(início)
Enquanto as editoras de nosso país - que foi saqueado pelos imperialistas de todo o mundo em vingança pela vitória da revolução proletária e que continua sendo saqueado e bloqueado, apesar de todas as promessas feitas aos operários desses países imperialistas - organizavam a publicação do meu folheto, recebemos do estrangeiro dados complementares. Sem aspirar, absolutamente, a que meu folheto seja algo mais que breves notas de um publicista, abordarei ligeiramente alguns pontos.
A cisão entre os comunistas na Alemanha é um facto. Os “esquerdistas” ou “oposição de princípio” construíram um “Partido Comunista Operário”, à parte, em contraposição ao “Partido Comunista”. Na Itália, pelo visto, as coisas também marcham para a cisão. Digo “pelo visto” porque disponho apenas de dois novos números, o 7 e o 8, do jornal esquerdista II Soviete, onde se discute abertamente a possibilidade e a necessidade da cisão, além de falar-se também de um congresso da fracção dos “abstencionistas” (ou boicotadores, isto é, dos inimigos da participação no parlamento) que até agora pertence ao Partido Socialista Italiano.
Há receio de que a cisão dos “esquerdistas”, antiparlamentaristas (e em parte também antipolíticos, inimigos do partido político e do trabalho nos sindicatos), se converta num fenómeno internacional, como a cisão dos “centristas” (ou kautskistas, longuetistas, “independentes”, etc.). Assim seja. Afinal de contas, a cisão é melhor que a confusão, que impede o desenvolvimento ideológico, teórico e revolucionário do Partido e o seu amadurecimento, assim como o trabalho prático unitário, verdadeiramente organizado, que realmente prepare a ditadura do proletariado.,
Que os “esquerdistas” provem o acerto de sua linha na prática, em âmbito nacional e internacional, que tentem preparar (e depois realizar) a ditadura do proletariado sem um partido rigorosamente centralizado, dotado de uma disciplina férrea, sem saber dominar todas as esferas, ramos e variedades do trabalho político e cultural. A experiência prática ensiná-los-á com rapidez.
É preciso fazer todos os esforços necessários para que a cisão dos “esquerdistas” não dificulte, ou dificulte o mínimo possível, a fusão num só partido, necessária e inevitável num futuro próximo, de todos os participantes do movimento operário que defendem sincera e honradamente o Poder Soviético e a ditadura do proletariado. Para os bolcheviques da Rússia foi uma felicidade singular disporem de 15 anos para lutar de modo sistemático e até ao fim tanto contra os mencheviques (isto é, os oportunistas e os “centristas”) como contra os “esquerdistas” muito antes da luta directa das massas pela ditadura do proletariado. Esse mesmo trabalho tem que ser feito agora na Europa e na América em ritmo de “marcha forçada”. Algumas pessoas, sobretudo as que figuram entre os frustrados candidatos a chefe, podem insistir durante muito tempo nos seus erros (se lhes, faltam disciplina proletária e “honradez consigo mesmo”); mas as massas operárias, quando chegar a hora, unir-se-ão fácil e rapidamente e unirão todos os comunistas sinceros num só partido, capaz de instaurar o regime soviético e a ditadura do proletariado[1].
No folheto expressei a opinião de que o compromisso entre os comunistas e a ala esquerda dos independentes é necessário e útil para o comunismo, mas que não é fácil realizá-lo. Os exemplares dos jornais que recebi depois confirmam ambas as coisas. No n.º 32 de A Bandeira Vermelha, órgão do C.C. do Partido Comunista da Alemanha (Die Rote Fahne, Zentralorgan der Kommun. Partei Deutschlands, Spartacusbund – União de Spártaco – de 26 de Março de 1920), foi publicada uma “declaração” do referido C.C. sobre o putsch de Kapp-Lüttwitz e sobre o “governo socialista”. Essa declaração é absolutamente justa tanto na premissa fundamental quanto na conclusão prática. A premissa fundamental consiste em que, actualmente, não há “base objectiva” para a ditadura do proletariado, porquanto a “maioria dos operários urbanos” apoia os independentes. Conclusão: a promessa de “oposição leal” ao governo “socialista (isto é, renúncia de preparar o seu “derrube através da violência”) excluindo-se os partidos burgueses-capitalistas”.
A táctica, sem dúvida alguma, é justa no fundamental. Mas, se não é necessário que nos detenhamos em pequenas inexactidões de formulação, é impossível, por outro lado, deixar de assinalar que não se pode chamar de “socialista” (numa declaração oficial do Partido Comunista) um governo de social-traidores; que não se pode falar de exclusão “dos partidos burgueses-capitalistas”, quando os partidos dos Scheidemann e dos senhores Kautski-Críspien são pequeno-burgueses-democráticos; que não se pode escrever coisas como o parágrafo 4 da declaração, que diz:
"... Para continuar a ganhar as massas proletárias para o comunismo tem enorme importância, quanto ao desenvolvimento da ditadura do proletariado, uma situação em que a liberdade política possa ser utilizada de modo ilimitado e a democracia burguesa não possa actuar como ditadura do capital."
Tal situação é impossível. Os chefes pequeno-burgueses, os Henderson (Scheidemann) o os Snowden (Críspien) alemães não vão além, nem podem ir, dos limites da democracia burguesa, que, por sua vez, não pode deixar de ser a ditadura do capital. Do ponto de vista dos resultados práticos propostos com absoluta clareza pelo C.C. do Partido Comunista, essas coisas de modo algum deveriam ter sido escritas, erradas por princípio e prejudiciais politicamente. Teria sido suficiente dizer (caso se quer dar demonstrações de cortesia parlamentar): enquanto a maioria dos operários urbanos seguir os independentes, nós, os comunistas, não podemos impedir que esses operários se libertem das últimas ilusões democrático-pequeno-burguesas (ou seja, também “burguesas-capitalistas”) com a experiência do “seu” governo. Isso basta para justificar o compromisso, que é realmente necessário e que deve consistir em renunciar durante certo tempo às tentativas de derrube pela força de um governo que conta com a confiança da maioria dos operários urbanos. No que concerne à agitação diária entre as massas, que dispensa a cortesia oficial, parlamentar, poder-se-ia, naturalmente, acrescentar: deixemos que miseráveis como os Scheidemann e filisteus como os Kautski-Crispien demonstrem com actos até que ponto enganam os operários e a si próprios; o seu governo “puro” realizará com “mais pureza que ninguém” o trabalho de “limpar” as cavalariças dos Augias do socialismo, do social-democratismo. e demais variações da social-traição.
A verdadeira natureza dos actuais chefes do “Partido Social-democrata Independente da Alemanha” (desses chefes de quem se diz, fugindo à verdade, que já perderam toda a influência e que, na realidade, ainda são mais perigosos para o proletariado que os social-democratas húngaros, que se denominavam comunistas e prometiam “apoiar” a ditadura do proletariado) manifestou-se mais de uma vez durante a korniloviada alemã, isto é durante o putsch dos senhores Kapp e Lüttwitz[2]. Exemplo disto, pequeno mas eloqüente, nos é dado pelos artigos de Karl Kautski - Os minutos decisivos (Entscheidende Stunden), publicado em Freiheit (A Liberdade, órgão dos independentes) aos 30 de Março de 1920 - e de Arthur Crispien - Sobre a situação política, no mesmo jornal, n.º. 14 de Abril de 1920. Estes senhores carecem totalmente da capacidade de pensar e raciocinar como revolucionários. São uns choramingas democratas pequeno-burgueses, mil vezes mais, perigosos para o proletariado declarando-se partidários do Poder Soviético e da ditadura do proletariado, pois, de facto, cometerão inevitavelmente uma traição em cada momento difícil e perigoso... “sinceramente”, convencidos de que ajudam o proletariado! Também os social-democratas húngaros, que se baptizaram de comunistas, queriam “ajudar” o proletariado quando, por covardia e baixeza, consideraram desesperada a situação do Poder Soviético na Hungria e se lamuriaram diante dos agentes dos capitalistas da Entente e seus verdugos.
Os números do jornal italiano II Soviete a que me referi confirmam tudo que eu disse no folheto a respeito do erro do Partido Socialista Italiano, que tolera em suas fileiras membros desse tipo e, inclusive, um grupo de parlamentares dessa espécie. Mais ainda o confirma uma testemunha desinteressada, o correspondente em Roma do órgão da burguesia liberal inglesa The Manchester Guardian, que no número de 12 de Março de 1920 publicou uma entrevista sua com Turati.
"…O Sr. Turati – diz o correspondente – é de opinião que o perigo revolucionário não é tão grande que possa suscitar temores na Itália. Os maximalistas jogam com o fogo das teorias soviéticas exclusivamente para manter as massas em estado de tensão e excitação. Essas teorias são, contudo, noções puramente fantasistas, programas imaturos, que não servem para ser usados na prática. Servem apenas para manter as classes trabalhadoras em estado de expectativa. Essa gente que as emprega como isca para deslumbrar os proletários, vê-se obrigada a enfrentar uma luta quotidiana para conquistar algumas melhorias económicas, muitas vezes insignificantes, a fim de adiar o momento em que as classes trabalhadoras irão perder as ilusões e a fé nos seus mitos queridos. Dai esse grande surto de greves de todas as grandezas e a qualquer pretexto, inclusive as últimas nos Correios e nas ferrovias, que tornam ainda mais grave a situação, já difícil em si. O país está excitado pelas dificuldades provenientes de seu problema adriático, sente-se esmagado pelo peso da sua dívida externa e pela emissão desmedida de papel-moeda, e, contudo, ainda está muito longe de compreender a necessidade de assimilar a disciplina no trabalho, único factor capaz de restabelecer a ordem e a prosperidade. "
Está claro como a luz do dia que o correspondente inglês deu liberdade à pena e disse uma verdade que, provavelmente, o próprio Turati e os seus defensores, cúmplices e inspiradores burgueses na Itália ocultam e procuram embelezar. Essa verdade consiste em que as ideias e o trabalho político dos senhores Turatí, Treves, Modigliani, Dugoni e C.ª são exactamente como o correspondente inglês esboça. Isso é uma autêntica social-traição. Como é significativa a simples defesa da ordem e da disciplina para os operários que vivem na escravidão assalariada, que trabalham para o enriquecimento dos capitalistas! Como são bem conhecidos por nós, russos, todos esses discursos mencheviques! Como é valiosa a confissão de que as massas estão a favor do Poder Soviético! Como é estúpida e vulgarmente burguesa a sua incompreensão do papel revolucionário das greves que crescem espontaneamente! Sim, sem dúvida, o correspondente inglês do jornal liberal burguês prestou um mau serviço aos senhores Turati & C.ª e confirmou de modo excelente o quanto são justas as exigências do camarada Bordiga e seus amigos do Il Soviete, que reclamam do Partido Socialista Italiano, se este quer realmente estar a favor da III Internacional, a expulsão de suas fileiras, cobrindo-os de opróbrio, dos senhores Turati & C.ª e a sua transformação num Partido Comunista autêntico, tanto pelo nome quanto pelos actos.
De sua justa crítica aos senhores Turati & C.ª, porém, o camarada Bordiga e seus amigos “esquerdistas” tiram a conclusão falsa de que é prejudicial em geral participar do parlamento. Os “esquerdistas”, não podem, nem de longe, apresentar argumentos sérios em defesa dessa opinião. Simplesmente desconhecem (ou tratam de esquecer) os exemplos internacionais de utilização verdadeiramente revolucionária e comunista dos parlamentos burgueses, indiscutivelmente proveitosa para preparar a revolução proletária. Simplesmente não imaginam uma forma “nova” de utilização do parlamentarismo e esbravejam, repetindo-se até ao infinito, contra a utilização “antiga”, não bolchevique.
Nisso, precisamente, reside o seu erro básico. Não só no terreno do parlamentarismo, mas em todos os terrenos da actividade humana, o comunismo deve apresentar (e não poderá fazê-lo sem um trabalho prolongado, persistente e tenaz) algum princípio novo, que rompa de modo radical com as tradições da II Internacional (conservando e desenvolvendo ao mesmo tempo tudo o que esta apresentou de bom).
Tomemos, por exemplo, o trabalho de imprensa. Os jornais, folhetos e manifestos cumprem uma função necessária de propaganda, agitação e organização. Não pode haver um movimento de massas em nenhum país, por menos civilizado que ele seja, sem um aparelho de imprensa. E nem os gritos contra os “chefes”, assim como os juramentos de resguardar a pureza das massas contra a influência dos chefes, podem eliminar a necessidade de utilizar-se nesse trabalho pessoas procedentes dos meios intelectuais burgueses, ou podem livrar-nos da atmosfera e do ambiente democrático-burgueses, “de propriedade privada”, em que se realiza esse trabalho sob o regime capitalista. Passados já dois anos e meio depois do derrube da burguesia e da conquista do Poder político pelo proletariado ainda sentimos em torno de nós essa atmosfera, esse ambiente de relação de propriedade privada, democrático-burguesas, de massas (camponesas, artesãs).
O parlamentarismo é uma forma de trabalho; o jornalismo é outra. O conteúdo pode ser comunista em ambas, e deve sê-lo, se os que trabalham num e noutro sector são verdadeiros comunistas, verdadeiros membros do partido proletário, de massas. Mas, tanto numa como noutra - e em qualquer esfera de trabalho no capitalismo e no período de transição do capitalismo para o socialismo - é impossível evitar as dificuldades e as tarefas originais que o proletariado deve vencer e resolver para utilizar em seu benefício pessoas que procedem de meios burgueses, para alcançar a vitória sobre os preconceitos e a influência dos intelectuais burgueses, para debilitar a resistência do ambiente pequeno-burguês (e, posteriormente, para transformá-lo por completo).
