de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores
Quinta-feira, 13 de Março de 2014
"Esquerdismo", a doença infantil do comunismo (X)

(início)

X

Algumas conclusões

A revolução burguesa de 1905 na Rússia evidenciou uma reviravolta extraordinariamente original da história universal: num dos países capitalistas mais atrasados, o movimento grevista alcançou, pela primeira vez no mundo, força e amplitude inusitadas. em Janeiro de 1905, o número de grevistas foi dez vezes maior que a média anual de grevistas durante os dez anos anteriores (1895/1904); de Janeiro a Outubro de 1905, as greves aumentaram incessantemente e em proporções gigantescas. Sob a influência de uma série de factores históricos completamente originais, a Rússia atrasada deu ao mundo o primeiro exemplo não só de um salto brusco, em época de revolução, da actividade espontânea das massas oprimidas (coisa que ocorreu em todas as grandes revoluções), como também de uma projecção do proletariado que superava infinitamente o que se podia esperar pela sua pequena percentagem entre a população; mostrou pela primeira vez a combinação da greve económica com a greve política, com a transformação desta última em insurreição armada, o nascimento de uma nova forma de luta de massas e de organização de massas das classes oprimidas pelo capitalismo: os Sovietes.

As revoluções de Fevereiro e Outubro de 1917 levaram ao desenvolvimento multilateral dos Sovietes em todo o pais e, depois, à sua vitória na revolução proletária, socialista. Menos de dois anos mais tarde manifestou-se o carácter internacional dos Sovietes, a extensão dessa forma de luta e de organização ao movimento operário mundial, o destino histórico dos Sovietes de serem os coveiros, os herdeiros e os sucessores do parlamentarismo burguês, da democracia burguesa em geral.

Mais ainda. A história do movimento operário mostra actualmente que ele está destinado a atravessar em todos os países (e já começou a atraves­sar) um período de luta do comunismo nascente, cada dia mais forte, que marcha para a vitória, sobretudo e principalmente contra o “menchevismo” próprio (de cada país), isto é, contra o oportunismo e o social-chauvinismo e, de outro lado, como complemento, por assim dizer, contra o comunismo “de esquerda”. A primeira dessas lutas desenvolveu-se em todos os países, ao que parece sem excepções, sob a forma de luta entre a II Internacional (hoje praticamente morta) e a III. A segunda luta manifesta-se na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos (onde pelo menos uma certa secção dos “Operários Industriais do Mundo” e das tendências anarco-sindicalistas apoiam os erros do comunismo de esquerda, ao mesmo tempo que reconhe­cem de maneira quase geral, quase incondicional, o sistema soviético) e na França (atitude de uma parte dos ex-sindicalistas em relação ao partido. político e ao parlamentarismo, também paralelamente ao reconhecimento do sistema dos Sovietes), isto é, manifesta-se não só em escala internacional, como universal.

Contudo, embora a escola preparatória que leva o movimento operário à vitória sobre a burguesia seja em toda parte idêntica em essência, o seu desenvolvimento efectua-se em cada país de modo original. Os grandes países capitalistas adiantados avançam por esse caminho muito mais rapidamente que o bolchevismo, ao qual a história concedeu um prazo de quinze anos para se preparar como tendência política organizada a fim de conquistar a vitória. No curto prazo de um ano, a III Internacional já alcançou um triunfo decisivo ao desfazer a II Internacional, a Internacional amarela, social-chauvinista, que há poucos meses era incomparavelmente mais forte que a III, parecia sólida e poderosa, e dispunha do apoio da burguesia mundial sob todas as formas, directas e indirectas, materiais (postos ministeriais, passaportes, imprensa) e morais.

