(início)
E
5.ª fase: de 1960 a 1962
Em 1959, atingida pelos golpes policiais a que o seu liberalismo abrira portas, internamente dividido, hesitante, sem capacidade de direcção nem popularidade entre as massas operárias e camponesas pode dizer-se que o P«C»P esteve à beira do colapso. Na sua ânsia de o transformar em instrumento de apoio aos objectivos da burguesia, a direcção fora ao ponto de quase o destruir. Ou seja, ao ponto de, retirando-lhe a base de apoio fulcral: a aliança dos operários e camponeses, retirar-lhe igualmente poder de negociação e pactuação interclassista. Um partido enquanto bastião oportunista no seio da classe operária, enquanto neutralizador do seu sector revolucionário precisa de simultaneamente ter penetração e gozar da confiança das massas trabalhadoras e oferecer garantias aos sectores da burguesia com quem pretende aliar-se. Se esta 2.ª condição fora zelosamente cumprida pela direcção, foi-o porém com tanta diligência que começou a fazer perigar a 1.ª; ao perder a base de apoio, o P«C»P tornava a fracção pequeno burguesa radical reformista dirigente isolada na arena da burguesia, retirava-lhe o poder de negociação que lhe advinha do apoio popular.
O oportunismo é neste caso uma ponte entre suas margens, entre duas classes: faltando uma delas, deixa de ter utilidade. Eis o que estava realmente a acontecer.
Isto é extremamente importante, pois é contra os «excessos» ultra-oportunistas, contra os erros mais escandalosos cometidos e contra as suas consequências no quase aniquilamento do P«C»P, como força de mediação interclassista que se vai voltar à «correcção» do desvio de direita. Não é um processo de luta de classes que se instala no seio do partido, mas uma série de correcções das consequências mais graves do direitismo, cujas raízes profundas não são afectadas. Não se tratou de impor uma direcção proletária, mas de rectificar os «absurdos» da direcção pequeno-burguesa podada nas suas posições com quadros novos como seus titulares.
Em que consistiu o processo de «correcção» do desvio de direita?
Fugido de Peniche com um grupo de dirigentes do partido, Cunhal vai liderar em 1960-1961 o processo de «correcção» do desvio de direita.
Em todo ele o que ressalta de forma patente é a recusa em aprofundar as causas dos factos, em os explicar em termos de classe, apontando-os como «ideias de certos camaradas» tal como no período da «política da transição». Atacam-se as manifestações, aborda-se por vezes a sua natureza de classe, mas tudo fica pela rama como se tivesse sucedido por acaso, na intenção deliberada de evitar uma ruptura e uma denúncia completa da direcção pequeno-burguesa. É extremamente sintomático que nas suas reuniões de Fevereiro e Dezembro de 1960, o P«C»P se tenha limitado à crítica nos aspectos organizativos e de estilo de trabalho, sem tocar na natureza política do desvio, que só veio a ser tratado enquanto tal em Março de 1961, e pelos documentos desta altura (ver nota1) se apercebe a verdadeira natureza da «correcção». A saber:
1.º – Quanto à «solução pacífica»: na sequência da «correcção» do desvio de direita espalhou-se a ideia de que o P«C»P a esta «solução» passaria a contrapor a via da Revolução Armada. Não foi isto de forma alguma que aconteceu. Não só se aderiu plenamente à tese do XX Congresso (possibilidade de passar ao socialismo pacificamente pela via parlamentar) como se considerou que tal tese conservava «completa validade e abriu aos partidos comunistas operários amplas e novas perspectivas» tendo simplesmente sido aplicada mecanicamente a Portugal. Aderiu-se ao pacifismo revisionista plenamente, só que se entendeu não ser ele aplicável às condições então existentes da ditadura fascista. De facto mesmo nas condições de ditadura fascista considerou-se que «em momentos muito especiais» tal «solução» era viável. Considerou-se mesmo terem tais condições existido em Maio-Junho de 1958 e que até à penúltima semana da Campanha eleitoral daquele ano «foi justo admitir-se e insistir-se na luta por uma solução pacífica». (o desvio de direita no P«C»P … pág. 20).
