de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Quarta-feira, 27 de Junho de 2007
Que fazer? III-1- Política sindical e política social-democrata

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II Parte

Mais uma vez, começaremos elogiando o Rabótcheie Dielo. "Literatura de Denúncia e Luta Proletária", assim denominou Martynov o seu artigo do Rabótcheie Dielo (n.º 10), sobre as divergências com o Iskra "Não podemos limitar-nos a denunciar o regime que entrava o seu desenvolvimento (do partido operário). Devemos, igualmente, fazer de nós o eco dos interesses correntes e urgentes do proletariado" (p. 63). É assim que Martynov formula a essência dessas divergências. "...O Iskra.... é efectivamente o órgão da oposição revolucionária que denuncia o nosso regime e principalmente o nosso regime político... Trabalhamos e trabalharemos, no que nos diz respeito, pela causa operária, em estreita ligação orgânica com a luta proletária". (Ibid.). Não é possível deixar de agradecer a Martynov por essa formulação. Ela adquire um grande interesse geral, pelo facto de abranger, no fundo, não somente as nossas divergências de pontos de vista com o Rabótcheie Dielo, mas todas as divergências que existem, de maneira geral, entre nós e os "economistas" sobre a questão da luta política. Já mostramos que os "economistas" não negam absolutamente a "política", mas que se desviam constantemente da concepção social-democrata em direcção à concepção sindical da política. É exactamente assim que o faz Martynov; e por isso queremos tomá-lo como espécime dos erros "economistas" na questão de que nos ocupamos. Tentaremos demonstrar que nem os autores do "Suplemento especial da Rabótchaia Mysl", nem os da declaração do "Grupo da Auto-libertação", nem tampouco os da carta económica do n.º 12 do Iskra têm o direito de nos reprovar tal escolha.

 a) A agitação política e o seu estreitamento pelos "Economistas"

Ninguém ignora que a extensão e a consolidação da luta económica dos operários russos marcharam de par com a eclosão da "literatura" de denúncia económica (referente às fábricas e à vida profissional). As "folhas volantes" denunciavam principalmente o regime das fábricas, e  isso deu origem imediatamente a uma verdadeira paixão pelas denúncias entre os operários. Quando estes últimos viram que os círculos sociais-democratas queriam e podiam fornecer-lhes "folhas volantes" de um novo género, dizendo toda a verdade sobre a sua vida miserável, o seu trabalho fatigante e a sua servidão, fizeram, de certo modo, chover cartas das fábricas e das oficinas. Esta "literatura de denúncia" fez sensação não somente na fábrica, cuja "folha volante" fustigava o regime, mas em todas as empresas onde havia rumores dos factos denunciados. Ora, como as necessidades e a miséria dos operários de diferentes empresas e profissões têm muitos pontos comuns, a "verdade sobre a vida operária" maravilhou todo o mundo. Uma verdadeira paixão de "aparecer em letra de forma" tomou conta dos operários mais atrasados, nobre paixão por essa forma embrionária de guerra contra toda a ordem de coisas existente, baseada na pilhagem e na opressão. E as "folhas volantes" constituíram, efectivamente, na imensa maioria dos casos, uma declaração de guerra, porque o que divulgavam entusiasmava vivamente os operários, impelia-os a reclamar a supressão dos abusos mais gritantes e a apoiar as suas reivindicações através de greves. Os próprios donos das fábricas foram, afinal, obrigados a reconhecer nesses panfletos uma declaração de guerra a ponto de muitas vezes não desejarem sequer aguardar a própria guerra. Como sempre, simplesmente através da sua publicação, tais revelações adquiriram vigor e exerceram forte pressão moral. Não era raro o facto de a simples aparição de um panfleto obter a satisfação total ou parcial das reivindicações dos operários. Numa palavra, as denúncias económicas (nas fábricas) eram e continuam a ser uma poderosa alavanca da luta económica. E assim o será, enquanto existir o capitalismo, que impele necessariamente os operários à autodefesa. Nos países europeus mais avançados, pode-se ainda agora observar que a denúncia de condições escandalosas de trabalho em algum "ofício" em desuso, ou num ramo de trabalho no domicílio esquecido de todos, leva ao despertar da consciência de classe, à luta sindical, e à difusão do socialismo.

A grande maioria dos social-democratas russos, nestes últimos tempos, foi quase inteiramente absorvida pela organização dessas denúncias nas fábricas. Basta lembrar a Rabótchaia Mysl para se ver a que ponto chegou tal absorção; esquecia-se que, no fundo, essa actividade não era ainda em si mesma social-democrata, mas apenas sindical. As denúncias referiam-se, no fundo, somente às relações dos operários de uma determinada profissão com os seus patrões, e não tiveram, outro resultado senão o de ensinar àqueles que vendiam a sua força de trabalho, a vender esta "mercadoria" de forma mais vantajosa, e a lutar contra o comprador no terreno de uma transacção puramente comercial. Essas denúncias (na condição de serem convenientemente utilizadas pela organização dos revolucionários) podiam servir de ponto de partida e de elemento constitutivo da acção social-democrata; mas também podiam conduzir (e até conduziam, quando se inclinavam diante da espontaneidade) à luta "exclusivamente profissional" e a um movimento operário não social-democrata. A social-democracia dirige a luta da classe operária, não apenas para obter condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas, também, pela abolição da ordem social, que obriga os não possuidores a venderem-se aos ricos. A social-democracia representa a classe operária nas suas relações não apenas com um determinado grupo de empregadores, mas com todas as classes da sociedade contemporânea e com o Estado como força política organizada. Consequentemente, portanto, os sociais-democratas não só não podem limitar-se à luta económica, como também não podem admitir que a organização das denúncias económicas constitua a sua actividade mais definida. Devemos empreender activamente a educação política da classe operária, trabalhar para desenvolver a sua consciência política. Quanto a esse ponto, após a primeira ofensiva da Zaria e do Iskra contra o "economismo", agora "todos estão de acordo" (acordo por vezes apenas verbal, como veremos em seguida).

