gente sabe que, entre nós, a "larga" massa dos revolucionários não guarda devidamente o segredo. Vimos amargura com que B-v se queixa, reclamando com justa razão uma "selecção rigorosa dos membros" (Rab. Dielo, nº6, p.42). E eis que pessoas, que se ufanam do seu “sentido das realidades”, surgem para nos pregarem não a necessidade de um segredo rigoroso e de uma selecção severa (portanto, mais restrita) dos membros, mas o "princípio da ampla democracia"! Isto é o que se chama ser “troca-tintas”.
Quanto à electividade, o segundo postulado da democracia, as coisas não vão melhor. Nos países onde reina a liberdade política, esse factor existe naturalmente. "São considerados membros do partido, todos aqueles que reconheçam os princípios do seu programa e o apoiam na medida das suas forças", diz o primeiro artigo dos estatutos do partido social-democrata alemão. Como a arena política é visível a todos, assim como a cena de um teatro o é para os espectadores, cada um sabe pelos jornais ou pelas assembleias públicas se determinada pessoa reconhece ou não esses princípios, ou a eles se opõe. Sabe-se que tal militante político teve este ou aquele início, que evoluiu desta ou daquela maneira, que num ou noutro momento difícil da sua vida se comportou de determinada maneira, que possui estas ou aquelas qualidades; consequentemente todos os membros do partido podem, com conhecimento de causa, eleger ou não dado militante para dado posto do partido. O controlo geral (no sentido literal da palavra) de cada passo dado por um membro do partido na sua carreira política cria um mecanismo que funciona automaticamente, e que assegura o que em biologia se chama de "sobrevivência do mais apto". Graças a essa "selecção natural", resultado de uma publicidade completa, da electividade e do controlo geral, cada militante está " no seu lugar", desempenhando as tarefas mais apropriada às suas forças e às suas capacidades, suporta as consequências dos seus erros, e demonstra perante todos a sua capacidade para reconhecer os seus erros e evitá-los.
Basta tentar encaixar este quadro na moldura de nossa autocracia! Será possível entre nós, que “todos aqueles que reconheçam os princípios do programa do partido e o apoiam na medida das suas forças" controlem cada passo dado pelos revolucionários-conspiradores? Será possível uma escolha entre estes últimos, quando o revolucionário é obrigado, no interesse do seu trabalho a esconder aquilo que é de nove décimos dos “todos”? Reflecti um pouco no verdadeiro sentido das frases sonoras do Rab. Dielo, e compreendereis que a "ampla democracia" na organização do partido, nas trevas da autocracia e sob um regime de selecção policial, não passa de um jogo inútil e prejudicial. É um jogo inútil porque nunca nenhuma organização revolucionária aplicou nem, mesmo querendo-o, pode aplicar a ampla democracia. É um jogo prejudicial, porque as tentativas para aplicar realmente o "princípio da democracia" apenas facilitam à polícia a realização de ataques de grande envergadura, perpetuam o amadorismo predominante, distraem os militantes da séria e imperiosa tarefa de proceder à educação de revolucionários profissionais, desperdiçando as forças a redigir “papéis" detalhados para os estatutos sobre o sistema de eleições. Só no estrangeiro, onde não raramente as pessoas, que não conseguem encontrar um trabalho verdadeiro e real, se reúnem, poderia haver sítio para se desenvolver, especialmente em grupos muito pequenos, este brincar à “democracia”.
Para mostrar ao leitor como é indigna a maneira de proceder do Rabótcheie Dielo, que prega o "princípio" aparentemente verdadeiro da "democracia" no trabalho revolucionário, mais uma vez recorreremos a uma testemunha. Essa testemunha – E. Serbriakov, editor da revista londrina Nakanunie – mostra um grande fraco pelo Rabótcheie Dielo e um grande ódio por Plekhanov e seus "plekhanovitas”; em artigos sobre a cisão da "União dos Sociais-Democratas Russos", no Nakanunie, tomou resolutamente o partido do Rabótcheie Dielo e derramou uma onda de palavras desprezíveis contra Plekhanov. É por isso que, para nós, o seu ponto de vista sobre esta questão é tão precioso. No artigo intitulado "A Propósito do Apelo do Grupo de Auto-libertação dos Operários" (Nakanunie, n.º 7 Julho de 1899), E. Serebriakov, observando a "inconveniência” que há em levantar as questões “de prestígio e de primazia no areópago de um movimento revolucionário sério", escrevia, entre outras coisas:
"Mychkine, Rogatchev, Jehabov, Míkhailov, Perovskaía, Figner e outros nunca se consideraram como chefes. Todavia, embora ninguém os tenha nomeado ou eleito, eram na realidade chefes, pois, tanto em período de propaganda como em período de luta contra o governo, encarregavam-se do trabalho mais difícil, iam aos lugares mais perigosos, e a sua actividade foi a mais proveitosa. E essa primazia não era o resultado dos seus desejos, mas da confiança dos camaradas que os rodeavam na sua inteligência, na sua energia e na sua dedicação. Temer um areópago omnipotente (e se não for temido, porquê falar dele) que dirigiria autoritariamente todo o movimento seria demasiada candura. Quem lhe obedeceria?"
