de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Terça-feira, 23 de Abril de 2013
As tarefas dos destacamentos do exército revolucionário
  1. Acções militares independentes.
  2. Direcção das massas.

Os destacamentos podiam ser de qualquer tamanho a partir de dois-três homens.

Os destacamentos devem armar-se a si próprios, cada um o melhor possível (espingardas, revólveres, bombas, facas, matracas, bastões, trapos impregnados de petróleo para servir de archotes, cordas ou escadas de corda, pás para a construção de barricadas, cápsulas de algodão-pólvora, arame farpado, pregos [contra a cavalaria], etc.). Não esperes nunca ajuda do lado, de cima, de fora, faz tudo sozinho.

Os destacamentos devem compor-se tanto quanto possível de pessoas vivendo perto umas das outras ou que se encontrem frequentemente, regularmente, a horas determinadas (o melhor é que estas duas condições coincidam, porque os encontros regulares podem ser impedidos pela insurreição). Ser-lhes-á preciso arranjar as coisas de maneira que se possam encontrar juntos nos momentos mais críticos, nas situações mais imprevistas. É a razão por que cada destacamento deverá fixar antecipadamente os métodos e os processos das suas acções em conjunto: sinalização nas janelas, etc., para se reunirem mais facilmente; gritos ou assobios convencionados para reconhecer um camarada na multidão, sinais de reconhecimento para os casos de encontro nocturno, etc.. Todo o homem enérgico pode, com dois ou três camaradas, estabelecer regras e diversos processos deste género, que é preciso determinar, aprender, exercitar-se e aplicar. Não esqueçamos que há 99% de probabilidades de se ser surpreendido pelos acontecimentos, e obrigado a reunir com as maiores dificuldades.

Mesmo sem armas, os destacamentos podem ter um papel sério: 1. dirigindo o povo; 2. atacando, logo que aparece uma ocasião, um agente da polícia, um cossaco isolado (como aconteceu em Moscovo), etc., para o desarmar; 3. libertando as pessoas detidas ou feridas quando a polícia não está em força; 4. ocupando as coberturas e os andares superiores das habitações, etc., para fazer chover sobre a tropa pedras, água a ferver, etc.. Com eficácia, um destacamento militar organizado e estreitamente unido será uma grande força. Não se deve em nenhum caso renunciar à organização de um destacamento militar, nem adiá-la sob pretexto de falta de armas.

Os destacamentos devem, tanto quanto possível, proceder adiantadamente à distribuição das funções e, por vezes, designar antecipadamente o seu chefe. Não seria razoável brincar com a distribuição das graduações, mas não se pode esquecer a grande importância de uma direcção única, de uma acção pronta e resoluta. A resolução, o espírito de ofensiva, asseguram três quartos do sucesso.

Desde a sua formação, quer dizer desde agora, os destacamentos terão de começar o seu trabalho sob todos os seus aspectos, não somente teóricos mas e obrigatoriamente práticos. Colocamos no trabalho teórico o estudo das ciências militares, os ensinamentos sobre algumas questões militares; as conferências sobre problemas militares, palestras com a participação de militares (oficiais, sub-oficiais e mesmo operários antigos militares); a leitura, a análise e o estudo de brochuras ilegais e artigos de jornais sobre os combates de rua, etc..

Os trabalhos práticos, repitamo-lo, devem ser começados imediatamente. Dividem-se em trabalhos preparatórios e em operações militares. Aos trabalhos preparatórios dizem respeito a procura de armas e projécteis de toda a espécie, de habitações apropriadas aos combates de rua (habitações permitindo dominar a rua, estabelecer depósitos de bombas, pedras, etc., ou ácidos que se atirará sobre a polícia, etc., albergar o estado-maior, reunir as informações, esconder as pessoas perseguidas, hospitalizar os feridos, etc.). Aos trabalhos preparatórios dizem respeito ainda os trabalhos imediatos de exploração e de reconhecimento. É preciso obter os planos das prisões, dos postos da polícia, dos ministérios, etc., conhecer os regulamentos sobre a distribuição do trabalho nas instituições do Estado, dos bancos, etc., conhecer as condições de vigilância destes estabelecimentos, esforçar-se por estabelecer relações úteis (entre o pessoal da polícia, dos bancos, dos tribunais, das prisões, dos correios, dos telégrafos, etc.), conhecer os depósitos de armas, todos os estabelecimentos de armas da cidade, etc.. Há trabalho em barda, e trabalho onde cada um pode ter imensa utilidade, mesmo sem ter a mais pequena aptidão para o combate de ruas, mesmo pessoas débeis, as mulheres, os adolescentes, os velhos, etc.; esforçar-nos-emos para reunir desde agora nos destacamentos, sem a mais pequena excepção, todos os que querem participar na insurreição, porque não há nem pode haver ninguém que, se tenha desejo de trabalhar, não possa ter uma grande utilidade à causa, mesmo se as armas lhe fazem falta, mesmo se é inapto para a luta.

Em caso algum, os destacamentos do exército revolucionário limitar-se-ão só às acções preparatórias e passarão, mas passarão tão prontamente quanto possível, às acções militares a fim de: 1 exercitar as forças de combate; 2 conhecer os pontos fracos do inimigo; 3 infligir ao inimigo derrotas parciais; 4 libertar os prisioneiros (escolhidos); procurar armas, conseguir fundos para a insurreição (confiscação dos fundos do governo), etc.. Os destacamentos podem e devem perceber no momento preciso a ocasião propícia à realização de uma acção vigorosa sem esperara a insurreição geral, porque não se pode estar apto para a insurreição sem aller au feu.

Certamente todo o exagero é deplorável; tudo o que de bom e útil, se é exagerado, pode tornar-se fatalmente para além de certos limites, mau e prejudicial. O terrorismo em pequena escala, levado ao extremo, desordenado e não preparado não leva senão a dispersar e a desperdiçar as forças. É verdade e não se deve esquecê-lo. Mas por outro lado, não se devia esquecer, em nenhum caso, que a palavra de ordem da insurreição foi já lançada hoje, que a insurreição já começou. Começar o ataque, se houver condições favoráveis, não é somente um direito, mas também a obrigação directa de todo o revolucionário. Matar espiões, polícias, guardas, atacar os postos da polícia, libertar os prisioneiros, confiscar os fundos do governo para a insurreição: estas operações e outras do género já foram feitas por todo o lado onde se inflama a insurreição, na Polónia como no Cáucaso, e todo o destacamento do exército revolucionário deve estar imediatamente pronto para operações semelhantes. Qualquer destacamento se deve lembrar que, se deixa escapar hoje a ocasião propícia à realização destas operações, torna-se culpado de uma inacção imperdoável, culpado de passividade, e que esta falta é um crime maior da parte do revolucionário na altura da insurreição, que constitui a maior desonra para alguém que aspire à liberdade de facto e não de palavras.