A questão que se coloca é: em que deve consistir a educação política? Podemos limitar-nos a difundir a ideia de que a classe operária é hostil à autocracia? Naturalmente que não. Não é suficiente para esclarecer os operários sobre a sua opressão política (como não o seria para explicar-lhes a oposição entre os seus interesses  e os dos patrões). É necessário fazer a agitação a propósito de cada manifestação concreta desta opressão (como fizemos em relação às manifestações concretas da opressão económica). Ora, como esta opressão se exerce sobre as mais diversas classes da sociedade, manifesta-se nos mais diversos aspectos da vida e da actividade profissional, civil, privada, familiar, religiosa, científica etc. etc., não se torna evidente que não realizaremos a nossa tarefa que é desenvolver a consciência política dos operários, se não nos encarregarmos de organizar uma ampla campanha política de denúncia da autocracia? De facto, para fazer a agitação sobre as manifestações concretas da opressão, é preciso denunciar essas manifestações (da mesma forma que para conduzir a agitação económica, era preciso denunciar os abusos cometidos nas fábricas).

Acho que isto está claro. Mas verifica-se justamente que a necessidade de desenvolver amplamente a consciência política não é reconhecida "por todos", senão em palavras. Verifica-se, por exemplo, que o Rabótcheie Dielo longe de se encarregar de organizar, ele próprio, uma ampla campanha de denúncias políticas (ou de tomar a iniciativa com vista a essa organização) põe-se a puxar para trás o Iskra, que já tinha iniciado essa tarefa. Escutem: "A luta política da classe operária é apenas" (justamente ela não é "apenas") "a forma mais desenvolvida, a forma maior e mais efectiva da luta económica" (programa do Rabótcheie Dielo, R D., n.º 1, p. 3). "Agora, para os sociais-democratas trata-se de saber como conferir à própria luta económica, sempre que possível, um carácter político" (Martynov, no número 10, p. 42). "A luta económica é o meio mais amplamente aplicável para levar as massas à luta política activa" (resolução do Congresso da União e "emendas": Dois Congressos, p.11 e 17). O Rabótcheie Dielo, como se vê, desde o seu nascimento até às últimas "instruções à redacção", esteve sempre impregnado dessas teses, que evidentemente exprimem, todas, um único ponto de vista sobre a agitação e a luta políticas. Considerem este ponto de vista sob o ângulo da opinião que prevalece entre todos os "economistas", opinião segundo a qual à agitação política deve seguir a agitação económica. Será verdade que a luta económica é, em geral, "o meio mais amplamente aplicável" para levar as massas à luta política? Isto é absolutamente falso. Todas as manifestações, quaisquer que sejam elas, da opressão policial e do arbitrarismo absolutista, e não apenas as ligadas à luta económica, constituem um meio não menos "amplamente aplicável" para tal "integração". Por que os zemskie natchaIniki e os castigos corporais infligidos aos camponeses, a corrupção dos funcionários e a maneira como a polícia trata a "plebe" das cidades, a luta contra os famintos, a campanha repelindo a aspiração do povo à instrução e à ciência, a extorsão dos impostos, a perseguição às seitas, o adestramento dos soldados e o regime de caserna imposto aos estudantes e aos intelectuais liberais – por que todas essas manifestações de opressão, e milhares de outras mais, não directamente ligadas à luta "económica", constituem em geral os meios e as ocasiões menos "amplamente aplicáveis" de agitação política, de integração da massa à luta política? Muito pelo contrário; na soma total dos casos quotidianos em que o operário sofre (ele próprio, ou os ligados a ele) a servidão, a arbitrariedade e a violência, os casos de opressão policial que se aplicam precisamente à luta profissional não constituem, certamente, senão uma pequena minoria. Por que, então, restringir de antemão a amplitude da propaganda política, proclamando como "o mais amplamente aplicável" apenas um único meio, ao lado do qual, para o social-democrata, deveria haver outros que, de forma geral, não são menos "amplamente aplicáveis"?

Em época já muito remota (há um ano! ... ), o Rabótcheie Dielo escrevia: "As reivindicações políticas imediatas tornam-se acessíveis à massa após uma, ou na pior das hipóteses, após várias greves", "desde que o governo utilize a polícia e o corpo policial" (n.º 7, p. 15, Agosto de 1900). Essa teoria oportunista dos estádios foi rejeitada pela União, que nos faz uma concessão declarando: "não há nenhuma necessidade, desde o início, de se fazer a agitação política exclusivamente no terreno económico" (Dois Congressos, p. 11). Esta única negação pela União de uma parte dos seus antigos erros mostrará ao futuro historiador da social-democracia russa, melhor do que toda a espécie de longas dissertações, a que ponto os nossos "economistas" rebaixaram o socialismo! Mas, que ingenuidade da União imaginar que, a troco do abandono de uma forma de estreitamento da política, poderia fazer-nos aceitar outra forma de estreitamento! Não teria sido mais lógico dizer, também, que é preciso sustentar uma luta económica, da forma mais ampla possível; que é preciso sempre utilizá-la para os fins de agitação política, mas que "não há nenhuma necessidade' de se considerar a luta económica como o meio mais amplamente aplicável para integrar a massa à luta política activa?