Perguntamos ao leitor: qual é a diferença entre um "areópago" e as "tendências antidemocráticas"? Não é óbvio que o princípio de organização “aparentemente verdadeiro” do R. Dielo é tão ingénuo quanto inconveniente? Ingénuo, porque o "areópago" ou as pessoas com "tendências antidemocráticas" nunca serão obedecidas por ninguém, se não tiverem a "confiança, dos camaradas que os rodearem, na sua inteligência, na sua energia e na sua dedicação". Inconveniente, porque não é senão um procedimento demagógico que se aproveita da vaidade de uns e da ignorância de outros, com o verdadeiro estado do movimento, com a impreparação novatos e a sua ignorância da história do movimento revolucionário. O único princípio sério em matéria de organização para os militantes do nosso movimento deve ser: segredo rigoroso, selecção rigorosa dos seus membros, preparação de revolucionários profissionais. Com estas qualidades, teremos algo mais do que "democracia": uma inteira confiança fraterna entre revolucionários. Ora, isto é-nos absolutamente necessário, porque entre nós, na Rússia, não se pode pensar substituí-lo pelo controlo democrático geral. E seria um erro considerável crer que a impossibilidade de um controlo verdadeiramente "democrático" torna os membros da organização revolucionária incontroláveis: estes últimos, com efeito, não têm tempo para pensar nas formas de brincar à democracia (democracia num grupo compacto de camaradas tendo uns nos outros uma confiança completa), mas eles sentem muita vivamente a sua responsabilidade, sabendo por experiência própria que, para se desembaraçar de um membro indigno, uma organização de verdadeiros revolucionários não recuará frente a nenhum meio. Por outro lado, existe entre nós, no próprio seio do meio revolucionário russo (e internacional), uma opinião pública bastante desenvolvida, com uma longa história e que castiga com rigor implacável qualquer desvio aos princípios da camaradagem (ora, a verdadeira democracia, e não uma sua brincadeira, é um elemento constitutivo da camaradagem assim compreendida!). Tenha-se tudo isto em conta e compreender-se-á que estes discursos e estas resoluções sobre as "tendências antidemocráticas" só podem exalar o cheiro a porão característico da emigração, com as suas pretensões ao generalato!
Há que observar, além disso, que uma outra fonte desses discursos é a ingenuidade e a ideia confusa que faz da democracia. A obra do casal Webb sobre as trade-unions inglesas contém um capítulo curioso sobre a "democracia primitiva". Nele os autores contam que os operários ingleses consideravam ao princípio, como condição necessária da democracia, a participação de todos os membros em todos os detalhes da administração dessas uniões, não só todas as questões eram resolvidas pelo voto de todos os membros, mas também as próprias funções eram exercidas por todos os membros, sucessivamente. Foi preciso uma longa experiência histórica para que os operários compreendessem o absurdo de tal ideia de democracia e a necessidade de instituições representativas, por um lado, e de funcionários, por outro. Foram precisas inúmeras falências de caixas sindicais para fazer com que os operários compreendessem que a questão da relação entre as quotizações e os subsídios recebidos não podia ser decidida unicamente pelo voto democrático, e que exigia o parecer de um perito em matéria de seguros. Lede o livro de Kautsky sobre o parlamentarismo e a legislação popular, e vereis que as conclusões deste teórico marxista concordam com os ensinamentos da longa prática da união "espontânea” dos operários. Kautsky ergue-se resolutamente contra a concepção primitiva da democracia de Rittinghausen, ridiculariza as pessoas prontas a reclamar, em nome dessa democracia, que "os jornais populares sejam redigidos directamente pelo povo", demonstra a necessidade de profissionais jornalistas, parlamentares etc., para a direcção social-democrata da luta de classe do proletariado, ataca o “socialismo dos anarquistas e dos literatos" que, "procurando o efeito", preconizam a legislação popular directa e não compreendem até que ponto isso é inaplicável na sociedade actual.
