(início)
Os comunistas “de esquerda” alemães, com o maior desdém – e a maior leviandade – respondem negativamente a esta pergunta. Quais os seus argumentos? Lemos na citação anteriormente reproduzida:
"...rejeitar do modo mais categórico todo o retorno aos métodos de luta parlamentares, que já caducaram histórica e politicamente...".
Isto está dito num tom ridiculamente presunçoso e é uma falsidade evidente. “Retorno” ao parlamentarismo! Acaso existe já na Alemanha uma república soviética? Parece que não. Então, como se pode falar de “retorno”? Não é isto uma frase vazia?
O parlamentarismo “caducou historicamente”. Isto é certo do ponto de vista da propaganda. Mas ninguém ignora que daí à sua superação prática vai uma enorme distância. Há já muitas décadas que se podia dizer, com inteira razão, que o capitalismo “tinha caducado historicamente”; mas isso não impede, antes pelo contrário, que sejamos obrigados a sustentar uma luta muito prolongada e tenaz no terreno do capitalismo. O parlamentarismo “caducou historicamente” do ponto de vista histórico-universal, quer dizer, terminou a época do parlamentarismo burguês, começou a época da ditadura do proletariado. Isto é indiscutível. Mas na história universal o tempo conta-se por décadas. Sob este ponto de vista, dez ou vinte anos a mais ou a menos, não tem importância, é uma pequenez impossível de apreciar, mesmo aproximadamente. Por isso, a utilização da escala da história universal numa questão de política prática constitui o erro teórico mais escandaloso.
O parlamentarismo “caducou politicamente”? Isto é já outra questão. Se fosse assim, estaria certa a posição dos esquerdistas”. Mas isso tem que ser provado com uma análise muito séria, e os esquerdistas nem sequer sabem como abordá-la. Também não vale um tostão, como veremos, a análise contida nas Teses. Sobre o Parlamentarismo, publicadas no número 1 do Boletim do Comité Provisório de Amsterdão da Internacional Comunista (Bulletín of the Provisional Bureau in Amsterdam of Communist International, February – 1920) e que exprimem claramente as tendências esquerdistas dos holandeses, ou as tendências holandesas dos esquerdistas.
Em primeiro lugar, os “esquerdistas” alemães, como se sabe, já em Janeiro de 1919, consideravam que o parlamentarismo tinha “caducado politicamente”, a despeito da opinião de dirigentes políticos tão destacados como Rosa de Luxemburgo e Karl Leibknecht. Sabe-se que os “esquerdistas” se equivocaram. Este facto é suficiente para destruir num golpe e pela raiz a tese de que o parlamentarismo “caducou politicamente”. Os “esquerdistas” têm a obrigação de demonstrar qual a razão por que o seu erro indiscutível de então, o deixou de ser hoje. Mas não apresentam, nem podem apresentar, a menor sombra de prova. A atitude de um partido político, ante os seus erros, é um dos critérios mais importantes e mais rigorosos para julgar da seriedade desse partido e do efectivo cumprimento de seus deveres para com a classe e as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que lhes deu origem e discutir atentamente os meios de os corrigir: isso é o que caracteriza um partido sério; nisso consiste o cumprimento dos seus deveres; isso é educar e instruir a classe e, depois, as massas. Ao não cumprir esse dever nem estudar com toda a atenção, zelo e prudência necessários os seus erros evidentes, os “esquerdistas” da Alemanha (e da Holanda) mostram precisamente, que não são o partido da classe, mas um círculo, que não são o partido das massas, mas um grupo de intelectuais e de um reduzido número de operários que imitam os piores aspectos dos intelectualóides.
Em segundo lugar, no mesmo folheto do grupo “de esquerda” de Francoforte, de que, mais acima, fizemos detalhadas citações, lemos:
"…os milhões de operários que seguem ainda a política do centro" (do partido católico do “centro”) "são contra-revolucionários. Os proletários do campo formam as legiões dos exércitos contra-revolucionários". (pág. 3 do citado folheto).
Tudo indica que isso é dito com um ênfase e um exagero excessivos. Mas o facto fundamental aqui exposto é indiscutível, e o seu reconhecimento pelos “esquerdistas” atesta seu erro com particular evidência. Com efeito, como se pode dizer que o “parlamentarismo caducou politicamente”, se “milhões” e “legiões” de proletários são ainda não só partidários do parlamentarismo em geral, mas até mesmo francamente “contra-revolucionários”!? é evidente que o parlamentarismo na Alemanha ainda não caducou politicamente. É evidente que os “esquerdistas” da Alemanha tomaram o seu desejo, a sua atitude político-ideológica por uma realidade objectiva. Para os revolucionários este é o mais perigoso dos erros. Na Rússia, onde o jugo sumamente selvagem e feroz do czarismo deu origem, durante um período extremamente prolongado e com formas particularmente variadas, a revolucionários de todos os matizes, revolucionários de uma abnegação, entusiasmo, heroísmo e força de vontade assombrosos, pudemos observar muito de perto, estudar com singular atenção e conhecer detalhadamente este erro dos revolucionários, razão pela qual o vemos nos outros com particular clareza. Como é natural, para os comunistas da Alemanha o parlamentarismo “caducou politicamente”; mas o que é preciso é pensar que o caduco para nós tenha caducado para a classe, para as massas. Uma vez mais, aqui vemos que os “esquerdistas” não sabem raciocinar, não sabem conduzir-se como o partido da classe, como o partido das massas. O vosso dever consiste em não descer ao nível das massas, ao nível dos sectores atrasados da classe. Isto é indiscutível. Tendes a obrigação de dizer-lhes a verdade amarga; de dizer-lhes que seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares são isso mesmo: preconceitos. Mas, ao mesmo tempo, deveis observar com serenidade o estado real de consciência e de preparação precisamente de toda a classe (e não só da sua vanguarda comunista), de toda a massa trabalhadora (e não apenas dos seus elementos avançados).
