de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009
O Direito à Preguiça - Apêndice

(início)

Os nossos moralistas são pessoas muito modestas; se inventaram o dogma do trabalho, duvidam da sua eficácia para tranquilizar a alma, regozijar o espírito e manter o bom funcionamento dos rins e outros órgãos; querem experimentar a sua utilização nos populares, in anima vili antes de o voltar contra os capitalistas, cujos vícios têm como missão desculpar e autorizar. Mas, filósofos de quatro tostões a dúzia, porquê preocupardes-vos assim a elucubrar uma moral cuja prática não ousais aconselhar aos vossos senhores? O vosso dogma do trabalho, do qual vos mostrais tão orgulhosos, quereis vê-lo escarnecido e amaldiçoado? Abramos a história dos povos antigos e os escritos dos seus filósofos e dos seus legisladores.

“Não posso afirmar, diz o pai da história, Heródoto, que os Gregos receberam dos Egípcios o desprezo que têm pelo trabalho, porque encontro o mesmo desprezo estabelecido entre os Trácios, os Citas, os Persas e os Lídios; numa palavra, porque, entre a maior parte dos bárbaros, aqueles que aprendem as artes mecânicas e até mesmo os seus filhos são considerados como os últimos cidadãos... – Todos os Gregos foram educados nestes princípios, especialmente os Lacedemónios.”[1]
“Em Atenas, os cidadãos eram verdadeiros nobres que só se deviam ocupar da defesa e da administração da comunidade, como os guerreiros selvagens de onde tinham origem. Devendo, portanto, estar livres todo o tempo para velar, com a sua força intelectual e física, pelos interesses da República, encarregavam os escravos de todo o trabalho.
O mesmo sucedia com a Lacedemónia, onde até as mulheres não deviam nem fiar nem tecer para não se furtarem à sua nobreza.”[2]
Os Romanos só conhecem duas profissões nobres e livres, a agricultura e as armas; todos os cidadãos viviam por direito à custa do Tesouro, sem poderem ser obrigados a prover à sua subsistência por nenhum dos sordidae artes (designavam assim os misteres) que pertenciam por direito aos escravos. Brutus, o Velho, para levantar o povo, acusou sobretudo Tarquínio, o tirano, de ter feito dos artesãos e dos pedreiros cidadãos livres[3].
Os filósofos antigos discutiam entre si sobre a origem das ideias, mas estavam de acordo quando se tratava de abominar o trabalho.
“A natureza, diz Platão, na sua utopia social, na sua Republica modelo, a natureza não fez nem o sapateiro nem o ferreiro; essas ocupações degradam as pessoas que as exercem, vis mercenários, miseráveis sem nome que pelo seu próprio estado são excluídos dos direitos políticos. Quanto aos mercadores acostumados a mentir e a enganar, só serão suportados na cidade como um mal necessário. O cidadão que se tiver aviltado pelo comércio será perseguido por esse delito. Se se provar a acusação, será condenado a um ano de prisão. A punição será duplicada em cada reincidência.” [4]
No seu Económico, Xenofonte escreve: ”As pessoas que se dedicam aos trabalhos manuais nunca são elevadas a altos cargos e é razoável. Condenadas na sua grande parte a estar sentadas todo o dia, algumas mesmo a suportar um fogo contínuo, não podem deixar de ter o corpo alterado e é muito difícil que o espírito não se ressinta disso. “
“Que pode sair de honroso de uma loja? – confessa Cícero – e o que é que o comércio pode produzir de honesto? Tudo o que se chama loja é indigno de um homem honesto [...] uma vez que os mercadores não podem ganhar sem mentir, e o que há de mais vergonhoso do que a mentira? Portanto, deve-se encarar como algo de baixo e de vil o mister de todos aqueles que vendem o seu esforço e a sua indústria, porque todo aquele que dá o seu trabalho por dinheiro vende-se a si mesmo e põe-se ao nível dos escravos.” [5]
Proletários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, compreendeis a linguagem destes filósofos, aquilo que escondem de vós com cioso cuidado? Que um cidadão que dá o seu trabalho em troca de dinheiro degrada-se ao nível dos escravos, comete um crime, que merece anos de prisão?
A hipocrisia cristã e o utilitarismo capitalista ainda não tinham pervertido estes filósofos das Repúblicas antigas; dirigindo-se a homens livres, expunham ingenuamente o seu pensamento. Platão, Aristóteles, esses pensadores gigantes, cujos calcanhares os nossos Cousin, os nossos Caro, o nossos Simon só podem atingir pondo-se nas pontas dos pés, queriam que os cidadãos das suas Repúblicas ideais vivessem na maior ociosidade, porque, acrescentava Xenofonte, “o trabalho tira todo o tempo e com ele não há nenhum tempo livre para a República e para os amigos”. Segundo Plutarco, o grande título de Licurgo, “o mais sábio dos homens” para admiração da posteridade, era ter concedido a ociosidade aos cidadãos da República proibindo-os de exercer qualquer mister[6].
Mas, responderão os Bastiat, os Dupanloup, os Beaulieu e companhia da moral cristã e capitalista, esses pensadores, esses filósofos preconizavam a escravatura. Perfeitamente! Mas acaso podia ser de outro modo atendendo às condições económicas e políticas dessa época? A guerra era o estado normal das sociedades antigas; o homem livre devia dedicar o seu tempo a discutir os assuntos de Estado e a velar pela sua defesa, os misteres eram então demasiado primitivos e demasiado grosseiros para que, ao praticá-los, se pudesse exercer a profissão de soldado e de cidadão; para possuírem guerreiros e cidadãos, os filósofos e os legisladores deviam tolerar os escravos nas Repúblicas heróicas. Mas os moralistas e os economistas do capitalismo não preconizam o salariado, a escravatura moderna? E a que homens concede a escravatura capitalista a ociosidade? Aos Rothschild, aos Schneider, às Sr.as Boucicaut, inúteis e prejudiciais, escravos dos seus vícios e dos seus criados.
“O preconceito da escravatura dominava o espírito de Pitágoras e de Aristóteles”, escreveu-se desdenhosamente; e no entanto Aristóteles previa que “se cada utensílio pudesse executar sem intimação, ou então por si só, a sua função própria, tal como as obras-primas de Dédalo se moviam por si mesmas ou tal como os tripés de Vulcano que se punham espontaneamente ao seu trabalho sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões tecessem por si próprias, o chefe de oficina já não teria necessidade de ajudantes, nem o senhor de escravos”.
O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas a vapor, com membros de aço, infatigáveis, de maravilhosa e inesgotável fecundidade, realizam por si próprias docilmente o seu trabalho sagrado; e, no entanto, o génio dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser dominado pelo preconceito do salariado, a pior das escravaturas. Ainda não compreendem que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que resgatará o homem das sórdidas artes e do trabalho assalariado, o Deus que lhe dará tempos livres e a liberdade.