A União considera importante o facto de ter substituído a expressão "o meio mais amplamente aplicável", pela expressão "o melhor meio", que figura na resolução correspondente ao Quarto Congresso da União Operária Judaica (Bud). Na verdade, seria embaraçoso para nós dizer qual dessas duas resoluções é a melhor: em nossa opinião são as duas piores. Tanto a União como o Bund perdem-se no que diz respeito a uma interpretação economista, sindical da política (em parte, talvez inconscientemente, sob a influência da tradição). No fundo, a questão em nada se altera, quer se empregue as palavras "o melhor", ou "o mais amplamente aplicável". Se a União tivesse dito que "a agitação política no terreno económico" constitui o meio mais amplamente aplicado (e não "aplicável") teria razão quanto a certo período de desenvolvimento de nosso movimento social-democrata. Teria razão precisamente no que concerne aos economistas, no que diz respeito a muitos (senão a maior parte) dos militantes práticos de 1898-1901; de facto, esses "economistas" práticos aplicaram a agitação política (se é que a aplicaram de algum modo), quase exclusivamente no terreno económico. Como vimos, a Rabótchaia Mysl e o "Grupo da Auto-libertação" admitiam, também eles, e até recomendavam uma agitação política desse género! O "Rabótcheie Dielo" devia condenar resolutamente o facto de a agitação económica, útil em si mesma, ter sido acompanhada de uma restrição prejudicial da luta política; ora, ao invés disso, declara o meio mais aplicado (pelos "economistas") como o mais aplicável! Não é de se surpreender que, quando damos a esses homens o nome de "economistas", não lhes resta senão insultarem-nos, chamando-nos de "mistificadores" e "desorganizadores", e de, "núncios do papa" e "caluniadores", de se lamentarem diante de todos que lhes fizemos uma afronta atroz, e declarar, quase jurando aos seus grandes deuses: "decididamente, hoje, nenhuma organização social-democrata está contaminada pelo economismo". Ali! Esses caluniadores, esses políticos malévolos! Não terão eles inventado todo esse "economismo" para infringir às pessoas, por simples ódio à humanidade, afrontas atrozes?

Qual é o sentido concreto, real, da tarefa que Martynov atribui à social-democracia de "conferir à própria luta económica um carácter político"? A luta económica é a luta colectiva dos operários contra os patrões, para vender vantajosamente a sua força de trabalho, para melhorar as suas condições de trabalho e de existência. Essa luta é necessariamente uma luta profissional, porque as condições de trabalho são extremamente variadas, de acordo com as profissões e, portanto, a luta pela melhoria de condições deve ser forçosamente conduzida pela profissão (pelos sindicatos no Ocidente, pelas uniões profissionais provisórias, por intermédio das "folhas volantes" na Rússia etc.). Conferir "à própria luta económica um carácter político" significa, portanto, procurar conseguir as mesmas reivindicações profissionais, melhorar as condições de trabalho em cada profissão através de "medidas legislativas e administrativas" (como se exprime Martynov na página seguinte – 43 – do seu artigo). É exactamente o que fazem e sempre fizeram os sindicatos operários. Leiam a obra dos seus profundos conhecedores (e de "profundos" oportunistas), como o casal Webb, e verão que há muito os sindicatos operários da Inglaterra compreenderam e realizam a tarefa de "conferir à própria luta económica um carácter político": que há muito e muito tempo lutam pela liberdade das greves, pela supressão dos obstáculos jurídicos de todo género e de toda ordem ao movimento cooperativista e sindical, pela promulgação de leis para a protecção da mulher e da criança, pela melhoria das condições do trabalho através de uma legislação sanitária, industrial etc.

Assim, pois, sob um aspecto "terrivelmente" profundo e revolucionário, a frase pomposa – "conferir à própria luta económica um carácter político" – dissimula na realidade a tendência tradicional de rebaixar a política social-democrata ao nível da política sindical! Sob o pretexto de corrigir a estreiteza do Iskra, que prefere – vejam vocês; "revolucionar o dogma do que revolucionar a vida", servem-nos como novidade a luta pelas reformas económicas. Na realidade, a frase – "Conferir à própria luta económica um carácter político" – implica apenas a luta pelas reformas económicas. E o próprio Martynov poderia ter chegado a essa conclusão pouco subtil, se tivesse meditado profundamente nas suas próprias palavras. "O nosso partido", diz ele, apontando a sua arma mais terrível contra o Iskra, "poderia e deveria exigir do governo medidas legislativas e administrativas concretas contra a exploração económica, o desemprego, a fome etc."(Rabótcheie Dielo, n.º 10, p. 42-43). Reivindicar medidas concretas não significa reivindicar reformas sociais? E mais uma vez tomamos o testemunho do leitor imparcial: caluniamos nós os rabotchediélentsi – perdoem-me esta infeliz palavra em voga! – qualificando-os de bernsteinianos disfarçados, quando pretendem que o seu desacordo com o Iskra repousa na necessidade de lutar por reformas económicas?

A social-democracia revolucionária sempre compreendeu e compreende na sua actividade a luta pelas reformas. Usa, porém, a agitação "económica" não somente para exigir do governo medidas de toda espécie, mas, também (e sobretudo), para dele exigir que deixe de ser um governo autocrático. Além disso, acredita dever apresentar ao governo essa reivindicação não só no terreno da luta económica, mas também no terreno de todas as manifestações, quaisquer que sejam, da vida política e social. Numa palavra, subordina a luta pelas reformas, como a parte ao todo, à luta revolucionária pela liberdade e pelo socialismo. Martynov ressuscita sob uma forma diferente a teoria dos estádios e tenta prescrever à luta política que tome resolutamente um caminho por assim dizer económico. Preconizando, desde o impulso revolucionário, a luta pelas reformas como uma "tarefa" pretensamente especial, arrasta o partido para trás, e faz o jogo do oportunismo "economista" e liberal.

