de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Segunda-feira, 1 de Julho de 2013
Notas sobre a guerra – XXXI

Segundo parece, uma paragem passageira aconteceu na campanha do Loire. Esta acalmia proporciona-nos o vagar de confrontar os comunicados e as datas e de retirar destes materiais contraditórios e confusos uma exposição de acontecimentos reais, tão lúcida quanto possível nas circunstâncias actuais.

O exército do Loire iniciou a sua actividade, na qualidade de formação independente, em 15 de Novembro, data em que d’Aurelles de Paladines, comandava até então os 15º e 16º destacamento, foi promovido a chefe do novo exército. Não sabemos dizer quais as outras tropas que compunham ainda nessa época essa formação: esse exército recebia de facto contínuos reforços, pelo menos até ao fim de Novembro. Nessa altura compunha-se nominalmente pelos seguintes destacamentos: 15º (Pallières), 16º (Chanzy), 17º (Sonis), 18º (Bourbaki), 19º (Barral, segundo dados de origem prussiana) e 20º (Crouzat). Entre estes destacamentos o 19º nunca foi citado nas comunicações, tanto francesas como prussianas; não se poderia portanto supor que ele tivesse tomado parte nos combates. Para além destes destacamentos, havia ainda perto de Mans e no campo vizinho de Conlie o 21º destacamento (Jaurès) e o exército de Bretenha que, depois da demissão de Kératry, tinha sido igualmente confiado a Jaurès. Podemos acrescentar que no norte existe o 22º destacamento sob o comando de general Faidherbe, com Lille como base operacional. Não citamos na nossa enumeração o destacamento de cavalaria do general Michel, unido ao exército do Loire. Este destacamento, se bem que considerado muito numeroso, não pode ser classificado, em consequência da sua formação recente e dos seus elementos rudes, se não na cavalaria voluntária ou de amadores.

Este exército era constituído por elementos muito heterogéneos: desde os velhos soldados chamados novamente para as armas até aos recrutas inexperientes e aos voluntários que têm aversão a toda a disciplina; desde os sólidos batalhões como os Zuavos do papa até aos bandos que de batalhão não têm senão o nome. Se bem que tenha sido introduzida uma certa disciplina, o exército mostrava sempre no seu conjunto a impressão da extrema pressa que presidira à sua formação. «Se este exército tivesse ainda disposto de quatro semanas para a sua preparação, ter-se-ia tornado um adversário formidável», afirmavam os oficiais alemães que o tinham conhecido no campo de batalha. Descontando todos os recrutas inexperientes que não eram se não obstáculos, podemos considerar que os destacamentos de d’Aurelle (sem contar o 19º) contavam aproximadamente de 120 000 a 130 000 homens, dignos do nome de combatentes. As tropas concentradas perto de Mans podiam fornecer ainda 40 000 homens.

Estas forças tinham contra eles o exército do príncipe Frederico Carlos, que incluía as tropas do grão-duque de Mecklembourg; sabemos agora pelo capitão Hozier que provavelmente todas estas forças contavam no total menos de 90 000 homens. Mas graças à sua experiência militar, à sua organização e à direcção experimentada dos comandantes, estes 90 000 homens podiam travar combate com o dobro das tropas de categoria daquelas que se lhes opunham. Desta maneira as possibilidades eram quase iguais e, deste modo, prestava a maior honra ao povo francês que do nada formara em três meses um novo exército.