Mesmo que não fossem “milhões” e “legiões”, mas uma simples minoria bastante considerável de operários industriais que seguisse os padres católicos, e de assalariados agrícolas que seguisse os latifundiários e camponeses ricos (Grossbauern), poderíamos assegurar, sem vacilar, que na Alemanha o parlamentarismo ainda não caducou politicamente, que a participação nas eleições parlamentares e na luta através da tribuna parlamentar, é obrigatória para o partido do proletariado revolucionário, precisamente para educar os sectores atrasados da sua classe, precisamente para despertar e instruir a massa aldeã inculta, oprimida e ignorante. Enquanto não tiverdes força para dissolver o parlamento burguês e qualquer outra instituição reaccionária, sois obrigados a actuar no seio das ditas instituições, precisamente porque ainda há nelas operários idiotizados pelo clero e pela vida nos lugares mais afastados do campo. Em caso contrário, correis o risco de vos converterdes em simples charlatães.
Em terceiro lugar, de tão pródigos que são em elogios aos bolcheviques, às vezes, dá vontade de dizer aos comunistas “de esquerda”: gabem-nos menos, mas compreendam melhor a táctica dos bolcheviques, familiarizem- -se mais com ela! Participámos nas eleições ao parlamento burguês da Rússia, à Assembleia Constituinte, em Setembro-Novembro de 1917. Era ou não correcta a nossa táctica? Se o não era, há que dizê-lo com clareza e demonstrá-lo; isso é indispensável para que o comunismo internacional elabore a táctica justa. Se o era, devem tirar-se daí as conclusões que se impõem. Como é natural, nem sequer se trata de equiparar as condições da Rússia às da Europa Ocidental. Porém, quando se trata, em especial, do significado que tem a ideia de que “o parlamentarismo caducou politicamente”, é obrigatório ter em conta com toda a exactidão a nossa experiência, pois sem tomar em consideração uma experiência concreta, estas ideias convertem-se em frases vazias, com excessiva facilidade. Acaso não tínhamos Nós, bolcheviques russos, em Setembro-Novembro de 1917, mais direito que todos os comunistas do Ocidente, de considerar que o parlamentarismo tinha sido politicamente ultrapassado na Rússia? Tínhamo-lo, naturalmente, pois a questão não estava em saber se os parlamentos burgueses existem há muito ou há pouco tempo, mas em saber em que medida as grandes massas trabalhadoras estão preparadas (ideológica, politica e praticamente) para aceitar o regime soviético o dissolver (ou permitir a dissolução) do parlamento democrático-burguês. Que a classe operária das cidades, os soldados e os camponeses da Rússia estavam, em Setembro-Novembro de 1917, em virtude de uma série de condições particulares, excepcionalmente preparados para adoptar o regime soviético e dissolver o parlamento burguês mais democrático, é um facto histórico absolutamente indiscutível e plenamente estabelecido. E, não obstante, os bolcheviques não boicotaram a Assembleia Constituinte, mas participaram nas eleições, tanto antes como depois da conquista do poder político pelo proletariado. Que as eleições deram um resultado político de extraordinário valor (e de suma utilidade para o proletariado) é um facto que creio ter demonstrado no artigo aludido mais acima, onde analiso detalhadamente os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte da Rússia.
A conclusão que daí se tira é absolutamente indiscutível: está provado que, mesmo umas semanas antes da vitória da República Soviética, mesmo depois dessa vitória, a participação num parlamento democrático-burguês, longe de prejudicar o proletariado revolucionário, permite-lhe demonstrar mais facilmente às massas atrasadas porque é que tais parlamentos devem ser dissolvidos, facilita o êxito da sua dissolução, facilita a “supressão política do parlamentarismo burguês”. Não ter em conta essa experiência e pretender, ao mesmo tempo, pertencer à Internacional Comunista, que deve elaborar a sua táctica internacionalmente (não uma táctica estreita ou de carácter estritamente nacional, mas exactamente uma táctica internacional), significa incorrer no mais profundo dos erros e precisamente afastar-se de facto do internacionalismo, ainda que este seja proclamado em palavras.
Consideremos agora os argumentos “esquerdistas holandeses” a favor da não participação nos parlamentos. Eis a 4.ª tese, a mais importante das teses “holandesas” citadas mais acima, traduzida do inglês:
"Quando o sistema capitalista de produção é destroçado e a sociedade atravessa um período revolucionário, a acção parlamentar perde gradualmente o seu valor, em comparação com a acção das próprias massas. Quando, nestas condições, o parlamento se converte no centro e em órgão da contra-revolução e, por outro lado, a classe operária cria os instrumentos do seu poder na forma dos Sovietes, pode ser mesmo necessário renunciar a toda a participação na acção parlamentar".
A primeira frase é evidentemente falsa, pois a acção das massas – por exemplo, uma grande greve – é sempre mais importante que a acção parlamentar, e não só durante a revolução ou numa situação revolucionária. Este argumento, de indubitável inconsistência e falso histórica e politicamente, não consegue senão mostrar com particular evidência que os autores desprezam em absoluto a experiência de toda a Europa (da França nas vésperas das revoluções de 1848 e 1870, da Alemanha entre 1878 e 1890, etc.) e da Rússia (veja-se mais acima) sobre a importância da combinação da luta legal com a ilegal. Esta questão tem a maior importância, tanto no geral como no particular, porque em todos os países civilizados e adiantados se aproxima a passos largos a época em que a dita combinação será, e é-o já em parte, cada vez mais obrigatória para o partido do proletariado revolucionário, em consequência do amadurecimento e da proximidade da guerra civil do proletariado contra a burguesia, em consequência das ferozes perseguições de que são objecto os comunistas por parte dos governos republicanos e, em geral, burgueses, que violam por todos os meios a legalidade (como exemplo disso basta citar os Estados Unidos), etc. Esta questão essencial, não é inteiramente compreendida pelos holandeses e esquerdistas em geral.