Não vimos, por acaso, em todos os países, até à guerra de 1914-1918, uma extraordinária abundância de exemplos de anarquistas, sindicalistas e demais elementos muito “esquerdistas” que fulminavam o parlamentarismo, que zombavam dos parlamentares socialistas eivados de vulgaridade burguesa, fustigavam seu arrivismo, etc., etc.,. e faziam a mesma carreira burguesa através do jornalismo, através do trabalho nos sindicatos? Acaso não são típicos os exemplos dos senhores Jouhaux e Merrheim, para só falarmos na França?
A infantilidade de “negar” a participação no parlamentarismo consiste, exactamente, em que com esse método tão “simples”, “fácil” e pseudo-revolucionário querem “resolver” a difícil tarefa de lutar contra as influências democrático-burguesas no seio do movimento operário e, na realidade, a única coisa que fazem é fugir de sua própria sombra, fechar os olhos diante das dificuldades e desembaraçar-se delas apenas com palavras. Não há dúvida de que o arrivismo mais desavergonhado, a utilização burguesa dos postos no parlamento, a gritante deformação reformista da acção parlamentar e a vulgar rotina pequeno-burguesa são traços peculiares, habituais e predominantes, engendrados pelo capitalismo em toda parte, e não só fora como também dentro do movimento operário. Mas o capitalismo e o ambiente burguês por ele criado (e que mesmo depois do derrube da burguesia só desaparece muito lentamente, porquanto o campesinato faz a burguesia renascer incessantemente) engendram inevitavelmente em todas as esferas do trabalho e da vida, no fundo, o mesmo arrivismo burguês, o mesmo chauvinismo nacional, a mesma vulgaridade pequeno-burguesa, etc., com insignificantes variações de forma.
Imaginais ser, caros boicotadores e antiparlamentaristas, “terrivelmente revolucionários”, mas, na realidade, vos assustastes diante das dificuldades relativamente pequenas da luta contra as influências burguesas no movimento operário; no entanto, a vossa vitória, isto é, o derrube da burguesia e a conquista do Poder político pelo proletariado criará essas mesmas dificuldades em proporções maiores, incomensuravelmente maiores. Vós vos assustastes como crianças com a pequena dificuldade que amanhã e depois de amanhã tereis, de qualquer maneira, de aprender, e aprender completamente, a vencer as mesmas dificuldades, em proporções imensamente mais consideráveis.
Sob o poder dos Sovietes tentaram penetrar no partido do proletariado, no vosso e no nosso, elementos procedentes da intelectualidade burguesa. Penetrando também nos Sovietes, nos Tribunais, nas Administrações, pois é impossível construir o comunismo sem ser com os materiais humanos criados pelo capitalismo, pois não há outros materiais; é impossível expulsar e aniquilar os intelectuais burgueses, há que vencê-los, transformá-los, assimilá-los, reeduca-los como há que reeducar com uma luta prolongada, com base na ditadura do proletariado, os próprios proletários, que não se desembaraçaram dos preconceitos pequeno-burgueses imediatamente, por um milagre, por graça do Espírito Santo, ou por efeito mágico de uma palavra de ordem, de uma resolução, de um decreto, mas unicamente por meio de uma luta de massas prolongada e difícil contra as influências pequeno-burguesas que existem entre as massas. Sob o Poder Soviético, essas mesmas tarefas que o antiparlamentarista afasta agora com um gesto cheio de orgulho, altivez, leviandade e infantilidade, essas mesmas tarefas ressurgirão dentro dos Sovietes, dentro da administração soviética, entre os “procuradores” soviéticos (eliminamos na Rússia, e fizemos bem em eliminar, a advocacia burguesa, e entretanto ela renasce entre nós sob o disfarce dos “procuradores”"soviéticos”). Entre os engenheiros soviéticos, entre os professores soviéticos e entre os operários privilegiados, quer dizer, os mais qualificados, e colocados em melhores condições, nas fábricas soviéticas observamos um constante renascimento, de absolutamente todos os traços negativos próprios do parlamentarismo burguês, e só mediante uma luta repetida, incansável, prolongada e tenaz baseada na organização e na disciplina proletária estamos vencendo – pouco a pouco – este mal.
É claro que sob o domínio da burguesia é muito “difícil” vencer os costumes burgueses no próprio partido, isto é, no partido operário: é “difícil” expulsar do partido os chefes parlamentaristas acostumados com os preconceitos burgueses e por eles irremediavelmente corrompidos; é “difícil” submeter à disciplina proletária o número absolutamente necessário (mesmo que numa quantidade bem limitada) de pessoas que procedem da burguesia; é “difícil” criar no parlamento burguês uma fracção comunista plenamente digna da classe operária; é “difícil” conseguir que os parlamentares comunistas não se deixem levar pelas frivolidades parlamentaristas dos burgueses, e que se entreguem ao mais que essencial trabalho de propaganda, agitação e organização das massas. Não há dúvida de que tudo isso é “difícil; foi difícil na Rússia e é incomparavelmente mais difícil na Europa Ocidental e na América, onde a burguesia, as tradições democrático-burguesas, etc., são muito mais fortes.
Mas todas essas “dificuldades” são, na verdade, pueris se as compararmos com as tarefas exactamente da mesma espécie que o proletariado terá de resolver inevitavelmente para triunfar, durante a revolução proletária e depois de tomar o Poder. Em comparação com estes problemas, verdadeiramente gigantescos, que surgirão sob a ditadura do proletariado – quando será preciso reeducar milhões de camponeses e pequenos proprietários, centenas de milhares de empregados, funcionários e intelectuais burgueses, para subordiná-los todos ao Estado proletário e extirpar-lhes os hábitos e tradições burgueses – tornar-se de uma facilidade infantil criar sob o domínio da burguesia uma fracção autenticamente comunista do verdadeiro partido proletário no parlamento burguês.
Se os camaradas “esquerdistas” e antiparlamentares não aprenderam agora a vencer uma dificuldade que é até pequena, pode-se dizer com segurança que ou não estarão em condições de instaurar a ditadura do proletariado, não poderão subordinar e transformar em grande escala os intelectuais e instituições burgueses, ou serão obrigados a completar a eucação a toda velocidade, pressa que os fará causar grandes danos à causa proletária, cometer maior número de erros que os que comumente cometeriam, dar mostras de debilidade e incapacidade acima do normal, etc., etc.
Enquanto a burguesia não for derrubada - e, depois de sua queda, enquanto não desaparecerem totalmente a pequena economia e a pequena produção mercantil - o ambiente burguês, os hábitos de propriedade privada e as tradições pequeno-burguesas prejudicarão o trabalho do proletariado tanto dentro como fora do movimento operário, não só na actividade parlamentar, como, inevitavelmente, em todas e em cada uma das esferas da actividade social, em todos os sectores culturais e políticos, sem excepção. E constitui um erro profundíssimo, pelo qual inapelavelmente se deverá pagar mais tarde, procurar livrar-se ou esquivar-se de uma das tarefas desagradáveis ou das dificuldades surgidas numa das esferas de trabalho. É preciso aprender, e aprender plenamente, a dominar todos os aspectos da actividade e do trabalho, sem nenhuma excepção, a vencer em toda parte todas as dificuldades e todos os costumes, tradições e hábitos burgueses. Qualquer outra maneira de encarar a questão é totalmente despida de seriedade, é infantil.
12 de Maio de 1920
Na edição russa desse livro apresentei com certa inexactidão a conduta do Partido Comunista Holandês em seu conjunto, no terreno da política revolucionária mundial. Por isso, aproveito a oportunidade para publicar a carta abaixo transcrita, carta de nossos camaradas holandeses sobre este problema. Além disso, aproveito também para corrigir a expressão “tribunistas holandeses” que empreguei no texto russo, substituindo-a, pelas palavras “alguns membros do Partido Comunista Holandês”. Carta de Wíjnkoop
Moscovo, 30 de junho de 1920
Querido camarada Lenine:
Graças à sua amabilidade, os membros da delegação holandesa ao II Congresso da Internacional Comunista tivemos a possibilidade de ler seu livro "Esquerdismo”, a Doença Infantil do Comunismo, antes de ser publicado nos idiomas da Europa Ocidental. Nesse livro você ressalta várias vezes a sua desaprovação do papel desempenhado por alguns membros do Partido Comunista Holandês na política internacional,
Devemos protestar, contudo, contra o facto de você atribuir ao Partido Comunista a responsabilidade pelos actos desses membros, o que é extremamente inexacto. Além disso, é injusto, pois esses membros do Partido Comunista Holandês participam muito pouco, ou não participam em absoluto, na actividade quotidiana do Partido; procuram também, directa ou indirectamente, aplicar no Partido Comunista as palavras de ordem oposicionistas, contra as quais o Partido Comunista Holandês e todos os seus órgãos se empenharam e se empenham até hoje na mais enérgica luta.
Saudações fraternais
(em nome da delegação holandesa)
D. I. Wijnkoop
(início)
A revolução burguesa de 1905 na Rússia evidenciou uma reviravolta extraordinariamente original da história universal: num dos países capitalistas mais atrasados, o movimento grevista alcançou, pela primeira vez no mundo, força e amplitude inusitadas. Só em Janeiro de 1905, o número de grevistas foi dez vezes maior que a média anual de grevistas durante os dez anos anteriores (1895/1904); de Janeiro a Outubro de 1905, as greves aumentaram incessantemente e em proporções gigantescas. Sob a influência de uma série de factores históricos completamente originais, a Rússia atrasada deu ao mundo o primeiro exemplo não só de um salto brusco, em época de revolução, da actividade espontânea das massas oprimidas (coisa que ocorreu em todas as grandes revoluções), como também de uma projecção do proletariado que superava infinitamente o que se podia esperar pela sua pequena percentagem entre a população; mostrou pela primeira vez a combinação da greve económica com a greve política, com a transformação desta última em insurreição armada, o nascimento de uma nova forma de luta de massas e de organização de massas das classes oprimidas pelo capitalismo: os Sovietes.
As revoluções de Fevereiro e Outubro de 1917 levaram ao desenvolvimento multilateral dos Sovietes em todo o pais e, depois, à sua vitória na revolução proletária, socialista. Menos de dois anos mais tarde manifestou-se o carácter internacional dos Sovietes, a extensão dessa forma de luta e de organização ao movimento operário mundial, o destino histórico dos Sovietes de serem os coveiros, os herdeiros e os sucessores do parlamentarismo burguês, da democracia burguesa em geral.
Mais ainda. A história do movimento operário mostra actualmente que ele está destinado a atravessar em todos os países (e já começou a atravessar) um período de luta do comunismo nascente, cada dia mais forte, que marcha para a vitória, sobretudo e principalmente contra o “menchevismo” próprio (de cada país), isto é, contra o oportunismo e o social-chauvinismo e, de outro lado, como complemento, por assim dizer, contra o comunismo “de esquerda”. A primeira dessas lutas desenvolveu-se em todos os países, ao que parece sem excepções, sob a forma de luta entre a II Internacional (hoje praticamente morta) e a III. A segunda luta manifesta-se na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, nos Estados Unidos (onde pelo menos uma certa secção dos “Operários Industriais do Mundo” e das tendências anarco-sindicalistas apoiam os erros do comunismo de esquerda, ao mesmo tempo que reconhecem de maneira quase geral, quase incondicional, o sistema soviético) e na França (atitude de uma parte dos ex-sindicalistas em relação ao partido. político e ao parlamentarismo, também paralelamente ao reconhecimento do sistema dos Sovietes), isto é, manifesta-se não só em escala internacional, como universal.
Contudo, embora a escola preparatória que leva o movimento operário à vitória sobre a burguesia seja em toda parte idêntica em essência, o seu desenvolvimento efectua-se em cada país de modo original. Os grandes países capitalistas adiantados avançam por esse caminho muito mais rapidamente que o bolchevismo, ao qual a história concedeu um prazo de quinze anos para se preparar como tendência política organizada a fim de conquistar a vitória. No curto prazo de um ano, a III Internacional já alcançou um triunfo decisivo ao desfazer a II Internacional, a Internacional amarela, social-chauvinista, que há poucos meses era incomparavelmente mais forte que a III, parecia sólida e poderosa, e dispunha do apoio da burguesia mundial sob todas as formas, directas e indirectas, materiais (postos ministeriais, passaportes, imprensa) e morais.
O que importa agora é que os comunistas de cada país levem em conta com plena consciência tanto as tarefas fundamentais, de principio, da luta contra o oportunismo e o doutrinarismo “de esquerda”, como as particularidades concretas que esta luta adquire e deve adquirir inevitavelmente em cada país, de acordo com os aspectos originais das suas economia, política, cultura, composição nacional (Irlanda, etc.), colónias, diversidade de religiões, etc., etc. Sente-se expandir e crescer em toda parte o descontentamento contra a II Internacional por causa do seu oportunismo e da sua inépcia, da sua incapacidade para criar um órgão realmente centralizado e dirigente, apto para orientar a táctica internacional do proletariado revolucionário na sua luta pela república soviética universal. É preciso compreender perfeitamente que esse centro dirigente não pode, de modo algum, ser formado segundo normas tácticas estereotipadas de luta, mecanicamente igualadas, idênticas. Enquanto subsistirem diferenças nacionais e estatais entre os povos e os países e essas diferenças subsistirão inclusive durante muito tempo depois da instauração universal da ditadura do proletariado – a unidade da táctica internacional do movimento operário comunista de todos os países exigirá, não a supressão da variedade, não a supressão das particularidades nacionais (o que é, actualmente, um sonho absurdo), mas sim uma tal aplicação dos princípios fundamentais do comunismo (Poder Soviético e ditadura do proletariado) que modifique acertadamente esses princípios em certos detalhes, que os adapte, que os aplique acertadamente às particularidades nacionais e nacional-estatais. Investigar, estudar, descobrir, adivinhar, captar o que há de particular e específico, do ponto de vista nacional, na maneira pela qual cada país aborda concretamente a solução do problema internacional comum: o triunfo sobre o oportunismo e o doutrinarismo de esquerda no movimento operário, o derrube da burguesia, a instauração da república soviética e da ditadura proletária, é a principal tarefa do período histórico que actualmente atravessam todos os países adiantados (e não só os adiantados). Já se fez o principal – claro que não se fez tudo, absolutamente, mas já se fez o principal – para ganhar a vanguarda da classe operária para colocá-la ao lado do Poder Soviético contra o parlamentarismo, ao lado da ditadura do proletariado contra a democracia burguesa. Agora é preciso concentrar todas as forças e toda a atenção no passo seguinte, que parece ser – e, de certo modo, é realmente – menos fundamental, mas que, em compensação, está mais perto da solução efectiva do problema, isto é: procurar as formas de passar à revolução proletária ou de abordá-la.