Quanto à composição destes destacamentos, pode-se dizer o que se segue. Os efectivos desejáveis e a distribuição das funções não serão determinados pela experiência. Estas experiência, devemos nós próprios começar a elaborar, sem esperar indicações de ninguém. Pedir-se-á naturalmente à organização revolucionária local para enviar ao destacamento um militar revolucionário que fará conferências e palestras, dará conselhos; mas se ele não comparecer, agir-se-á obrigatoriamente por si próprio sem hesitar.

No que respeita à divisão segundo os partidos, é natural que os membros de um dado partido prefiram reunir-se no mesmo destacamento. Mas não há razão de se oporem absolutamente à entrada nos destacamentos de membros de diferentes partidos. É aqui justamente que nós devemos realizar a união, a aliança prática (sem a menor fusão dos partidos, entenda-se), do proletariado socialista e da democracia revolucionária. Todo aquele que queira lutar pela liberdade e o mostre por actos que prestou, pode ser classificado entre os democratas revolucionários, e devemo-nos esforçar por trabalhar com ele na preparação da insurreição, (na condição, está bem entendido, de que a pessoa ou grupo inspirem inteira confiança). Todos os outros democratas devem ser claramente afastados, na qualidade de quasi democratas, na qualidade de bons oradores liberais com os quais não se pode contar, nos quais seria criminoso, para os revolucionários, ter confiança.

A união dos destacamentos é, evidentemente, desejável. A elaboração das formas e das condições da sua actividade comum será extremamente útil. Mas não será preciso cair em caso algum no exagero pondo-se a elaborar planos complicados, esquemas gerais, e adiando a acção activa por fantasias pedantescas, etc. A insurreição far-se-á inevitavelmente em condições onde os elementos desorganizados serão mil vezes mais numerosos que os elementos organizados; haverá também forçosamente, casos em que será preciso intervir no local, imediatamente, a dois ou mesmo sozinho, e cada um deve-se preparar para agir com os seus riscos e perigos. As demoras, as discussões, as hesitações, são o insucesso da insurreição. A maior resolução, a máxima energia, a utilização imediata das paixões revolucionárias da multidão, a orientação desta para as acções mais enérgicas e mais resolutas, é o primeiro dever do revolucionário.

A luta contra os Cem-Negros constitui uma acção militar excelente, que forma os soldados do exército revolucionário, dá-lhes o baptismo de guerra e apresenta para a revolução uma grande utilidade. Os destacamentos do exército revolucionário devem estudar imediatamente como, onde e de quem se formam as centúrias negras, e não se limitar em seguida só à propaganda (Insuficiente ainda que útil), mas intervir pela força das armas, assaltando os Cem-Negros, matando-os, fazendo explodir os seus quartéis generais, etc.

 Escrito no fim de Outubro de 1905.



publicado por portopctp às 23:29
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Terça-feira, 16 de Abril de 2013
Carta ao Comité de Combate junto do Comité de S. Petersburgo

 Caros camaradas! Estou-vos muito reconhecido por me terem enviado: 1. O relatório do Comité de combate; 2. As notas sobre a organização da preparação da insurreição; 3. O esquema da organização. Depois de ter tomado conhecimento destes documentos, pensei ser meu dever dirigir-me directamente ao Comité de combate a fim de ter com ele uma amigável troca de impressões. Não é preciso dizer que não pretendo julgar questões práticas; está fora de dúvida que se faz tudo o que é possível fazer nas condições tão difíceis em que se encontra a Rússia. Mas a julgar pelos documentos, o trabalho arrisca-se a degenerar em papelada. Todos estes esquemas, todos estes planos de organização do Comité de combate dão a impressão de uma grande papelada. Peço-vos desculpa pela minha franqueza, espero que não suspeitem de algum desejo de chicana. Em semelhante questão os esquemas, as discussões, as palavras sobre as funções e os direitos do Comité de combate estão deslocados. O que aqui é preciso, é uma energia furiosa e sempre energia. Vejo com espanto, mas verdadeiramente com espanto, que se fala de bombas há mais de seis meses sem se ter fabricado uma única. E são as pessoas mais sabedoras que falam… ide ter com os jovens, senhores! Eis o único e salutar remédio. Senão asseguro-vos que se encontrarão atrasados (tudo mo indica) com memórias «eruditas», planos, gráficos, esquemas, receitas magníficas, mas sem organização, sem trabalho expressivo. Ide ter com os jovens! Formai imediatamente, em todo o lado, grupos de combate, formai-os sobretudo entre os estudantes e os operários, etc.. Que destacamentos militares de 3 a 10 homens, mesmo até 30 homens, se formem imediatamente. Que se armem imediatamente a si próprios como puderem, com um revólver, ou uma faca, ou um trapo impregnado de petróleo para servir de archote. Que estes destacamentos militares designem rapidamente os seus chefes e se ponham tanto quanto possível em contacto com o Comité de combate junto do Comité de Petersburgo. Não peçam nenhuma formalidade; nada de esquemas, por amor de Deus; enfim, peço-vos, todas as «funções, direitos e privilégios» para o diabo. Não exijam filiação obrigatória no POSDR; seria para a insurreição armada uma exigência absurda. Não recusem estabelecer ligação com o mais pequeno grupo, mesmo que só tenha três homens, com a única condição de não ter nenhum acordo com a polícia e esteja pronto a lutar contra as tropas do czar. Que os grupos que o desejarem, se filiem no POSDR ou se juntem a ele, está certo; mas considero absolutamente como um erro exigi-lo.

A tarefa do Comité de combate junto do Comité de Petersburgo deve ser ajudar estes destacamentos do exército, servir de «comissão» de ligação, etc. qualquer destacamento aceitará de boa vontade os vossos serviços, mas se começam neste assunto com esquemas e com discursos sobre os «direitos» do Comité de combate, perdem tudo, asseguro-vos, perdem tudo para sempre.