Os que trabalharam no nosso movimento sabem como a concepção "primitiva" da democracia está espalhada entre a juventude estudantil e a massa dos operários. Por consequência, não é de estranhar que esta concepção invada os estatutos e a literatura. Os "economistas" da ala bernsteiniana escrevem nos seus estatutos: "§ 10. Todos os assuntos do interesse da totalidade da organização são decididos por maioria dos votos de todos os seus membros". Os "economistas" do tipo terroristas repetem atrás deles: "É preciso que as decisões dos comités tenham passado por todos os círculos antes de se tornarem decisões válidas" (Svoboda, n.º 1, P. 67). Observem que essa reivindicação relativa à aplicação ampla do referendo é acrescentada à que deseja que toda a organização seja construída sobre o princípio electivo! Longe de nós, bem entendido, a ideia de condenar por isso os práticos que tiveram tão pouca possibilidade de se iniciarem na teoria e na prática de organizações verdadeiramente democráticas. Mas quando o Rabótcheie Dielo, que aspira a um papel de dirigente, se limita, numa situação como esta, a uma resolução sobre o princípio de uma ampla democracia, por que não dizer de forma simples que unicamente "visa o efeito"?
f) O trabalho à escala local e nacional
Se as objecções ao "não-democratismo" e ao carácter conspirativo da organização cujo plano foi exposto aqui, estão destituídas de qualquer fundamento, resta ainda uma questão que frequentemente é levantada e merece exame detalhado. É o problema da relação entre o trabalho local e o trabalho em escala nacional. A formação de uma organização centralizada, pergunta-se com inquietude, não levará ao deslocamento do centro de gravidade do primeiro em direcção ao segundo? Isto não prejudicará o movimento, visto que a nossa ligação com a massa operária será enfraquecida e, de maneira geral, também será abalada a estabilidade da agitação local? A isso responderemos que, nestes últimos anos, o nosso movimento se tem ressentido precisamente do facto de os militantes locais estarem excessivamente absorvidos pelo trabalho local; que é absolutamente necessário, por conseguinte, deslocar um pouco o centro de gravidade em direcção ao trabalho em escala nacional; que esse deslocamento longe de enfraquecer, apenas reforçará a nossa ligação com a massa e a estabilidade da nossa agitação local. Tomemos a questão do órgão central e dos órgãos locais; pedimos ao leitor que não se esqueça que a imprensa, para nós, é apenas um exemplo que ilustra uma acção revolucionária infinitamente maior e diversa, em geral.
No primeiro período do movimento de massa (1896-1898), os militantes locais fizeram uma tentativa de criar um órgão para toda a Rússia: a Rabótchaia Gazeta; no período seguinte (1898-1900), o movimento deu um grande passo em frente, mas a atenção dos dirigentes estava inteiramente absorvida pelos órgãos locais. Se todos esses órgãos locais fossem levados em conta, verificar-se-ia que, em números redondos, se publicava um número por mês.[3] Tal ilustração não é representativa do facto de o nosso trabalho ser artesanal? Isto não mostra de forma evidente que a nossa organização revolucionária se atrasa em relação ao impulso espontâneo do movimento? Se a mesma quantidade de números de jornais tivesse sido publicada não por grupos locais dispersos, mas por uma única organização, não só teríamos economizado uma quantidade de forças, como também o nosso trabalho teria sido infinitamente mais estável e contínuo. Eis uma constatação bastante simples frequentemente esquecida pelos práticos que trabalham activamente de uma forma quase exclusiva nos órgãos locais (infelizmente, isto ocorre ainda hoje na grande maioria das vezes) e pelos publicistas que aqui dão provas de um espantoso quixotismo. O prático contenta-se normalmente em objectar que é "difícil"[4], para os militantes locais, montar um jornal para todo o país, e que é melhor ter jornais