O que importa agora é que os comunistas de cada país levem em conta com plena consciência tanto as tarefas fundamentais, de principio, da luta contra o oportunismo e o doutrinarismo “de esquerda”, como as particularidades concretas que esta luta adquire e deve adquirir inevitavelmente em cada país, de acordo com os aspectos originais das suas economia, política, cultura, composição nacional (Irlanda, etc.), colónias, diversidade de religiões, etc., etc. Sente-se expandir e crescer em toda parte o descontentamento contra a II Internacional por causa do seu oportunismo e da sua inépcia, da sua incapacidade para criar um órgão realmente centralizado e dirigente, apto para orientar a táctica internacional do proletariado revolucionário na sua luta pela república soviética universal. É preciso compreender perfeitamente que esse centro dirigente não pode, de modo algum, ser formado segundo normas tácticas estereotipadas de luta, mecanicamente igualadas, idênticas. Enquanto subsistirem diferenças nacionais e estatais entre os povos e os países e essas diferenças subsistirão inclusive durante muito tempo depois da instauração universal da ditadura do proletariado – a unidade da táctica internacional do movimento operário comunista de todos os países exigirá, não a supressão da variedade, não a supressão das particularidades nacionais (o que é, actualmente, um sonho absurdo), mas sim uma tal aplicação dos princípios fundamentais do comunismo (Poder Soviético e ditadura do proletariado) que modifique acertadamente esses princípios em certos detalhes, que os adapte, que os aplique acertadamente às particularidades nacionais e nacional-estatais. Investigar, estudar, descobrir, adivinhar, captar o que há de particular e específico, do ponto de vista nacional, na maneira pela qual cada país aborda concretamente a solução do problema internacional comum: o triunfo sobre o oportunismo e o doutrinarismo de esquerda no movimento operário, o derrube da burguesia, a instauração da república soviética e da ditadura proletária, é a principal tarefa do período histórico que actualmente atravessam todos os países adiantados (e não só os adiantados). Já se fez o principal – claro que não se fez tudo, absolutamente, mas já se fez o principal – para ganhar a vanguarda da classe operária para colocá-la ao lado do Poder Soviético contra o parlamentarismo, ao lado da ditadura do proletariado contra a democracia burguesa. Agora é preciso concentrar todas as forças e toda a atenção no passo seguinte, que parece ser – e, de certo modo, é realmente – menos fundamental, mas que, em compensação, está mais perto da solução efectiva do problema, isto é: procurar as formas de passar à revolução proletária ou de abordá-la.

A vanguarda proletária está ideologicamente conquistada. Isto é o principal. Sem isto não é possível dar sequer o primeiro passo para a vitória. Mas daí para o triunfo ainda falta uma grande distância a percorrer. Apenas com a vanguarda é impossível triunfar. Lançar a vanguarda sozinha à batalha decisiva, quando toda a classe, quando as grandes massas ainda não adoptaram uma posição de apoio directo a essa vanguarda ou, pelo menos, de neutralidade simpática, e não são totalmente incapazes de apoiar o adversário, seria não só uma estupidez, como um crime. E para que realmente toda a classe, para que realmente as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a ocupar essa posição, a propaganda e a agitação, por si, são insuficientes. Para isso necessita-se da própria experiência política das massas. Tal é a lei fundamental de todas as grandes revoluções, confirmada hoje com força e realce surpreendentes tanto pela Rússia como pela Alemanha. Não só as massas incultas, em muitos casos analfabetas, da Rússia, como também as massas da Alemanha, muito cultas, sem nenhum analfabeto, precisaram experimentar na sua própria carne toda a impotência, toda a veleidade, toda a fraqueza, todo o servilismo ante a burguesia, toda a infâmia do governo dos cavalheiros da II Internacional, toda a inelutabilidade da ditadura dos ultra-reaccionários (Kornilov na Rússia, Kapp & C.ª na Alemanha), única alternativa diante da ditadura do proletariado, para se orientar decididamente rumo ao comunismo.