O uso do pacifismo, para tais correctores, não estava no pacifismo em si, no que ele representava enquanto conceito de pactuação e despolitização, mas no facto de se ter centrado a luta nessa perspectiva sem quase nunca ter havido condições para tal: «foi uma orientação que não teve em conta as realidades», nada mais! A sabotagem e traição da luta popular? O trabalho degradante e contra-revolucionário que paralisou o processo insurreccional? Tudo fruto de uma «orientação que não teve em conta as realidades…»‼
Sim, porque o partido continuava a ser pela solução pacífica: «O Partido deve insistir em que é seu desejo uma solução pacífica do problema político português e em que tal solução é possível em determinadas condições», (sublinhado nosso) (o desvio de direita no P«C»P … pág. 20), que tais condições devem ser procuradas e que há que «não desprezar quaisquer possibilidades de resolver o problema político sem um choque armado e violento». Só se o fascismo se não deixar derrubar, só se ele resistir, então é que terá de ser derrubado pelas armas. Na conjuntura de então era essa a perspectiva.
Quer dizer: não se atribui ao pacifismo uma natureza de classe, nem de forma alguma se nega o seu papel como via preferencial para a vitória do proletariado sobre ditadura de classe da burguesia, tal como defendia o desvio de direita. O nó da discordância está numa errada avaliação da situação (afinal o fascismo não estava a «desagregar-se») e, consequentemente, numa incorrecta aplicação táctica de uma palavra de ordem absolutamente válida (se o fascismo estivesse a desagregar-se). O facto de se dizer que «tudo indica o que o fascismo nos tempos mais próximos não virá a ceder pacificamente», em nada invalida o carácter anti-científico e anti-marxista da tese central que permanece válida, depois do desvio de direita: a via pacífica é possível, é desejável e é preferível; só se o fascismo não quiser é que não se aplicará. Para a nova direcção o erro residiu em se pensar que aquela, nas condições então vigentes, tinha sido possível: todos os desastres consequentes foram fruto deste «erro de apreciação» desta «aplicação mecânica» das teses do XX Congresso. Legalismo, golpismo, ultra-pacifismo, tudo resultaria deste «fechar os olhos à realidade». Repare-se portanto que a luta armada é na prática apresentada como o último e indesejável recurso da luta popular e não como uma via necessária e inevitável decorrente da própria natureza do estado fascista. «… o levantamento de toda a nação portuguesa que é de desejar imponha sem necessidade do recurso à violência a instauração das liberdades democráticas, mas que assumirá o carácter violento de um choque armado, caso o governo se lhe oponha pela violência» (o desvio de direita no P«C»P …). A porta do pacifismo continuou amplamente aberta: por ela, pouco mais tarde voltariam a entrar, é certo que melhor disfarçadas, todas as concepções e práticas legalistas e direitistas que os pequenos burgueses de então não tinham sabido disfarçar e comedir devidamente. Esse é o seu erro principal, para os cunhalistas.
2.º – quanto à reposição do conceito de «levantamento nacional»: a reposição do conceito de «levantamento nacional», «embora não seja de excluir a solução pacífica», não significa nunca na linha da nova direcção o reconhecimento da luta armada como via oposta à «solução pacífica» dos ultra-direitistas. Insistia-se, por oposição ao legalismo constitucionalista, na necessidade de «derrubar» o fascismo «através do levantamento em massa da nação», mas este «levantamento em massa» era e sempre foi algo de indefinido, uma «onda popular» de características vagas, que, a ser bem conduzida, viria mesmo a excluir, como vimos, o recurso à violência: «Essa orientação (o levantamento nacional) não afasta a possibilidade de uma solução pacífica, antes pode fazer desta uma real possibilidade. A solução pacífica do problema político português será tanto mais uma possibilidade quanto menos ilusões se criarem acerca da sua facilidade e viabilidade (?) (…) quanto mais ganharmos as massas populares para a ideia de que, para derrubar o governo fascista será necessário o levantamento de toda a nação portuguesa (…). Quanto mais o movimento popular ameace, pelo seu poder, derrubar (com a força se tal se impuser) a ditadura fascista, mais possibilidades há de surgirem condições para uma solução pacífica» (O desvio de direita no P«C»P. … pág. 20, sublinhados nossos). Para os cunhalistas a violência continua a não ser «parteira da história», mas a reserva a que os «comunistas», contrariamente, terão de recorrer se o fascismo resistir militarmente a um «avassalador» movimento popular, que nunca se explica, nem bem nem mal, em que consistirá.