locais do que não ter nenhum. Naturalmente, isto é perfeitamente correcto, e para reconhecer a enorme importância e utilidade dos órgãos locais em geral, não necessitamos da advertência de nenhum prático. Mas não é essa a questão; o que importa é saber se não é possível remediar essa dispersão, esse trabalho rudimentar, que o aparecimento de trinta números de jornais locais em toda a Rússia, nestes dois anos e meio, atesta de maneira tão clara. Portanto, não se contentem com uma tese incontestável, porém demasiado geral, sobre a utilidade dos jornais locais em geral; tenham também coragem de reconhecer abertamente os aspectos negativos revelados pela experiência de dois anos e meio. Essa experiência atesta que, dadas as nossas condições, os jornais locais, na maior parte dos casos, são instáveis do ponto de vista dos princípios, não têm penetração política, são excessivamente onerosos no que diz respeito ao dispêndio de forças revolucionárias, e absolutamente insatisfatórios do ponto de vista técnico (não me refiro, bem entendido, à técnica de impressão, mas à frequência e regularidade da publicação). E todos os defeitos indicados não constituem obra do acaso, mas são o resultado inevitável desse esfacelamento que, de um lado, explica a predominância dos jornais locais no período examinado e, de outro, é suportado por essa predominância. Uma organização local, por si mesma, não pode assegurar a estabilidade do seu jornal do ponto de vista dos princípios e elevá-lo ao nível de um órgão político; vai além da sua força reunir e utilizar documentação suficiente para esclarecer toda a nossa vida política. Quanto ao argumento ao qual geralmente se recorre nos países livres para justificar a necessidade de numerosos jornais locais — o facto de terem preços módicos, por serem impressos pelos operários do lugar, e de apresentarem maior amplitude e rapidez de informações à população — esse argumento, conforme o demonstra a experiência, volta-se, entre nós, contra os jornais locais. Estes últimos custam demasiado caro, em relação ao dispêndio de forças revolucionárias, e aparecem em intervalos extremamente espaçados pela simples razão de que um jornal ilegal, por menor que seja, exige um enorme aparelho clandestino, que se é possível montar num grande centro fabril, já não o é numa oficina de artesão. O carácter rudimentar do aparelho clandestino permite ordinariamente (qualquer militante conhece inúmeros exemplos deste género) à polícia realizar prisões em massa, após o aparecimento e a divulgação de um ou dois números, e destruir as coisas ao ponto de ser preciso recomeçar tudo de novo. Um bom aparelho clandestino exige, uma boa preparação profissional dos revolucionários e uma divisão rigorosamente lógica do trabalho. Duas condições absolutamente impossíveis para uma organização local, por mais forte que seja num determinado momento. Sem falar dos interesses de nosso movimento como um todo (educação socialista e uma política operária consequente), os interesses especificamente locais são melhor defendidos por órgãos não locais: à primeira vista isto pode parecer paradoxal, mas, na realidade, é um facto irrefutável, provado pela experiência de dois anos e meio de que já falámos. Todos concordarão que, se todas as forças locais que publicaram trinta números de jornais tivessem trabalhado para um único jornal, esse jornal teria facilmente chegado a sessenta ou até cem números e, por conseguinte, teria reflectido de forma mais completa todas as particularidades puramente locais do movimento. Na verdade, não é fácil atingir este grau de organização, mas também é preciso que tomemos consciência da necessidade de que cada círculo local pense e trabalhe activamente nesse sentido, sem esperar um impulso de fora, sem se deixar seduzir pela acessibilidade, pela proximidade de um órgão local, proximidade que é em grande parte ilusória, como o demonstra a nossa experiência revolucionária.