[1] Heródoto, t. II, trad. Larcher, 1876
[2] Biot, De l'Abolition de l'Esclavage Ancien en Occident, 1840
[3] Tito Lívio, L. 1
[4] Platão, Repúblicas, 1. V.
[5] Cícero, Des Devoirs, 1, tít. II, cap. XLII
[6] Platão, República, V e As Leis, III; Aristóteles, Política, II e VII; Xenofontes, Económico, IV e VI; Plutarco, Vida de Licurgo.

por autores e títulos: ,

publicado por portopctp às 14:52
Ligação do texto | discustir | favorito

ligações
pesquisar
 
Outubro 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4

5
6
7
8
9
10
11

12
13
14
15
16
18

19
20
21
22
24
25

26
27
28
29
30
31


Textos colocados recentemente

O Capital 3.º Volume 3.ª ...

O Capital 3.º Volume 3.ª ...

O Capital 3.º Volume 3.ª ...

O Capital 3.º Volume 3.ª ...

"Esquerdismo", a doença i...

"Esquerdismo", a doença i...

"Esquerdismo", a doença i...

"Esquerdismo", a doença i...

PARA UMA LINHA POLÍTICA R...

"Esquerdismo", a doença i...

por autores e títulos

"esquerdismo" - a doença infantil do com

a catastrofe iminente e os meios de a co

a classe operária e o neo-malthusianismo

a guerra de guerrilhas

a propósito das greves

a questão do comércio livre

a situação militar em frança

acerca do porte na polícia

anarquismo ou socialismo?

aos pobres do campo

as possibilidades de êxito da guerra

as tarefas dos destacamentos do exército

carta ao comité de combate junto do comi

cartas de longe

chile: lição para os revolucionários de

comité lenine

conselhos de um ausente

da defensiva à ofensiva

discurso radiodifundido em 3 de julho de

do socialismo utópico ao socialismo cien

editorial do bandeira vermelha nº1

engels

estaline

imperialismo - estádio supremo do capita

jornadas sangrentas em moscovo

karl marx (breve esboço biográfico...

lenine

manifesto do partido comunista

mao tsé-tung

marx

marx e engels

mensagem do comité central à liga dos co

miséria da filosofia

notas sobre a guerra – xxxi

o capital

o direito à preguiça

o estado e a revolução

o exército revolucionário e o governo re

o materialismo dialéctico e o materialis

o nó ucraniano

os ensinamentos da insurreição de moscov

para uma linha política revolucionária

paul lafargue

pensar agir e viver como revolucionários

por onde começar?

que fazer?

que viva estaline!

reorganizar o partido revolucionário do

salário preço e lucro

sobre a prática

sobre o que aconteceu com o rei de portu

zëri i popullit

todas as tags

arquivos

Outubro 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Outubro 2012

Fevereiro 2012

Agosto 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Abril 2010

Fevereiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2008

Fevereiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Junho 2007

Maio 2007

Março 2007

Janeiro 2007

Novembro 2006

Junho 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

mais sobre mim
subscrever feeds