Dizer: «devemos preparar as massas para derrubar o fascismo violentamente se não houver outro remédio, mas este surgirá (a solução pacífica) se ao legalismo opusermos a luta de massas» é o mesmo que afirmar: «a solução pacífica está certa, mas nas actuais condições tácticas o caminho de chegar lá não é a vitória eleitoral ou a campanha pacífica para derrubar o Salazar, mas sim a luta de massa». Ou seja: entre a nova e a antiga direcção está unicamente uma «errada avaliação» das condições tácticas. Objectivamente, isto indo à real natureza da «crítica» ao desvio de direita, independentemente da sua fraseologia esquerdizante e pseudo-revolucionária.
Vago quanto aos métodos, o «levantamento nacional» era-o num aspecto ainda mais grave: quanto à natureza de classe, quanto ao papel da aliança operário-camponesa na sua condução. Vejamos melhor este aspecto.
3.º – Quanto à política de unidade: como vimos a «política de unidade» dos ultra-direitistas traduzira-se no abandono puro e simples do papel dirigente da frente de classes por parte do bloco operário-camponês e sua entrega à burguesia liberal. Isto, dado o desprezo votado à condução da unidade popular, em troco da tentativa de praticar «uma unidade ainda mais ampla» (do «Informe Político» ao V Congresso do P«C»P, em 1956), dado que a base unitária de 1943-1949 (MUNAF e MUD) «tivera um carácter exclusivamente democrático» (‼) (de «A situação política actual e a posição do P«C»P, doc. Do CC, Outubro de 1956). Ou seja: tentar chamar à unidade os «elementos não democráticos» (ou seja, anti-democráticos!), os fascistas dissidentes, e colocar-se à trela de tais dissidências. Quer dizer: se era correcto ainda nesta altura organizar a luta unitária contra o fascismo na base de uma aliança de todas as classes não monopolistas, os ultra-oportunistas não acharam isto suficiente: na base da «desagregação irreversível» centraram todo o seu esforço unitário na sedução dos elementos reaccionários e fascistas descontentes com o salazarismo!
Mas que correcção fizeram os cunhalistas?
a) Não criticaram em si, antes pelo contrário, a ligação aos fascistas dissidentes, mas sim o seu excesso: «a ideia do alargamento da unidade é justa. A evolução da situação política criou condições nos últimos anos para atrair à luta pela instauração em Portugal da liberdade política sectores que antigamente mantinham uma atitude de reserva ou suspeição em relação ao movimento democrático. (…) O mal (…) foi pensar-se que o estímulo à acção dos elementos conservadores poderia substituir ou sobrepor-se à unidade das forças democráticas» («o desvio de direita do P«C»P…», pág. 22 – sublinhados nossos). Os cunhalistas deram conta de que alguma coisa mexia, em 1958-59 e a partir de aí, na tradicional base social do regime. Mas levaram tudo à conta, não da evolução do próprio capitalismo e do diferente equilíbrio de estratos dominantes que se começava a gerar, mas de «dissidências de opinião» que interessava meter no saco da unidade: o erro não estava em o P«C»P se aliar a um esboço nascente de uma nova fracção do irredutível inimigo de classe, o capital monopolista, mas em se aliar predominantemente a ele! Por isso mesmo:
b) Foram incapazes de traduzir em termos de uma análise marxista as transformações do capitalismo português a partir da década de 50 e sua consequência no esquema de alianças interclassistas: não souberam detectar o surto da base industrial e monopolista do capitalismo português, a substituição da oligarquia familiar monopolista-latifundiária por um capitalismo monopolista industrial altamente concentrado como forma dominante, cuja evolução anulava a etapa histórica da revolução conduzida pela média-burguesia, falida como classe «revolucionária» e que a partir de aí começava a jogar dentro do sistema para nele partilhar, como classe capitalista, da sua fatia na exploração. As eleições Delgado foram a última oportunidade de realizar a unidade dos explorados com todos aqueles que eram impedidos de explorar. Mas recusando a consequência política da restrição do esquema de alianças (pois se nem dos dissidentes do regime se quiseram desligar!) os cunhalistas continuam a meter no mesmo saco todas as forças «não-monopolistas», incluindo logicamente, as que a partir desta fase se começam a definir como inimigas dos objectivos unitários das classes exploradas.
c) Continuam a não definir o carácter de classe da unidade no «levantamento nacional» e a não afirmar relativamente a ela o papel dirigente do proletariado: se o «levantamento nacional», como vimos, como instrumento de luta é uma coisa totalmente indefinida, a unidade que ela pressupõe permanece estabelecida em critérios anti-científicos e oportunistas: não na base de uma análise de classes, das suas inter-relações e interesses, mas como «todos os partidos, agrupamentos e individualidades que representam os interesses das classes que se opõem aos monopólios» (O desvio de direita no P«C»P…, pág. 21). Em termos de «forças políticas», «correntes de opinião», mas não de classes, que aliás, de resto, se não analisam. E, se quanto ao papel do proletariado, o P«C» passou a reconhecer ter o desvio de direita conduzido à sua «subestimação», «redução» e «apagamento», dizendo que ele deve passar a ser «determinante», nunca se afirma, político-ideologicamente, como tinha de se fazer à luz do marxismo-leninismo, que este papel não é só determinante como dirigente da unidade popular e democrática.