A vanguarda proletária está ideologicamente conquistada. Isto é o principal. Sem isto não é possível dar sequer o primeiro passo para a vitória. Mas daí para o triunfo ainda falta uma grande distância a percorrer. Apenas com a vanguarda é impossível triunfar. Lançar a vanguarda sozinha à batalha decisiva, quando toda a classe, quando as grandes massas ainda não adoptaram uma posição de apoio directo a essa vanguarda ou, pelo menos, de neutralidade simpática, e não são totalmente incapazes de apoiar o adversário, seria não só uma estupidez, como um crime. E para que realmente toda a classe, para que realmente as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a ocupar essa posição, a propaganda e a agitação, por si, são insuficientes. Para isso necessita-se da própria experiência política das massas. Tal é a lei fundamental de todas as grandes revoluções, confirmada hoje com força e realce surpreendentes tanto pela Rússia como pela Alemanha. Não só as massas incultas, em muitos casos analfabetas, da Rússia, como também as massas da Alemanha, muito cultas, sem nenhum analfabeto, precisaram experimentar na sua própria carne toda a impotência, toda a veleidade, toda a fraqueza, todo o servilismo ante a burguesia, toda a infâmia do governo dos cavalheiros da II Internacional, toda a inelutabilidade da ditadura dos ultra-reaccionários (Kornilov na Rússia, Kapp & C.ª na Alemanha), única alternativa diante da ditadura do proletariado, para se orientar decididamente rumo ao comunismo.
A tarefa imediata da vanguarda consciente do movimento operário internacional, isto é, dos partidos, grupos e tendências comunistas, consiste em saber atrair as amplas massas (hoje, na maior parte, ainda adormecidas, apáticas, rotineiras, inertes) para essa sua nova posição, ou, melhor dizendo, em saber dirigir não só o próprio partido, como também essas massas no período de sua aproximação, do seu deslocamento para essa nova posição. Se a primeira tarefa histórica (ganhar para o Poder Soviético e para a ditadura da classe operária a vanguarda consciente do proletariado) não podia ser cumprida sem uma vitória ideológica e política completa sobre o oportunismo e o social-chauvinismo, a segunda tarefa, que é agora imediata e que consiste em saber atrair as massas para essa nova posição capaz de assegurar o triunfo da vanguarda na revolução, não pode ser cumprida sem liquidar o doutrinarismo de esquerda, sem corrigir completamente os seus erros, sem desembaraçar-se deles.
Enquanto se trata (e na medida em que se trata ainda hoje) de ganhar para o comunismo a vanguarda do proletariado, a propaganda deve ocupar o primeiro lugar; inclusive os círculos, com todas as suas debilidades, são úteis neste caso e dão resultados fecundos. Mas quando se trata da acção prática das massas, de movimentar – se me é permitido usar essa expressão – exércitos de milhões de homens, dispor todas as forças da classe de uma determinada sociedade para a luta final e decisiva, não conseguireis nada através, unicamente dos hábitos de propagandista, com a simples repetição das verdades do comunismo “puro”. E é porque nesse caso a conta não é feita aos milhares, como faz o propagandista membro de um grupo reduzido e que ainda não dirige massas, e sim aos milhões e dezenas de milhões. Nesse caso é preciso perguntar a si próprio não só se convencemos a vanguarda da classe revolucionária, como também se estão em movimento as forças historicamente activas de todas as classes da tal sociedade, obrigatoriamente de todas, sem excepção, de modo que a batalha decisiva esteja completamente amadurecida, de maneira que 1) todas as forças de classe que nos são adversas estejam suficientemente perdidas na confusão, suficientemente lutando entre si, suficientemente debilitadas por uma luta superior às suas forças; 2) que todos os elementos vacilantes, instáveis, inconsistentes, intermediários, isto é, a pequena burguesia, a democracia pequeno-burguesa, que se diferencia da burguesia, estejam suficientemente desmascarados diante do povo, suficientemente cobertos de opróbrio pela sua falência prática; 3) que nas massas proletárias comece a aparecer e a expandir-se com poderoso impulso o afã de apoiar as acções revolucionárias mais resolutas, mais valentes e abnegadas contra a burguesia. É então que está madura a revolução, que a nossa vitória está assegurada, caso tenhamos sabido levar em conta todas as condições levemente esboçadas acima e tenhamos escolhido acertadamente o momento.
As divergências entre os Churchill e os Lloyd George de um lado - tipos políticos que existem em todos os países com peculiaridades nacionais ínfimas - e, de outro, entre os Henderson e os Lloyd George, não têm absolutamente nenhuma importância e são insignificantes do ponto de vista do comunismo puro, isto é, abstracto, ainda incapaz de acções políticas práticas, de massas. Mas, do ponto de vista dessa acção prática das massas, tais divergências têm extraordinária importânC.ª Saber levá-las em conta, saber determinar o momento em que amadureceram plenamente os conflitos inevitáveis entre esses “amigos”, conflitos que debilitam e extenuam todos os “amigos” tomados em conjunto, é o trabalho, a missão do comunista que deseje ser não só um propagandista consciente, convicto e teoricamente preparado, como também um dirigente prático das massas na revolução. É necessário unir a mais absoluta fidelidade às ideias comunistas à arte de admitir todos os compromissos práticos necessários, manobras, acordos, ziguezagues, retiradas, etc., para precipitar a ascensão ao Poder político dos Henderson (dos heróis da II Internacional, para não citar nomes desses representantes da democracia pequeno-burguesa que se chamam de socialistas) e o seu malogro no mesmo; para acelerar o seu fracasso inevitável na prática, o que educará as massas precisamente no nosso espírito e as orientará precisamente para o comunismo; para acelerar as rusgas, as disputas, os conflitos e a separação total, inevitáveis entre os Henderson, os Lloyd George e os Churchill (entre os mencheviques e os socialistas revolucionários, os democratas constitucionalistas e os monárquicos; entre os Scheidemann, a burguesia, os partidários de Kapp, etc.) e para escolher acertadamente o momento de máxima dissensão entre todos esses “baluartes da sacrossanta propriedade privada”, a fim de esmagá-los por completo, mediante uma resoluta ofensiva do proletariado, e conquistar o Poder político.
A história em geral, e a das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo, mais variada de formas e aspectos, mais viva e mais “astuta” do que imaginam os melhores partidos, as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas. E isso é compreensível, pois as melhores vanguardas exprimem a consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas de milhares de homens acicatados pela mais aguda luta de momentos de exaltação e tensão especiais de todas as faculdades humanas, pela consciência, a vontade, a paixão e a imaginação de dezenas de milhões de homens, enquanto que a revolução é feita, em classes. Dai se depreendem duas conclusões práticas muito importantes: 1) a classe revolucionária, para realizar sua missão, deve saber utilizar todas as formas ou aspectos, sem a menor excepção, da actividade social (terminando depois da conquista do poder político, às vezes com grande risco e imenso perigo, o que não terminou antes dessa conquista); 2) a classe revolucionária deve estar preparada para substituir uma forma por outra do modo mais rápido e inesperado.
Todos hão-de convir que seria insensata e até mesmo criminosa a conduta de um exército que não se dispusesse a conhecer e utilizar todos os tipos de armas, todos os meios e processos de luta que o inimigo possui ou pode possuir. Mas essa verdade é ainda mais aplicável à política que à arte militar. Em política é ainda menos fácil saber de antemão que método de luta será aplicável e vantajoso para nós, nessas ou naquelas circunstâncias futuras. Sem dominar todos os meios de luta podemos correr o risco de sofrer uma derrota fragorosa – às vezes decisiva – se modificações, independentes da nossa vontade na situação das outras classes puserem na ordem do dia uma forma de acção na qual somos particularmente débeis. Se dominamos todos os meios de luta, a nossa vitória estará garantida, pois representamos os interesses da classe realmente avançada, realmente revolucionária, inclusive se as circunstâncias nos impedirem de utilizar a arma mais perigosa para o inimigo, a arma mais capaz de assestar-lhe golpes mortais com a maior rapidez. Os revolucionários inexperientes imaginam frequentemente que os meios legais de luta são oportunistas, uma vez que a burguesia enganava e lograva os operários com particular frequência nesse terreno (sobretudo nos períodos chamados “pacíficos”, nos períodos não revolucionários), e que os processos ilegais são revolucionários. Mas isso não é justo. O justo é que os oportunistas e traidores da classe operária são os partidos e chefes que não sabem ou não querem (não digam: não posso, mas sim: não quero) aplicar os processos ilegais de luta numa situação, por exemplo, como a guerra imperialista de 1914,/1918, em que a burguesia dos países democráticos mais livres enganava os operários com insolência e crueldade nunca vistas, proibindo que se dissesse a verdade sobre o carácter de rapina da guerra. Mas os revolucionários que não sabem combinar as formas ilegais de luta com cada forma legal são péssimos revolucionários. Não é difícil ser revolucionário quando a revolução já estourou e está no apogeu, quando todos aderem à revolução simplesmente por entusiasmo, modismo e inclusive, às vezes, por interesse pessoal de fazer carreira. Custa muito ao proletariado, causa-lhe duras penas, origina-lhe verdadeiros tormentos “desfazer-se” depois do triunfo desses “revolucionários”. É muitíssimo mais difícil - e muitíssimo mais meritório - saber ser revolucionário quando ainda não existem as condições para a luta directa, aberta, autenticamente de massas, autenticamente revolucionária, saber defender os interesses da revolução (através da propaganda, da agitação e da organização) em instituições não revolucionárias e, muitas vezes, simplesmente reaccionárias, numa situação não revolucionária, entre massas incapazes de compreender imediatamente a necessidade de um método revolucionário de acção, Saber perceber, encontrar, determinar com exactidão o rumo concreto ou a modificação particular dos acontecimentos susceptíveis de conduzir as massas à grande luta revolucionária, verdadeira, final e decisiva é a principal missão do comunismo contemporâneo na Europa Ocidental e na América.
Um exemplo: Inglaterra. Não podemos saber e ninguém pode determinar de antemão - quando eclodirá ali a verdadeira revolução proletária e qual será o motivo principal que despertará, inflamará e lançará à luta as grandes massas, hoje ainda adormecidas. Temos o dever, por conseguinte, de realizar todo o nosso trabalho preparatório tendo as quatro patas aferradas ao solo (segundo a expressão predilecta do falecido Plekhanov quando era marxista e revolucionário). Talvez seja uma crise parlamentar que “abra o caminho”, que “rompa o gelo”, talvez uma crise que derive das contradições coloniais e imperialistas irremediavelmente complicadas, cada vez mais graves e exacerbadas, ou talvez outras causas. Não falamos da espécie de luta que decidirá a sorte da revolução proletária na Inglaterra (essa questão não permite nenhuma dúvida para nenhum comunista, pois para todos nós está firmemente decidida), mais sim da causa imediata que despertará as massas proletárias hoje ainda adormecidas, que as colocará em movimento e as levará à revolução. Não esqueçamos, por exemplo, que na república burguesa da França, numa situação que era cem vezes menos revolucionária que a actual, tanto internacional como internamente, bastou uma circunstância tão “inesperada” e “fútil” como o caso Dreyfus - uma das mil façanhas desonestas do bando militarista reaccionário para levar o povo às bordas da guerra civil.
Na Inglaterra, os comunistas devem utilizar constantemente, sem descanso nem vacilação, as eleições parlamentares, todas as peripécias da política irlandesa, colonial e imperialista do governo britânico no mundo inteiro e todos os demais campos, esferas e aspectos da vida social, actuando neles com espírito, novo, com o espírito do comunismo, com o espírito da III e não da II Internacional. Não disponho de tempo nem espaço para descrever aqui os processos “russos”, “bolcheviques”, de participação nas eleições e na luta parlamentar; mas posso assegurar aos comunistas dos demais países que em nada se pareciam com as habituais campanhas parlamentares na Europa Ocidental. Desse facto tira-se frequentemente a seguinte conclusão: “Isso é assim no vosso país, na Rússia, mas o nosso parlamentarismo é diferente”. A conclusão é falsa. Os comunistas, os partidários da III Internacional existem em todos os países exactamente para transformar em toda linha, em todos os aspectos da vida, o antigo trabalho socialista, tradeunionista, sindicalista e parlamentar num trabalho novo, comunista. Em nossas eleições também vimos, à vontade, traços puramente burgueses, traços de oportunismo, praticismo vulgar, fraude capitalista. Os comunistas da Europa Ocidental e da América devem aprender a criar um parlamentarismo novo, incomum, não oportunista, sem arrivismo. É necessário que o Partido Comunista lance suas palavras de ordem; que os verdadeiros proletários, com a ajuda da gente pobre, inorganizada e completamente oprimida, repartam entre si e distribuam volantes, percorram as casas dos operários, as palhoças dos proletários do campo e dos camponeses que vivem nas aldeias longínquas (que, felizmente, existem em número muito menor na Europa que na Rússia, e são raras na Inglaterra), entrem nas tabernas frequentadas pelas pessoas mais simples, introduzam-se nas associações, sociedades e reuniões fortuitas das pessoas pobres; que falem ao povo não de forma doutoral (e não muito à parlamentar), não corram, por nada neste mundo, atrás de um “lugarzinho” no parlamento, mas despertem em toda parte o pensamento, arrastem a massa, tomem a palavra da burguesia, utilizem o aparelho por ela criado, as eleições por ela convocadas, seus apelos a todo o povo e tornem conhecido deste último o bolchevismo, como nunca antes haviam tido oportunidade de fazê-lo (sob o domínio burguês) fora do período eleitoral (sem contar, naturalmente, os momentos de grandes greves, quando esse mesmo aparelho de agitação popular funcionava no nosso país com maior intensidade ainda). Fazer isso na Europa Ocidental e na América é muito difícil, dificílimo; mas pode e deve ser feito, pois é totalmente impossível cumprir as tarefas do comunismo sem trabalhar, e é preciso esforçar-se para resolver os problemas práticos, cada vez mais variados, cada vez mais ligados a todos os aspectos da vida social e que vão arrebatando cada vez mais à burguesia, um após outro, cada sector, cada esfera de actividade.