A tarefa imediata da vanguarda consciente do movimento operário internacional, isto é, dos partidos, grupos e tendências comunistas, consiste em saber atrair as amplas massas (hoje, na maior parte, ainda adormecidas, apáticas, rotineiras, inertes) para essa sua nova posição, ou, melhor dizendo, em saber dirigir não só o próprio partido, como também essas massas no período de sua aproximação, do seu deslocamento para essa nova posição. Se a primeira tarefa histórica (ganhar para o Poder Soviético e para a ditadura da classe operária a vanguarda consciente do proletariado) não podia ser cumprida sem uma vitória ideológica e política completa sobre o oportunismo e o social-chauvinismo, a segunda tarefa, que é agora imediata e que consiste em saber atrair as massas para essa nova posição capaz de assegurar o triunfo da vanguarda na revolução, não pode ser cumprida sem liquidar o doutrinarismo de esquerda, sem corrigir completamente os seus erros, sem desembaraçar-se deles.

Enquanto se trata (e na medida em que se trata ainda hoje) de ganhar para o comunismo a vanguarda do proletariado, a propaganda deve ocupar o primeiro lugar; inclusive os círculos, com todas as suas debilidades, são úteis neste caso e dão resultados fecundos. Mas quando se trata da acção prática das massas, de movimentar – se me é permitido usar essa expressão – exércitos de milhões de homens, dispor todas as forças da classe de uma determinada sociedade para a luta final e decisiva, não conseguireis nada através, unicamente dos hábitos de propagandista, com a simples repetição das verdades do comunismo “puro”. E é porque nesse caso a conta não é feita aos milhares, como faz o propagandista membro de um grupo reduzido e que ainda não dirige massas, e sim aos milhões e dezenas de milhões. Nesse caso é preciso perguntar a si próprio não só se convencemos a vanguarda da classe revolucionária, como também se estão em movimento as forças historicamente activas de todas as classes da tal sociedade, obrigatoriamente de todas, sem excepção, de modo que a batalha decisiva esteja completamente amadurecida, de maneira que 1) todas as forças de classe que nos são adversas estejam suficientemente perdidas na confusão, suficientemente lutando entre si, suficientemente debilitadas por uma luta superior às suas forças; 2) que todos os elementos vacilantes, instáveis, inconsistentes, intermediários, isto é, a pequena burguesia, a democracia pequeno-burguesa, que se diferencia da burguesia, estejam suficientemente desmascarados diante do povo, suficientemente cobertos de opróbrio pela sua falência prática; 3) que nas massas proletárias comece a aparecer e a expandir-se com poderoso impulso o afã de apoiar as acções revolucionárias mais resolutas, mais valentes e abnegadas contra a burguesia. É então que está madura a revolução, que a nossa vitória está assegurada, caso tenhamos sabido levar em conta todas as condições levemente esboçadas acima e tenhamos escolhido acertadamente o momento.

As divergências entre os Churchill e os Lloyd George de um lado - tipos políticos que existem em todos os países com peculiaridades nacionais ínfimas - e, de outro, entre os Henderson e os Lloyd George, não têm absolutamente nenhuma importância e são insignificantes do ponto de vista do comunismo puro, isto é, abstracto, ainda incapaz de acções políticas práticas, de massas. Mas, do ponto de vista dessa acção prática das massas, tais divergências têm extraordinária importânC.ª Saber levá-las em conta, saber determinar o momento em que amadureceram plenamente os conflitos inevitáveis entre esses “amigos”, conflitos que debilitam e extenuam todos os “amigos” tomados em conjunto, é o trabalho, a missão do comunista que deseje ser não só um propagandista consciente, convicto e teoricamente preparado, como também um dirigente prático das massas na revolução. É necessário unir a mais absoluta fidelidade às ideias comunistas à arte de admitir todos os compromissos práticos necessários, manobras, acordos, ziguezagues, retiradas, etc., para precipitar a ascensão ao Poder político dos Henderson (dos heróis da II Internacional, para não citar nomes desses representantes da democracia pequeno-burguesa que se chamam de socialistas) e o seu malogro no mesmo; para acelerar o seu fracasso inevitável na prática, o que educará as massas precisamente no nosso espírito e as orientará precisamente para o comunismo; para acelerar as rusgas, as disputas, os conflitos e a separação total, inevitáveis entre os Henderson, os Lloyd George e os Churchill (entre os mencheviques e os socialistas revolucionários, os democratas constitucionalistas e os monárquicos; entre os Scheidemann, a burguesia, os partidários de Kapp, etc.) e para escolher acertadamente o momento de máxima dissensão entre todos esses “baluartes da sacrossanta propriedade privada”, a fim de esmagá-los por completo, mediante uma resoluta ofensiva do proletariado, e conquistar o Poder político.