O que aqui é preciso, é uma grande propaganda. Que 5 a 10 homens visitem numa semana centenas de círculos operários e estudantes, penetrem por todo o lado onde se pode penetrar, proponham um plano claro, breve, directo e simples: formem imediatamente um destacamento, armem-se como possam, trabalhem com todas as forças, levar-vos-emos toda a ajuda possível, mas não esperem por nós, trabalhem vocês mesmos.

O principal neste assunto é a iniciativa da massa dos pequenos círculos. Eles farão tudo. Sem eles o vosso Comité de combate não é nada. Estou pronto a medir a eficácia dos trabalhos do Comité de combate pelo número de destacamentos deste género com os quais estará ligado. Se, num mês ou dois, o Comité de combate não tem em Petersburgo, pelo menos, de 200 a 300 destacamentos, será um Comité morto. Será preciso enterrá-lo. Não juntar, na efervescência actual, uma centena de destacamentos militares, é estar fora da realidade.

Os propagandistas devem fornecer a cada um dos destacamentos os mais simples e breves esquemas de bombas, uma exposição elementar do género de trabalho nas suas linhas gerais e deixá-los em seguida agir por si próprios. Os destacamentos devem começar imediatamente a sua instrução militar por operações de combate imediatas. Uns procederão já de seguida à supressão de um espião, outros farão ir pelos ares um posto de polícia; os outros atacarão um banco para arranjar os fundos necessários à insurreição, outros ainda farão exercícios ou esquemas, etc.. O indispensável é começar já de seguida a insurreição pela acção: não tenham medo destas experiências de ataque. Podem naturalmente conduzir a excessos. Mas isso será o mal de amanhã: enquanto que a nossa inércia, o nosso doutrinarismo, a nossa sábia imobilidade, o nosso modo senil de iniciativa, é o mal de hoje. Que cada destacamento faça a sua própria aprendizagem, espancando os agentes da polícia: o treino de centenas de combatentes, que conduzirão amanhã para o combate centenas de milhares de homens, compensarão a perda de algumas dezenas de homens.

Um grande aperto de mão, camaradas, e votos de grande sucesso. Eu não imponho, de maneira alguma, a minha opinião; mas penso ser meu dever usar do direito de voz consultiva. O vosso Lenine.

Escrito em 29[16] de Outubro de 1905



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Sexta-feira, 12 de Abril de 2013
O exército revolucionário e o governo revolucionário

A insurreição de Odessa e a passagem para o campo de revolução do couraçado Potemkime marcaram um novo, um grande progresso do movimento revolucionário contra a autocracia. Os acontecimentos confirmaram com uma rapidez extraordinária a oportunidade dos apelos à insurreição e à formação de um governo revolucionário provisório, dirigidos ao povo pelos representantes conscientes do proletariado, reunidos no III Congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia[1]. A nova explosão revolucionária põe em destaque o alcance prático destes apelos e obriga-nos a determinar mais exactamente as tarefas dos militares revolucionários na actual situação da Rússia.

A insurreição armada do povo amadurece e organiza-se, sob a influência do desenvolvimento espontâneo dos acontecimentos. Não há muito tempo que os motins, noutros termos, as revoltas inconscientes, desorganizadas, espontâneas, por vezes selvagens, eram as únicas manifestações do povo contra a autocracia. Mas o movimento operário, movimento do proletariado, a classe mais avançada, saiu rapidamente desta fase primitiva. A propaganda e a agitação conscientes da social-democracia produziram o seu efeito. O movimento grevista organizado e as manifestações políticas contra a autocracia sucederam-se aos motins. As repressões militares selvagens «educaram», em poucos anos, o proletariado e o povo das cidades e prepararam-nos para formas superiores da acção revolucionária. A guerra criminosa e vergonhosa em que a autocracia lançou o povo, consumiu a paciência popular. Geraram-se as primeiras tentativas de resistência armada da multidão às tropas do czar. Verdadeiras batalhas de rua, batalhas de barricadas, tiveram lugar entre o povo e a tropa. O Cáucaso, Lodz, Odessa, ofereceram-nos nestes últimos tempos exemplos de heroísmo proletário e de entusiasmo popular. A luta agravou-se ao ponto de se transformar em insurreição. O papel desprezível de carrasco da liberdade, o papel de auxiliar da polícia, que se lhe atribuía, não podia deixar de abrir pouco a pouco os olhos ao próprio exército do czar. O exército começou a hesitar. Foram primeiramente casos isolados de desobediência, amotinações de reservistas, protestos de oficiais, a agitação entre os soldados, a recusa de companhias ou de regimentos inteiros em abrir fogo sobre os seus irmãos operários. Depois foi a passagem de uma parte do exército para o lado da insurreição.

A enorme importância dos últimos acontecimentos de Odessa vem precisamente de que, pela primeira vez, uma grande unidade das forças armadas do czarismo, um couraçado, passou abertamente à revolução. O governo fez esforços desesperados, usou todos os expedientes imagináveis a fim de esconder este acontecimento ao povo e abafar, desde o início, a sublevação dos marinheiros. Tudo foi em vão. As tripulações dos navios de guerra enviados contra o couraçado revolucionário Potemkine recusaram combater os seus camaradas. Ao espalhar na Europa a notícia da rendição do Potemkine e a ordem do czar de afundar o couraçado revolucionário, o governo autocrático não faz mais do que se desacreditar para sempre aos olhos do Universo. Uma vez chegada a esquadra a Sebastopol, o governo apressou-se a dar licenças às tripulações, desarmar os navios de guerra; circulam rumores sobre a demissão maciça dos oficiais da esquadra do Mar Negro; recomeçaram as agitações no couraçado Georges Pobiédonossetz que se rendeu. Em Libau e em Cronstadt, os marinheiros também se revoltam; os confrontos com a tropa multiplicam-se; os marinheiros e os operários combatem nas barricadas contra os soldados (Libau). A imprensa estrangeira anuncia agitações a bordo de um certo número de barcos de guerra (o Minime, o Alexandre II e outros). O governo do czar ficou sem frota. Quando muito conseguiu, por agora, impedir a frota de passar activamente à revolução. Quanto ao couraçado Potemkine permaneceu no território invicto da revolução e, qualquer que seja o seu posterior destino, estamos perante um facto inegável e sintomático no mais elevado grau: a tentativa de formar o núcleo de uma armada revolucionária.