Nessa mesma Inglaterra é necessário também organizar de modo novo (não de modo socialista, mas comunista; não de modo reformista, mas revolucionário) o trabalho de propaganda, de agitação e de organização no exército e entre as nações oprimidas e que não gozam de plenos direitos de formar o “seu” Estado (a Irlanda, as colónias). Pois todos esses sectores da vida social, na época do imperialismo em geral e sobretudo agora, depois da guerra, que atormentou os povos e que lhes abriu rapidamente os olhos à verdade (a verdade de dezenas de milhões de homens terem morrido ou terem ficado mutilados exclusivamente para decidir se seriam os bandidos ingleses ou os bandidos alemães que saqueariam maior número de países), todos esses sectores da vida social saturam-se particularmente de matérias inflamáveis e dão origem a multas causas de conflitos e de crises e à exacerbação da luta de classes. Não sabemos nem podemos saber qual das centelhas que surgem agora em grande número por toda parte em todos os países, sob a influência da crise económica e política mundial, poderá causar o incêndio, isto é, despertar de modo especial as massas. Por isso, com nossos princípios novos, comunistas, devemos empreender a “preparação”, de todos os campos, qualquer que seja a sua natureza, até dos mais velhos, vetustos e, aparentemente, mais estéreis, porque em caso contrário não estaremos à altura da nossa missão, faltar-nos-á alguma coisa, não dominaremos todos os tipos de armas, não nos prepararemos nem para vitória sobre a burguesia (que organizou a vida social em todos os seus aspectos à moda burguesa e que agora a desorganizou também à moda burguesa) nem para a reorganização comunista de toda a vida, tarefa que deveremos cumprir uma vez conquistada a vitória.
Depois da revolução proletária na Rússia e das suas vitórias em escala internacional, inesperadas para a burguesia e os filisteus, o mundo inteiro transformou-se e a burguesia também é outra em toda parte. A burguesia sente-se assustada com o “bolchevismo” e está irritada contra ele a ponto de quase perder a cabeça; precisamente por isso, acelera, de um lado, o desenvolvimento dos acontecimentos e, de outro, concentra a atenção no esmagamento do bolchevismo pela força, debilitando com isso sua posição em muitos outros terrenos. Os comunistas de todos os países avançados devem levar em conta para a sua táctica essas duas circunstâncias.
Os democratas constitucionalistas russos e Kerenski passaram dos limites quando empreenderam uma furiosa perseguição contra os bolcheviques, sobretudo desde Abril de 1917 e, mais ainda, em Junho e Julho desse mesmo ano. Os milhões de exemplares dos jornais burgueses, que gritavam em todos os tons contra os bolcheviques, ajudaram a conseguir que as massas valorizassem o bolchevismo, e toda a vida social, mesmo sem o concurso da imprensa, impregnou-se de discussões sobre o bolchevismo, graças ao “zelo” da burguesia. Os milionários de todos os países conduzem-se actualmente de tal modo em escala internacional que lhes devemos ficar agradecidos de todo o coração. Perseguem o bolchevismo com o mesmo zelo com que o perseguiam anteriormente Kerenski e companhia e, como estes, também passam dos limites e ajudam-nos tanto quanto Kerenski. Quando a burguesia francesa converte o bolchevismo no ponto central da sua campanha eleitoral, injuriando de bolchevismo socialistas relativamente moderados ou vacilantes; quando a burguesia norte-americana, perdendo completamente a cabeça, prende milhares e milhares de indivíduos suspeitos de serem bolcheviques e cria um ambiente de pânico propagando em toda parte a notícia de conjurações bolcheviques; quando a burguesia inglesa, a mais “séria” do mundo, com todo seu talento e experiência comete inacreditáveis tolices, funda riquíssimas “sociedades para a luta contra o bolchevismo”, cria uma literatura especial a seu respeito e toma ao seu serviço, para a luta contra ele, um pessoal suplementar de sábios, agitadores e padres, devemos inclinar-nos e agradecer aos senhores capitalistas. Trabalham para nós, ajudam-nos a interessar as massas pela natureza e significado do bolchevismo. E não podem fazer de outro modo, porque já fracassaram em suas tentativas de “fazer silêncio” em torno do bolchevismo e sufocá-lo.
Mas, ao mesmo tempo, a burguesia vê no bolchevismo quase que exclusivamente um dos seus aspectos: a insurreição, a violência, o terror; por isso procura preparar-se de modo particular para opor resistência e responder nesse terreno. É possível que em casos isolados, em alguns países, nuns ou noutros períodos breves, o consiga; é preciso contar com essa possibilidade, que nada tem de temível para nós. O comunismo “brota” literalmente de todos os aspectos da vida social, seus germes existem absolutamente em toda parte, o “contágio” (para empregar a comparação predilecta da burguesia e da polícia burguesa e a mais “agradável” para elas) penetrou profundamente em todos os poros do organismo e impregnou-o completamente. Caso se “feche”, com particular cuidado uma das saídas, o “contágio” encontrará outra, às vezes a mais inesperada. A vida triunfa acima de todas as coisas. Que a burguesia se sobressalte, se irrite até perder a cabeça; que ultrapasse os limites, faça tolices, se vingue por antecipação dos bolcheviques e se esforce por aniquilar (na Índia, Hungria, Alemanha, etc.) centenas, milhares, centenas de milhares de bolcheviques de ontem ou de amanhã; ao fazer isso, procede como procederam todas as classes condenadas pela história a desaparecer. Os comunistas devem saber quê, seja como for, o futuro lhes pertence. E, por isso, podemos (e devemos) unir, na grande luta revolucionária, o máximo de paixão à análise mais fria e serena das furiosas convulsões da burguesia. A revolução russa foi cruelmente esmagada em 1905; os bolcheviques russos foram derrotados em Julho de 1917; mais de 15.000 comunistas alemães foram aniquilados por meio da ardilosa provocação e das hábeis manobras de Scheidemann e Noske, aliados à burguesia e aos generais monárquicos; na Pínlândia e na Hungria o terror branco faz estragos. Em todos os casos e em todos os países, porém, o comunista está a temperar-se e cresce; as suas raízes são tão profundas que as perseguições não o debilitam, não o extenuam, mas, pelo contrário, reforçam-no. Só falta uma coisa para que marchemos rumo à vitória com mais firmeza e segurança; que os comunistas de todos os países compreendam em toda parte e até ao fim que na nossa táctica é necessária a máxima flexibilidade. O que falta actualmente ao comunismo, que cresce magnificamente, sobretudo nos países adiantados, é essa consciência e o acerto para aplicá-la na prática.
Poderia (e deveria) ser uma lição útil o que ocorreu com os chefes da II Internacional, tão eruditos e tão fiéis ao socialismo como Kautski, Otto Bauer e outros. Compreendiam perfeitamente a necessidade de uma táctica flexível, haviam aprendido e ensinavam aos demais a dialéctica de Marx (e muito do que foi feito por eles nesse terreno será sempre considerado como uma valiosa aquisição da literatura socialista); mas ao aplicar essa dialéctica incorreram num erro de tal natureza ou mostraram-se na prática tão afastados da dialéctica, tão incapazes de levar em conta as rápidas modificações de forma e o rápido aparecimento de um conteúdo novo nas formas antigas, que a sua sorte não é mais invejável que a de Hyndman, Guesde e Plekhanov. A causa fundamental do seu fracasso consiste em que “fixaram a atenção” numa determinada forma de crescimento do movimento operário e do socialismo, esquecendo o carácter unilateral dessa fixação; tiveram medo de ver a brusca ruptura, inevitável em virtude das circunstâncias objectivas, e continuaram repetindo as verdades simples memorizadas e à primeira vista indiscutíveis: três é maior do que dois. Mas a política parece-se mais com a álgebra do que com a aritmética e mais ainda com as matemáticas superiores do que com as matemáticas elementares. Na realidade, todas as formas antigas do movimento socialista adquiriram um novo conteúdo, razão pela qual surgiu diante das cifras um sinal novo, o sinal “menos”, enquanto nossos sábios continuavam (e continuam) tratando teimosamente de persuadir-se e de persuadir todo mundo de que “menos três” é maior que “menos dois”.
É preciso fazer com que os comunistas não repitam, só que em sentido contrário, esse mesmo erro, ou melhor, que esse mesmo erro, cometido, só que em sentido contrário, pelos comunistas “de esquerda”, seja corrigido o mais cedo possível e curado rapidamente e com o menor sofrimento para o organismo. Não só o doutrinarismo de direita constitui um erro; o de esquerda também. Naturalmente, o erro do doutrinarismo de esquerda no comunismo é hoje em dia muito menos perigoso e grave que o de direita (isto é, do social-chauvinismo e do kautskismo); mas isso é devido apenas a que o comunismo de esquerda é uma tendência novíssima, que acaba de nascer. Só por isso, a doença pode ser, em certas condições, curada facilmente e é necessário empreender o tratamento com a máxima energia.
As formas antigas romperam-se, pois aconteceu o seu novo conteúdo – antiproletário, reaccionário – adquirir um desenvolvimento desmedido. Do ponto de vista do desenvolvimento do comunismo internacional possuímos hoje um conteúdo tão sólido, tão forte e tão poderoso da nossa actividade (em prol do Poder dos Sovietes, em prol da ditadura do proletariado) que pode e deve manifestar-se sob qualquer forma, tanto antiga como nova; que pode e deve transformar, vencer, submeter todas as formas, não só novas como também antigas, não para conciliar-se com estas, mas para saber convertê-las todas, as novas e as velhas, numa arma da vitória completa e definitiva, decisiva e irremissível do comunismo.
Os comunistas devem consagrar todos os seus esforços para orientar o movimento operário e o desenvolvimento social em geral no sentido do caminho mais recto e rápido para a vitória mundial do Poder Soviético e da ditadura do proletariado. Trata-se de uma verdade indiscutível. Mas basta dar um pequeno passo além - ainda que pareça um passo dado na mesma direcção - para que essa verdade se transforme em erro. Basta dizer, como dizem os comunistas de esquerda alemães e ingleses, que não aceitamos senão um caminho, o caminho recto, que não admitimos manobras, acordos e compromissos, para que isso se torne um erro que pode causar, e em parte já causou e continua causando, os mais sérios prejuízos ao comunismo. O doutrinarismo de direita obstinou-se em não admitir senão as formas antigas e fracassou do modo mais completo por não ter percebido o novo conteúdo. O doutrinarismo de esquerda obstina-se em repelir incondicionalmente certas formas antigas, sem ver que o novo conteúdo abre caminho através de todas as espécies de formas e que o nosso dever de comunistas consiste em dominá-las todas, em aprender a completar umas com as outras e a substituir umas por outras com a máxima rapidez, em adaptar a nossa táctica a qualquer modificação dessa natureza, causada por uma classe que não seja a nossa ou por esforços que não sejam os nossos.
A revolução universal, que recebeu um impulso tão poderoso e foi acelerada com tanta intensidade pelos horrores, vilezas e abominações da guerra imperialista mundial e pela situação sem saída que esta originou, essa revolução estende-se e aprofunda-se com rapidez tão extraordinária, riqueza tão magnífica de formas sucessivas, com uma refutação prática tão edificante de todo doutrinarismo, que existem todos os motivos para acreditar que o movimento comunista internacional se curará rapidamente e por completo da doença infantil do comunismo “de esquerda”.
27 de Abril de 1920.
(a seguir)
(início)
Na Inglaterra ainda não existe o Partido Comunista, mas entre os operários observa-se um movimento comunista jovem, amplo, poderoso, que cresce com rapidez e permite que se alimentem as mais radiosas esperanças. Há alguns partidos e organizações políticas, (“Partido Socialista Britânico”, “Partido Socialista Operário”, “Sociedade Socialista do Sul de Gales”, “Federação Socialista Operaría” que desejam fundar o Partido Comunista e que, para isso, já fazem negociações entre si. The Workers Dreadnought (t. VI, n.º. 48, de 21/11/1920), semanário da última das organizações citadas, dirigido pela camarada Sylvia Pankhurst, publicou um artigo escrito por ela, intitulado Rumo ao Partido Comunista. Nele está exposta a marcha das negociações entre as quatro organizações citadas para constituir um Partido Comunista único, baseado na adesão à III Internacional e no reconhecimento, em vez do parlamentarismo, do sistema soviético e da ditadura do proletariado. Acontece que um dos principais obstáculos para a criação imediata de um Partido Comunista único é a falta de unanimidade no que concerne à participação no parlamento e à adesão do novo Partido Comunista ao velho “Partido Trabalhista” oportunista, social-chauvinista e corporativista, integrado predominantemente por trade-unions. A “Federação Socialista Operária” e o “Partido Socialista Operário”[1]pronunciam-se contra a participação nas eleições parlamentares e no parlamento, e contra a adesão ao “Partido Trabalhista”, discordando quanto a isso de todos ou da maioria dos membros do Partido Socialista Britânico, que, é, na sua opinião, “a ala direita dos Partidos Comunistas“ na Inglaterra (pág. 5, artigo citado de Sylvia Pankhurst).