Prossigamos. Após ter dissimulado pudicamente a luta pelas reformas sob a frase pomposa – "conferir à própria luta económica um carácter político" – Martynov apresentou, simplesmente como algo de particular, as reformas económicas (e mesmo as simples reformas no interior da fábrica). Por que teria feito isso? Ignoramos. Talvez por negligência? Mas se não tivesse considerado unicamente as reformas "fabris", toda a sua tese, que acabamos de mencionar acima, perderia sentido. Talvez porque julgue possíveis e prováveis, da parte do governo, apenas as "concessões" no aspecto económico? Se a resposta for sim, isto constitui um erro estranho: as concessões são possíveis e também se fazem no aspecto legislativo, quando se trata de aplicar a chibata, quando se trata de passaportes, de resgates, de seitas, da censura etc, etc. As concessões (ou pseudoconcessões) "económicas" são evidentemente as menos dispendiosas e as mais vantajosas para o governo, pois, dessa forma, espera ganhar a confiança das massas operárias. Mas é precisamente por isso que nós, os sociais-democratas, não devemos de forma alguma e por motivo algum ceder a essa opinião (ou a um mal-entendido) de que as reformas económicas pretensamente nos agradam, e que as consideramos as mais importantes etc. "Tais reivindicações" – diz Martynov falando das medidas legislativas e administrativas concretas que mencionou anteriormente – "não seriam uma frase oca, porque, prometendo resultados tangíveis, poderiam ser apoiadas activamente pela massa operária..." Não somos "economistas", oh, não! Simplesmente prostramo-nos diante da "tangibilidade" dos resultados concretos, tão servilmente como o fazem os senhores Bernstein, Prokopovitch, Struve, R. M., e tutti quanti. Simplesmente damos a entender (com Narciso Tuporilov) que tudo o que "não promete resultados tangíveis" não é mais do que uma "frase oca"! Simplesmente expressamo-nos como se a massa operária fosse incapaz (que já provou, ao contrário dos que despejam o seu próprio filistinismo sobre ela, a sua capacidade) de apoiar activamente qualquer protesto contra a autocracia, mesmo aquele que não lhe promete absolutamente qualquer resultado tangível!

Tomemos os mesmos exemplos lembrados pelo próprio Martynov, relativos às "medidas" contra o desemprego e a fome. Enquanto o Rabótcheie Dielo trabalhava, segundo fazia crer, para elaborar e desenvolver "reivindicações concretas (sob a forma de projectos de lei?) referentes a medidas legislativas e administrativas", "prometendo resultados tangíveis", o Iskra, que "prefere invariavelmente revolucionar o dogma do que revolucionar a vida", dedicava-se a explicar a ligação estreita entre o desemprego e o regime capitalista, advertindo que a "fome se aproxima", denunciando a "luta contra os famintos" desencadeada pela polícia e os escandalosos "regulamentos provisórios draconianos", e a Zaria lançava em tiragem especial, como folheto de propaganda, uma parte da Revista da Situação Interior, dedicada à fome. Mas, meu Deus, como foram "unilaterais", nesse caso, os ortodoxos incorrigivelmente estreitos, os dogmáticos surdos às injunções da "própria vida"! Nenhum de seus artigos contém – que horror! – nem uma única, vejam bem, "reivindicação concreta", "prometendo resultados tangíveis"! Os infelizes dogmáticos! É preciso enviá-los à escola de Kritchévski e Martynov para convencê-los de que a táctica é um processo de crescimento, do que cresce etc., e que é preciso conferir à própria luta económica um carácter político! 

“Além da sua importância revolucionária directa, a luta económica dos operários contra os patrões e o governo ("a luta económica contra o governo"!!) apresenta ainda a utilidade de incitar os operários a pensar constantemente que estão frustrados nos seus direitos políticos" (Martynov, p. 44). Citamos essa frase não a fim de repetir pela centésima ou milésima vez o que dissemos acima, mas a fim de agradecer muito particularmente a Martynov por esta nova e excelente frase: "A luta económica dos operários contra os patrões e o governo". Que maravilha! Com que talento inimitável, com que magistral eliminação de todas as diferenças parciais, de todas as variedades de matizes entre "economistas", encontra-se expressa aqui, numa proposição breve e límpida, toda a essência do "economismo", desde o apelo instigando os operários à "luta política que conduzem no interesse geral, a fim de melhorar a sorte de todos os operários", passando pela teoria dos estádios, para finalizar com a resolução do congresso sobre o "meio mais amplamente aplicável" etc. "A luta económica contra o governo" constitui exactamente a política sindical, que ainda se encontra muito e muito longe da política social-democrata. 

b) Como Martynov aprofundou Plekhanov

"Que quantidade de Lomonossovs sociais-democratas surgiram entre nós, nos últimos tempos!" observou um dia um camarada, referindo-se à inclinação surpreendente de muitos daqueles que se voltam para o "economismo", para chegar apenas "pela sua própria inteligência" às grandes verdades (como, por exemplo, aquela de que a luta económica instiga os operários a pensar que estão frustrados nos seus direitos), desconhecendo, com soberano desprezo próprio do talento nato, tudo o que já foi dado pelo desenvolvimento anterior do pensamento e do movimento revolucionários. Esse talento nato é justamente Lomonossov-Martynov. Olhem o seu artigo, "As Questões Imediatas", e verão como chega "pela sua própria inteligência" àquilo que há muito foi dito por Axelrod (a propósito de quem o nosso Lomonossov, bem entendido, guarda um silêncio absoluto); como começa, por exemplo, a compreender que não podemos desconhecer o espírito de oposição dessas ou daquelas camadas da burguesia (R. D. nº.9, p. 61, 62, 71 – comparem à "Resposta" da redacção do R D. a Axelrod, p. 22, 23-24) etc. Mas, ai! só chega e só começa; pois, compreendeu tão pouco do pensamento de Axelrod, que fala da "luta económica contra os patrões e o governo". Durante três anos (1898-1901) o Rabótcheie Dielo esforçou-se para compreender Axelrod, e ainda não o compreendeu! Será que isto ocorre talvez porque para a social-democracia, da mesma forma que "para a humanidade", sempre são colocadas tarefas realizáveis?

Mas, os Lomonossovs não somente ignoram de maneira particular as coisas (isto seria apenas meio mal!), como também não se dão conta da sua ignorância. Isto constitui uma verdadeira desgraça, que os leva a empreender repentinamente a tarefa de "aprofundar" Plekhanov.