Mas, repare-se, como o poderiam ter feito? Mantendo o proletariado à trela dos interesses reformistas da burguesia liberal, que nesta fase deixam de ser redutíveis a uma plataforma de unidade táctica com as classes exploradas, mantendo em luta o povo por objectivos que são essencialmente os de uma classe que deixa de ser sua aliada para o ser dos monopólios, como se poderia afirmar o papel dirigente da classe operária neste processo? Ficaram pelo «determinante»: mais coerente e menos assustador para os seus aliados «não-monopolistas».
4.º – Quanto à exploração colonialista: se, desde sempre, e em particular no «desvio de direita», a exploração dos povos coloniais nunca foi óbice para a direcção pequeno-burguesa confraternizar «democraticamente» com os estratos colonialistas da pequena e média burguesia, também os cunhalistas continuaram a fazer letra morta e a omitir completamente o papel do P«C»P e do seu dever de solidariedade internacionalista com os povos coloniais. Só com uma diferença: é que em 1961 estala a rebelião armada nas colónias. À pressa o P«C»P virá gritar o seu internacionalismo, na prática nada se alterará: não prejudicar o unitarismo médio-burguês com uma atitude internacionalista; melhor: trair a sua solidariedade com a luta revolucionária anti-colonialista em favor dos interesses coloniais consubstanciados na plataforma unitária imposta pela burguesia média e ao seu serviço.
A partir de 1961 a traição da solidariedade internacionalista tem uma cínica particularidade relativamente ao «desvio de direita»: tem de verbalmente, demagogicamente, apregoar-se de anti-colonialista. No fundo são os interesses neocolonialistas da média e pequena burguesia que se defendem.
5.º – Quanto ao estilo de trabalho e organização: neste campo pode dizer-se que a crítica, tendo sido mais completa, continua ao nível das manifestações externas e das explicações das coisas na base das «concepções erróneas». Vai-se no entanto operar um reforço da organização do P«C»P e os seus processos de trabalho. Bem cedo, fruto da demagogia e superficialidade de todo este processo crítico, a reposição dos princípios do «centralismo democrático», devidamente esvaziado do seu conteúdo ideológico revolucionário, vai servir como instrumento autoritarista de uma fracção oportunista, impedir a crítica de base e esmagar à nascença toda a tentativa de superação marxista-leninista do impasse.
6.º – Quanto ao trabalho teórico e baixo nível ideológico da organização: se bem que detectado, se bem que relacionado com o desvio de direita e com a sujeição do movimento operário à linha da burguesia, ele vai permanecer fundamentalmente inalterado. Se o desvio de direita «corrigido» não pelo processo de uma intensa e aprofundada luta ideológica, não pelo processo da luta de classes no seio do P«C»P, mas por intermédio de um compromisso resultando numa crítica frouxa e oportunista, de tal crítica não se poderia abrir caminho para um reforço do nível teórico e da vigilância revolucionária do P«C»P. Se ao oportunismo degradante e abertamente contra-revolucionário se substitui um outro só formalmente diferente mas melhor escondido, logicamente continua a não ser do interesse da nova direcção elevar a consciência política dos quadros e das organizações. A ausência de discussão política e de estudo e a impreparação teórica da esmagadora maioria dos quadros vão-se manter e, com a agudização das contradições, acentuar e alimentar: este é um dos sintomas mais nítidos e reveladores do carácter oportunista, superficial e ele próprio pequeno-burguês do que se chamou a «correcção do desvio de direita».