A história em geral, e a das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo, mais variada de formas e aspectos, mais viva e mais “astuta” do que imaginam os melhores partidos, as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas. E isso é compreensível, pois as melhores vanguardas exprimem a consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas de milhares de homens acicatados pela mais aguda luta de momentos de exaltação e tensão especiais de todas as faculdades humanas, pela consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas de milhões de homens, enquanto que a revolução é feita, em classes. Dai se depreendem duas conclusões práticas muito importantes: 1) a classe revolucionária, para realizar sua missão, deve saber utilizar todas as formas ou aspectos, sem a menor excepção, da actividade social (terminando depois da conquista do poder político, às vezes com grande risco e imenso perigo, o que não terminou antes dessa conquista); 2) a classe revolucionária deve estar preparada para substituir uma forma por outra do modo mais rápido e inesperado.

Todos hão-de convir que seria insensata e até mesmo criminosa a conduta de um exército que não se dispusesse a conhecer e utilizar todos os tipos de armas, todos os meios e processos de luta que o inimigo possui ou pode possuir. Mas essa verdade é ainda mais aplicável à política que à arte militar. Em política é ainda menos fácil saber de antemão que método de luta será aplicável e vantajoso para nós, nessas ou naquelas circunstâncias futuras. Sem dominar todos os meios de luta podemos correr o risco de sofrer uma derrota fragorosa – às vezes decisiva – se modificações, independentes da nossa vontade na situação das outras classes puserem na ordem do dia uma forma de acção na qual somos particularmente débeis. Se dominamos todos os meios de luta, a nossa vitória estará garantida, pois representamos os interesses da classe realmente avançada, realmente revolucionária, inclusive se as circunstâncias nos impedirem de utilizar a arma mais perigosa para o inimigo, a arma mais capaz de assestar-lhe golpes mortais com a maior rapidez. Os revolucionários inexperientes imaginam frequentemente que os meios legais de luta são oportunistas, uma vez que a burguesia enganava e lograva os operários com particular frequência nesse terreno (sobretudo nos períodos chamados “pacíficos”, nos períodos não revolucionários), e que os processos ilegais são revolucionários. Mas isso não é justo. O justo é que os oportunistas e traidores da classe operária são os partidos e chefes que não sabem ou não querem (não digam: não posso, mas sim: não quero) aplicar os processos ilegais de luta numa situação, por exemplo, como a guerra imperialista de 1914,/1918, em que a burguesia dos países democráticos mais livres enganava os operários com insolência e crueldade nunca vistas, proibindo que se dissesse a verdade sobre o carácter de rapina da guerra. Mas os revolucionários que não sabem combinar as formas ilegais de luta com cada forma legal são péssimos revolucionários. Não é difícil ser revolucionário quando a revolução já estourou e está no apogeu, quando todos aderem à revolução simplesmente por entusiasmo, modismo e inclusive, às vezes, por interesse pessoal de fazer carreira. Custa muito ao proletariado, causa-lhe duras penas, origina-lhe verdadeiros tormentos “desfazer-se” depois do triunfo desses “revolucionários”. É muitíssimo mais difícil - e muitíssimo mais meritório - saber ser revolucionário quando ainda não existem as condições para a luta directa, aberta, autenticamente de massas, autenticamente revolucionária, saber defender os interesses da revolução (através da propaganda, da agitação e da organização) em instituições não revolucionárias e, muitas vezes, simplesmente reaccionárias, numa situação não revolucionária, entre massas incapazes de compreender imediatamente a necessidade de um método revolucionário de acção, Saber perceber, encontrar, determinar com exactidão o rumo concreto ou a modificação particular dos acontecimentos susceptíveis de conduzir as massas à grande luta revolucionária, verdadeira, final e decisiva é a principal missão do comunismo contemporâneo na Europa Ocidental e na América.