"Depois que Plekhanov escreveu o opúsculo em questão (As Tarefas dos Socialistas na Luta Contra a Fome na Rússia) muita água correu", diz Lomonossov-Martynov. "Os sociais-democratas que dirigiram durante dez anos a luta económica da classe operária... ainda não tiveram tempo de dar amplo fundamento teórico à táctica do Partido. Agora essa questão chegou à maturidade, e se quisermos conferir tal fundamento teórico, devemos aprofundar de forma segura os princípios tácticos que, em seu tempo, Plekhanov desenvolveu... Devemos agora diferenciar entre a propaganda e a agitação, de maneira distinta do que o fez Plekhanov."

(Martynov acaba de citar as palavras de Plekhanov: "O propagandista inculca muitas ideias numa única pessoa, ou num pequeno número de pessoas: o agitador inculca apenas uma única ideia ou um pequeno número de ideias: em troca, inculca-as em toda uma massa de pessoas").

"Por propaganda entendemos a explicação revolucionária de todo o regime actual, ou das suas manifestações parciais, quer feita de forma acessível a apenas algumas pessoas, ou às grandes massas. pouco importa. Por agitação, no sentido estrito da palavra (sic), entendemos o apelo dirigido às massas para certos actos concretos, a contribuição para a intervenção revolucionária directa do proletariado na vida social."

As nossas felicitações à social-democracia russa – e internacional – que recebe assim, graças a Martynov, uma nova terminologia mais estrita e mais profunda. Até agora, pensávamos (com Plekhanov e todos os dirigentes do movimento operário internacional) que um propagandista, ao tratar por exemplo do problema do desemprego, deve explicar a natureza capitalista das crises, mostrar o que as torna inevitáveis na sociedade moderna, mostrar a necessidade da transformação dessa sociedade em sociedade socialista etc. Numa palavra, deve fornecer "muitas ideias", um número tão grande de ideias que, de momento, todas essas ideias tomadas em conjunto apenas poderão ser assimiladas por um número (relativamente) restrito de pessoas. Tratando da mesma questão, o agitador tomará o facto mais conhecido dos seus ouvintes, e o mais palpitante, por exemplo uma família de desempregados morta de fome, a indigência crescente etc., e apoiando-se sobre esse facto conhecido de todos, fará todo o esforço para dar à "massa" uma única ideia: a da contradição absurda entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria; esforçar-se-á para suscitar o descontentamento, a indignação da massa contra essa injustiça gritante, deixando ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa dessa contradição. Por isso, o propagandista age principalmente por escrito, e o, agitador de viva voz. Não se exige de um propagandista as mesmas qualidades de um agitador. Diremos que Kautsky e Lafargue, por exemplo, são propagandistas, enquanto Bebel e Guesde são agitadores. Distinguir um terceiro domínio, ou uma terceira função da actividade prática, função que consistiria em "atrair as massas para certos actos concretos", é o maior dos absurdos, pois o "apelo" sob forma de acto isolado, ou é o complemento natural e inevitável do tratado teórico, do folheto e propaganda, do discurso da agitação, ou é uma função pura e simples de execução. De facto, tomemos, por exemplo, a luta actual dos sociais-democratas alemães contra os direitos alfandegários sobre os cereais. Os teóricos redigem estudos especiais sobre a política alfandegária, onde "apelam", digamos assim, para se lutar por tratados comerciais e pela liberdade do comércio; o propagandista faz o mesmo numa revista, e o agitador nos discursos públicos. Os "actos concretos" da massa são, nesse caso, a assinatura de uma petição endereçada ao "Reichstag" contra a majoração dos direitos alfandegários sobre os cereais. O apelo a essa acção emana indirectamente dos teóricos, dos propagandistas e dos agitadores, e directamente dos operários que passam as listas de petição nas fábricas e domicílios particulares. Segundo a "terminologia de Martynov", Kautsky e Bebel seriam ambos propagandistas e portadores das listas dos agitadores. Não é isso?

Esse exemplo dos alemães me faz pensar na palavra alemã Verbalhornung, literalmente: "balhornização". Jean Balhorn foi um editor, que viveu no século XVI, em Leipzig; publicou um abecedário onde, segundo o hábito, figurava entre outros desenhos um galo; mas, o galo era representado sem esporões e com dois ovos ao lado. No frontispício fora acrescentado: "Edição corrigida de Jean Balhorn." Desde essa época, os alemães qualificam de Verbalhornung uma "correcção" que, na verdade, é o contrário de uma melhoria. A história de Balhorn vem-me à mente de maneira involuntária, quando vejo como os Martynov "aprofundam" Plekhanov...

Por que o nosso Lomonossov "imaginou" essa terminologia confusa? Para mostrar que o Iskra, "da mesma maneira que Plekhanov há quinze anos, não considera senão um lado das coisas". "No Iskra, ao menos agora, as tarefas da propaganda relegam para segundo plano as da agitação". Se traduzirmos essa última tese da língua de Martynov para linguagem humana (pois a humanidade ainda não teve tempo de adoptar a terminologia que acaba de ser descoberta), chegamos ao seguinte: no Iskra, as tarefas de propaganda e da agitação política relegam para segundo plano a que consiste "em apresentar ao governo reivindicações concretas de medidas legislativas e administrativas", "prometendo resultados tangíveis" (dito de outra forma, reivindicações de reformas sociais, se nos é permitido, ainda uma vez mais, empregar a antiga terminologia da antiga humanidade, que ainda não chegou à altura de Matynov). Que o leitor compare a essa tese a seguinte passagem:

"O  que nos espanta nesses programas" (os programas dos sociais-democratas revolucionários), "é que colocam constantemente em primeiro plano as vantagens da acção dos operários para o Parlamento (inexistente entre nós) e desconhecem totalmente (em decorrência do seu niilismo revolucionário) a importância que teria a participação dos operários nas assembleias legislativas patronais – existentes entre nós – nos assuntos da fábrica... ou mesmo simplesmente a sua participação na administração municipal ..."