E os publicistas, que não percebem este carácter ilusório, que acreditam estar especialmente próximos dos práticos e se esquivam do jornal para toda a Rússia com o raciocínio espantosamente fácil e vazio da necessidade de jornais locais e de jornais regionais, afinal só prestam serviços precários ao trabalho prático. Em princípio, tudo isso é necessário, evidentemente, mas também é preciso pensar nas condições do meio e do momento quando se aborda um problema concreto de organização. De facto, não é quixotismo dizer, como a Svoboda (nº 1, p. 68), ao "tratar especificamente a questão do jornal" que: "na nossa opinião, cada aglomeração operária algo significativa deve ter o seu próprio jornal. O seu próprio jornal feito por ela, e não trazido de fora". Se este publicista não quer reflectir no sentido das suas palavras, que o leitor ao menos reflicta por ele: quantas dezenas ou centenas "de aglomerações operárias algo significativas" existem na Rússia e da forma como os nossos métodos artesanais seriam perpetuados se cada organização local começasse realmente a editar o seu próprio jornal! Da forma como esse fraccionamento facilitaria o trabalho da polícia: prender sem qualquer esforço "considerável" "os militantes locais no início da sua actividade”, antes que tivessem tempo de se transformarem em verdadeiros revolucionários! “Num jornal para toda a Rússia,” continua o autor, “seriam fastidiosas as tramas dos fabricantes” e "os pequenos factos da vida de fábrica noutras cidades que não a do leitor", mas "o habitante de Orel não se aborrecerá ao ler o que se passa em Orel. Em cada ocasião pode reconhecer aqueles que 'foram pilhados', os que foram 'perseguidos' e a sua mente trabalha" (p. 69). Sim, naturalmente a mente do habitante de Orel trabalha, mas a imaginação do nosso publicista também "trabalha" demasiadamente. É oportuno defender assim semelhante mesquinharia? É nisso que deveria reflectir. Naturalmente as revelações sobre a vida das fábricas são necessárias e importantes, isso reconhecemos melhor que ninguém, mas é preciso lembrar que chegámos a uma situação em que os habitantes de Petrogrado já se cansaram de ler a correspondência petersburguesa do jornal petersburguês Rabótchaia Mysl. Para as revelações do que ocorre nas fábricas sempre tivemos e sempre deveremos ter as folhas volantes, mas quanto ao conteúdo do nosso jornal, devemos elevá-lo e não rebaixa-lo ao nível de uma folha volante de fábrica. Quando se trata de um "jornal", é preciso revelar não tanto os "pequenos factos" como os defeitos essenciais, particulares à vida da fábrica, revelações na base de exemplos relevantes e, por conseguinte, susceptíveis de interessar a todos os operários e dirigentes do movimento, enriquecendo verdadeiramente os seus conhecimentos, alargando o seu horizonte, despertando uma nova região, uma nova categoria profissional de operários.
"Em seguida, no jornal local pode-se apreender in loco, ainda quentes, todas as tramas da hierarquia da fábrica ou das autoridades. Ao contrário, com um jornal central, distante, a notícia demoraria a chegar, e quando o jornal saísse o acontecimento estaria esquecido: ‘Quando foi isto, que vá pró diabo quem se lembra!’" (ibid.). Precisamente: para o diabo quem se lembra! Segundo a mesma fonte, os trinta números publicados em dois anos e meio vêm de seis cidades. Isto significa que, em média, há um número a cada seis meses por cidade! Supondo mesmo que o nosso publicista, irreflectidamente, triplica o rendimento do trabalho local (o que seria, absolutamente falso para uma cidade média, pois os nossos métodos artesanais impedem um aumento sensível do rendimento), teremos apenas um número a cada dois meses; portanto, não seria possível "apreender ainda quentes" as notícias: Porém, bastaria que dez organizações locais se unissem e confiassem aos seus delegados a função activa de organizar um jornal comum, para que fosse possível "apreender" não só os pequenos factos, mas os abusos gritantes e típicos de toda a Rússia e isto a cada quinze dias. Aqueles que conhecem a situação nas nossas organizações não podem duvidar disso. Quanto a surpreender o inimigo em flagrante delito, se quisermos levar a sério e não ser levados pela beleza do estilo, um jornal ilegal não poderia sequer pensar nisso: isso só pode ser feito através de folhas volantes, pois a maior parte das vezes, só se dispõe de um ou dois dias (por exemplo, quando se trata de uma greve comum e curta, de um tumulto na fábrica, de uma manifestação qualquer etc.).
"O operário não vive apenas na fábrica, vive também na cidade" prossegue o nosso autor, passando do particular para o geral com um tão rigoroso sentido de sequência que honraria o próprio Bóris Kritchévski. E indica as questões a tratar: as dumas municipais, os hospitais, as escolas, e declara que um jornal operário não poderia silenciar os assuntos municipais. Tal disposição é, em si, excelente, mas mostra bem as abstracções vazias de sentido com as quais nos contentamos com tanta frequência quando se trata de jornais locais. Primeiro, se em "todas as organizações operárias algo significativas" fossem fundados de facto jornais com uma secção municipal tão pormenorizada como quer a Svoboda, isso infalivelmente degeneraria em verdadeiras mesquinharias, nas condições russas, enfraqueceria o sentimento que temos sobre a importância de uma investida revolucionária de toda a Rússia contra a autocracia; reforçaria os germes bastante resistentes — mais dissimulados ou reprimidos do que extirpados — da tendência tornada célebre pela famosa frase sobre os revolucionários que falam muito do parlamento inexistente, e pouco das dumas municipais existentes. Infalivelmente, dizemos acentuando assim que não é isso que a Svoboda deseja, mas o contrário. Não bastam as boas intenções. Para que os assuntos municipais sejam tratados sob uma perspectiva apropriada ao conjunto do nosso trabalho, é preciso, primeiro, que essa perspectiva seja perfeitamente definida, firmemente estabelecida não apenas por simples raciocínios, mas também por inúmeros exemplos; é preciso que adquira a solidez de uma tradição. Ainda estamos longe disso, e portanto é preciso começar daí, antes que se possa pensar numa grande imprensa local, ou dela falar.