A divisão fundamental é, portanto, a mesma que na Alemanha, malgrado as enormes diferenças de forma em que se manifestam as divergências (na Alemanha essa forma é muito mais parecida “com a russa” que na Inglaterra), além de muitas outras circunstâncias. Examinemos os argumentos dos “esquerdistas”.
Ao falar da participação no parlamento, a camarada Sylvia Pankhurst alude a uma carta à Redacção do camarada W. Gallacher, publicada no mesmo número, o qual, em nome do “Conselho Operário da Escócia”, de Glasgow, escreve:
"Este Conselho é definidamente antiparlamentarista e está apoiado pela ala esquerda de várias organizações políticas. Representamos o movimento revolucionário na Escócia, que pretende criar uma organização revolucionária nas indústrias (nos diversos sectores da produção) e um Partido Comunista, baseado em Comités sociais, no país inteiro. Durante muito tempo altercamos com os parlamentares oficiais. Não achamos necessário declarar-lhes guerra abertamente e eles temem iniciar o ataque contra nós.
Semelhante estado de coisas, porém, não pode prolongar-se muito. Nós triunfamos em toda a linha.
Os membros de base do Partido Trabalhista Independente da Escócia têm uma repugnância cada vez maior pela ideia do parlamento, e quase todos os grupos locais são partidários dos Sovietes (no texto inglês emprega--se o termo russo) ou Conselhos Operários. Sem dúvida, isso tem considerável importância para os senhores que consideram a política um meio de vida (como se fosse uma profissão) e põem em jogo todos os métodos para persuadir os seus membros a voltarem para o parlamentarismo. Os camaradas revolucionários não devem (todos os realces são do autor) apoiar esse bando. Nesse terreno, nossa luta será muito difícil. Um dos seus piores aspectos consistirá na traição daqueles cuja ambição pessoal é um motivo mais forte do que o interesse pela revolução. Qualquer apoio ao parlamentarismo equivale a contribuir para que o Poder caia nas mãos dos Scheidemann e Noske britânicos. Henderson. Clynes, & Cia são reaccionários irrecuperáveis. O Partido Trabalhista Independente oficial cai, cada vez mais sob o controle dos liberais burgueses, que encontraram um refúgio espiritual no campo dos senhores MacDonald, Snowden e companhia. O Partido Trabalhista Independente oficial é violentamente hostil à III Internacional, mas a massa é partidária dela. Apoiar, seja como for, os parlamentaristas oportunistas significa simplesmente fazer o jogo desses senhores. O Partido Socialista Britânico nada significa... Precisa-se é de uma boa organização revolucionária industrial e de um Partido Comunista que actue em bases claras, bem definidas, científicas. Se os nossos camaradas podem ajudar-nos a criar ambas as coisas, aceitaremos de bom gosto a ajuda; se não podem, por Deus, não se metam nisso, se não querem trair a Revolução apoiando os reaccionários, que tão cuidadosamente tratam de adquirir o "honroso" (?) (a interrogação é do autor) titulo de parlamentar e que ardem de desejos de demonstrar que são capazes de governar tão bem quanto os próprios “amos", os políticos de classe".
Esta carta à Redacção exprime admiravelmente, na minha opinião, o estado de espirito e o ponto de vista dos comunistas jovens e dos operários comuns que apenas começam a chegar ao comunismo. Esse estado de espírito é altamente consolador e valioso: é preciso saber apreciá-lo e apoiá-lo, porque sem ele seria para desanimar na vitória da revolução proletária na Inglaterra (e em qualquer outro país). É preciso conservar cuidadosamente e ajudar com toda a solicitude os homens que sabem expressar esse estado de ânimo das massas e suscitá-lo (pois muito amiúde ele permanece oculto, inconsciente, adormecido). Mas, ao mesmo tempo, é preciso dizer-lhes, clara e sinceramente que, por si só, esse espírito é insuficiente para dirigir as massas na grande luta revolucionária, e que esses ou outros erros em que podem incorrer ou incorrem os homens mais fiéis à causa revolucionária são capazes de prejudicá-la. A carta dirigida à Redacção pelo camarada Gallacher mostra de modo incontestável, o germe de todos os erros que cometem os comunistas “de esquerda” alemães e em que incorreram os bolcheviques “de esquerda” russos em 1908 e 1918.
O autor da carta está imbuído do mais nobre ódio proletário aos “políticos de classe “ da burguesia (ódio compreensível e susceptível de penetrar, por outro lado, não só nos proletários, como em todos os trabalhadores, todos os Kleinen Leuten (pequenos) para empregar a expressão alemã). Esse ódio de um representante das massas oprimidas e exploradas é, na verdade, o “princípio de toda a sabedoria”, a base de todo movimento socialista e comunista e dos seus êxitos. Mas o autor não leva em conta, pelo visto, que a política é uma ciência e uma arte que não caem do céu, que não se obtêm gratuitamente, e que se o proletariado quiser vencer a burguesia deve formar os seus próprios “políticos de classe” proletários, e de tal envergadura que não sejam inferiores aos políticos burgueses.
O autor compreendeu de modo admirável que não é o parlamento, e sim apenas os Sovietes operários que podem constituir o instrumento necessário do proletariado para atingir seus objectivos. E, naturalmente, quem até agora não compreendeu isso, é o pior dos reaccionários, mesmo que seja o homem mais culto, o político mais experiente, o socialista mais sincero, o marxista mais erudito, o mais honrado cidadão e chefe de família. Há, porém, uma questão que o autor não apresenta e nem sequer pensa que seja necessário apresentar; se se pode levar os Sovietes à vitória sobre o parlamento sem fazer com que os políticos pró-soviéticos entrem no parlamento, sem decompor o parlamentarismo estando dentro dele, sem preparar no interior do parlamento o êxito dos Sovietes no cumprimento de sua tarefa de acabar com o parlamento. Contudo, o autor exprime uma ideia absolutamente justa ao dizer que o Partido Comunista Inglês deve actuar em bases científicas. A ciência exige, em primeiro lugar, que se leve em conta a experiência dos demais países, sobretudo se esses países, também capitalistas, passam ou passaram há pouco por uma experiência bastante parecida; em segundo lugar, exige que se levem em conta todas as forças, todos os grupos, partidos, classes e massas que actuam dentro do pais considerado, em vez de determinar a política baseando-se exclusivamente nos desejos e opiniões, no grau de consciência e de preparação para a luta de um só grupo ou partido.
É certo que os Henderson, Clynes, MacDonald e Snowden são reaccionários irrecuperáveis. E também é certo que querem tomar o Poder (ainda que prefiram a coligação com a burguesia), que querem “governar”, de acordo com as rançosas normas burguesas e que, uma vez de posse do Poder, procederão inevitavelmente como os Scheidemann e os Noske. Tudo isso é verdade; mas dai não se deduz, absolutamente, que apoiá-los equivale a trair a revolução, mas sim que, no interesse dela, os revolucionários da classe operária devem conceder a esses senhores certo apoio parlamentar. Para tornar clara essa ideia usarei dois documentos políticos ingleses actuais: 1) o discurso pronunciado pelo Primeiro Ministro Lloyd George a 18 de Março de 1920 (segundo o texto do The Manchester Guardian de 19 do mesmo mês) e 2) os argumentos de uma comunista “de esquerda”, camarada Sylvia Pankhurst, no artigo citado.
No seu discurso, Lloyd George polemiza com Asquith (que fora convidado especialmente para a reunião, mas que se negou a assisti-la) e com aqueles liberais que querem uma aproximação com o Partido Trabalhista e não a coligação com os conservadores. (Na carta dirigida à Redacção pelo camarada Gallacher vimos também uma alusão à passagem de alguns liberais ao Partido Trabalhista Independente). Lloyd George demonstra que é necessária uma coligação dos liberais com os conservadores, inclusive uma coligação estreita, pois de outro modo a vitória pode ser alcançada pelo Partido Trabalhista, que Lloyd George “prefere chamar” de socialista e que aspira “à propriedade colectiva” dos meios de produção. “Na França isso se chamava comunismo” - explica em linguagem popular o chefe da burguesia inglesa a seus ouvintes, membros do Partido Liberal parlamentar, que, com certeza, até então ignoravam isso – “na Alemanha chamava-se socialismo; na Rússia chama-se bolchevismo”. Para os liberais isto é inadmissível por princípio, esclarece Lloyd George, pois os liberais são, por princípio, defensores da propriedade privada. “A civilização está em perigo”, declara o orador, razão por que devem unir-se liberais e conservadores...
“... Se vocês forem aos distritos agrícolas - diz Lloyd George - verão conservadas, reconheço, as antigas divisões do partido. Lá, o perigo está longe, não existe. Mas quando o perigo lá chegar, será tão grande como o é hoje em alguns distritos industriais. Quatro quintos de nosso país dedicam-se à Indústria e ao comércio; apenas um quinto vive da agricultura. Eis uma das circunstâncias que sempre tenho em mente quando penso nos perigos com que o futuro nos ameaça. Na França, a população é agrícola e por isso constitui uma base sólida de determinadas opiniões, base que não se modifica tão rapidamente e que não é facilmente excitável pelo movimento revolucionário. No nosso país a coisa é diferente. O nosso país é menos estável que qualquer outro, e se se começar a vacilar, a catástrofe aqui será, em virtude dos motivos citados, mais forte do que nos demais países".
Através dessas citações, o leitor pode perceber que o Sr. Lloyd George não só é muito inteligente, como também aprendeu muito com os marxistas. Nós também não faríamos nenhum mal em aprender com Lloyd George.
É igualmente interessante registar o seguinte episódio da discussão havida depois do discurso de Lloyd George:
"G. Wallace: Gostaria de perguntar como encara o primeiro ministro os resultados de sua política nos distritos industriais no que concerne aos operários industriais, muitos dos quais são hoje liberais e nos concedem tão grande apoio. Não se pode prever um resultado que provoque um aumento enorme da força do Partido Trabalhista por parte desses mesmos operários que hoje nos apoiam tão sinceramente?
O Primeiro Ministro: Sou de opinião completamente diferente. O facto de os liberais lutarem entre si leva, sem dúvida, um número bastante considerável deles, movidos pelo desespero, para as fileiras do Partido Trabalhista, onde há muitos liberais bastante capazes que hoje se ocupam em desacreditar o governo. O resultado dessa luta entre os liberais, evidentemente, é um importante movimento da opinião pública em favor do Partido Trabalhista. A opinião pública inclina-se não para os liberais que estão fora do Partido Trabalhista, mas sim para este, como mostram as eleições parciais".
Digamos, de passagem, que esses raciocínios provam de modo singular até que ponto se confundiram e não podem deixar de cometer desatinos irreparáveis os mais inteligentes homens da burguesia. É isto que a fará perecer. Os nossos camaradas podem até fazer tolices (contanto, é claro, que não sejam muito consideráveis e possam ser reparadas a tempo) e, não obstante, acabarão por triunfar.
O segundo documento político são as seguintes considerações da comunista “de esquerda” camarada Sylvia Pankhurst:
“...O camarada Inkpin (secretário do Partido Socialista Britânico) denomina o Partido Trabalhista de "a principal organização do movimento da classe operária". Outro camarada do Partido Socialista Britânico expressou ainda com mais relevo o ponto de vista desse partido na Conferência da III Internacional. "Consideramos o Partido Trabalhista - disse - como a classe operária organizada".
Não compartilhamos dessa opinião a respeito do Partido Trabalhista. Ele é muito importante do ponto de vista numérico, embora os seus membros sejam, em grande parte, inertes e apáticos; trata-se de operários e operárias que entraram para as trade-unions porque os seus companheiros de oficina são trade-unionistas e porque desejam receber seguros e pensões.
Reconhecemos, porém, que a importância numérica do Partido Trabalhista obedece também ao facto de ser esse partido fruto de uma escola de pensamento, cujos limites ainda não foram ultrapassados pela maioria da classe operária britânica, embora se preparem grandes modificações na mentalidade do povo que transformarão brevemente esse estado de coisas..."
“... O Partido Trabalhista Britânico, como as organizações social-patriotas dos demais países, chegará inevitavelmente ao Poder pelo caminho natural do desenvolvimento social. O dever dos comunistas consiste em organizar as forças que derrubarão os social-patriotas, e no nosso país não devemos vacilar nem retardar essa acção.
Não devemos dispersar as nossas energias aumentando as forças do Partido Trabalhista; o seu advento no Poder é inevitável. Devemos concentrar as nossas forças na criação de um movimento comunista que derrote esse partido. Dentro de pouco tempo o Partido Trabalhista estará no governo; a oposição revolucionária deve estar preparada para empreender o ataque contra ele..."
Assim, pois, a burguesia liberal renuncia ao sistema dos “dois partidos” (dos exploradores), consagrado no transcurso da história por uma experiência secular e extremamente proveitoso para os exploradores, considerando necessária a união de suas forças a fim de lutar contra o Partido Trabalhista. Uma parte dos liberais, como os ratos de um navio que afunda, corre para o Partido Trabalhista. Os comunistas de esquerda consideram inevitável a passagem do Poder para as mãos do Partido Trabalhista e reconhecem que a maior parte dos operários está actualmente a favor desse partido. De tudo isso, chegam à estranha conclusão assim formulada pela camarada Sylvia Pankhurst:
"O Partido Comunista não deve assumir compromissos... Deve conservar pura a sua doutrina e imaculada a sua independência frente ao reformismo; a sua missão é marchar na vanguarda, sem se deter ou desviar do caminho, avançar em linha recta em direcção à Revolução Comunista".