O autor desta passagem exprime, de maneira um pouco mais aberta, um pouco mais clara e franca, a mesma ideia à qual chegou Lomonossov-Martynov pela sua própria inteligência. O autor é R. M. do "Suplemento especial da Rabótchaia Mysl" (p. 15). 

 c) As revelações políticas e "A educação para a actividade revolucionária" 

Dirigindo contra o Iskra a sua "teoria" da "elevação da actividade da massa operária", Martynov revelou, na realidade, a sua tendência de rebaixar essa actividade declarando que o melhor meio, o de especial importância, "o mais amplamente aplicável" para suscitá-la, e o próprio campo dessa actividade era essa mesma luta económica diante da qual se prostram todos os "economistas". Erro característico, pois está longe de ser unicamente próprio de Martynov. Na realidade, a "elevação da actividade da massa operária" será possível unicamente se não nos limitarmos à "agitação política no terreno económico". Ora, uma das condições essenciais para a extensão necessária da agitação política é organizar as revelações políticas em todos os aspectos. Somente essas revelações podem formar a consciência política e suscitar a actividade revolucionária das massas. Por isso essa actividade é uma das funções mais importantes de toda a social-democracia internacional, pois mesmo a liberdade política não elimina absolutamente as revelações; apenas lhe modifica um pouco a direcção. Assim, o partido alemão, graças à constante energia com que prossegue a sua campanha de revelações políticas, fortifica de modo particular as suas posições e estende a sua influência. A consciência da classe operária não pode ser uma consciência política verdadeira, se os operários não estiverem habituados a reagir contra todo o abuso, toda a manifestação de arbitrariedade, de opressão e de violência, quaisquer que sejam as classes atingidas; a reagir justamente do ponto de vista social-democrata, e não de qualquer outro ponto de vista. A consciência das massas operárias não pode ser uma consciência de classe verdadeira, se os operários não aprenderem a aproveitar os factos e os acontecimentos políticos concretos e de grande actualidade, para observar cada uma das outras classes sociais em todas as manifestações da sua vida intelectual, moral e política; se não aprenderem a aplicar praticamente a análise e o critério materialista a todas as formas da actividade e da vida de todas as classes, categorias e grupos de população. Todo aquele que orienta a atenção, o espírito de observação e a consciência da classe operária exclusiva ou preponderantemente para ela própria, não é um social-democrata; pois para se conhecer a si própria, de facto, a classe operária deve ter um conhecimento preciso das relações recíprocas de todas as classes da sociedade contemporânea, conhecimento não apenas teórico... ou melhor: não só teórico, como fundamentado na experiência da vida política. Eis porque os nossos "economistas", que pregam a luta económica como o meio mais amplamente aplicável para integrar as massas no movimento político, realizam um trabalho profundamente prejudicial e reaccionário nos seus resultados práticos. Para se tornar um social-democrata, o operário deve ter uma ideia clara da natureza económica, da fisionomia política e social do grande proprietário de terras e do pope, do dignitário e do camponês, do estudante e do vagabundo, conhecer os seus pontos fortes e os seus pontos fracos, saber enxergar, nas fórmulas correntes, sofismas de toda espécie com que cada classe e cada camada social encobre os seus apetites egoístas e sua verdadeira "natureza"; saber distinguir esses ou aqueles interesses que reflectem as instituições e as leis, e como as reflectem. Ora, não é nos livros que o operário poderá obter essa "ideia clara": ele a encontrará apenas nas amostras vivas, nas revelações ainda recentes do que se passa num determinado momento à nossa volta, do que todos ou cada um falam ou cochicham entre si, do que se manifesta nesses ou naqueles factos, números, veredictos, e assim até ao infinito. Essas revelações políticas abrangendo todos os aspectos são a condição necessária e fundamental para educar as massas em função da actividade revolucionária.

Por que o operário russo ainda manifesta tão pouca actividade revolucionária face às violências selvagens exercidas pela polícia contra o povo, face à perseguição às seitas, às "vias de facto" quanto aos camponeses, aos abusos escandalosos da censura, às torturas infligidas aos soldados, à guerra feita às iniciativas mais inofensivas em matéria de cultura, e assim por diante? Será porque a "luta económica" não o "incita" a isso, porque lhe "promete" poucos "resultados tangíveis", lhe oferece poucos resultados "positivos"? Não! Repetimos. Pretender isso é querer atribuir a outrem as suas próprias faltas, é atribuir à massa operária o seu próprio filistinismo (ou bernisteinismo). Até agora, não soubemos organizar campanhas de denúncias suficientemente amplas, ruidosas e rápidas contra todas essas infâmias; a culpa é nossa, de nosso atraso em relação ao movimento de massas. E se o fizermos (devemos e podemos faze-lo), o operário mais atrasado compreenderá ou sentirá que o estudante e o membro de uma seita, o mujique e o escritor estão expostos às injúrias e à arbitrariedade da mesma força tenebrosa que o oprime e pesa sobre ele a cada passo, durante toda a vida; e, tendo sentido isso, desejará, desejará irresistivelmente e saberá ele próprio reagir; hoje, ele fará "arruaças" contra os censores, amanhã fará manifestações diante da casa do governador, que terá reprimido uma revolta camponesa, depois de amanhã castigará os polícias de sotaina que fazem o trabalho da santa inquisição etc. Até agora fizemos muito pouco, quase nada, para lançar entre as massas operárias revelações sobre todos os aspectos da actualidade. Muitos de entre nós não têm nem mesmo consciência dessa obrigação que lhes cumpre, e arrastam-se cegamente em consequência da "obscura luta quotidiana" no estreito quadro da vida da fábrica. Daí dizer – "o Iskra tem tendência a subestimar a importância da marcha progressiva da obscura luta quotidiana, comparada à propaganda das brilhantes ideias acabadas (Martynov, p. 61)" – é arrastar o Partido para trás, é defender e glorificar a nossa falta de preparação, o nosso atraso.