Podemos pois agora tirar algumas conclusões sobre tal «correcção»:
— A despeito de se ter traduzido num certo número de expulsões e despromoções a «correcção do desvio de direita» não acabou (nem isso pretendia) com o direitismo no P«C»P nem arrancou e eliminou as posições de direcção da pequena-burguesia radical-reformista no seio da organização: sem tocar, na maioria dos aspectos essenciais, na verdadeira raiz ideológica dos desvios, sem atentar contra a base das concepções direitistas, limitou-se a criticar e corrigir os excessos, o levar demasiado adiante de posições cuja natureza se aceita. Daí se ter a clara percepção de se pairar numa crítica demagógica e oportunista dos efeitos para disfarçar as causas;
— Isto significa que tal correcção foi, ela também, da direita oportunista: visou reforçar o P«C»P não para o afirmar como vanguarda proletária revolucionária, mas para impedir que, pelo ultra-direitismo, ela viesse a perder o apoio popular e a deixar de ter base de negociação com a burguesia a quem continua atrelado;
— A natureza da «correcção» do desvio de direita traduziu-se em última análise num reforço da pequena-burguesia na direcção do movimento: neutralizando, por uma crítica verbalista e formalmente esquerdizante, a radicalização do descontentamento das bases e suas consequências revolucionárias; radicando ainda mais fortemente o reformismo, posto que simulando formalmente a sua irradicação melhor e mais demagogicamente ele foi encoberto e disfarçado e instalado; melhorando a inserção das massas e aumentando, consequentemente, o poder de negociação com os restantes sectores da burguesia.
Com um novo figurino terminológico, com uma prática mais dinâmica e activista, tendo realizado no essencial uma certa unidade no P«C», a pequena-burguesia parte para nova caminhada: em breve os acontecimentos a ultrapassarão fazendo-a tirar a máscara…
Hoje, conhecida a experiência do período que sucedeu à «correcção» do desvio de direita é-nos possível sintetizar tal prática em certas conclusões teóricas, é-nos possível, nomeadamente, perceber como os acontecimentos posteriores vão, em boa parte, radicar no oportunismo da crítica de 1961. Nem sempre foi assim: a maioria (nem todos, como veremos) dos quadros que se lançaram à luta contra o direitismo, não se aperceberam da natureza oportunista de tal luta. Mais: representando ela em vários aspectos a denúncia de oportunismos escandalosos mais imediatamente sentidos e o reforço dos métodos do trabalho e organização, tal crítica mobilizou muitos quadros do P«C» num esforço reorganizativo que lhe permitiu retomar em boa medida a confiança popular e conduziu a um vasto incremento e alargamento da organização a níveis que talvez nunca tenha alcançado, nomeadamente nas grandes concentrações operárias. A «correcção do desvio de direita», apesar da sua índole reformista está na origem de um importante movimento de inserção do P«C» nas massas e dum reforço objectivo do seu papel dirigente da luta. Reforço politicamente assente em pés de barro: mas reforço efectivo que resultou da «correcção» de certas posições e métodos cujo desaparecimento (embora aparente) só por si e nesse momento fez crer a uma organização ideologicamente débil que o direitismo estava de facto morto. Reforço facilitado também pela própria evolução da situação do capitalismo português: no advento dos anos 60 assiste-se a um importante surto de industrialização e concentração de empresas nas regiões do Porto, de Lisboa e Setúbal. A diminuição decisiva do peso do artesanato industrial a favor das grandes unidades gera uma cintura proletária naqueles distritos numerosa e politizável, que, juntamente com o proletariado rural alentejano e ribatejano e certas camadas da pequena-burguesia urbana vão travar importantíssimas batalhas que originarão simultaneamente uma importante viragem no movimento revolucionário português. Por outro lado, com a eclosão da guerra colonial e o agravamento das condições de vida, a intensificação da exploração e o aumento constante da repressão, generaliza-se o descontentamento a largas massas populares, radicaliza-se e agudiza-se a luta de classes. Condições objectivas favoráveis, fortalecimento das possibilidades subjectivas, tudo se conjuga para se poder definir um nítido ascenso da luta popular que entra numa clara fase de fluxo.
As eleições para deputados em Novembro de 1961 foram o primeiro sintoma de tal ascenso: na linha unitária «ampla» e de direita da «correcção», o P«C»P concorreu em unidade com sectores liberais e burgueses manifestamente reaccionários e anti-populares, nomeadamente ligados a interesses colonialistas, monopolistas e de grandes agrários (Directório de Acção Democrato-Social). No entanto, tal participação, ainda que na plataforma médio-burguesa, teve um carácter de independência e autonomia que nunca tinha assumido desde 49. O P«C» manobrou com notória posição de força, e transformou as eleições numa importante luta de massas contra a farsa eleitoral e o fascismo, num processo em que a burguesia foi completamente marginalizada e ultrapassada: as manifestações de rua em Lisboa, sucedendo-se em rimo crescente e trazendo cada vez mais pessoas, e, principalmente as memoráveis mobilizações operárias da margem sul fizeram descer à rua milhares de trabalhadores em Almada, na Cova da Piedade, etc., num afrontamento directo com a GNR de que resultaram mortos, assaltando a esquadra de Almada da PSP, apedrejando os centros de votação, etc., foram sintoma certo do crescendo da luta popular.