Pelo contrário, do facto de a maioria dos operários da Inglaterra ainda seguir os Kerenski e os Scheidemann ingleses de não ter passado "ainda pela experiência de um governo formada por esses homens - experiência que foi necessária tanto na Rússia como na Alemanha para que os operários se passassem em massa para o comunismo deduz-se de modo infalível que os comunistas ingleses devem participar do parlamentarismo, devem, dentro do parlamento, ajudar a massa operária a ver na prática os efeitos do governo dos Henderson e dos Snowden, devem ajudar os Henderson e Snowden a derrotarem a coligação de Lloyd George e Churchill. Proceder de outro modo significa dificultar a marcha da revolução, pois se não se produz uma modificação nas opiniões da maioria da classe operária, a revolução torna-se impossível; e essa modificação consegue-se através da experiência política das massas, e nunca apenas com a propaganda. A palavra de ordem: “Avante sem compromissos, sem se desviar do caminho!” é claramente errada, se quem a propala é uma minoria evidentemente impotente de operários que sabe (ou, pelo menos, deve saber) que dentro de pouco tempo, no caso de Henderson e Snowden triunfarem sobre Lloyd George e Churchill, a maioria perderá a fé nos seus chefes e apoiará o comunismo (ou, em todo caso, adoptará uma atitude de neutralidade e, na maioria, de neutralidade simpática em relação aos comunistas). É a mesma coisa que se 10.000 soldados se lançassem ao combate contra 50.000 inimigos no momento em que é necessário “deter-se”, "afastar-se do caminho”, e até concertar um “compromisso” para esperar a chegada de um reforço prometido de 100.000 homens, que não podem entrar em acção imediatamente. É uma infantilidade própria de intelectuais e não uma táctica séria da classe revolucionária.
A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções, e em particular pelas três revoluções russas do século XX, consiste no seguinte: para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuar a viver como vivem e exijam transformações; para a revolução é necessário que os exploradores não possam continuar a viver e a governar como vivem e governam. Só quando os “de baixo” não querem e os “de cima” não podem continuar a viver à moda antiga é que a revolução pode triunfar. Com outras palavras, esta verdade exprime-se do seguinte modo: a revolução é impossível sem uma crise nacional geral (que afecte explorados e exploradores). Por conseguinte, para fazer a revolução é preciso conseguir, em primeiro lugar, que a maioria dos operários (ou, em todo caso, a maioria dos operários conscientes, pensantes, politicamente activos) compreenda a fundo a necessidade da revolução e esteja disposta a sacrificar a vida por ela; em segundo lugar, é preciso que as classes dirigentes atravessem uma crise governamental que atraia à política inclusive as massas mais atrasadas (o sintoma de toda revolução verdadeira é a decuplicação ou centuplicação do número de homens aptos para a luta política, homens pertencentes à massa trabalhadora e oprimida, antes apática), que reduza o governo à impotência e torne possível seu rápido derrube pelos revolucionários.
Na Inglaterra, e exactamente o discurso de Lloyd George o demonstra, entre outras coisas, desenvolvem-se a olhos vistos as duas condições de uma revolução proletária vitoriosa. E os erros dos comunistas de esquerda representam actualmente um singular perigo, precisamente porque observamos em alguns revolucionários uma atitude pouco ponderada, pouco atenta, pouco consciente, pouco reflexiva com relação a cada um desses factores. Se somos o partido da classe revolucionária, e não um grupo revolucionário, se queremos atrair as massas (sem o que corremos o risco de não passar de simples charlatães) devemos: em primeiro lugar, ajudar Henderson ou Snowden a vencer Lloyd George e Churchill (mais exactamente: devemos obrigar os primeiros a vencer os segundos, pois os primeiros têm medo de sua própria vitória!); em segundo lugar, ajudar a maioria da classe operária a convencer-se por experiência própria de que temos razão, isto é, da incapacidade completa dos Henderson e Snowden, de sua natureza pequeno-burguesa e traidora, da inevitabilidade de sua falência; e, em terceiro lugar, antecipar o momento em que, sobre a base da desilusão produzida pelos Henderson na maioria dos operários, se possa, com grandes probabilidades de êxito, derrubar de golpe o governo dos Henderson. Se inclusive Lloyd George, político inteligentíssimo e resoluto, que não é pequeno burguês, mas sim grande burguês, enfraquece cada vez mais (como toda a burguesia), ontem pelas suas “rusgas” com Churchill e hoje pelas suas “rusgas” com Asquith, perde a cabeça, com muito mais facilidade a perderão os Henderson.
Falarei de modo mais concreto. Os comunistas ingleses devem, na minha opinião, unificar os seus quatro partidos e grupos (todos muito débeis e alguns extraordinariamente débeis) num Partido Comunista único, baseado nos princípios da III Internacional e da participação obrigatória no parlamento. O Partido Comunista propõe aos Henderson e Snowden um “compromisso”, um acordo eleitoral: marchemos juntos contra a coligação de Lloyd George e conservadores, repartamos os postos no parlamento proporcionalmente aos votos dados pelos operários ao Partido Trabalhista ou aos comunistas (não nas eleições, mas numa votação especial) conservemos a mais completa liberdade, de agitação, propaganda e acção política. Sem esta última condição é impossível, naturalmente, fazer a aliança, pois seria uma traição. Os comunistas ingleses devem reivindicar e alcançar a mais completa liberdade, que lhes permita, desmascarar os Henderson e Snowden, de modo tão absoluto como o fizeram (durante 15 anos, de 1903 a 1917) os bolcheviques russos em relação aos Henderson e Snowden da Rússia, isto é, aos mencheviques.
Se os Henderson e Snowden aceitarem a aliança nestas condições, sairemos ganhando, pois o que nos interessa não é, absolutamente, o número de cadeiras no parlamento. Não é esse o nosso objectivo; nesse ponto seremos transigentes (enquanto os Henderson e, sobretudo, seus novos amigos – ou seus novos amos – os liberais que ingressaram no Partido Trabalhista, correm atrás disso mais que de qualquer outra coisa). Teremos ganho porque levaremos a nossa agitação às massas num momento em que o próprio Lloyd George as terá “irritado’, e ajudaremos não só o Partido Trabalhista a formar mais depressa o seu governo, como também as massas a compreenderem melhor toda a nossa propaganda comunista, que realizaremos contra os Henderson sem nenhuma limitação, sem nada silenciar.
Se os Henderson e Snowden repelirem a aliança connosco, nessas condições, teremos ganho ainda mais, pois teremos mostrado na hora às massas (levem em conta que inclusive dentro do Partido Trabalhista Independente, puramente menchevique, completamente oportunista, as massas são partidárias dos Sovietes) que os Henderson preferem a intimidade com os capitalistas à união de todos os trabalhadores. Teremos ganho imediatamente ante a massa, a qual, sobretudo depois das explicações brilhantíssimas, extremamente acertadas e úteis (para o comunismo) dadas por Lloyd George, simpatizará com a ideia da união de todos os operários contra a coligação de Lloyd George com os conservadores. Teremos ganho desde o primeiro momento, pois teremos demonstrado às massas que os Henderson e Snowden receiam vencer Lloyd George, receiam tomar o Poder sozinhos e aspiram a conseguir o apoio secreto de Lloyd George, que estende a mão abertamente aos conservadores contra o Partido Trabalhista. É preciso lembrar que na Rússia, depois da revolução de 27 de Fevereiro de 1917 (calendário antigo), o êxito da propaganda dos bolcheviques contra os mencheviques e socialistas revolucionários (isto é, os Henderson e Snowden russos) foi devido precisamente às mesmas circunstâncias. Dizíamos aos mencheviques e aos socialistas revolucionários: tomem todo o Poder sem a burguesia, posto que vocês têm a maioria nos Sovietes (no I Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, celebrado em Junho de 1917, os bolcheviques não tinham mais que 13% dos votos). Mas os Henderson e Snowden russos tinham medo de tomar o Poder sem a burguesia, e quando esta adiou as eleições para a Assembleia Constituinte porque sabia perfeitamente que os socialistas revolucionários e os mencheviques alcançariam a maioria[2] (ambos formavam um bloco político muito estreito, representavam praticamente uma só democracia pequeno-burguesa), os socialistas revolucionários e os mencheviques ficaram impotentes para lutar com energia e até ao fim contra esses adiamentos.
Se os Henderson e Snowden se negassem a formar uma aliança com os comunistas, estes sairiam ganhando de imediato, pois conquistariam a simpatia das massas, enquanto os Henderson e Snowden ficariam desacreditados. Pouco nos importaria então perder algumas cadeiras no parlamento por causa disso. Só apresentaríamos candidatos num número ínfimo de circunscrições absolutamente seguras, isto é, onde isto não representasse a vitória de um liberal contra um trabalhista. Realizaríamos a nossa campanha eleitoral distribuindo volantes de propaganda do comunismo e convidando o povo, em todas as circunscrições em que não apresentássemos candidato, a votar no candidato trabalhista contra o candidato burguês. Enganam-se os camaradas Sylvia Pankhurst e Gallacher se vêem nisso uma traição ao comunismo ou uma renúncia à luta contra os social-traidores. Pelo contrário, não há dúvida de que a causa da revolução sairia ganhando.
Hoje em dia, é muito difícil para os comunistas ingleses inclusive aproximar-se das massas, fazer com que elas os ouçam. Contudo, se me apresentar como comunista e, ao mesmo tempo, convidar a votar em Henderson contra Lloyd George, é certo que serei ouvido. E poderei explicar de modo acessível não só por que os Sovietes são melhores que o parlamento e a ditadura do proletariado melhor que a ditadura de Churchill (mascarada sob o rótulo de “democracia” burguesa), como também por que eu gostaria de sustentar Henderson com o meu voto do mesmo modo que a corda sustenta o enforcado; que a aproximação dos Henderson a um governo formado por eles mesmos demonstrará a minha razão, atrairá as massas para o meu lado e acelerará a morte política dos Henderson e Snowden, exactamente como aconteceu com os seus correligionários na Rússia e na Alemanha.
E se replicarem dizendo que esta táctica é muito “astuta” ou complicada, que as massas não a compreenderão, que dispersará e desagregará as nossas forças impedindo-nos de concentrá-las na revolução soviética, etc., responderei aos meus contestadores “de esquerda”: não atribuam às massas o seu próprio doutrinarismo! É de se supor que na Rússia as massas não são mais cultas, mas, pelo contrário, que são menos cultas que na Inglaterra. Apesar disso, compreenderam os bolcheviques; e, em vez de prejudicá-los, favoreceu-os o facto de, nas vésperas da revolução soviética de Setembro de 1917, comporem listas de candidatos seus ao parlamento burguês (à Assembleia Constituinte) e tomarem parte, no dia seguinte à revolução soviética de Novembro de 1917, nas eleições para essa mesma Constituinte, dissolvida por eles no dia 5 de Janeiro de 1918.
Não posso examinar pormenorizadamente a segunda divergência entre os comunistas ingleses, consistente em se devem ou não aderir ao Partido Trabalhista. Tenho pouquíssimos dados sobre essa questão extremamente complexa, dada a extraordinária originalidade do “Partido Trabalhista” Britânico, muito pouco parecido estruturalmente com os habituais partidos políticos do continente europeu. Mas não há dúvida de que, em primeiro lugar, também incorre inevitavelmente em erro quem deduz a táctica do proletariado revolucionário de princípios como este: “O Partido Comunista deve conservar pura a sua doutrina e imaculada a sua independência frente ao reformismo; a sua missão é marchar na vanguarda, sem se deter ou desviar do seu caminho, avançar em linha recta em direcção à Revolução Comunista”. Princípios como este só fazem repetir o erro dos comunardos-blanquistas franceses, que em 1874 proclamavam a “negação” de todo compromisso e de toda etapa intermediária. Em segundo lugar, não há dúvida de que nesse ponto a tarefa consiste, como sempre, em saber aplicar os princípios gerais e fundamentais do comunismo às peculiaridades das relações entre as classes e os partidos, às características específicas do desenvolvimento objectivo rumo ao comunismo, próprias a cada pais e que é necessário saber estudar, descobrir e adivinhar.
Mas é preciso falar a respeito disso não só em relação ao comunismo inglês, mas sim em relação às conclusões gerais que se referem ao desenvolvimento do comunismo em todos os países capitalistas. Este é o tema que vamos abordar agora.
(início)
Os comunistas “de esquerda” alemães, com o maior desdém – e a maior leviandade – respondem negativamente a esta pergunta. Quais os seus argumentos? Lemos na citação anteriormente reproduzida:
"...rejeitar do modo mais categórico todo o retorno aos métodos de luta parlamentares, que já caducaram histórica e politicamente...".
Isto está dito num tom ridiculamente presunçoso e é uma falsidade evidente. “Retorno” ao parlamentarismo! Acaso existe já na Alemanha uma república soviética? Parece que não. Então, como se pode falar de “retorno”? Não é isto uma frase vazia?
O parlamentarismo “caducou historicamente”. Isto é certo do ponto de vista da propaganda. Mas ninguém ignora que daí à sua superação prática vai uma enorme distância. Há já muitas décadas que se podia dizer, com inteira razão, que o capitalismo “tinha caducado historicamente”; mas isso não impede, antes pelo contrário, que sejamos obrigados a sustentar uma luta muito prolongada e tenaz no terreno do capitalismo. O parlamentarismo “caducou historicamente” do ponto de vista histórico-universal, quer dizer, terminou a época do parlamentarismo burguês, começou a época da ditadura do proletariado. Isto é indiscutível. Mas na história universal o tempo conta-se por décadas. Sob este ponto de vista, dez ou vinte anos a mais ou a menos, não tem importância, é uma pequenez impossível de apreciar, mesmo aproximadamente. Por isso, a utilização da escala da história universal numa questão de política prática constitui o erro teórico mais escandaloso.