A segunda frase é, em primeiro lugar, historicamente falsa. Nós, bolcheviques, actuámos nos parlamentos mais contra-revolucionários e a experiência demonstrou que tal participação foi não só útil mas também necessária para o partido do proletariado revolucionário, precisamente depois da primeira revolução burguesa na Rússia (1905), a fim de preparar a segunda revolução burguesa (Fevereiro de 1917) e, logo depois, a revolução socialista (Outubro de 1917), Em segundo lugar, a dita frase é dum ilogismo surpreendente. Que o parlamento se converta em órgão e centro (diga-se, de passagem, que nunca foi nem pode ser, na realidade, o “centro”) da contra-revolução e que os operários criem os instrumentos de seu poder na forma de Sovietes conclui-se que os operários devem preparar-se ideológica, política e tecnicamente para a luta dos Sovietes contra o Parlamento, pela dissolução do parlamento pelos Sovietes. Mas daí, de modo nenhum não se deduz que tal dissolução seja dificultada, ou não seja facilitada, pela presença de uma oposição soviética no seio de um parlamento contra-revolucionário. Jamais notámos, durante a nossa luta vitoriosa contra Denikin e Kolchak, que a existência de uma oposição proletária, soviética, na zona por eles ocupada, fosse indiferente para os nossos triunfos. Sabemos muito bem que a dissolução da Constituinte, efectuada por nós no dia 5 de Janeiro de 1918, longe de ser dificultada, foi facilitada pela presença na Constituinte contra-revolucionária que dissolvíamos, tanto duma oposição soviética consequente, a bolchevique, como de uma oposição soviética inconsequente, a dos socialistas revolucionários de esquerda. Os autores da tese confundiram-se por completo e esqueceram a experiência de uma série de revoluções, senão mesmo de todas, que confirma a singular utilidade que representa, em tempos de revoluções, combinar a acção das massas fora do parlamento reaccionário com uma oposição simpatizante da revolução (ou, melhor ainda, que a apoia francamente) dentro desse parlamento. Os holandeses e os “esquerdistas” em geral, raciocinam neste caso como doutrinadores da revolução que nunca tomaram parte numa verdadeira revolução, ou nunca reflectiram na história das revoluções, ou que tomam ingenuamente “a negação” subjectiva de certa instituição reaccionária pela sua destruição efectiva mediante o conjunto de forças duma série de factores objectivos. O meio mais seguro de desacreditar uma nova ideia política (e não somente política) e de prejudicá-la, consiste em levá-la até ao absurdo com o pretexto de a defender, pois toda verdade, se a tornarmos “exorbitante” (como dizia Dietzgen, pai), se a exagerarmos e a estendermos além dos limites a que é realmente aplicável, pode ser levada ao absurdo e, nessas condições, converte-se infalivelmente num absurdo. Tal é o fraco serviço que os esquerdistas da Holanda e da Alemanha prestam à nova verdade da superioridade do Poder soviético sobre os parlamentos democrático-burgueses. Como é natural, incorreria em erro quem continuasse a sustentar, de modo geral, a velha afirmação de que a abstenção da participação nos parlamentos burgueses é inadmissível em todas as circunstâncias. Não posso tentar formular aqui as condições em que é útil o boicote, já que o objectivo deste folheto é muito mais modesto: analisar a experiência russa em relação a algumas questões actuais da táctica comunista internacional. A experiência russa mostra-nos uma aplicação feliz e correcta (1905) e outra equivocada (1906) do boicote pelos bolcheviques. Analisando o primeiro caso, vemos que: os bolcheviques conseguiram impedir a convocação do parlamento reaccionário pelo poder reaccionário num momento em que a acção revolucionária extraparlamentar das massas (em particular as greves) crescia com excepcional rapidez, em que não havia nem um só sector do proletariado e do campesinato que de algum modo pudesse apoiar o poder reaccionário, em que a influência do proletariado revolucionário sobre as grandes massas atrasadas estava assegurada pela luta grevista e pelo movimento camponês. É totalmente evidente que esta experiência é inaplicável às actuais condições europeias. E salta também completamente aos olhos – em virtude dos argumentos expostos mais acima – que a defesa, mesmo condicional, da renúncia à participação nos parlamentos, feita pelos holandeses e “esquerdistas”, é radicalmente falsa e nociva para a causa do proletariado revolucionário.
Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, o parlamento tornou-se extremamente odioso para a vanguarda revolucionária da classe operária. É um facto indiscutível. E compreende-se perfeitamente, pois é difícil imaginar maior vilania, abjecção e felonia que a conduta da imensa maioria dos deputados socialistas e social-democratas no parlamento, durante a guerra e depois dela. Porém, seria não só insensato mas francamente criminoso, aquele que se deixasse levar por estes sentimentos ao decidir a questão de como se deve lutar contra o mal universalmente reconhecido. Pode-se dizer que, em muitos países da Europa Ocidental, o estado de espírito revolucionário é ainda uma “novidade”, uma “raridade” aguardada há demasiado tempo, em vão e com paciência, razão pela qual, provavelmente, predomina com tanta facilidade. Como é natural, sem um estado de espírito revolucionário das massas e sem condições que favoreçam o desenvolvimento desse sentimento, a táctica revolucionária não se transformará em acção; porém, na Rússia, uma experiência demasiado longa, dura e sangrenta convenceu-nos que é impossível basearmo-nos exclusivamente no estado de espírito revolucionário para criar uma táctica revolucionária. A táctica deva ser elaborada tomando serenamente em consideração, com estrita objectividade, todas as torças de classe do Estado em questão (e dos Estados que o rodeiam, e de todos os Estados à escala mundial), assim como a experiência dos movimentos revolucionários. Manifestar o “revolucionarismo” somente por meio de invectivas contra o oportunismo parlamentar, somente condenando a participação nos parlamentos, é facílimo; mas precisamente porque é demasiado fácil, não é a solução para um problema difícil, dificílimo. Nos parlamentos europeus é muito mais difícil do que na Rússia criar um grupo parlamentar verdadeiramente revolucionária. Sem dúvida. Porém isso não é mais do que uma expressão parcial da verdade geral de que, na situação concreta de 1917, extraordinariamente original do ponto de vista histórico, foi fácil à Rússia começar a revolução socialista, mas continuá-la e levá-la até ao fim, será mais difícil do que aos países europeus. Já no começo de 1918, tive oportunidade de assinalar essa circunstância, e a experiência dos dois anos decorridos desde então, veio confirmar inteiramente a justeza de tal consideração. Condições específicas como foram: 1) a possibilidade de conjugar a revolução soviética com a cessação, graças a ela, da guerra imperialista, que extenuara indescritivelmente os operários e camponeses; 2) a possibilidade de tirar proveito, durante certo tempo, da luta de morte em que estavam envolvidos os dois grupos mais poderosos dos tubarões imperialistas do mundo, grupos que não podiam coligar-se contra o inimigo soviético; 3) a possibilidade de suportar uma guerra civil relativamente longa, em parte pela extensão gigantesca do país e pelas suas deficientes comunicações; 4) a existência entre os camponeses de um movimento democrático-burguês tão profundo que o partido do proletariado fez suas as reivindicações revolucionárias do partido dos camponeses (do partido socialista revolucionário, profundamente hostil, na sua maioria, ao bolchevismo) e realizou-as graças à conquista do poder político pelo proletariado; hoje na Europa Ocidental não existem tais condições específicas, e a repetição dessas condições ou de outras análogas não é nada fácil. Por isso, entre outras razões, é mais difícil para a Europa Ocidental começar a revolução socialista do que a nós. Tratar de “esquivar-se” a essa dificuldade “saltando” por cima do árduo problema de utilizar os parlamentos reaccionários para fins revolucionários é puro infantilismo. Quereis criar uma sociedade nova e temeis as dificuldades de criar uma boa fracção parlamentar de comunistas convictos, abnegados e heróicos num parlamento reaccionário! Acaso não é isso um infantilismo? Se Karl Liebknecht na Alemanha e Z. Höglund na Suécia souberam, mesmo sem o apoio das massas da base dar um exemplo de utilização realmente revolucionária dos parlamentos reaccionários, como é possível que um partido revolucionário de massas que cresce rapidamente não possa, no meio das desilusões e de ira do após-guerra das massas, forjar nos piores parlamentos uma fracção comunista?! precisamente porque as massas atrasadas de operários e – mais ainda – de pequenos camponeses estão muito mais imbuídas de preconceitos democrático-burgueses e parlamentaristas na Europa Ocidental do que na Rússia, precisamente por isso, somente no seio de instituições como os parlamentos burgueses, os comunistas podem (e devem) travar uma luta prolongada e tenaz, sem retroceder perante nenhuma dificuldade, para denunciar, desvanecer e superar os ditos preconceitos.
Os “esquerdistas” alemães queixam-se dos maus “chefes” do seu partido e caem no desespero, chegando ao ridículo de negar os “chefes”. Porém, em circunstâncias que obrigam frequentemente a mantê-los na clandestinidade, a formação de “chefes” bons, seguros, provados e prestigiosos torna-se particularmente difícil e é impossível vencer semelhantes dificuldades sem a combinação do trabalho legal com o ilegal, sem fazer passar os “chefes”, entre outras provas, também pela do parlamento. A crítica – a mais implacável, violenta e intransigente – deve dirigir-se não contra o parlamentarismo ou a acção parlamentar, mas contra os chefes que não sabem – e mais ainda contra os que não querem – utilizar as eleições parlamentares e a tribuna parlamentar de maneira revolucionária, de maneira comunista. Somente esta crítica – unida, naturalmente, à expulsão dos chefes incapazes e à sua substituição por outros mais capazes – constituirá um trabalho revolucionário proveitoso e fecundo, que educará simultaneamente os “chefes”, para que sejam dignos da classe operária e das massas trabalhadoras, e as massas, para que aprendam a orientar-se como é necessário na situação política e compreender as tarefas, amiúde extremamente complexas e confusas, que decorrem dessa situação[1].
Na citação do folheto de Francoforte já vimos o tom decidido com que os “esquerdistas” lançam esta palavra de ordem. É triste ver como pessoas que, sem dúvida, se consideram marxistas e querem sê-lo esqueceram as verdades fundamentais do marxismo. Engels - que, como Marx, pertence a essa raríssima categoria de escritores, em cujos grandes trabalhos, - as frases têm todas, sem excepção, uma assombrosa profundidade de conteúdo - escrevia contra o Manifesto dos 33 comunardos-blanquistas[2], em 1874, o seguinte:
“... Somos comunistas”, diziam no seu manifesto os comunardos blanquistas, “porque queremos atingir o nosso objetivo sem nos determos em etapas intermediárias e sem compromissos, que nada mais fazem que tornar distante o dia da vitória e prolongar o período de escravidão”.
“Os comunistas alemães são comunistas porque, através de todas as etapas intermediárias e de todos os compromissos criados não por eles, mas pela marcha da evolução histórica, vêem com clareza e perseguem constantemente seu objectivo final: a supressão das classes e a criação de um regime social onde não haverá lugar para a propriedade privada da terra e de todos os meios de produção. Os 33 blanquistas são comunistas por imaginarem que basta o seu desejo de saltar as etapas intermediárias e os compromissos para que a coisa esteja feita, e porque acreditam firmemente que “a coisa arrebenta” num dia desses e, se o Poder cair nas suas mãos, o “comunismo será implantado” no dia seguinte. Portanto, se não podem fazer isto imediatamente, não são comunistas.
Que pueril ingenuidade, a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!” (F. Engels; Programa dos Comunardos bIanquistas, no jornal social-democrata alemão Volksstaat[3],1874, pg 73, incluído na recompilação Artigos de 1817/1875, tradução russa, Petrogrado, 1919, páginas 52/53).