Nenhuma repressão, nenhum sucesso parcial obtido sobre a revolução anularão o alcance deste acontecimento. O primeiro passo está dado. O Rubicon foi transposto[2]. A passagem do exército à revolução é já um facto experimentado em toda a Rússia e em todo o mundo. Novas tentativas, ainda mais enérgicas, de formar um exército revolucionário seguir-se-ão infalivelmente aos acontecimentos na frota do Mar Negro. Agora o nosso dever é defender com toda a nossa força estas tentativas; explicar às largas massas do proletariado e do campesinato a importância que representa para todo o povo, na luta pela liberdade, a existência de um exército revolucionário; ajudar os destacamentos deste exército a içar a bandeira da liberdade querida a todo o povo, susceptível de reunir a massa; ajudá-los a concentrar as forças necessárias para esmagar a autocracia czarista.

Motins, manifestações, batalhas de rua, destacamentos do exército revolucionário, são as etapas do desenvolvimento da insurreição popular. Eis que chegamos por fim à última etapa. Naturalmente, isto não quer dizer que todo o movimento já atingiu no seu conjunto este novo grau superior. Não, o seu desenvolvimento é ainda muito insuficiente, os acontecimentos de Odessa mostram ainda traços evidentes dos antigos motins. Mas isto que dizer que as primeiras vagas da torrente espontânea rebentam já até no limiar da «cidadela» da autocracia. Quer dizer que os representantes avançados da própria massa popular são já conduzidos, não por considerações teóricas, mas sim sob a pressão do movimento crescente, destinados a novos objectivos, superiores, de luta; os da luta final contra o inimigo do povo russo. A autocracia tudo fez para preparar esta luta. Ela tem, durante longos anos, levado o povo a pegar em armas contra as tropas; recolhe agora o que semeou. As próprias tropas saem dos destacamentos do exército revolucionário.

Estes destacamentos têm por missão proclamar a insurreição, dar às massas a direcção militar indispensável na guerra civil como em qualquer outra guerra, criar pontos de apoio à acção aberta de todo o povo, propagar a insurreição nas localidades vizinhas, assegurar, mesmo que numa parte mínima do território do Estado, uma completa liberdade política, começar a transformação revolucionária de um regime completamente apodrecido, estender em toda a sua amplitude a actividade criadora revolucionária das camadas inferiores da população, que não participam nesta actividade a não ser levemente em tempo de paz, mas que se tornam em termo de revolução um factor de primeiro plano. Só depois de terem tomado consciência dos novos objectivos, só depois de os terem audaciosa e amplamente definido, é que os destacamentos do exército revolucionário podem alcançar uma completa vitória e servir de apoio a um governo revolucionário. Ora, na presente fase da insurreição popular, o governo revolucionário é tão necessário como o exército revolucionário. O exército revolucionário é indispensável para a luta militar e para dar uma direcção militar às massas populares contra os restos da força armada da autocracia. O exército revolucionário é necessário porque só a força pode resolver os grandes problemas históricos, e porque a organização militar é, na luta contemporânea a da força. Ora, existem além dos restos das forças armadas da autocracia, as forças armadas dos Estados vizinhos de quem o governo russo vacilante implora já o apoio como falaremos mais tarde.

O governo revolucionário é necessário para assegurar a direcção política das massas populares em primeiro lugar no território já conquistado ao czarismo pelo exército revolucionário, depois em todo o Estado. O governo revolucionário é necessário para proceder imediatamente às transformações políticas em nome das quais se faz a revolução, para estabelecer a auto-administração revolucionária do povo, para convocar uma Assembleia emanando realmente de todo o povo e realmente constituinte, para instituir as «liberdades» sem as quais a expressão exacta da vontade do povo é impossível. O governo revolucionário é indispensável para agrupar politicamente a parte insurrecta da população que rompeu com efeito, definitivamente, com a autocracia. Esta organização não pode, bem entendido, ser senão provisória, do mesmo modo que o próprio governo revolucionário que toma o poder em nome do povo, para agir por meio do povo. Mas esta obra de organização deve começar sem demora, caminhando a par e passo com cada progresso da insurreição, porque o agrupamento e a direcção políticos não podem ser prorrogados num minuto. A criação imediata de uma direcção política do povo insurrecto não é menos indispensável à vitória completa do povo sobre o czarismo, que a direcção militar das forças populares.

O resultado final da luta entre os defensores da autocracia e a massa popular não será duvidoso para ninguém que conservou a faculdade de raciocinar. Mas não devemos fechar os olhos sobre o facto que a luta séria ainda está no início e que nos esperam grandes provas. O exército revolucionário e o governo revolucionário são «organismos» de um tipo tão elevado e exigindo instituições tão complexas, uma consciência cívica tão desenvolvida, que seria errado esperar ver estas tarefas realizarem-se simplesmente, imediatamente, seguramente, de uma só vez. Certamente, não o esperamos; sabemos o preço do trabalho persistente, lento, por vezes imperceptível, da educação política que a social- democracia sempre pretendeu e sempre pretenderá. Mas não devemos tolerar uma coisa ainda mais perigosa no momento actual: a falta de confiança nas forças populares; não devemos esquecer a enorme potência educadora e organizadora da revolução, durante a qual potentes acontecimentos históricos arrancam à força o habitante do seu canto retirado, da sua mansarda e do seu subsolo, e obrigam-no a tornar-se um cidadão. Acontece que nos meses de revolução a educação dos cidadãos foi mais rápida e completa que em dezenas de anos de marasmo político. A tarefa dos dirigentes conscientes da classe revolucionária, é estar sempre à cabeça da sua classe neste trabalho de educação, de lhe explicar a importância dos novos objectivos e de a instigar a ir em frente em direcção ao nosso grande objectivo final. Os contratempos que nos esperam inevitavelmente nas nossas tentativas ulteriores para formar um exército revolucionário e para fundar um governo provisório revolucionário, não farão mais do que nos ensinar a resolver praticamente estes problemas e atrair para este objectivo novas forças populares, forças frescas, mantidas actualmente em reserva.