Um exemplo: Inglaterra. Não podemos saber e ninguém pode determinar de antemão - quando eclodirá ali a verdadeira revolução proletária e qual será o motivo principal que despertará, inflamará e lançará à luta as grandes massas, hoje ainda adormecidas. Temos o dever, por conseguinte, de realizar todo o nosso trabalho preparatório tendo as quatro patas aferradas ao solo (segundo a expressão predilecta do falecido Plekhanov quando era marxista e revolucionário). Talvez seja uma crise parlamentar que “abra o caminho”, que “rompa o gelo”, talvez uma crise que derive das contradições coloniais e imperialistas irremediavelmente complicadas, cada vez mais graves e exacerbadas, ou talvez outras causas. Não falamos da espécie de luta que decidirá a sorte da revolução proletária na Inglaterra (essa questão não permite nenhuma dúvida para nenhum comunista, pois para todos nós está firmemente decidida), mais sim da causa imediata que despertará as massas proletárias hoje ainda adormecidas, que as colocará em movimento e as levará à revolução. Não esqueçamos, por exemplo, que na república burguesa da França, numa situação que era cem vezes menos revolucionária que a actual, tanto internacional como internamente, bastou uma circunstância tão “inesperada” e “fútil” como o caso Dreyfus - uma das mil façanhas desonestas do bando militarista reaccionário para levar o povo às bordas da guerra civil.

Na Inglaterra, os comunistas devem utilizar constantemente, sem descanso nem vacilação, as eleições parlamentares, todas as peripécias da política irlandesa, colonial e imperialista do governo britânico no mundo inteiro e todos os demais campos, esferas e aspectos da vida social, actuando neles com espírito, novo, com o espírito do comunismo, com o espírito da III e não da II Internacional. Não disponho de tempo nem espaço para descrever aqui os processos “russos”, “bolcheviques”, de participação nas eleições e na luta parlamentar; mas posso assegurar aos comunistas dos demais países que em nada se pareciam com as habituais campanhas parlamentares na Europa Ocidental. Desse facto tira-se frequentemente a seguinte conclusão: “Isso é assim no vosso país, na Rússia, mas o nosso parlamentarismo é diferente”. A conclusão é falsa. Os comunistas, os partidários da III Internacional existem em todos os países exactamente para transformar em toda linha, em todos os aspectos da vida, o antigo trabalho socialista, tradeunionista, sindicalista e parlamentar num trabalho novo, comunista. Em nossas eleições também vimos, à vontade, traços puramente burgueses, traços de oportunismo, praticismo vulgar, fraude capitalista. Os comunistas da Europa Ocidental e da América devem aprender a criar um parlamentarismo novo, incomum, não oportunista, sem arrivismo. É necessário que o Partido Comunista lance suas palavras de ordem; que os verdadeiros proletários, com a ajuda da gente pobre, inorganizada e completamente oprimida, repartam entre si e distribuam volantes, percorram as casas dos operários, as palhoças dos proletários do campo e dos camponeses que vivem nas aldeias longínquas (que, felizmente, existem em número muito menor na Europa que na Rússia, e são raras na Inglaterra), entrem nas tabernas frequentadas pelas pessoas mais simples, introduzam-se nas associações, sociedades e reuniões fortuitas das pessoas pobres; que falem ao povo não de forma doutoral (e não muito à parlamentar), não corram, por nada neste mundo, atrás de um “lugarzinho” no parlamento, mas despertem em toda parte o pensamento, arrastem a massa, tomem a palavra da burguesia, utilizem o aparelho por ela criado, as eleições por ela convocadas, seus apelos a todo o povo e tornem conhecido deste último o bolchevismo, como nunca antes haviam tido oportunidade de fazê-lo (sob o domínio burguês) fora do período eleitoral (sem contar, naturalmente, os momentos de grandes greves, quando esse mesmo aparelho de agitação popular funcionava no nosso país com maior intensidade ainda). Fazer isso na Europa Ocidental e na América é muito difícil, dificílimo; mas pode e deve ser feito, pois é totalmente impossível cumprir as tarefas do comunismo sem trabalhar, e é preciso esforçar-se para resolver os problemas práticos, cada vez mais variados, cada vez mais ligados a todos os aspectos da vida social e que vão arrebatando cada vez mais à burguesia, um após outro, cada sector, cada esfera de actividade.