Engels expressa nesse mesmo artigo, profundo respeito por Vaillant e fala dos “méritos indiscutíveis” deste (que foi, como Guesde, um dos chefes mais destacados do socialismo internacional antes de sua traição ao socialismo em Agosto de 1914). Mas Engels não deixa de analisar em todos os detalhes um erro evidente. É claro que os revolucionários muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários pequeno-burgueses mesmo de idade respeitável e grande experiência, consideram extremamente perigoso, incompreensível e erróneo “autorizar que se firmem compromissos”. E muitos sofistas (como politiqueiros ultra ou excessivamente “experimentados”) raciocinam do mesmo modo que os chefes do oportunismo inglês citados pelo camarada Lansbury: “Se os Bolcheviques permitiram a si próprios tal compromisso, porque é que não permitimos a nós próprios qualquer compromisso?”. Mas os proletários, educados por repetidas greves, (para só falar dessa manifestação da luta de classes) assimilam habitualmente de modo admirável a profundíssima verdade (filosófica, histórica, política e psicológica), enunciada por Engels. Todo o proletário experiente em greves, passou por “compromissos” com os odiados opressores e exploradores, depois dos quais os operários tiveram de voltar ao trabalho sem haverem conseguido nada ou contentando-se com a satisfação parcial de suas reivindicações. Todo o proletário, graças ao ambiente de luta de massas e do acentuado agravamento dos antagonismos de classe em que vive, percebe a diferença existente entre um compromisso imposto por condições objectivas (pobreza de fundos financeiros dos grevistas, que não contam com apoio algum, passam fome e estão extenuados ao máximo) – compromisso que em nada diminui a abnegação revolucionária nem a disposição de continuar. A luta dos operários que o assumiram – e um compromisso de traidores que atribuem a causas objectivas o seu vil egoísmo (os fura-greves também assumem “compromissos”!), a sua cobardia, o seu desejo de atrair a simpatia dos capitalistas, a sua falta de firmeza ante ameaças e, às vezes, ante exortações, esmolas ou adulados capitalistas (esses compromissos de traidores são particularmente numerosos na história do movimento operário inglês por parte dos chefes da trade-unions, se bem que, sob uma ou outra forma, quase todos os operários de todos os países tenham podido observar fenómenos semelhantes).
É claro que acontecem casos isolados extraordinariamente difíceis e complexos, em que só através dos maiores esforços se pode determinar com exactidão o verdadeiro carácter desse ou daquele “compromisso”, do mesmo modo que há a casos de homicídio em que não é nada fácil julgar se este era absolutamente justo e até obrigatório (como, por exemplo, em caso de legítima defesa) ou se era efeito de um descuido imperdoável, ou mesmo consequência de um plano perverso executado com habilidade. Não há dúvida de que em política, onde às vezes se trata de relações nacionais e internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor, etc. Preparar uma receita ou uma regra geral (“nenhum compromisso”!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular. A importância de possuir uma organização de partido e chefes dignos desse nome, consiste precisamente, entre outras coisas, em conseguir por meio de um trabalho prolongado, tenaz, múltiplo e variado de todos os representantes da classe capazes de pensar[4], elaborar os conhecimentos necessários, a experiência necessária e, além dos conhecimentos e da experiência, o sentido político preciso para resolver e rápida e correctamente as questões políticas complexas.
As pessoas ingénuas e totalmente inexperientes pensam que basta admitir os compromissos em geral para que desapareça completamente a linha divisória entre o oportunismo, contra o qual sustentamos e devemos sustentar uma luta intransigente, e o marxismo revolucionário ou comunismo. Mas essas pessoas, se ainda não sabem que todas as linhas divisórias na natureza e na sociedade são variáveis e até certo ponto convencionais, só podem ser ajudadas mediante o estudo prolongado, a educação, a ilustração e a experiência política e prática. Nas questões práticas da política de cada momento particular ou específico da história é importante saber distinguir aquelas em que se manifestam os compromissos da espécie mais inadmissível, os compromissos de traição, que representam um oportunismo funesto para a classe revolucionária, e dedicar todos os esforços para explicar o seu sentido e lutar contra elas. Durante a guerra imperialista de 1914/1918 entre dois grupos de países igualmente criminosos e vorazes, o principal e fundamental dos oportunismos foi o que adoptou a forma de social-chauvinismo, isto é, o apoio da “defesa da pátria”, o que equivalia de facto, naquela guerra, à defesa dos interesses de rapina da “própria” burguesia. Depois da guerra foi a defesa da espoliadora “Sociedade das Nações”, a defesa das alianças directas ou indirectas com a burguesia do próprio país contra o proletariado revolucionário e o movimento “soviético”, e a defesa da democracia e do parlamentarismo burgueses contra o “Poder dos Sovietes”. Foram estas as principais manifestações desses compromissos inadmissíveis e traidores que, em conjunto, culminaram num oportunismo funesto para o proletariado revolucionário e a sua causa.
“... Repelir do modo mais categórico qualquer compromisso com os demais partidos...qualquer política de manobra e conciliação", dizem os esquerdistas da Alemanha no folheto de Francoforte.
É surpreendente que, com semelhantes ideias, esses esquerdistas não condenem categoricamente o Bolchevismo! Não é possível que os esquerdistas alemães ignorem que toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e compromissos com outros partidos, inclusive os partidos burgueses!
Fazer a guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo que sejam apenas temporários) que dividem os nossos inimigos, renunciar a acordos e a compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo? Isso não será parecido com o caso de um homem que na difícil subida de uma montanha, onde ninguém jamais tivesse posto os pés, renunciasse de antemão a fazer zigue-zagues, retroceder algumas vezes no caminho já percorrido, abandonar a direção escolhida no início para experimentar outras direções? E pensar que pessoas tão pouco conscientes, tão inexperientes (menos mal se a causa disso é a juventude de tais pessoas, juventude cujas características autorizam que se digam semelhantes tolices durante certo tempo) puderam ser apoiadas direta ou indiretamente, franca ou veladamente, total ou parcialmente, pouco importa, por alguns membros do Partido Comunista Holandês!!