Consideremos a questão militar. Um social-democrata, que saiba um pouco de história, formado na escola militar do grande mestre em arte militar que foi Engels, nunca põe em causa a enorme importância dos conhecimentos militares, a enorme importância da técnica e da organização militares, considerados como meios que as massas e as classes do povo utilizaram para resolver os grandes conflitos históricos. Nunca a social-democracia de rebaixou a brincar às conspirações militares, nunca pôs em primeiro plano as questões militares, tanto mais que não se estava de início em presença das condições de uma guerra civil. Mas hoje em dia, todos os social-democratas põem as questões militares, senão em primeiro plano, pelo menos nos primeiros lugares; puseram na ordem do dia o estudo destas questões em que se trata de iniciar as massas populares. O exército revolucionário deve aplicar na prática os conhecimentos e os meios militares na decisão dos destinos ulteriores do povo russo e na resolução da primeira questão, a mais urgente, a da liberdade.

O problema de criação de um governo revolucionário é também novo e não menos difícil e complexo que o da organização militar das forças da revolução. Mas pode e deve, também ser resolvido pelo povo. Todo o revés parcial neste domínio contribuirá para o aperfeiçoamento dos métodos e dos meios, no fortalecimento e na expansão dos sucessos. O III Congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia indicou na sua resolução as condições gerais da solução da nova tarefa; é altura de abordar a discussão e a preparação das condições práticas da sua realização. O nosso partido tem um programa mínimo, um programa completo das transformações perfeitamente realizáveis de imediato, nos limites de uma revolução democrática (quer dizer burguesa) e necessários na luta posterior do proletariado para a revolução socialista. Mas este programa contém reivindicações fundamentais e reivindicações particulares provindo das primeiras ou subentendidas por estas. Importa precisamente fazer sobressair, em cada tentativa de constituir um governo revolucionário provisório, as reivindicações fundamentais a fim de mostrar a todo o povo, mesmo às massas mais ignorantes, em breves fórmulas, sob formas claras e rudes, os objectivos deste governo, as suas tarefas que a todo o povo interessam.

Cremos poder assinalar seis destes pontos essenciais, chamados a tornarem-se a bandeira política e o programa imediato de todo o governo revolucionário, e que devem obter as simpatias do povo nas tarefas mais urgentes.

Estes seis pontos são: 1. a Assembleia constituinte de todo o povo; 2. O armamento do povo; 3. a liberdade política; 4. a inteira liberdade das nações oprimidas e privadas dos seus direitos; 5. o dia de trabalho de oito horas; 6. a formação de comités revolucionários camponeses. É evidente que não é mais que uma enumeração a título de exemplo, dos títulos, das indicações sobre as transformações imediatamente indispensáveis na conquista de uma república democrática. Não pretendemos esgotar o assunto. Queremos simplesmente ilustrar a nossa ideia sobre a importância de certas tarefas fundamentais. O governo revolucionário deve esforçar-se em apoiar-se nas camadas inferiores do povo, na massa operária e camponesa, sem o que ele não se poderá manter; sem a actividade revolucionária espontânea do povo, não é nada, é menos do que nada. O nosso dever é prevenir o povo contra as promessas aventureiras, grandiloquentes mais inaptas (do género das de uma «socialização imediata», incompreendida mesmo pelos que falam dela), e de preconizar ao mesmo tempo transformações verdadeiramente aplicáveis no presente, verdadeiramente indispensáveis na consolidação da revolução. O governo revolucionário deve incitar o «povo» e organizar a sua actividade revolucionária. A liberdade total das nações oprimidas, por outros termos, o reconhecimento do direito de disporem delas próprias não somente do ponto de vista cultural, mais ainda do ponto de vista político; a garantia de medidas urgentes para a protecção da classe operária (o dia de trabalho de oito horas como a primeira de uma destas medidas) e, enfim, a garantia de medidas sérias em proveito da massa camponesa sem ter em conta a cobiça dos grandes proprietários de bens de raiz; tais são, na nossa opinião, os principais pontos que deve pôr em andamento todo o governo revolucionário. Não falamos dos três primeiros, que não precisam de comentários tão claros são. Não falamos da necessidade de aplicar praticamente estas transformações, seja num território restrito, conquistado, por exemplo ao czarismo; as realizações práticas são mil vezes mais importantes que os manifestos mais variados e são também, bem entendido, mil vezes mais trabalhosos. Não nos contentamos em assinalar que é preciso desde agora, sem tardar, difundir por todos os meios uma ideia justa dos nossos objectivos nacionais e imediatos. É preciso saber dirigir-se ao povo, no sentido verdadeiro desta palavra, não somente convidando-o de maneira geral à luta (o que é suficiente antes da constituição de um governo revolucionário), mas ainda convidando-o a realizar directa e imediatamente, por sua própria vontade, as reformas democráticas fundamentais.

O exército revolucionário e o governo revolucionário são as duas faces da mesma medalha. São duas instituições igualmente indispensáveis no sucesso da insurreição e na consolidação das suas conquistas. Estas são as duas palavras de ordem que devem necessariamente ser formuladas e comentadas como as únicas palavras de ordem revolucionárias consequentes. Muitas pessoas intitulam-se agora democratas. Mas há muitos intitulados e poucos eleitos. Os tagarelas do «partido constitucional-democrata» são numerosos, mas os democratas autênticos, quer dizer os homens que querem sinceramente o poder supremo do povo sem reservas, e são capazes de conduzir uma luta de morte contra os inimigos da soberania popular, contra os defensores da autocracia do czar, são raros na famosa «sociedade», raros nos Zemstvos[3]pretensamente democráticos.

A classe operária não tem a cobardia, a ambiguidade hipócrita que são próprias da burguesia enquanto classe. A classe operária pode e deve ser consequentemente democrática. A classe operária demonstrou, derramando o seu sangue nas ruas de Petersburgo, Riga, Libau, Varsóvia, Lodz, Odessa, Bacu e de numerosas outras cidades, o seu direito ao papel de vanguarda na revolução democrática. É preciso que ela esteja, na hora decisiva que vivemos, à altura desta grande tarefa. Os representantes conscientes do proletariado, membros do POSDR, devem, sem esquecer um só instante o seu fim socialista e a sua independência de classe e de partido, formular perante todo o povo as palavras de ordem democráticas avançadas. Para nós, para o proletariado, a revolução democrática não é mais que uma primeira etapa para a emancipação total do trabalho de toda a exploração, para o grande objectivo socialista. Assim devemos transpor o mais depressa possível esta primeira etapa, acabar o mais decididamente possível com os inimigos da liberdade do povo, proclamar o mais alto possível as palavras de ordem de uma democracia consequente: exército revolucionário e governo revolucionário.