Nessa mesma Inglaterra é necessário também organizar de modo novo (não de modo socialista, mas comunista; não de modo reformista, mas revolucionário) o trabalho de propaganda, de agitação e de organização no exército e entre as nações oprimidas e que não gozam de plenos direitos de formar o “seu” Estado (a Irlanda, as colónias). Pois todos esses sectores da vida social, na época do imperialismo em geral e sobretudo agora, depois da guerra, que atormentou os povos e que lhes abriu rapidamente os olhos à verdade (a verdade de dezenas de milhões de homens terem morrido ou terem ficado mutilados exclusivamente para decidir se seriam os bandidos ingleses ou os bandidos alemães que saqueariam maior número de países), todos esses sectores da vida social saturam-se particularmente de matérias inflamáveis e dão origem a multas causas de conflitos e de crises e à exacerbação da luta de classes. Não sabemos nem podemos saber qual das centelhas que surgem agora em grande número por toda parte em todos os países, sob a influência da crise económica e política mundial, poderá causar o incêndio, isto é, despertar de modo especial as massas. Por isso, com nossos princípios novos, comunistas, devemos empreender a “preparação”, de todos os campos, qualquer que seja a sua natureza, até dos mais velhos, vetustos e, aparentemente, mais estéreis, porque em caso contrário não estaremos à altura da nossa missão, faltar-nos-á alguma coisa, não dominaremos todos os tipos de armas, não nos prepararemos nem para vitória sobre a burguesia (que organizou a vida social em todos os seus aspectos à moda burguesa e que agora a desorganizou também à moda burguesa) nem para a reorganização comunista de toda a vida, tarefa que deveremos cumprir uma vez conquistada a vitória.

Depois da revolução proletária na Rússia e das suas vitórias em escala internacional, inesperadas para a burguesia e os filisteus, o mundo inteiro transformou-se e a burguesia também é outra em toda parte. A burguesia sente-se assustada com o “bolchevismo” e está irritada contra ele a ponto de quase perder a cabeça; precisamente por isso, acelera, de um lado, o desenvolvimento dos acontecimentos e, de outro, concentra a atenção no esmagamento do bolchevismo pela força, debilitando com isso sua posição em muitos outros terrenos. Os comunistas de todos os países avançados devem levar em conta para a sua táctica essas duas circunstâncias.

Os democratas constitucionalistas russos e Kerenski passaram dos limites quando empreenderam uma furiosa perseguição contra os bolchevi­ques, sobretudo desde Abril de 1917 e, mais ainda, em Junho e Julho desse mesmo ano. Os milhões de exemplares dos jornais burgueses, que gritavam em todos os tons contra os bolcheviques, ajudaram a conseguir que as massas valorizassem o bolchevismo, e toda a vida social, mesmo sem o concurso da imprensa, impregnou-se de discussões sobre o bolchevismo, graças ao “zelo” da burguesia. Os milionários de todos os países conduzem-se actualmente de tal modo em escala internacional que lhes devemos ficar agradecidos de todo o coração. Perseguem o bolchevismo com o mesmo zelo com que o perseguiam anteriormente Kerenski e companhia e, como estes, também passam dos limites e ajudam-nos tanto quanto Kerenski. Quando a burguesia francesa converte o bolchevismo no ponto central da sua campanha eleitoral, injuriando de bolchevismo socialistas relativamente moderados ou vacilantes; quando a burguesia norte-americana, perdendo completamente a cabeça, prende milhares e milhares de indivíduos suspeitos de serem bolcheviques e cria um ambiente de pânico propagando em toda parte a notícia de conjurações bolcheviques; quando a burguesia inglesa, a mais “séria” do mundo, com todo seu talento e experiência comete inacreditáveis tolices, funda riquíssimas “sociedades para a luta contra o bolchevismo”, cria uma literatura especial a seu respeito e toma ao seu serviço, para a luta contra ele, um pessoal suplementar de sábios, agitadores e padres, devemos incli­nar-nos e agradecer aos senhores capitalistas. Trabalham para nós, ajudam-nos a interessar as massas pela natureza e significado do bolchevismo. E não podem fazer de outro modo, porque fracassaram em suas tentativas de “fazer silêncio” em torno do bolchevismo e sufocá-lo.