Depois das manifestações de 31 de Janeiro e do 8 de Março no Porto, em Março de 1962, desencadeia-se e rapidamente se radicaliza e estende a todo o país a luta dos estudantes de Lisboa que a burguesia tenta desesperadamente manter isolada da luta popular, em parte sem êxito.
Com uma forte organização nacional o P«C» lança então as jornadas de Maio: no dia 1.º de Maio, em Lisboa, Setúbal, Almada, Porto, Aljustrel e todo o Baixo Alentejo, centenas de milhares de trabalhadores, recorrendo a processos de auto-defesa artesanais, enfrentam as forças da PSP, da GNR, da LP e da PM em verdadeiras batalhas de rua cuja intensidade e extensão ultrapassam em tudo as melhores previsões. Todo o mês de Maio de 1962 marca uma viragem decisiva da luta das massas: as lutas operárias nas concentrações industriais, as greves e manifestações estudantis, os levantamentos camponeses pelas 8 horas de trabalho atingem então o seu ponto máximo, desdobrando-se em acções espontâneas e não controladas. Se bem que não se tenha atingido um estado pré-insurreccional como em 1958 (em 1962 o poder estava firmemente coeso no esforço repressivo), atingiu-se sem dúvida o limiar de um certo tipo de luta que, note-se, não era já dirigida pela média-burguesia, como em 1958, mas indiscutivelmente pelo P«C». Deve notar-se, porém, que apesar da direcção residir no P«C» isso não significa que esta tenha sido revolucionária: que a radicalização da luta tenha sido dirigida ou desejada pela direcção daquele. O entusiasmo de uma organização em aparente ruptura com o direitismo, a existência de excelentes condições objectivas, fizeram as lutas atingir limites que ultrapassavam em tudo os interesses da pequena-burguesia dirigente do P«C» e ultrapassava porque a partir deste momento gera-se na organização, ou nos mais militantes sectores dela, a consciência da necessidade de se saltar qualitativamente nas formas de luta, de que se tinha atingido o limiar de um processo de luta e que para radicalizar o combate e mantê-lo em ascenso era preciso começar a conjugá-lo com a acção armada. Melhor: que o centro de gravidade da luta de classes começava a deslocar-se para a luta armada, ante as novas condições existentes. Mas desta conclusão fugia desesperadamente a direcção do P«C»: adoptá-la seria fazer estalar toda a estratégia de «levantamento nacional», toda a «política de unidade», ou seja, todo o compromisso com a média burguesia. Seria, em última análise, fazer enveredar o movimento pela via revolucionária e pela liquidação, a curto prazo, da fracção pequeno-burguesa dirigente.
Da solução a dar à continuidade das lutas dependeria o julgamento da própria utilidade futura que elas tivessem: o arranque para um surto revolucionário ou um salto no vazio cuja frustração e desmobilização lançariam fatalmente a luta popular num novo período de refluxo. As duas saídas não eram porém meramente tácticas. Como vimos, elas prendiam-se à própria estratégia da luta do proletariado e ao papel nela do P«C»; o seu confronto fazia pois surgir à luz do dia e com clareza a natureza reformista da direcção contra a fracção nesse momento revolucionária. Originar tal confronto e o fim das ambiguidades foi o fruto necessário da radicalização da luta de classes de 62. Mas a incipiência das posições revolucionárias, a fraca vigilância de classe do geral das organizações do Partido, o baixíssimo nível teórico dos quadros, a predominância teórica e prática das posições pequeno-burguesas reformistas não deixava ilusões sobre o desenlace da luta: a pequena-burguesia manteve as suas posições, frustrou as lutas e lançou o movimento num profundo refluxo político e organizativo. Pagas com uma grande desmobilização popular, as lutas de 62 terão o mérito de tirar a máscara à direcção reformista e de vir a viabilizar a 2.º tentativa histórica de ruptura com a pequena-burguesia na direcção do movimento operário.
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