A campanha começa do lado dos franceses com o ataque contra von der Tann em Coulmiers e pela tomada de Orleães em 9 de Novembro. Em seguida o duque de Mecklembourg dirigiu-se em socorro de von der Tann, e as manobras de d’Aurelle em direcção de Dreux obrigam o duque de Mecklembourg a lançar todas as suas tropas nesta direcção e a marchar sobre Mans. Durante esta marcha as tropas irregulares francesas inquietaram os alemães como nunca o tinham feito no decorrer desta guerra. A população opunha a mais decidida resistência; os franco-atiradores atacavam as alas do inimigo; mas as tropas regulares restringiam-se a demonstrações e não aceitavam o combate. As cartas dos correspondentes alemães que acompanhavam o exército do duque de Macklembourg, o seu furor e a sua indignação contra estes malditos franceses, que aplicam obstinadamente na guerra os processos mais cómodos para eles e os menos cómodos para o adversário, são a melhor prova de que esta curta campanha nas proximidades de Mans foi magnificamente conduzida pelas forças defensivas. Os franceses obrigaram o duque de Mecklembourg a uma verdadeira caça aos patos selvagens, isto é, a perseguir um exército invisível e levaram-no assim até 25 milhas perto de Mans. Depois de ter avançado tanto, não ousou ir mais longe e voltou para o Sul. É provável que o plano inicial consistia evidentemente em infligir um terrível golpe no exército de Mans e em marchar em seguida para o Sul sobre Blois e contornar a ala esquerda do exército do Loire, enquanto que Frederico Carlos, chegado entretanto, tê-lo-ia atacado pela frente e por trás. Mas este plano malogrou-se como muitos outros posteriores. Abandonado o duque de Mecklembourg à sua sorte, d’Aurelle marchou contra Frederico Carlos, e em 24 de Novembro atacou diante de Ladon e Maizières o 10.º destacamento prussiano, e em 28, perto de Beaunela-Rolande, uma grande formação prussiana. É evidente que aqui d’Aurelle utilizou mal as suas tropas. Se bem que fosse a sua primeira tentativa para penetrar através do exército prussiano e abrir pela força caminho para Paris, ele não tinha sob o seu comando senão uma pequena parte das suas forças. Conseguiu apenas inspirara ao inimigo o respeito pelas suas tropas. Retirou-se para as posições fortificadas diante de Orleães e concentrou aí todas as suas tropas dispondo-as pela ordem seguinte, da direita para a esquerda: o 18.º destacamento na extrema-direita, em seguida os 20.º e 15.º, todos a Este do caminho de ferro Paris-Orleães; a Oeste desta linha o 16.º, e na extrema-esquerda o 17.º. se estas tropas tivessem sido concentradas a tempo, teriam podido, sem possibilidade de dúvidas, bater o exército de Frederico Carlos que contava então menos de 50 000 homens. Mas no momento em que d’Aurelle fortificava solidamente as suas posições, o duque de Mecklembourg dirigia-se novamente para o  Sul e unia-se com a ala direita do exército do seu primo que assumiu a partir de então o comando. Os 40 000 soldados do duque de Mecklemboug participavam assim na ofensiva contra d’Aurelle, enquanto que o exército francês do Mans, satisfeito com a glória «de ter repelido» o inimigo ficava tranquilamente nos seus quartéis a cerca de 60 milhas do lugar onde se decidia a sorte da campanha.

Foi recebida em seguida a notícia inteiramente inesperada da saída de Trochu, em 30 de Novembro. Era preciso fazer um novo esforço para o suster. Em 1 de Dezembro d’Aurelle iniciou uma ofensiva  geral contra os prussianos, mas era demasiado tarde. Enquanto que os alemães lhe opunham todas as suas tropas, o seu 18.º destacamento, na extrema-direita, parece ter sido enviado numa falsa direcção e nunca ter tomado parte nas acções militares. Desta maneira d’Aurelle não pôde combater senão com quatro destacamentos. Isto significa que as suas forças reais não tinham provavelmente senão uma muito ligeira superioridade numérica sobre os efectivos inimigos. Foi batido e, parece, julgou-se derrotado antes mesmo de o ser na realidade. É assim que se explica a indecisão de que fez prova logo que, depois de ter dado em 3 de Dezembro à tarde ordem para retirar e atravessar o Loire, anulou-a na manhã seguinte e decidiu defender Orleães. Sabe-se onde isto conduz: ordem, contra-ordem, desordem. Como a ofensiva prussiana estava concentrada junto da sua ala esquerda e do seu centro, é de crer que os dois destacamentos da ala direita, devido às ordens contraditórias que tinham recebido, perderam a linha de retirada para Orleães e atravessaram o rio, o 20.º destacamento em Jargeau e o 18.º ainda mais a Este, em Sully. Uma pequena fracção deste destacamento encontrou-se provavelmente ainda mais afastada para Este, porque foi sinalizada em 7 de Dezembro em Nevoy, próximo de Gien, pelo 3.º destacamento prussiano que a perseguiu em direcção a Briare, sempre sobre a margem direita do rio. Orleães caiu em 4 de Dezembro à tarde nas mãos dos alemães que organizaram imediatamente a perseguição às tropas francesas. Enquanto que o 3.º destacamento alemão devia subir pela margem direita do Loire, o 10.º foi enviado a Vierzon e as tropas do duque de Mecklemboug dirigiam-se sobre a margem direita, para Blois. Antes de alcançar esta cidade, os alemães foram encontrados diante de Beaugency por uma pequena parte do exército do Mans, que finalmente se uniu com as tropas de Chanzy e opôs uma resistência firme e em parte eficaz. Mas esta resistência foi logo despedaçada porque o 9.º destacamento prussiano marchava pela margem esquerda do rio para Blois, onde cortaria a Chanzy a via de retirada para Tours. Este movimento de contorno atingia o seu objectivo. Chanzy escapou ao perigo mas Blois caiu nas mãos do inimigo. O degelo e as fortes chuvadas tinham desfeito as estradas, o que fez parar a perseguição ulterior.