Mas, ao mesmo tempo, a burguesia vê no bolchevismo quase que exclusivamente um dos seus aspectos: a insurreição, a violência, o terror; por isso procura preparar-se de modo particular para opor resistência e responder nesse terreno. É possível que em casos isolados, em alguns países, nuns ou noutros períodos breves, o consiga; é preciso contar com essa possibilidade, que nada tem de temível para nós. O comunismo “brota” literalmente de todos os aspectos da vida social, seus germes existem absolutamente em toda parte, o “contágio” (para empregar a comparação predilecta da burguesia e da polícia burguesa e a mais “agradável” para elas) penetrou profundamente em todos os poros do organismo e impregnou-o completamente. Caso se “feche”, com particular cuidado uma das saídas, o “contágio” encontrará outra, às vezes a mais inesperada. A vida triunfa acima de todas as coisas. Que a burguesia se sobressalte, se irrite até perder a cabeça; que ultrapasse os limites, faça tolices, se vingue por antecipação dos bolcheviques e se esforce por aniquilar (na Índia, Hungria, Alemanha, etc.) centenas, milhares, centenas de milhares de bolcheviques de ontem ou de amanhã; ao fazer isso, procede como procederam todas as classes condenadas pela história a desaparecer. Os comunistas devem saber quê, seja como for, o futuro lhes pertence. E, por isso, podemos (e devemos) unir, na grande luta revolucionária, o máximo de paixão à análise mais fria e serena das furiosas convulsões da burguesia. A revolução russa foi cruelmente esmagada em 1905; os bolcheviques russos foram derrotados em Julho de 1917; mais de 15.000 comunistas alemães foram aniquilados por meio da ardilosa provocação e das hábeis manobras de Scheidemann e Noske, aliados à burguesia e aos generais monárquicos; na Pínlândia e na Hungria o terror branco faz estragos. Em todos os casos e em todos os países, porém, o comunista está a temperar-se e cresce; as suas raízes são tão profundas que as perseguições não o debilitam, não o extenuam, mas, pelo contrário, reforçam-no. Só falta uma coisa para que marchemos rumo à vitória com mais firmeza e segurança; que os comunistas de todos os países compreendam em toda parte e até ao fim que na nossa táctica é necessária a máxima flexibilidade. O que falta actualmente ao comunismo, que cresce magnificamente, sobretudo nos países adiantados, é essa consciência e o acerto para aplicá-la na prática.

Poderia (e deveria) ser uma lição útil o que ocorreu com os chefes da II Internacional, tão eruditos e tão fiéis ao socialismo como Kautski, Otto Bauer e outros. Compreendiam perfeitamente a necessidade de uma táctica flexível, haviam aprendido e ensinavam aos demais a dialéctica de Marx (e muito do que foi feito por eles nesse terreno será sempre considerado como uma valiosa aquisição da literatura socialista); mas ao aplicar essa dialéctica incorreram num erro de tal natureza ou mostraram-se na prática tão afastados da dialéctica, tão incapazes de levar em conta as rápidas modificações de forma e o rápido aparecimento de um conteúdo novo nas formas antigas, que a sua sorte não é mais invejável que a de Hyndman, Guesde e Plekhanov. A causa fundamental do seu fracasso consiste em que “fixaram a atenção” numa determinada forma de crescimento do movimento operário e do socialismo, esquecendo o carácter unilateral dessa fixação; tiveram medo de ver a brusca ruptura, inevitável em virtude das circunstâncias objectivas, e continuaram repetindo as verdades simples memorizadas e à primeira vista indiscutíveis: três é maior do que dois. Mas a política parece-se mais com a álgebra do que com a aritmética e mais ainda com as matemáticas superiores do que com as matemáticas elementares. Na realidade, todas as formas antigas do movimento socialista adquiriram um novo conteúdo, razão pela qual surgiu diante das cifras um sinal novo, o sinal “menos”, enquanto nossos sábios continuavam (e continuam) tratando teimosamente de persuadir-se e de persuadir todo mundo de que “menos três” é maior que “menos dois”.