Publicado no

Proletari, n.º 7, 10 de Julho [27 de Junho] de 1905



[1] O III Congresso do POSDR teve lugar em Londres em Abril de 1905. Censurou os mencheviques enquanto «secção dissidente do Partido». (Os mencheviques não se apresentaram a este congresso, mas convocaram a sua própria conferência em Geneve). Foi no III Congresso que foi elaborada a táctica do Partido com vista à revolução democrática que começava.

[2] Aquando da expansão do Império Romano, Júlio César empreendeu uma acção decidida e audaciosa ao atravessar o Rio Rubicon a fim de conquistar o sul da Gália. Desde aí, a frase transpor o Rubicon tem vindo a empregar-se para caracterizar uma acção decidida e audaciosa, uma acção revolucionária. (N. T.)

[3] Era assim que se chamava aos órgãos administrativos na Rússia antes da Revolução. Os Zemstvos ocupavam-se de assuntos puramente locais, de interesse da população rural (construção de estradas, de hospitais e de escolas). Os latifundiários liberais desempenhavam aí um grande papel.



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Segunda-feira, 1 de Abril de 2013
Por onde começar?

Nestes últimos anos, a questão «que fazer?» tem-se posto com particular acuidade aos social-democratas russos. Já não se trata de escolher um caminho (como acontecia no fim dos anos 80 e começo dos anos 90) mas de determinar aquilo que devemos fazer, na prática, por um caminho conhecido, e de que maneira fazê-lo trata-se do sistema e do plano de actividade prática. É preciso confessar que esta questão – essencial para um partido de acção – relativa ao carácter e às formas de luta, continua sem solução e suscita ainda entre nós sérias divergências que são o testemunho duma instabilidade e de vacilações de pensamento deploráveis. Por um lado, a tendência «económica», que se empenha em truncar, em menosprezar o papel da organização e da agitação políticas, encontra-se longe de estar morta. Por outro lado, continua de pé a tendência do ecletismo sem princípios que se adapta a toda a nova «orientação» e é incapaz de distinguir entre as necessidades de momento e os fins essenciais e as exigências permanentes do movimento tomado no seu conjunto. Como se sabe, esta tendência criou raízes no «Rabotcheie Dielo». A sua última declaração de «programa», o retumbante artigo com o não menos retumbante título «Uma viragem histórica» (n.º6 do Listok do «Rabotcheie Dielo»), confirma de maneira gritante esta definição. Ainda ontem, galanteávamo-nos com o «economismo», indignávamo-nos com a condenação categórica feita contra o «Rabotchaia Mysl», «mitigávamos» a maneira pela qual Plekanov encarava a luta contra a autocracia; hoje, eis-nos citando já a frase de Liebknecht: «se as circunstâncias  mudam em 24 horas, é igualmente necessário em 24 horas mudar de táctica»; falamos já em criar uma «sólida organização de combate» para atacar de frente, para conduzir o assalto ao absolutismo; falamos já de fazer «uma larga agitação política revolucionária (aonde isto já vai: política e revolucionária ao mesmo tempo!) no seio das massas»; de lançar «um apelo incessante aos protestos de rua»; «de preparar manifestações públicas com carácter político bem marcado» (sic), etc., etc..

Nós poderíamos, é certo, exprimir a nossa satisfação por ver o «Rabotcheie Dielo» assimilar tão rapidamente o programa formulado por nós desde o primeiro número da «Iskra»: constituir um partido solidamente organizado, visando não somente arrancar concessões de pormenor, mas conquistar a própria fortaleza da autocracia. Todavia, a ausência nos nossos assimiladores, de todo e qualquer ponto de vista bem firme, é de natureza a estragar todo o nosso prazer.

O nome de Liebknecht, é, como se torna evidente, invocado sem razão pelo «Rabotcheie Dielo». Em 24 horas, pode-se modificar a táctica da agitação em qualquer ponto especial, modificar um pormenor qualquer na actividade do partido. Porém, para mudar – não direi em 24 horas, mas até mesmo em 24 meses – as concepções sobre a utilidade geral, permanente e absoluta duma organização de combate e duma agitação política entre as massas, é preciso estar-se destituído de todo o princípio directivo. É ridículo invocar a diversidade de circunstâncias, a mudança de períodos: a constituição duma organização de combate e a agitação política são obrigatórias não importa em que circunstâncias «ternas, pacíficas», não importa em que período de «declínio do espírito revolucionário». Muito pelo contrário, é precisamente em tais circunstâncias e em tais períodos que semelhante esforço é necessário, pois que no momento da explosão, da conflagração, é demasiado tarde para criar uma organização; ela deve estar já pronta, a fim de desenvolver imediatamente a sua actividade. «Mudar de táctica em 24 horas». Mas para mudá-la é preciso ter uma à partida. Ora, sem uma organização sólida, experimentada na luta política em todas as circunstâncias e em todos os períodos, não se poderia sequer falar deste plano de acção sistemático estabelecido à luz de princípios firmes, seguido sem desfalecimento – o único que merece o nome de táctica. Com efeito, reparai: asseveram-nos já que o «momento histórico» coloca ao novo partido um problema «absolutamente novo» – o do terror. Ontem, o que era «absolutamente novo», era o problema da organização e da agitação políticas; hoje, é o do terror. Não é singular ouvir pessoas assim tão esquecidas dos seus antecedentes falar duma mudança radical de táctica?

Felizmente, o «Rabotcheie Dielo» não tem razão. O problema do terror nada tem de novo. Bastar-nos-á recapitular as concepções assentes pela social-democracia russa.