Em segundo lugar, para escrever verdadeiramente bem e de forma interessante sobre os assuntos municipais, é preciso conhecê-los bem, e não apenas através dos livros. Ora, em toda a Rússia, quase não há social-democratas que possuam esse conhecimento. Para escrever num jornal (e não numa brochura popular) sobre os assuntos da cidade e do Estado, é preciso ter uma documentação nova, múltipla, recolhida e elaborada por homens competentes. Ora, para recolher e elaborar semelhante documentação, não basta a "democracia primitiva" de um círculo primitivo, no qual todos se ocupam de tudo e divertem com referendos. Para isso, é preciso um estado-maior de escritores especializados, de correspondentes especializados, um exército de repórteres social-democratas que estabeleçam relações de todos os lados, saibam penetrar até nos menores "segredos de Estado" (dos quais o funcionário russo tanto se gaba e com tanta facilidade divulga), introduzir-se em todos os "bastidores", um exército de pessoas obrigadas "pelas suas funções" a serem omnipresentes e omniscientes. E nós, partido de luta contra qualquer opressão económica, política, social, nacional, podemos e devemos encontrar, reunir, instruir, mobilizar e pôr em marcha esse exército de homens omniscientes. Porém, isso ainda não está feito! Ora, nada temos realizado nesse sentido, na maior parte das localidades, e, frequentemente, nem sequer temos a consciência necessária para fazê-lo. Procurem na nossa imprensa social-democrata artigos vivos e interessantes, notícias que revelem os nossos assuntos diplomáticos, militares, religiosos, municipais, financeiros etc., grandes ou pequenos; quase nada ou muito pouco será encontrado[5]. Por isso, "fico terrivelmente irritado quando alguém me vem dizer uma série de coisas muito lindas e notáveis" sobre a necessidade de haver, "em cada aglomeração operária algo significativa", jornais que denunciem os abusos que ocorrem nas fábricas, na administração municipal, e no Estado!
A predominância da imprensa local sobre a imprensa central ou é um indício de miséria ou então de opulência. De miséria, quando o movimento ainda não forneceu forças suficientes para a produção em grande escala, quando ainda vegeta nos métodos artesanais e está quase imerso nos "pequenos factos da vida de fábrica". De opulência, quando o movimento já teve êxito completo no cumprimento das suas múltiplas tarefas de divulgação e de agitação, e surge a necessidade de se ter, paralelamente a um órgão central, numerosos órgãos locais. Quanto ao significado da preponderância dos órgãos locais, entre nós, no momento actual, deixo a cada um a preocupação de decidir. Quanto a mim, para evitar qualquer mal-entendido, formularei de forma precisa a minha conclusão. Até agora, a maioria das nossas organizações locais pensa quase que exclusivamente nos órgãos locais: ocupam-se activamente apenas desses últimos. Isto não é normal. Pelo contrário, é preciso que a maioria das organizações locais pense principalmente na criação de um órgão para toda a Rússia, que disso se ocupe. Enquanto não for assim, não poderemos publicar nem mesmo um único jornal que seja capaz de servir verdadeiramente o movimento através de uma abrangente agitação pela imprensa. E quando isso ocorrer, as relações normais entre o órgão central indispensável e os indispensáveis órgãos locais serão estabelecidas por si próprias.
***
À primeira vista pode parecer que a necessidade de deslocar o centro de gravidade, do trabalho local para o trabalho à escala nacional, não é indicada no terreno da luta económica pura. Aqui, o inimigo directo dos operários é representado pelos empregadores isolados ou grupos de empregadores não ligados entre si por uma organização que lembre, mesmo que apenas longinquamente, uma organização puramente militar, estritamente centralizada, dirigida nos menores detalhes por uma vontade única, como é a organização do governo russo, nosso inimigo directo na luta política.