Depois da primeira revolução socialista do proletariado, depois do derrube da burguesia num país, o proletariado desse país continua a ser durante muito tempo mais débil que a burguesia, em virtude, simplesmente, das imensas relações internacionais que ela tem e graças à restauração, ao renascimento espontâneo e contínuo do capitalismo e da burguesia através dos pequenos produtores de mercadorias do país em que ela foi derrubada. Só se pode vencer um inimigo mais forte retesando e utilizando todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior cuidado, minúcia, prudência e habilidade a menor “brecha” entre os inimigos, qualquer contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia dentro de cada país; também é necessário aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de massas, mesmo que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não compreende isto, não compreende nenhuma palavra de marxismo nem de socialismo científico, contemporâneo, em geral. Quem não demonstrou na prática, durante um período bem considerável e em situações políticas bastante variadas, a habilidade em aplicar esta verdade à vida, ainda não aprendeu a ajudar a classe revolucionária na luta para libertar toda a humanidade trabalhadora dos exploradores. E isso aplica-se tanto ao período anterior à conquista do Poder político pelo proletariado como ao posterior.
A nossa teoria, diziam Marx e Engels, não é um dogma, mas sim um guia para a acção, e o grande erro, o imenso crime de marxistas “registados”, como Karl Kautski, Otto Bauer e outros, consiste em não haverem compreendido essa afirmação, em não haverem sabido aplicá-la nos momentos mais importantes da revolução proletária. “A acção política não se parece em nada com a calçada da avenida Nevsk! (a calçada larga, limpa e lisa da rua principal de Petersburgo, rua absolutamente recta), já dizia N.G. Chernishevski, o grande socialista russo do período pré-marxista. Desde a época de Chernishevski, os revolucionários russos pagaram com inúmeras vítimas a omissão ou esquecimento dessa verdade. É preciso conseguir a todo custo que os comunistas de esquerda e os revolucionários da Europa Ocidental e da América fiéis à classe operária paguem menos caro que os atrasados russos a assimilação dessa verdade.
Os social-democratas revolucionários da Rússia aproveitaram repetidas vezes antes da queda do czarismo os serviços dos liberais burgueses, isto é, concluíram com eles inúmeros compromissos práticos, e em 1901/1902, mesmo antes do nascimento do bolchevismo, a antiga redacção da Iskra (na qual participávamos Plekhanov, Axelrod, Zasúlich, Martov, Potresov e eu) concertou - (é verdade que por pouco tempo) uma aliança política formal com Struve, chefe político do liberalismo burguês, sem deixar de sustentar, simultaneamente, a luta ideológica e política mais implacável contra o liberalismo burguês e contra as menores manifestações de sua influência no seio do movimento operário. Os bolcheviques sempre praticaram essa mesma política. Desde 1905 defenderam sistematicamente a aliança da classe operária com os camponeses contra a burguesia liberal e o czarismo sem se negarem nunca, ao mesmo tempo, a apoiar a burguesia contra o czarismo (na segunda fase das eleições ou nos empates eleitorais, por exemplo) e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário-burguês, os “socialistas revolucionários”, que eram denunciados como democratas pequeno-burgueses que falsamente se apresentavam como socialistas. Em 1907, os bolcheviques constituíram, por pouco tempo, um bloco político formal com os “socialistas revolucionários” para as eleições da Duma. Com os mencheviques, estivemos formalmente durante vários anos, de 1903 a 1912, num partido social-democrata único, sem interromper nunca a luta ideológica e política contra eles como portadores da influência burguesa no seio do proletariado e como oportunistas. Durante a guerra assumimos uma espécie de compromisso com os “kautskistas”, os mencheviques de esquerda (Martov) e uma parte dos “socialistas revolucionários” (Chernov, Natanson). Assistimos com eles às conferências de Zimmerwal,d e Kienthal e lançamos manifestos conjuntos, mas nunca interrompemos nem atenuamos a luta política e ideológica contra os “kautskistas”, contra Martov e Chernov. (Natanson morreu em 1919 sendo já um “comunista revolucionário” -populista, muito chegado a nós e quase solidário conosco). No momento da Revolução de Outubro, fizemos um bloco político, não formal, mas muito importante (e muito eficaz) com o campesinato pequeno-burguês, aceitando na íntegra, sem a mais leve modificação, o programa agrário dos socialistas revolucionários, isto é, contraímos um compromisso indubitável para provar aos camponeses que não nos queríamos impor e sim chegar a um acordo com eles. Ao mesmo tempo, propusemos aos “socialistas revolucionários de esquerda” (e depois realizámo-lo) um bloco político formal com participação no governo, bloco que eles romperam depois da paz de Brest, chegando, em julho de 1918, à insurreição armada e, mais tarde, à luta armada contra nós.
É fácil, por conseguinte, compreender que o ataque dos esquerdistas alemães ao Comité Central do Partido Comunista da Alemanha, em virtude deste admitir a ideia de um bloco com os “independentes” (“Partido Social-democrata, Independente da Alemanha”, os kautskistas) pareçam-nos carecer de seriedade e que vejamos neles uma demonstração evidente da posição errada dos “esquerdistas”. Na Rússia também havia mencheviques de direita (que participaram do governo de Kerenski), equivalentes aos Scheidemann da Alemanha, e mencheviques de esquerda (Martov), que se opunham aos mencheviques de direita e equivaliam aos kautskistas alemães. Em 1917, assistimos plenamente à passagem gradual das massas operárias dos mencheviques para os bolcheviques. No 1º Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, celebrado em Junho desse ano, tínhamos uns 13% dos votos. A maioria pertencia aos socialistas revolucionários e aos mencheviques. No II Congresso dos Sovietes (25 de Outubro de 1917, segundo o antigo calendário) tínhamos 51% dos sufrágios. Por que será que na Alemanha uma tendência igual, absolutamente idêntica, dos operários passarem da direita para a esquerda não levou ao fortalecimento imediato dos comunistas, mas sim, no início, ao do partido intermediário dos “independentes”, embora esse partido nunca tenha tido nenhuma ideia política independente e nenhuma política independente, nem tenha feito outra coisa senão vacilar entre Scheidemann e os comunistas?