No plano dos princípios, nunca rejeitámos nem podemos rejeitar o terror. Ele é um dos aspectos da guerra, que pode convir perfeitamente, e até mesmo ser indispensável num certo momento de combate, num certo estado do exército e em certas condições. Porém, e precisamente agora, o que acontece é que não nos sugere o terror como uma das operações de um exército combatente, como uma operação estritamente ligada e articulada com todo o sistema da luta, mas como um meio de ataque isolado, independente de qualquer exército e bastando-se a si mesmo. De resto, na falta de uma organização revolucionária central e com organizações revolucionárias locais fracas, o terror não poderia ser outra coisa.

 Eis porque nós declaramos resolutamente que, nas circunstâncias actuais, o terror é uma arma inoportuna, inoperante que desvia os combatentes mais activos da sua verdadeira tarefa e a mais importante para todo o movimento, e que desorganiza não as forças governamentais, mas sim as forças revolucionárias. Recordai-vos dos últimos acontecimentos: sob os nossos olhos, a grande massa dos operários e da «arraia-miúda» das cidades atirava-se ao combate, mas faltava aos revolucionários um estado-maior de dirigentes e de organizadores. Nestas condições, se os revolucionários mais enérgicos se consagram ao terror, não nos arriscamos nós a enfraquecer os destacamentos de combate, os únicos elementos sobre os quais se pode fundar uma esperança séria?

Não temos nos de temer uma ruptura de ligação entre as organizações revolucionárias e estas multidões dispersas de homens descontentes, protestando e prontos para o combate, cuja fraqueza não reside senão na sua dispersão? Ora esta ligação é a única garantia do novo êxito. Longe de nós a ideia de recusar toda a importância a actos heróicos isolados; porém, o nosso dever é, com toda a nossa energia, pôr em guarda contra esta codícia pelo terror à qual tanta gente se sente inclinada hoje em dia ao ponto de ver nele a nossa principal e essencial arma. O terror nunca será um acto de guerra igual aos outros, no melhor dos casos o terror não convém senão como uma das formas de assalto decisivo. A questão que se põe é esta: podemos no momento actual, apelar para este assalto? O «Rabotcheie Dielo» muito provavelmente pensa que sim. Pelo menos esganiça-se: «formai as colunas de assalto!». Mas aí está, mais uma vez, um zelo mal inspirado. O grosso das nossas colunas é constituído por voluntários e rebeldes. Como exército permanente, não temos senão alguns destacamentos, e ainda não se encontram mobilizados, não têm ligação entre si, não estão preparados para se constituírem em colunas duma maneira geral, sem mesmo falar em colunas de assalto. Nestas condições, qualquer homem capaz de considerar o conjunto da nossa luta, sem se deixar distrair com cada «viragem» da história, deve compreender que a nossa palavra de ordem, na hora actual, não poderá ser «Ao assalto!», mas sim, «Empreendamos o cerco sistemático da fortaleza inimiga!». Noutros termos, o objectivo imediato do nosso Partido não pode ser o de chamar todas forças de que dispõe a lançarem-se desde já ao ataque, apelar para a construção de uma organização revolucionária capaz de reunir todas as forças e que seja, não apenas nominalmente, mas também, de facto, a dirigente do movimento, isto é, uma organização sempre pronta a apoiar cada protesto e cada explosão, aproveitando-os para fazer crescer e fortalecer um exército apto a travar o combate decisivo.

A ligação dos acontecimentos de Fevereiro e de Março é tão sugestiva que não se encontra hoje absolutamente nenhuma objecção de princípio a esta conclusão. Somente que o que a hora presente exige de nós não são princípios, mas uma solução prática. Não basta ver claramente que tipo de organização é necessário, e para que é preciso trabalho; é preciso traçar-lhe o plano de modo a poder começar a sua construção de todos os lados, e ao mesmo tempo. Examinada a urgência e a importância desta questão, decidimo-nos, por nossa parte, submeter à atenção dos camaradas o esboço dum plano que desenvolveremos mais longamente numa brochura em preparação.

Na nossa opinião, o ponto de partida da nossa actividade, o primeiro passo concreto para a criação da organização desejada, o fio condutor, enfim que nos permitirá fazer progredir sem cessar esta organização em profundidade e em extensão, deve ser a fundação de um jornal político para toda a Rússia. Antes de mais, é-nos necessário um jornal, sem o que toda a propaganda e toda a agitação sistemáticas, fiéis aos princípios e abarcando os diversos aspectos da vida, são impossíveis. Essa é, portanto, a tarefa constante e essencial da social-democracia, tarefa particularmente premente hoje, em que o interesse pela política e pelo socialismo se tem despertado nas camadas mais amplas da população. Ainda nunca se tinha sentido com tanta força como hoje a necessidade de completar a agitação fragmentária pela acção pessoal, os panfletos e as brochuras editadas localmente, etc., por esta agitação generalizada e regular que só a imprensa periódica permite. Pode dizer-se, sem medo de exagerar, que a frequência e regularidade da publicação (e de difusão) do jornal permite avaliar da forma mais exacta o grau de organização atingido neste sector verdadeiramente primordial e essencial da nossa actividade militar. Seguidamente, é-nos necessário, muito precisamente, um jornal para toda a Rússia. Se nós não conseguirmos, e enquanto não conseguirmos, unificar a acção que exercemos sobre o povo e sobre o governo pela imprensa, será uma utopia pensar coordenar outros modos de acção mais complexos, mais difíceis, mas também mais decisivos. Aquilo de que o nosso movimento mais sofre, tanto no plano ideológico como no plano da prática, da organização, é de dispersão pelo facto de que a imensa maioria dos social-democratas está quase totalmente absorvida por ocupações puramente locais que estreitam ao mesmo tempo, o seu horizonte, a envergadura dos seus esforços, a sua experiência e a aptidão para a acção clandestina. É nesta dispersão que é preciso procurar as raízes mais profundas dessa instabilidade dessas vacilações de que falámos acima.