Mas, não é assim. A luta económica — já dissemos milhares de vezes — é uma luta profissional, e por isso exige o agrupamento dos operários por profissão, e não unicamente por local de trabalho. E esse agrupamento por profissões é tanto mais urgente quanto maior for a precipitação dos empregadores em se agruparem em sociedades e sindicatos de toda a espécie. O nosso fraccionamento e os nossos métodos artesanais travam nitidamente este agrupamento, que necessita de uma só organização de revolucionários para toda a Rússia, capaz de assumir a direcção das associações profissionais operárias á escala nacional. Expusemos acima o tipo de organização apropriada; acrescentaremos a seguir algumas palavras apenas em relação à nossa imprensa.
Ninguém contesta que todo o jornal social-democrata deva trazer uma secção dedicada à luta profissional (económica). Mas o crescimento do movimento profissional obriga-nos a pensar também na criação de uma imprensa profissional. Contudo, parece-nos que, com raras excepções, ainda não é possível colocar, na Rússia, tal questão: é um luxo quando frequentemente nos falta o pão de cada dia. Em matéria de imprensa profissional, a melhor forma adaptada às condições actuais do trabalho ilegal, a forma desde hoje necessária, seria a brochura por profissão. Nela deveria ser coligida e agrupada sistematicamente a documentação legal[6] e ilegal sobre as condições de trabalho nesta ou naquela profissão, o que distingue a esse respeito as diferentes regiões da Rússia, as principais reivindicações dos operários de uma dada profissão, as insuficiências de legislação a que ela se refere; sobre os exemplos mais relevantes da luta económica dos operários desta ou daquela corporação; sobre o início, o estado actual e as necessidades da sua organização sindical etc. Inicialmente, estas brochuras necessitariam que a nossa imprensa social-democrata fornecesse uma série de detalhes profissionais que interessassem especialmente os operários de uma determinada profissão; em seguida, reproduziriam os resultados da nossa experiência na luta sindical, conservariam a documentação colectada, que hoje literalmente se perde na massa de folhas volantes e publicações fragmentárias, e generalizariam essa documentação. Em terceiro lugar, poderiam servir, de alguma forma, como guia para os agitadores, uma vez que as condições de trabalho se modificam de forma relativamente lenta, e as reivindicações essenciais dos operários de uma determinada profissão são muito estáveis (comparem as reivindicações dos tecelões da região de Moscovo, em 1885, e as da região de Petrogrado, em 1896). O resumo dessas reivindicações e necessidades poderia constituir, durante anos, um excelente manual para a agitação económica nas localidades atrasadas ou entre as categorias de operários mais atrasadas. Os exemplos de greves vitoriosas, em determinada região, os dados ilustrando um nível superior de vida e de melhores condições de trabalho numa determinada localidade, encorajariam os operários de outras localidades a novas lutas. Enfim, tomando a iniciativa de generalizar a luta profissional e reforçando, assim, a ligação do movimento profissional russo com o socialismo, a social-democracia trabalharia simultaneamente para que a nossa acção sindical ocupasse um lugar, nem muito grande nem muito pequeno, no conjunto do nosso trabalho social-democrata. É muito difícil, quase impossível, para uma organização local, isolada das organizações de outras cidades, observar na justa proporção esse aspecto (e o exemplo da Rabótchaia Mysl indica o monstruoso exagero a que se pode chegar, em termos de sindicalismo). Mas uma organização de revolucionários para toda a Rússia, que se mantenha deliberadamente ligada ao ponto de vista do marxismo, que dirija toda a luta do ponto de vista do marxismo, que dirija toda a luta política e que disponha de um estado-maior de agitadores profissionais, jamais terá dificuldades para estabelecer essa justa proporção.
V Parte - 1
[1] Cf . As tarefas dos sociais-democratas russos, p. 21, polémicas contra PL Lavrov. (Ver Obras Escolhidas, vol 2, pp 340-41 -Ed....) – Lenine.