O parlamentarismo “caducou politicamente”? Isto é já outra questão. Se fosse assim, estaria certa a posição dos esquerdistas”. Mas isso tem que ser provado com uma análise muito séria, e os esquerdistas nem sequer sabem como abordá-la. Também não vale um tostão, como veremos, a análise contida nas Teses. Sobre o Parlamentarismo, publicadas no número 1 do Boletim do Comité Provisório de Amsterdão da Internacional Comunista (Bulletín of the Provisional Bureau in Amsterdam of Communist International, February – 1920) e que exprimem claramente as tendências esquerdistas dos holandeses, ou as tendências holandesas dos esquerdistas.
Em primeiro lugar, os “esquerdistas” alemães, como se sabe, já em Janeiro de 1919, consideravam que o parlamentarismo tinha “caducado politicamente”, a despeito da opinião de dirigentes políticos tão destacados como Rosa de Luxemburgo e Karl Leibknecht. Sabe-se que os “esquerdistas” se equivocaram. Este facto é suficiente para destruir num golpe e pela raiz a tese de que o parlamentarismo “caducou politicamente”. Os “esquerdistas” têm a obrigação de demonstrar qual a razão por que o seu erro indiscutível de então, o deixou de ser hoje. Mas não apresentam, nem podem apresentar, a menor sombra de prova. A atitude de um partido político, ante os seus erros, é um dos critérios mais importantes e mais rigorosos para julgar da seriedade desse partido e do efectivo cumprimento de seus deveres para com a classe e as massas trabalhadoras. Reconhecer abertamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que lhes deu origem e discutir atentamente os meios de os corrigir: isso é o que caracteriza um partido sério; nisso consiste o cumprimento dos seus deveres; isso é educar e instruir a classe e, depois, as massas. Ao não cumprir esse dever nem estudar com toda a atenção, zelo e prudência necessários os seus erros evidentes, os “esquerdistas” da Alemanha (e da Holanda) mostram precisamente, que não são o partido da classe, mas um círculo, que não são o partido das massas, mas um grupo de intelectuais e de um reduzido número de operários que imitam os piores aspectos dos intelectualóides.
Em segundo lugar, no mesmo folheto do grupo “de esquerda” de Francoforte, de que, mais acima, fizemos detalhadas citações, lemos:
"…os milhões de operários que seguem ainda a política do centro" (do partido católico do “centro”) "são contra-revolucionários. Os proletários do campo formam as legiões dos exércitos contra-revolucionários". (pág. 3 do citado folheto).
Tudo indica que isso é dito com um ênfase e um exagero excessivos. Mas o facto fundamental aqui exposto é indiscutível, e o seu reconhecimento pelos “esquerdistas” atesta seu erro com particular evidência. Com efeito, como se pode dizer que o “parlamentarismo caducou politicamente”, se “milhões” e “legiões” de proletários são ainda não só partidários do parlamentarismo em geral, mas até mesmo francamente “contra-revolucionários”!? é evidente que o parlamentarismo na Alemanha ainda não caducou politicamente. É evidente que os “esquerdistas” da Alemanha tomaram o seu desejo, a sua atitude político-ideológica por uma realidade objectiva. Para os revolucionários este é o mais perigoso dos erros. Na Rússia, onde o jugo sumamente selvagem e feroz do czarismo deu origem, durante um período extremamente prolongado e com formas particularmente variadas, a revolucionários de todos os matizes, revolucionários de uma abnegação, entusiasmo, heroísmo e força de vontade assombrosos, pudemos observar muito de perto, estudar com singular atenção e conhecer detalhadamente este erro dos revolucionários, razão pela qual o vemos nos outros com particular clareza. Como é natural, para os comunistas da Alemanha o parlamentarismo “caducou politicamente”; mas o que é preciso é pensar que o caduco para nós tenha caducado para a classe, para as massas. Uma vez mais, aqui vemos que os “esquerdistas” não sabem raciocinar, não sabem conduzir-se como o partido da classe, como o partido das massas. O vosso dever consiste em não descer ao nível das massas, ao nível dos sectores atrasados da classe. Isto é indiscutível. Tendes a obrigação de dizer-lhes a verdade amarga; de dizer-lhes que seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares são isso mesmo: preconceitos. Mas, ao mesmo tempo, deveis observar com serenidade o estado real de consciência e de preparação precisamente de toda a classe (e não só da sua vanguarda comunista), de toda a massa trabalhadora (e não apenas dos seus elementos avançados).
Mesmo que não fossem “milhões” e “legiões”, mas uma simples minoria bastante considerável de operários industriais que seguisse os padres católicos, e de assalariados agrícolas que seguisse os latifundiários e camponeses ricos (Grossbauern), poderíamos assegurar, sem vacilar, que na Alemanha o parlamentarismo ainda não caducou politicamente, que a participação nas eleições parlamentares e na luta através da tribuna parlamentar, é obrigatória para o partido do proletariado revolucionário, precisamente para educar os sectores atrasados da sua classe, precisamente para despertar e instruir a massa aldeã inculta, oprimida e ignorante. Enquanto não tiverdes força para dissolver o parlamento burguês e qualquer outra instituição reaccionária, sois obrigados a actuar no seio das ditas instituições, precisamente porque ainda há nelas operários idiotizados pelo clero e pela vida nos lugares mais afastados do campo. Em caso contrário, correis o risco de vos converterdes em simples charlatães.
Em terceiro lugar, de tão pródigos que são em elogios aos bolcheviques, às vezes, dá vontade de dizer aos comunistas “de esquerda”: gabem-nos menos, mas compreendam melhor a táctica dos bolcheviques, familiarizem- -se mais com ela! Participámos nas eleições ao parlamento burguês da Rússia, à Assembleia Constituinte, em Setembro-Novembro de 1917. Era ou não correcta a nossa táctica? Se o não era, há que dizê-lo com clareza e demonstrá-lo; isso é indispensável para que o comunismo internacional elabore a táctica justa. Se o era, devem tirar-se daí as conclusões que se impõem. Como é natural, nem sequer se trata de equiparar as condições da Rússia às da Europa Ocidental. Porém, quando se trata, em especial, do significado que tem a ideia de que “o parlamentarismo caducou politicamente”, é obrigatório ter em conta com toda a exactidão a nossa experiência, pois sem tomar em consideração uma experiência concreta, estas ideias convertem-se em frases vazias, com excessiva facilidade. Acaso não tínhamos Nós, bolcheviques russos, em Setembro-Novembro de 1917, mais direito que todos os comunistas do Ocidente, de considerar que o parlamentarismo tinha sido politicamente ultrapassado na Rússia? Tínhamo-lo, naturalmente, pois a questão não estava em saber se os parlamentos burgueses existem há muito ou há pouco tempo, mas em saber em que medida as grandes massas trabalhadoras estão preparadas (ideológica, politica e praticamente) para aceitar o regime soviético o dissolver (ou permitir a dissolução) do parlamento democrático-burguês. Que a classe operária das cidades, os soldados e os camponeses da Rússia estavam, em Setembro-Novembro de 1917, em virtude de uma série de condições particulares, excepcionalmente preparados para adoptar o regime soviético e dissolver o parlamento burguês mais democrático, é um facto histórico absolutamente indiscutível e plenamente estabelecido. E, não obstante, os bolcheviques não boicotaram a Assembleia Constituinte, mas participaram nas eleições, tanto antes como depois da conquista do poder político pelo proletariado. Que as eleições deram um resultado político de extraordinário valor (e de suma utilidade para o proletariado) é um facto que creio ter demonstrado no artigo aludido mais acima, onde analiso detalhadamente os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte da Rússia.
A conclusão que daí se tira é absolutamente indiscutível: está provado que, mesmo umas semanas antes da vitória da República Soviética, mesmo depois dessa vitória, a participação num parlamento democrático-burguês, longe de prejudicar o proletariado revolucionário, permite-lhe demonstrar mais facilmente às massas atrasadas porque é que tais parlamentos devem ser dissolvidos, facilita o êxito da sua dissolução, facilita a “supressão política do parlamentarismo burguês”. Não ter em conta essa experiência e pretender, ao mesmo tempo, pertencer à Internacional Comunista, que deve elaborar a sua táctica internacionalmente (não uma táctica estreita ou de carácter estritamente nacional, mas exactamente uma táctica internacional), significa incorrer no mais profundo dos erros e precisamente afastar-se de facto do internacionalismo, ainda que este seja proclamado em palavras.
Consideremos agora os argumentos “esquerdistas holandeses” a favor da não participação nos parlamentos. Eis a 4.ª tese, a mais importante das teses “holandesas” citadas mais acima, traduzida do inglês:
"Quando o sistema capitalista de produção é destroçado e a sociedade atravessa um período revolucionário, a acção parlamentar perde gradualmente o seu valor, em comparação com a acção das próprias massas. Quando, nestas condições, o parlamento se converte no centro e em órgão da contra-revolução e, por outro lado, a classe operária cria os instrumentos do seu poder na forma dos Sovietes, pode ser mesmo necessário renunciar a toda a participação na acção parlamentar".
A primeira frase é evidentemente falsa, pois a acção das massas – por exemplo, uma grande greve – é sempre mais importante que a acção parlamentar, e não só durante a revolução ou numa situação revolucionária. Este argumento, de indubitável inconsistência e falso histórica e politicamente, não consegue senão mostrar com particular evidência que os autores desprezam em absoluto a experiência de toda a Europa (da França nas vésperas das revoluções de 1848 e 1870, da Alemanha entre 1878 e 1890, etc.) e da Rússia (veja-se mais acima) sobre a importância da combinação da luta legal com a ilegal. Esta questão tem a maior importância, tanto no geral como no particular, porque em todos os países civilizados e adiantados se aproxima a passos largos a época em que a dita combinação será, e é-o já em parte, cada vez mais obrigatória para o partido do proletariado revolucionário, em consequência do amadurecimento e da proximidade da guerra civil do proletariado contra a burguesia, em consequência das ferozes perseguições de que são objecto os comunistas por parte dos governos republicanos e, em geral, burgueses, que violam por todos os meios a legalidade (como exemplo disso basta citar os Estados Unidos), etc. Esta questão essencial, não é inteiramente compreendida pelos holandeses e esquerdistas em geral.
A segunda frase é, em primeiro lugar, historicamente falsa. Nós, bolcheviques, actuámos nos parlamentos mais contra-revolucionários e a experiência demonstrou que tal participação foi não só útil mas também necessária para o partido do proletariado revolucionário, precisamente depois da primeira revolução burguesa na Rússia (1905), a fim de preparar a segunda revolução burguesa (Fevereiro de 1917) e, logo depois, a revolução socialista (Outubro de 1917), Em segundo lugar, a dita frase é dum ilogismo surpreendente. Que o parlamento se converta em órgão e centro (diga-se, de passagem, que nunca foi nem pode ser, na realidade, o “centro”) da contra-revolução e que os operários criem os instrumentos de seu poder na forma de Sovietes conclui-se que os operários devem preparar-se ideológica, política e tecnicamente para a luta dos Sovietes contra o Parlamento, pela dissolução do parlamento pelos Sovietes. Mas daí, de modo nenhum não se deduz que tal dissolução seja dificultada, ou não seja facilitada, pela presença de uma oposição soviética no seio de um parlamento contra-revolucionário. Jamais notámos, durante a nossa luta vitoriosa contra Denikin e Kolchak, que a existência de uma oposição proletária, soviética, na zona por eles ocupada, fosse indiferente para os nossos triunfos. Sabemos muito bem que a dissolução da Constituinte, efectuada por nós no dia 5 de Janeiro de 1918, longe de ser dificultada, foi facilitada pela presença na Constituinte contra-revolucionária que dissolvíamos, tanto duma oposição soviética consequente, a bolchevique, como de uma oposição soviética inconsequente, a dos socialistas revolucionários de esquerda. Os autores da tese confundiram-se por completo e esqueceram a experiência de uma série de revoluções, senão mesmo de todas, que confirma a singular utilidade que representa, em tempos de revoluções, combinar a acção das massas fora do parlamento reaccionário com uma oposição simpatizante da revolução (ou, melhor ainda, que a apoia francamente) dentro desse parlamento. Os holandeses e os “esquerdistas” em geral, raciocinam neste caso como doutrinadores da revolução que nunca tomaram parte numa verdadeira revolução, ou nunca reflectiram na história das revoluções, ou que tomam ingenuamente “a negação” subjectiva de certa instituição reaccionária pela sua destruição efectiva mediante o conjunto de forças duma série de factores objectivos. O meio mais seguro de desacreditar uma nova ideia política (e não somente política) e de prejudicá-la, consiste em levá-la até ao absurdo com o pretexto de a defender, pois toda verdade, se a tornarmos “exorbitante” (como dizia Dietzgen, pai), se a exagerarmos e a estendermos além dos limites a que é realmente aplicável, pode ser levada ao absurdo e, nessas condições, converte-se infalivelmente num absurdo. Tal é o fraco serviço que os esquerdistas da Holanda e da Alemanha prestam à nova verdade da superioridade do Poder soviético sobre os parlamentos democrático-burgueses. Como é natural, incorreria em erro quem continuasse a sustentar, de modo geral, a velha afirmação de que a abstenção da participação nos parlamentos burgueses é inadmissível em todas as circunstâncias. Não posso tentar formular aqui as condições em que é útil o boicote, já que o objectivo deste folheto é muito mais modesto: analisar a experiência russa em relação a algumas questões actuais da táctica comunista internacional. A experiência russa mostra-nos uma aplicação feliz e correcta (1905) e outra equivocada (1906) do boicote pelos bolcheviques. Analisando o primeiro caso, vemos que: os bolcheviques conseguiram impedir a convocação do parlamento reaccionário pelo poder reaccionário num momento em que a acção revolucionária extraparlamentar das massas (em particular as greves) crescia com excepcional rapidez, em que não havia nem um só sector do proletariado e do campesinato que de algum modo pudesse apoiar o poder reaccionário, em que a influência do proletariado revolucionário sobre as grandes massas atrasadas estava assegurada pela luta grevista e pelo movimento camponês. É totalmente evidente que esta experiência é inaplicável às actuais condições europeias. E salta também completamente aos olhos – em virtude dos argumentos expostos mais acima – que a defesa, mesmo condicional, da renúncia à participação nos parlamentos, feita pelos holandeses e “esquerdistas”, é radicalmente falsa e nociva para a causa do proletariado revolucionário.