É preciso fazer com que os comunistas não repitam, só que em sentido contrário, esse mesmo erro, ou melhor, que esse mesmo erro, cometido, só que em sentido contrário, pelos comunistas “de esquerda”, seja corrigido o mais cedo possível e curado rapidamente e com o menor sofrimento para o organismo. Não só o doutrinarismo de direita constitui um erro; o de esquerda também. Naturalmente, o erro do doutrinarismo de esquerda no comunismo é hoje em dia muito menos perigoso e grave que o de direita (isto é, do social-chauvinismo e do kautskismo); mas isso é devido apenas a que o comunismo de esquerda é uma tendência novíssima, que acaba de nascer. Só por isso, a doença pode ser, em certas condições, curada facilmente e é necessário empreender o tratamento com a máxima energia.

As formas antigas romperam-se, pois aconteceu o seu novo conteúdo – antiproletário, reaccionário – adquirir um desenvolvimento desmedido. Do ponto de vista do desenvolvimento do comunismo internacional possuímos hoje um conteúdo tão sólido, tão forte e tão poderoso da nossa actividade (em prol do Poder dos Sovietes, em prol da ditadura do proletariado) que pode e deve manifestar-se sob qualquer forma, tanto antiga como nova; que pode e deve transformar, vencer, submeter todas as formas, não só novas como também antigas, não para conciliar-se com estas, mas para saber convertê-las todas, as novas e as velhas, numa arma da vitória completa e definitiva, decisiva e irremissível do comunismo.

Os comunistas devem consagrar todos os seus esforços para orientar o movimento operário e o desenvolvimento social em geral no sentido do caminho mais recto e rápido para a vitória mundial do Poder Soviético e da ditadura do proletariado. Trata-se de uma verdade indiscutível. Mas basta dar um pequeno passo além - ainda que pareça um passo dado na mesma direcção - para que essa verdade se transforme em erro. Basta dizer, como dizem os comunistas de esquerda alemães e ingleses, que não aceitamos senão um caminho, o caminho recto, que não admitimos manobras, acordos e compromissos, para que isso se torne um erro que pode causar, e em parte já causou e continua causando, os mais sérios prejuízos ao comunismo. O doutrinarismo de direita obstinou-se em não admitir senão as formas antigas e fracassou do modo mais completo por não ter percebido o novo conteúdo. O doutrinarismo de esquerda obstina-se em repelir incondicionalmente certas formas antigas, sem ver que o novo conteúdo abre caminho através de todas as espécies de formas e que o nosso dever de comunistas consiste em dominá-las todas, em aprender a completar umas com as outras e a substituir umas por outras com a máxima rapidez, em adaptar a nossa táctica a qualquer modificação dessa natureza, causada por uma classe que não seja a nossa ou por esforços que não sejam os nossos.

A revolução universal, que recebeu um impulso tão poderoso e foi acelerada com tanta intensidade pelos horrores, vilezas e abominações da guerra imperialista mundial e pela situação sem saída que esta originou, essa revolução estende-se e aprofunda-se com rapidez tão extraordinária, riqueza tão magnífica de formas sucessivas, com uma refutação prática tão edificante de todo doutrinarismo, que existem todos os motivos para acreditar que o movimento comunista internacional se curará rapidamente e por completo da doença infantil do comunismo “de esquerda”.

 

27 de Abril de 1920.

(a seguir)

 



publicado por portopctp às 11:03
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