[2] As Tarefas dos Sociais-Democratas Russos, p. 23. Ilustração suplementar do facto de que o Rabótcheie Dielo ou não compreende bem o que diz, ou muda de opinião "segundo o vento". Assim, no Rabótcheie Dielo, nº1. vemos a frase, seguinte impressa em itálico: "O conteúdo da brochura coincide inteiramente com o programa da redacção do "Rabótcheie Dielo" (p. 142). Verdade? A recusa de se atribuir como primeira tarefa do movimento de massa o derrube da autocracia corresponde ao ponto de vista do As tarefas? A teoria da “luta económica contra os patrões e o governo” corresponde à do As tarefas? E a teoria dos estádios? Fica ao leitor a liberdade de julgar a solidez dos princípios de um órgão que compreende de maneira tão original as "coincidências de opinião". – Lenine.
[3] Ver o Relatório ao Congresso de Paris, p. 14: "Desde essa época (1897) até à primavera de 1900 foram publicados em diferentes lugares trinta números de jornais diferentes... Em média, mais de um número por mês". – Lenine.
[4] Essa dificuldade é apenas aparente. Na realidade, não há círculo local que possa preencher essa ou aquela função de um trabalho de interesse para toda a Rússia. "Não diga: eu não posso; diga: não quero". – Lenine.
[5] Eis porque mesmo o exemplo de órgãos locais muito bem-feitos confirma inteiramente o nosso ponto de vista. Assim, o Yuzhni Rabochi (O Operário do Sul) é um excelente jornal, que não pode ser acusado de instabilidade de princípios. Mas como aparece raramente é alvo de numerosas prisões policiais, e não pode oferecer ao movimento local aquilo a que se propõe. O que é mais necessário ao Partido, no momento presente – colocar, em princípio, os problemas fundamentais e proceder a ampla agitação política – o órgão local não pode realizar. E o que apresentou de melhor, como os artigos sobre os congressos dos proprietários de minas, o desemprego etc., não era de interesse estritamente local, mas geral, para toda a Rússia e não apenas para o Sul. Em toda a nossa imprensa social-democrata, ainda não tivemos artigos como esses. – Lenine.
[6] A documentação legal é de especial importância a esse respeito, e estamos longe de saber colectá-la e utilizá-la com método. Não é exagero dizer que apenas com a documentação legal pode-se escrever uma brochura sindical, e que e impossível fazê-lo apenas com a documentação ilegal. Colectando entre os operários a documentação ilegal sobre questões como as tratadas pela Rabótchaia Mysl, desperdiçamos inutilmente as forças dos revolucionários (que facilmente poderiam ser substituídos nesse trabalho pelos militantes legais) sem obter, contudo uma boa documentação. De facto, os operários, conhecem de ordinário apenas uma oficina de uma única grande fábrica; quase sempre conhecem os resultados económicos, mas não as condições e normas gerais do seu trabalho; não podem adquirir os conhecimentos que possuem os empregados de fábrica, inspectores, médicos etc., e que estão dispersos nas pequenas publicações de jornais e publicações especiais das indústrias, serviços sanitários, dos zerntsvos, etc.
Sempre me lembro de minha "primeira experiência", que não desejaria repetir. Durante semanas interroguei "com toda decisão" um operário que veio até mim, sobre os menores detalhes do regime da grande fábrica onde trabalhava. Com grande dificuldade consegui fazer a descrição (de uma única fábrica!), Porém, às vezes, no fim da nossa conversa, o operário enxugando a testa me dizia sorrindo: "É mais fácil fazer horas extras do que responder às suas perguntas!"
Quanto mais energicamente conduzirmos a luta revolucionária, mais o governo será obrigado a legalizar uma parte de nosso trabalho "sindical", o que nos livrará de parte da nossa carga. – Lenine.
"esquerdismo" - a doença infantil do com
a catastrofe iminente e os meios de a co
a classe operária e o neo-malthusianismo
as possibilidades de êxito da guerra
as tarefas dos destacamentos do exército
carta ao comité de combate junto do comi
chile: lição para os revolucionários de
discurso radiodifundido em 3 de julho de
do socialismo utópico ao socialismo cien
editorial do bandeira vermelha nº1
imperialismo - estádio supremo do capita
jornadas sangrentas em moscovo
karl marx (breve esboço biográfico...
manifesto do partido comunista
mensagem do comité central à liga dos co
o exército revolucionário e o governo re
o materialismo dialéctico e o materialis
os ensinamentos da insurreição de moscov
para uma linha política revolucionária
pensar agir e viver como revolucionários
reorganizar o partido revolucionário do
sobre o que aconteceu com o rei de portu