Quanto ao apelo às massas para a acção, isto será feito por si, desde que haja uma agitação política enérgica, revelações vivas e precisas. Apanhar alguém em flagrante delito e acusá-lo perante todos e em toda parte é mais eficaz do que qualquer apelo, e constitui uma forma de agitação onde, muitas vezes, é impossível estabelecer quem precisamente "atraiu" a multidão e colocou em andamento esse ou aquele plano de manifestação etc. Fazer o apelo, não de forma geral, mas no sentido próprio da palavra, não é possível se não der lugar à acção: não se pode impelir os outros a agir, se não se dá imediatamente o próprio exemplo. Para nós, publicistas (escritores políticos) sociais-democratas, cabe aprofundar, ampliar e intensificar as revelações políticas e a agitação política.

A propósito de "apelos". O único órgão que, antes dos acontecimentos da Primavera, chamou os operários a intervir activamente numa questão que não lhes prometia de modo algum qualquer resultado tangível, como o recrutamento forçado dos estudantes para o exército, foi o "Iskra". Imediatamente após a publicação da ordem de 11 de Janeiro sobre "o recrutamento forçado de 183 estudantes para o exército", o Iskra, antes de qualquer manifestação, publicou um artigo a esse respeito (n.º 2, Fevereiro) e apelou abertamente "ao operário para vir em auxílio do estudante", apelou ao "povo" para contestar o insolente desafio do governo. Perguntamos a todos: como e através do que explicar o facto marcante de Martynov, que fala tanto dos "apelos" como uma forma especial de actividade, nada ter dito sobre esse apelo? Depois disso, não será filistinismo da parte de Martynov, declarar que o Iskra é unilateral pela razão exclusiva de não "apelar" suficientemente à luta pelas reivindicações "que prometem resultados tangíveis"?

Os nossos "economistas", aí incluído o Rabótcheie Dielo, tiveram êxito porque se dobraram à mentalidade dos operários atrasados. Mas o operário social-democrata, o operário revolucionário (o número desses operários aumenta dia a dia) repudiará com indignação todos esses raciocínios sobre a luta pelas reivindicações "que prometem resultados tangíveis" etc., pois compreenderá que não são mais do que variações sobre o velho tema do aumento de um copeque por rublo. Este operário dirá aos seus conselheiros da Rabótchaia Mysl e do Rabótcheie Dielo: "Não é justo que os senhores se dêem a tanto trabalho e intervenham com tanto zelo em assuntos dos quais nós mesmos nos ocupamos, e deixem de cumprir os vossos próprios deveres. Não é muito inteligente dizer, como os senhores fazem, que a tarefa dos sociais-democratas é conferir um carácter político à própria luta económica; isso é apenas o princípio, e não constitui a tarefa essencial dos sociais-democratas, pois no mundo inteiro, e aí também está incluída a Rússia, é a própria polícia que começa a conferir à luta económica um carácter político; os próprios operários aprendem a compreender a quem serve o governo. De facto, "a luta económica dos operários contra os patrões e o governo", que os senhores louvam como se tivessem descoberto uma nova América, é conduzida em todos os recantos da Rússia pelos próprios operários, que ouviram falar de greves, mas, provavelmente, ignoram tudo sobre o socialismo. A nossa "actividade" de operários, actividade que os senhores se obstinam a querer apoiar lançando reivindicações concretas, que prometem resultados tangíveis, já existe entre nós; e na nossa acção profissional ordinária, de todos os dias, apresentamos nós próprios essas reivindicações concretas, a maior parte das vezes sem qualquer ajuda dos intelectuais. Mas essa actividade não nos satisfaz; não somos crianças que podem ser alimentadas apenas com a "sopinha" da política "económica"; queremos saber tudo o que os outros sabem, queremos conhecer em detalhe todos os aspectos da vida política e participar activamente de cada acontecimento político. Para isso, é necessário que os intelectuais nos repitam um pouco menos o que já sabemos, e que nos dêem um pouco mais do que ainda ignoramos, daquilo que a nossa experiência "económica", na fábrica, jamais nos ensinará: os conhecimentos políticos. Esses conhecimentos apenas os senhores, intelectuais, podem adquirir, é vosso dever fornecer-nos tais conhecimentos em quantidades cem, mil vezes maiores do que o fizeram até agora, e não apenas sob a forma de raciocínios, folhetos e artigos (os quais frequentemente costumam ser – perdoem a franqueza! – maçantes), mas – e isto é imperioso – sob a forma de revelações vivas sobre o que fazem o nosso governo e as nossas classes dominantes exactamente no momento actual, em todos os aspectos da vida. Portanto, ocupai-vos um pouco mais ciosamente da tarefa que vos pertence, e façam menos " elevar a actividade da massa operária". Da actividade, sabemos muito mais do que os senhores pensam, e sabemos mantê-la através de uma luta aberta, dos combates de rua, e até através das reivindicações que não deixam entrever nenhum "resultado tangível"! E não lhes compete "elevar" a nossa actividade, pois é exactamente actividade o que vos falta. Não vos inclineis tanto diante da espontaneidade, e pensai um pouco mais em elevar a vossa própria actividade, Senhores!