O príncipe Frederico Carlos telegrafou para o quartel-general a informar que o exército do Loire tinha dispersado completamente em várias direcções, que o seu centro se afundara e que tinha deixado de existir como exército. Tudo isto soa bem, mas está muito longe da realidade. Mesmo depois das notícias alemãs, está fora de dúvida que as 77 peças formadas diante de Orleães eram todos canhões da marinha, abandonadas nas trincheiras. É possível que o número de prisioneiros se eleve a 10 000 e, se se juntar os feridos, a 14 000, e que eles estejam na maioria muito desmoralizados. Mas o estado dos bávaros que, em 5 de Dezembro, seguiam a estrada de Artenay para Chartres, inteiramente desorganizados, sem armas nem sacos, não era nada melhor. Durante a perseguição, em 5 de Dezembro e posteriormente, não foi efectuado qualquer saque. Se o exército foi batido não se compreende que uma cavalaria tão numerosa e tão activa como a cavalaria prussiana não tenha capturado um grande número de soldados deste exército. O menos que se pode dizer, é que há uma extraordinária falta de exactidão. O degelo não serve de desculpa: ele começou em 9 de Dezembro, e, por conseguinte, houve para a perseguição activa quatro ou cinco dias durante os quais os caminhos e os campos gelados estavam num estado plenamente favorável. O que fez para a ofensiva prussiana, não foi o degelo mas o facto das suas forças reduzidas de 90 000 para 60 000 homens, em consequência das perdas e da necessidade de deixar tropas para o serviço da guarnição, estarem quase exaustas. Os prussianos tinham quase atingido o limite para além do qual se tornava imprudente perseguir um inimigo mesmo batido. As incursões em grande escala na direcção do Sul são possíveis, mas não é nada provável que se proceda à ocupação de novos territórios. O exército do Loire está agora dividido em dois exércitos, um sob as ordens de Bourbaki e outro sobre as oredens de Chanzy. Estes dois exércitos terão bastante tempo e espaço para se reorganizarem e completarem os seus efectivos com batalhões novamente formados. Depois da sua separação em dois, o exército do Loire deixou de existir como tal; mas é na actual campanha o primeiro exército francês que não fez figura inglória. Ouviremos provavelmente falar dos dois exércitos que lhe sucederam.

Entretanto a Prússia manifesta indícios de exaustão. Chama-se para as armas os milicianos até aos quarenta anos e mais, enquanto que por lei estes homens estão livres do serviço militar logo que completem trinta e dois anos. As reservas instruídas do país estão esgotadas. Anuncia-se que novas recrutas, cujo número aproximado seria de 90 000 homens para a Alemanha do Norte, chegarão em Janeiro a França. Feitas as contas, isto formaria talvez mais ou menos os 150 000 homens de que tanto se fala mas que não se vê ainda; e quando eles chegarem realmente, a sua aparição modificará essencialmente o carácter do exército. O esgotamento das forças, causado pela actual campanha, é enorme e ir-se-á agravando sem parar. Quer-se a prova? O tom melancólico das cartas enviadas pelo exército e as listas das perdas fornecem-no-la. Estas listas revelam que as perdas principais não são sofridas nos grandes combates, mas nas pequenas escaramuças que custam a vida a um, dois, cinco homens. Com o tempo, o mais forte exército, corroído pelas vagas da guerra do povo, desagrega-se  e vai-se dissolvendo, e o que é de uma particular importância, sem nenhuma divisão visível da parte contrária. Enquanto Paris resistir, a situação dos franceses melhorará cada dia e a impaciência com que se espera em Versalhes a rendição de Paris é a melhor prova que esta cidade pode ainda ser perigosa para os seus sitiantes.

Publicado na Pall Mall Gazette, n.º 1824, Sábado, 17 de Dezembro de 1870


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