Também o primeiro passo a dar para escapar a este defeito, para fazer convergir vários movimentos locais num só movimento comum a toda a Rússia, deve ser a fundação de um jornal para toda a Rússia. Finalmente, é-nos absolutamente necessário um jornal político. Sem jornal político, na Europa moderna, não há movimento que possa merecer a qualificação de político. Sem isso, é impossível desempenharmos a nossa tarefa: concentrar todos os elementos de descontentamento e de protesto políticos para com eles fecundar o movimento revolucionário do proletariado. Demos o primeiro passo, suscitámos na classe operária a paixão pelas revelações «económicas», respeitantes à vida das fábricas. Devemos despertar, em todos os elementos minimamente conscientes da população, a paixão das revelações políticas. Não nos inquietemos se, na política, as vozes acusadoras são ainda tão débeis, tão raras, tão tímidas. A causa não reside, de modo algum, numa resignação geral ao arbítrio policial. A causa reside em que os homens capazes de acusar e dispostos a fazê-lo não têm uma tribuna do alto da qual possam falar, não têm um auditório que escute avidamente, encorajando os oradores, e em que eles não vêem em nenhuma parte do povo força à qual valha a pena dirigir as suas acusações contra o governo «todo-poderoso». Mas agora tudo isto muda com extrema rapidez. Essa força existe: é o proletariado revolucionário; ele já demonstrou a sua vontade não somente de ouvir e apoiar um apelo à luta política, mas ainda lançar-se arduamente na refrega. Temos hoje o meio e o dever de oferecer a todo o povo uma tribuna para condenar o governo czarista: essa tribuna deve ser um jornal social-democrata. A classe operária russa, ao contrário das outras classes e categorias da sociedade russa, manifesta um interesse premente pelos acontecimentos políticos e formula constantemente (e não apenas nos momentos de particular efervescência) uma enorme procura de publicações ilegais. Considerando esta procura massiva, a formação já iniciada de dirigentes revolucionários experimentados, o grau de concentração atingido pela classe operária e que lhe assegura de facto o controlo dos bairros operários das grandes cidades, dos centros fabris, dos burgos industriais, a fundação de um jornal político está perfeitamente ao alcance do proletariado. Por intermédio do proletariado o jornal penetrará entre a pequena burguesia das cidades, entre os artesãos dos campos e entre os camponeses e transformar-se-á, assim, num verdadeiro órgão político popular.

O jornal, contudo, não limita o seu papel à difusão das ideias, à educação política e ao recrutamento de aliados políticos. O jornal não é apenas um propagandista colectivo e um agitador colectivo; é também um organizador colectivo. A esse respeito, pode-se compará-lo aos andaimes que se levantam em redor de um edifício em construção; constitui o esboço dos contornos do edifício, facilita as comunicações entre os diferentes construtores, permitindo-lhes que repartam a tarefa e atinjam o conjunto dos resultados obtidos pelo trabalho organizado. Com a ajuda e a propósito do jornal, construir-se-á por si mesma uma organização permanente, que não se ocupará apenas de um trabalho local, mas também geral e regular, habituando os seus membros a seguir de perto os acontecimentos políticos, a apreciar-lhes o papel e influência sobre as diversas categorias da população, a encontrar para o partido revolucionário a melhor maneira de agir sobre esses acontecimentos. Os problemas técnicos – o fornecimento devidamente organizado de materiais ao jornal, a sua difusão – obrigam já a dispor de uma rede de agentes locais ao serviço de um único e mesmo partido, agentes mantendo relações pessoais uns com os outros, conhecendo a situação geral, exercitando-se a executar regularmente as diversas funções fragmentárias de um trabalho à escala de toda a Rússia, treinando-se na preparação desta ou daquela acção revolucionária. Esta rede de agentes[1] constituirá precisamente o esqueleto da organização que nos faz falta: suficientemente extensa para abarcar todo o país, suficientemente larga e diversificada para realizar uma divisão de trabalho estrita e pormenorizada; suficientemente firme para poder, em todas as circunstâncias, sejam quais forem as «viragens» e as surpresas, prosseguir sem desfalecimento a sua tarefa própria; suficientemente flexível para saber , à uma, evitar a batalha em campo aberto contra um inimigo numericamente superior que agrupou todas as suas forças num único ponto, e , à outra saber aproveitar-se da falta de mobilidade desse inimigo e cair sobre ele quando e onde ele menos o espera.Hoje, incumbe-nos a tarefa relativamente fácil de apoiar os estudantes que se manifestam nas ruas das grandes cidades, amanhã, a tarefa será talvez mais complexa, como será a de sustentar o movimento dos sem-trabalho nesta ou naquela região. Depois de amanhã deveremos estar nos nossos postos para desempenhar um papel revolucionário numa revolta camponesa. Hoje, devemos explorar a tensão política que foi engendrada pelo governo com a sua campanha contra os zemstvos. Amanhã, deveremos encorajar a cólera da população contra os abusos deste ou daquele bachibuzuque czarista e contribuir, com o boicote, com as campanhas de agitação, com as manifestações, etc., para lhes infligir uma lição que o faça, publicamente, bater em retirada. A fim de atingir este grau de preparação para o combate, é preciso a actividade permanente de um exército regular. E se agruparmos as nossas forças num jornal comum, veremos formar-se no trabalho e sair das fileiras não somente os mais hábeis propagandistas, mas também os mais experimentados organizadores, os mais capazes chefes políticos do Partido, que saberão, no momento preciso, lançar a palavra de ordem da luta final e assumir a direcção dela.

Como conclusão, duas palavras para evitar um possível mal-entendido, temos estado a falar de uma preparação sistemática, metódica, mas não quisemos de modo algum dizer com isso que a autocracia não possa cais senão na sequência de um cerco sistemático ou de um assalto organizado. Isso seria raciocinar como um doutrinário absurdo. Ao contrário, é possível e muito mais provável no plano histórico que ela caia sob o choque de uma explosão espontânea ou duma dessas complicações políticas imprevistas que a ameaçam constantemente de todos os lados. Mas não existe partido político, que possa, sem cair no espírito de aventura, regular a sua conduta com base em explosões e complicações hipotéticas. Devemos prosseguir um novo caminho, realizar incansavelmente o novo trabalho sistemático, e quanto menos nos basearmos no imprevisto, mais aumentarão as possibilidades de nunca sermos apanhados de surpresa pelas «viragens históricas».

Publicado no Iskra , n º 4, de Maio de 1901



[1] É evidente que esta rede de agentes não poderá trabalhar com proveito senão estando muito próximos dos comités locais (grupos, círculos) do nosso Partido. Em geral, todo o plano esboçado por nós exige naturalmente para a sua realização o mais activo concurso dos comités, os quais tentaram inúmeras vezes a unificação do Partido que – estamos disso persuadidos – obterão essa unificação mais dia menos dia, sob uma forma ou outra.


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publicado por portopctp às 23:53
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