d) O que há de comum entre o Economismo e o Terrorismo 

Confrontámos anteriormente, numa nota, um "economista" e um não social-democrata terrorista que, por acaso, fossem solidários. Mas, de forma geral, existe entre eles uma ligação interna, não acidental, mas necessária, a respeito da qual voltamos exactamente a propósito da educação da actividade revolucionária. Os "economistas" e os terroristas de hoje possuem uma raiz comum, a saber, o culto da espontaneidade de que falámos no capítulo anterior como um fenómeno geral, e que iremos agora examinar na sua influência sobre a acção e a luta políticas. À primeira vista, a nossa afirmação pode parecer paradoxal, tão grande parece ser a diferença entre os que colocam em primeiro plano "a obscura luta quotidiana", e os que induzem o indivíduo isolado a lutar com a maior abnegação. Mas tal ponto não constitui um paradoxo. "Economistas" e terroristas inclinam-se perante os dois pólos opostos da tendência espontânea: os "economistas", diante da espontanei­dade do "movimento operário puro"; os terroristas, diante da espontaneidade da mais ardente indignação dos intelectuais que não sabem ou não podem conjugar o trabalho revolucionário e o movimento operário. De facto, é difícil para os que per­deram a fé nessa possibilidade, ou que nela jamais acreditaram, encontrar outra saída para a sua indignação e energia revolucionária, que não o terrorismo. Assim, em consequência, nessas duas tendências o culto da espontaneidade é apenas o começo da realização do famoso programa do Credo: os operários conduzem a sua "luta económica contra os patrões e o governo" (que o autor do Credo nos perdoe exprimir o seu pensamento na língua de Martynov! Julgamo-nos no direito de fazê-lo, uma vez que no Credo também se fala que na luta económica os ope­rários "entram em choque com o regime político"), e os intelectuais conduzem a luta política através das suas próprias forças, naturalmente por intermédio do terror! Dedução absolutamente lógica e inevitável sobre a qual não será demais insistir, mesmo quando aqueles que começam a realizar esse programa não compreen­dem o carácter inevitável dessa conclusão. A actividade política tem a sua lógica, independente da consciência daqueles que, com as melhores intenções do mundo, ou apelam ao terror, ou pedem que se confira à própria luta económica um carác­ter político. O inferno está cheio de gente de boas intenções e, neste caso, as boas intenções não impedem que as pessoas se deixem seduzir pela "lei do mínimo esforço", pela linha do programa puramente burguês do Credo. De facto, não é por acaso que muitos liberais russos – liberais declarados, ou liberais que trazem a máscara do marxismo – simpatizam de todo o coração com o terrorismo e esfor­çam-se, no momento actual, por apoiar o crescimento da mentalidade terrorista.

O aparecimento do "Grupo Socialista-Revolucionário Svoboda", que atribui a si pró­prio a tarefa de ajudar, através de todos os meios, o movimento operário, mas que inscreveu no seu programa o terrorismo e, por assim dizer, emancipou-se da so­cial-democracia, confirmou uma vez mais a notável clarividência de P. Axeldrov que, já no final de 1897, previra com toda a exactidão esse resultado das flutua­ções da social-democracia ("A propósito dos objectivos actuais e da táctica"), e esboçou as suas célebres "Duas Perspectivas". Todas as discussões e divergên­cias ulteriores entre os sociais-democratas russos estão contidas, como a planta na semente, nessas duas perspectivas.

A partir daí concebe-se que o Rabótcheie Dielo não tenha resistido à espontaneidade do "economismo", nem tenha podido resistir à espontaneidade do terrorismo. É interessante notar a argumentação ori­ginal com que a Svoboda apoia o terrorismo. Nega completamente o papel de intimidação do terror (Renascimento do Revolucionismo, p. 64); mas por outro lado valoriza o seu "carácter excitativo". Isto é característico, em primeiro lugar, de uma das fases da desagregação e da decadência do círculo tradicional de ideias (pré-social-democrata) que fazia que se mantivesse a ligação com o terrorismo. Admitir que agora é impossível "intimidar" e, por conseguinte, desorganizar o governo através do terrorismo, significa, no fundo, condenar completamente o terrorismo como método de luta, como esfera de actividade consagrada por um programa. Em segundo lugar, o que ainda é mais característico, como exemplo de incompre­ensão das nossas tarefas prementes no que diz respeito à "educação da activi­dade revolucionária das massas", a Svoboda prega o terrorismo como meio de "excitar" o movimento operário, de imprimir-lhe um impulso vigoroso. Seria difícil imaginar uma argumentação que se refutasse a si própria com mais evidência! Pergunta-se: haveria, portanto, tão poucos factos escandalosos na vida russa para ser preciso inventar meios especiais de "excitação"? Por outro lado, é evidente que aqueles que não se excitam, nem são excitáveis mesmo pela arbitrariedade russa, observarão da mesma forma, "cruzando os braços", o duelo do governo com um punhado de terroristas. Ora, são exactamente as massas operárias que estão bastante excitadas pelas infâmias da vida russa, mas somos nós que não sabe­mos recolher, se é possível falar assim, e concentrar todas as gotas e todos os pequenos córregos da efervescência popular, que a vida russa verte em quanti­dade infinitamente maior do que imaginamos ou acreditamos, e que é preciso reunir numa única torrente gigantesca. Que isso é realizável, prova-o incontesta­velmente o impulso prodigioso do movimento operário e a sede, já assinalada anteriormente, que os operários manifestam pela literatura política. Por isso, os apelos ao terrorismo, bem como os apelos para conferir à própria luta económica um carácter político, são apenas pretextos diferentes para se fugir ao dever mais imperioso dos revolucionários russos: organizar a agitação política sob todas as suas formas. A Svoboda quer substituir a agitação pelo terrorismo, reconhecendo abertamente que "desde que uma agitação enérgica e intensa atraia as massas, o papel excitativo do terror terá fim" (p. 68 do Renascimento do Revolucionarismo). Isto mostra precisamente que terroristas e "economistas" subestimam a actividade revolucionária das massas, a despeito do testemunho evidente dos acontecimen­tos da primavera. Uns lançam-se à procura de "excitantes" artificiais, outros falam de "reivindicações concretas". Tanto uns como outros não prestam atenção sufici­ente ao desenvolvimento de sua própria actividade em matéria de agitação política e de organização de revelações políticas. E não há nada que possa substituir isso, nem agora, nem em qualquer outro momento.

 

III Parte -2


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publicado por portopctp às 17:50
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