Não há dúvida de que uma das causas foi a táctica errada dos comunistas alemães, que devem reconhecer o erro honradamente e, sem temor, aprender a corrigi-lo. O erro consistiu em negar-se a participar no parlamento reaccionário burguês, e nos sindicatos reaccionários; o erro consistiu em múltiplas manifestações dessa doença infantil do “esquerdismo”, que agora se manifestou e que, graças a isso, será curada melhor, mais rapidamente e com maior proveito para o organismo.
O “Partido Social-democrata Independente” alemão carece, visivelmente, de homogeneidade; ao lado dos antigos chefes oportunistas (Kautski, Hilferding e, pelo que se vê, em grande parte Crispien, Ledebour e outros), que demonstraram incapacidade para compreender a significação do Poder Soviético e da ditadura do proletariado e para dirigir a luta revolucionária deste, formou-se e cresce com singular rapidez, nesse partido, uma ala esquerda, proletária. Centenas de milhares de membros do partido - que tem, ao que parece, uns 750 000 membros - são proletários que se afastam de Scheidemann e caminham a largas passadas em direcção ao comunismo. Esta ala proletária já no Congresso dos independentes, realizado em Leipzig em 1919, propôs a adesão imediata e incondicional à III Internacional. Temer um “compromisso” com essa ala do partido é simplesmente ridículo. Pelo contrário, para os comunistas é obrigatório procurar e encontrar uma forma adequada de compromisso com ela, que permita, de um lado, facilitar a apressar a fusão completa e necessária com ela e que, de outro, não entrave de modo algum os comunistas na luta ideológica e política contra a ala direita, oportunista, dos “independentes”. É provável que não seja fácil elaborar uma forma adequada de compromisso, mas só um charlatão poderia prometer aos operários e aos comunistas alemães um caminho “fácil” para alcançar a vitória.,
O capitalismo deixaria de ser capitalismo se o proletariado puro não estivesse rodeado de uma massa de elementos de variadíssimas graduações, elementos que representam a transição do proletário ao semiproletário (o que obtém grande parte dos meios de existência vendendo a sua força de trabalho), do semiproletário ao pequeno camponês (e ao pequeno artesão, ao biscateiro, ao pequeno patrão em geral) do pequeno camponês ao camponês médio, etc., e se no próprio seio do proletariado não houvesse sectores com um maior ao menor desenvolvimento, divisões de carácter territorial, profissional, às vezes religioso, etc. De tudo isso se depreende imperiosamente a necessidade uma necessidade absoluta - que tem a vanguarda do proletariado, sua parte consciente, o Partido Comunista, de recorrer à manobra aos acordos, aos compromissos com os diversos grupos proletários, com os diversos partidos dos operários e dos pequenos patrões. Toda a questão consiste em saber aplicar essa táctica para elevar, e não para rebaixar, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado. É preciso assinalar, entre outras coisas, que a vitória dos bolcheviques sobre os mencheviques exigiu da Revolução de Outubro de 1917, não só antes como também depois dela, a aplicação de uma táctica de manobras, acordos, compromissos, ainda que de tal natureza, é claro, que facilitavam e apressavam a vitória dos bolcheviques, além de consolidar e fortalecê-los às custas dos mencheviques. Os democratas pequeno-burgueses (inclusive os mencheviques) vacilavam inevitavelmente entre a burguesia e o proletariado, entre a democracia burguesa e o regime soviético, entre o reformismo e o revolucionarismo, entre o amor aos operários e o medo da ditadura do proletariado, etc. A táctica acertada dos comunistas deve consistir em utilizar essas vacilações e não, de modo algum, em desprezá-las; para utilizá-las é necessário fazer concessões aos elementos que se inclinam para o proletariado - no caso e na medida exacta em que o fazem - e, ao mesmo tempo, lutar contra os elementos que se inclinam para a burguesia. Em virtude de seguirmos uma táctica acertada, o menchevismo foi-se decompondo e decompõe-se cada vez mais no nosso país; esta táctica foi isolando os chefes obstinados no oportunismo e trazendo para o nosso campo os melhores operários, os melhores elementos da democracia pequeno-burguesa. Trata-se de um processo longo, e as “soluções” fulminantes, tais como “nenhum compromisso”, nenhuma manobra, só podem dificultar o crescimento da influência do proletariado revolucionário e o aumento das suas forças.
Finalmente, um dos erros incontestáveis dos “esquerdistas” da Alemanha consiste na insistência inflexível em não reconhecer o Tratado de Versailles. Quanto maiores são a “firmeza” e a “importância” e o tom “categórico” e sem apelo com que, por exemplo, K. Horner formula esse ponto de vista, menos inteligente resulta. Não basta renegar as indignantes tolices do bolchevismo nacional (Lauffenberg e outros), que, nas atuais condições da revolução proletária internacional, chegou até a falar na formação de uma aliança com a burguesia alemã para a guerra contra a Entente. É preciso compreender que é absolutamente errónea a tática que nega a. obrigação da Alemanha Soviética (se surgisse rapidamente uma república soviética alemã) de reconhecer durante certo tempo o Tratado de Versailles e submeter-se a ele. Daí não se deduz que os “independentes” tiveram razão ao reclamar a assinatura do Tratado de Versailles nas condições então existentes, quando os Scheidemann estavam no governo, ainda não havia sido derrubado o Poder Soviético na Hungria e ainda não estava excluída a possibilidade de uma ajuda da revolução soviética em Viena para apoiar a Hungria Soviética. Naquele momento, os “independentes” manobraram muito mal, pois tomaram para si a responsabilidade, maior ou menor, por traidores tipo Scheidemann e se desviaram em maior ou menor escala da luta de classes implacável (e friamente arquitectada) contra os Scheidemann para colocar-se “fora” ou “acima” das classes.
Mas a situação actual é de tal natureza, que os comunistas alemães não devem amarrar as mãos e prometer a renúncia obrigatória e indispensável ao Tratado de Versailles em caso de triunfar o comunismo. Isso seria uma tolice. É preciso que se diga: os Scheidemann e os kautskistas cometeram uma série de traições que dificultaram (e em parte fizeram fracassar) a aliança com a Rússia Soviética e com a Hungria Soviética. Nós, comunistas, procuraremos por todos os meios facilitar e preparar essa aliança; quanto à paz de Versailles, não estamos de modo algum obrigados a rechaçá-la a todo custo e, além disso, imediatamente. A possibilidade de rechaçá-la eficazmente depende dos êxitos do movimento soviético não só na Alemanha, como também no terreno internacional. Este movimento foi dificultado pelos Scheidemann e os kautskistas; nós o favorecemos. Nisso reside a essência da questão, a diferença radical. E se os nossos inimigos de classe, os exploradores e os seus lacaios, os Scheidemann e os kautskistas, deixaram escapar uma série de possibilidades de fortalecer o movimento soviético alemão e internacional e a revolução soviética alemã e internacional, a culpa é deles. A revolução soviética na Alemanha robustecerá o movimento soviético internacional, que é o reduto mais forte (e o único seguro invencível e de potência universal) contra o Tratado de Versailles e contra o imperialismo mundial em geral. Colocar obrigatoriamente, a todo preço e imediatamente em primeiro plano a denúncia do Tratado de Versailles, antes da questão de libertar do jugo imperialista os demais países oprimidos pelo imperialismo, é uma manifestação de nacionalismo pequeno-burguês (digno dos Kautsky, Hilferding, Otto Bauer & C.ª) mas não de internacionalismo revolucionário. O derrube da burguesia em qualquer dos grandes países europeus, inclusive Alemanha, é um acontecimento tão favorável para a revolução internacional que, em proveito desse derrube, podemos e devemos aceitar, se for necessário, uma existência mais prolongada do Tratado de Versailles. Se a Rússia pôde resistir sozinha durante vários meses ao Tratado de Brest, com proveito para a revolução, não é nada impossível que a Alemanha Soviética, aliada à Rússia Soviética, possa suportar mais tempo com proveito para a revolução o Tratado de Versailles.
Os imperialistas da França, Inglaterra, etc., provocam os comunistas alemães, preparando-lhes essa armadilha: “Digam que não assinarão o Tratado de Versailles”. E os comunistas “de esquerda” caem como patinhos na armadilha, em vez de manobrar com destreza contra um inimigo traiçoeiro e, no momento actual, mais forte, em vez de dizer-lhe: “Agora assinaremos o Tratado de Versailles”. Amarrarmos as mãos antecipadamente, declarar abertamente ao inimigo, hoje melhor armado que nós, que vamos lutar contra ele e em que momento, é uma tolice e nada tem de revolucionário. Aceitar o combate quando é claramente vantajoso para o inimigo e não para nós constitui um crime, e não servem para nada os políticos da classe revolucionária que não sabem “manobrar”, que não sabem concertar “acordos e compromissos” a fim de evitar um combate que todos sabem ser desfavorável.
[1] Foram muito poucas as possibilidades que tive para conhecer o comunismo "de esquerda" de Itália. Sem dúvida que o camarada Bordiga e a sua fracção de "comunistas boicotadores" (comunistas abstencionistas) não têm razão ao defender a não participação no parlamento. Mas há um ponto em que, a meu ver, têm razão, pelo que posso julgar através de dois números de seu jornal Il Soviet (números 3 e 4 de 18/1 e 1/2 de 1920), a quatro números da excelente revista do camarada Serrati Comunismo (1- 4, de 1/10 a 30/11 de 1919) e a números soltos de jornais burgueses italianos que pude ler. Precisamente o camarada Bordiga e a sua fracção têm razão quando atacam Turati e seus partidários, que estão num partido que reconhece o Poder dos Sovietes e a ditadura do proletariado, continuam a ser membros do parlamento e prosseguem em sua velha e daninha política oportunista. É natural que, ao tolerar isso, o camarada Serrati e todo o Partido Socialista Italiano incorrem num erro tão cheio de grandes prejuízos e perigos como na Hungria onde os senhores Turati húngaros sabotaram por dentro o partido e o Poder dos Sovietes. Esta atitude errada, inconsequente e sem carácter em relação aos parlamentares oportunistas, por um lado, dá origem ao comunismo "de esquerda" e, por outro lado, justifica até certo ponto a sua existência. É evidente que o camarada Serrati não tem razão ao acusar de “inconsequência” o deputado Turati (Comunismo, n.3) pois o inconsequente é, precisamente, o Partido Socialista Italiano, que tolera no seu seio oportunistas parlamentares como Turati e companhia. (Nota do autor)
[2] Partidários de Louis Auguste Blanqui, participantes da Comuna de Paris.
[3] O Estado Popular.
[4] Mesmo no país mais culto, toda classe, inclusive a mais avançada e com o mais excepcional florescimento, de todas as suas forças espirituais gerado pelas circunstâncias do momento, conta – e contará inevitavelmente enquanto subsistirem as classes e a sociedade sem classes não estiver assentada, consolidada e desenvolvida por completo sobre seus próprios fundamentos – com representantes que não pensam e que são incapazes de pensar. O capitalismo não seria o capitalismo opressor das massas se isso não acontecesse. (Nota do autor)
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