Na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, o parlamento tornou-se extremamente odioso para a vanguarda revolucionária da classe operária. É um facto indiscutível. E compreende-se perfeitamente, pois é difícil imaginar maior vilania, abjecção e felonia que a conduta da imensa maioria dos deputados socialistas e social-democratas no parlamento, durante a guerra e depois dela. Porém, seria não só insensato mas francamente criminoso, aquele que se deixasse levar por estes sentimentos ao decidir a questão de como se deve lutar contra o mal universalmente reconhecido. Pode-se dizer que, em muitos países da Europa Ocidental, o estado de espírito revolucionário é ainda uma “novidade”, uma “raridade” aguardada há demasiado tempo, em vão e com paciência, razão pela qual, provavelmente, predomina com tanta facilidade. Como é natural, sem um estado de espírito revolucionário das massas e sem condições que favoreçam o desenvolvimento desse sentimento, a táctica revolucionária não se transformará em acção; porém, na Rússia, uma experiência demasiado longa, dura e sangrenta convenceu-nos que é impossível basearmo-nos exclusivamente no estado de espírito revolucionário para criar uma táctica revolucionária. A táctica deva ser elaborada tomando serenamente em consideração, com estrita objectividade, todas as torças de classe do Estado em questão (e dos Estados que o rodeiam, e de todos os Estados à escala mundial), assim como a experiência dos movimentos revolucionários. Manifestar o “revolucionarismo” somente por meio de invectivas contra o oportunismo parlamentar, somente condenando a participação nos parlamentos, é facílimo; mas precisamente porque é demasiado fácil, não é a solução para um problema difícil, dificílimo. Nos parlamentos europeus é muito mais difícil do que na Rússia criar um grupo parlamentar verdadeiramente revolucionária. Sem dúvida. Porém isso não é mais do que uma expressão parcial da verdade geral de que, na situação concreta de 1917, extraordinariamente original do ponto de vista histórico, foi fácil à Rússia começar a revolução socialista, mas continuá-la e levá-la até ao fim, será mais difícil do que aos países europeus. Já no começo de 1918, tive oportunidade de assinalar essa circunstância, e a experiência dos dois anos decorridos desde então, veio confirmar inteiramente a justeza de tal consideração. Condições específicas como foram: 1) a possibilidade de conjugar a revolução soviética com a cessação, graças a ela, da guerra imperialista, que extenuara indescritivelmente os operários e camponeses; 2) a possibilidade de tirar proveito, durante certo tempo, da luta de morte em que estavam envolvidos os dois grupos mais poderosos dos tubarões imperialistas do mundo, grupos que não podiam coligar-se contra o inimigo soviético; 3) a possibilidade de suportar uma guerra civil relativamente longa, em parte pela extensão gigantesca do país e pelas suas deficientes comunicações; 4) a existência entre os camponeses de um movimento democrático-burguês tão profundo que o partido do proletariado fez suas as reivindicações revolucionárias do partido dos camponeses (do partido socialista revolucionário, profundamente hostil, na sua maioria, ao bolchevismo) e realizou-as graças à conquista do poder político pelo proletariado; hoje na Europa Ocidental não existem tais condições específicas, e a repetição dessas condições ou de outras análogas não é nada fácil. Por isso, entre outras razões, é mais difícil para a Europa Ocidental começar a revolução socialista do que a nós. Tratar de “esquivar-se” a essa dificuldade “saltando” por cima do árduo problema de utilizar os parlamentos reaccionários para fins revolucionários é puro infantilismo. Quereis criar uma sociedade nova e temeis as dificuldades de criar uma boa fracção parlamentar de comunistas convictos, abnegados e heróicos num parlamento reaccionário! Acaso não é isso um infantilismo? Se Karl Liebknecht na Alemanha e Z. Höglund na Suécia souberam, mesmo sem o apoio das massas da base dar um exemplo de utilização realmente revolucionária dos parlamentos reaccionários, como é possível que um partido revolucionário de massas que cresce rapidamente não possa, no meio das desilusões e de ira do após-guerra das massas, forjar nos piores parlamentos uma fracção comunista?! precisamente porque as massas atrasadas de operários e – mais ainda – de pequenos camponeses estão muito mais imbuídas de preconceitos democrático-burgueses e parlamentaristas na Europa Ocidental do que na Rússia, precisamente por isso, somente no seio de instituições como os parlamentos burgueses, os comunistas podem (e devem) travar uma luta prolongada e tenaz, sem retroceder perante nenhuma dificuldade, para denunciar, desvanecer e superar os ditos preconceitos.
Os “esquerdistas” alemães queixam-se dos maus “chefes” do seu partido e caem no desespero, chegando ao ridículo de negar os “chefes”. Porém, em circunstâncias que obrigam frequentemente a mantê-los na clandestinidade, a formação de “chefes” bons, seguros, provados e prestigiosos torna-se particularmente difícil e é impossível vencer semelhantes dificuldades sem a combinação do trabalho legal com o ilegal, sem fazer passar os “chefes”, entre outras provas, também pela do parlamento. A crítica – a mais implacável, violenta e intransigente – deve dirigir-se não contra o parlamentarismo ou a acção parlamentar, mas contra os chefes que não sabem – e mais ainda contra os que não querem – utilizar as eleições parlamentares e a tribuna parlamentar de maneira revolucionária, de maneira comunista. Somente esta crítica – unida, naturalmente, à expulsão dos chefes incapazes e à sua substituição por outros mais capazes – constituirá um trabalho revolucionário proveitoso e fecundo, que educará simultaneamente os “chefes”, para que sejam dignos da classe operária e das massas trabalhadoras, e as massas, para que aprendam a orientar-se como é necessário na situação política e compreender as tarefas, amiúde extremamente complexas e confusas, que decorrem dessa situação[1].
Na citação do folheto de Francoforte já vimos o tom decidido com que os “esquerdistas” lançam esta palavra de ordem. É triste ver como pessoas que, sem dúvida, se consideram marxistas e querem sê-lo esqueceram as verdades fundamentais do marxismo. Engels - que, como Marx, pertence a essa raríssima categoria de escritores, em cujos grandes trabalhos, - as frases têm todas, sem excepção, uma assombrosa profundidade de conteúdo - escrevia contra o Manifesto dos 33 comunardos-blanquistas[2], em 1874, o seguinte:
“... Somos comunistas”, diziam no seu manifesto os comunardos blanquistas, “porque queremos atingir o nosso objetivo sem nos determos em etapas intermediárias e sem compromissos, que nada mais fazem que tornar distante o dia da vitória e prolongar o período de escravidão”.
“Os comunistas alemães são comunistas porque, através de todas as etapas intermediárias e de todos os compromissos criados não por eles, mas pela marcha da evolução histórica, vêem com clareza e perseguem constantemente seu objectivo final: a supressão das classes e a criação de um regime social onde não haverá lugar para a propriedade privada da terra e de todos os meios de produção. Os 33 blanquistas são comunistas por imaginarem que basta o seu desejo de saltar as etapas intermediárias e os compromissos para que a coisa esteja feita, e porque acreditam firmemente que “a coisa arrebenta” num dia desses e, se o Poder cair nas suas mãos, o “comunismo será implantado” no dia seguinte. Portanto, se não podem fazer isto imediatamente, não são comunistas.
Que pueril ingenuidade, a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!” (F. Engels; Programa dos Comunardos bIanquistas, no jornal social-democrata alemão Volksstaat[3],1874, pg 73, incluído na recompilação Artigos de 1817/1875, tradução russa, Petrogrado, 1919, páginas 52/53).
Engels expressa nesse mesmo artigo, profundo respeito por Vaillant e fala dos “méritos indiscutíveis” deste (que foi, como Guesde, um dos chefes mais destacados do socialismo internacional antes de sua traição ao socialismo em Agosto de 1914). Mas Engels não deixa de analisar em todos os detalhes um erro evidente. É claro que os revolucionários muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários pequeno-burgueses mesmo de idade respeitável e grande experiência, consideram extremamente perigoso, incompreensível e erróneo “autorizar que se firmem compromissos”. E muitos sofistas (como politiqueiros ultra ou excessivamente “experimentados”) raciocinam do mesmo modo que os chefes do oportunismo inglês citados pelo camarada Lansbury: “Se os Bolcheviques permitiram a si próprios tal compromisso, porque é que não permitimos a nós próprios qualquer compromisso?”. Mas os proletários, educados por repetidas greves, (para só falar dessa manifestação da luta de classes) assimilam habitualmente de modo admirável a profundíssima verdade (filosófica, histórica, política e psicológica), enunciada por Engels. Todo o proletário experiente em greves, passou por “compromissos” com os odiados opressores e exploradores, depois dos quais os operários tiveram de voltar ao trabalho sem haverem conseguido nada ou contentando-se com a satisfação parcial de suas reivindicações. Todo o proletário, graças ao ambiente de luta de massas e do acentuado agravamento dos antagonismos de classe em que vive, percebe a diferença existente entre um compromisso imposto por condições objectivas (pobreza de fundos financeiros dos grevistas, que não contam com apoio algum, passam fome e estão extenuados ao máximo) – compromisso que em nada diminui a abnegação revolucionária nem a disposição de continuar. A luta dos operários que o assumiram – e um compromisso de traidores que atribuem a causas objectivas o seu vil egoísmo (os fura-greves também assumem “compromissos”!), a sua cobardia, o seu desejo de atrair a simpatia dos capitalistas, a sua falta de firmeza ante ameaças e, às vezes, ante exortações, esmolas ou adulados capitalistas (esses compromissos de traidores são particularmente numerosos na história do movimento operário inglês por parte dos chefes da trade-unions, se bem que, sob uma ou outra forma, quase todos os operários de todos os países tenham podido observar fenómenos semelhantes).
É claro que acontecem casos isolados extraordinariamente difíceis e complexos, em que só através dos maiores esforços se pode determinar com exactidão o verdadeiro carácter desse ou daquele “compromisso”, do mesmo modo que há a casos de homicídio em que não é nada fácil julgar se este era absolutamente justo e até obrigatório (como, por exemplo, em caso de legítima defesa) ou se era efeito de um descuido imperdoável, ou mesmo consequência de um plano perverso executado com habilidade. Não há dúvida de que em política, onde às vezes se trata de relações nacionais e internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor, etc. Preparar uma receita ou uma regra geral (“nenhum compromisso”!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular. A importância de possuir uma organização de partido e chefes dignos desse nome, consiste precisamente, entre outras coisas, em conseguir por meio de um trabalho prolongado, tenaz, múltiplo e variado de todos os representantes da classe capazes de pensar[4], elaborar os conhecimentos necessários, a experiência necessária e, além dos conhecimentos e da experiência, o sentido político preciso para resolver e rápida e correctamente as questões políticas complexas.
As pessoas ingénuas e totalmente inexperientes pensam que basta admitir os compromissos em geral para que desapareça completamente a linha divisória entre o oportunismo, contra o qual sustentamos e devemos sustentar uma luta intransigente, e o marxismo revolucionário ou comunismo. Mas essas pessoas, se ainda não sabem que todas as linhas divisórias na natureza e na sociedade são variáveis e até certo ponto convencionais, só podem ser ajudadas mediante o estudo prolongado, a educação, a ilustração e a experiência política e prática. Nas questões práticas da política de cada momento particular ou específico da história é importante saber distinguir aquelas em que se manifestam os compromissos da espécie mais inadmissível, os compromissos de traição, que representam um oportunismo funesto para a classe revolucionária, e dedicar todos os esforços para explicar o seu sentido e lutar contra elas. Durante a guerra imperialista de 1914/1918 entre dois grupos de países igualmente criminosos e vorazes, o principal e fundamental dos oportunismos foi o que adoptou a forma de social-chauvinismo, isto é, o apoio da “defesa da pátria”, o que equivalia de facto, naquela guerra, à defesa dos interesses de rapina da “própria” burguesia. Depois da guerra foi a defesa da espoliadora “Sociedade das Nações”, a defesa das alianças directas ou indirectas com a burguesia do próprio país contra o proletariado revolucionário e o movimento “soviético”, e a defesa da democracia e do parlamentarismo burgueses contra o “Poder dos Sovietes”. Foram estas as principais manifestações desses compromissos inadmissíveis e traidores que, em conjunto, culminaram num oportunismo funesto para o proletariado revolucionário e a sua causa.
“... Repelir do modo mais categórico qualquer compromisso com os demais partidos...qualquer política de manobra e conciliação", dizem os esquerdistas da Alemanha no folheto de Francoforte.
É surpreendente que, com semelhantes ideias, esses esquerdistas não condenem categoricamente o Bolchevismo! Não é possível que os esquerdistas alemães ignorem que toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e compromissos com outros partidos, inclusive os partidos burgueses!
Fazer a guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo que sejam apenas temporários) que dividem os nossos inimigos, renunciar a acordos e a compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo? Isso não será parecido com o caso de um homem que na difícil subida de uma montanha, onde ninguém jamais tivesse posto os pés, renunciasse de antemão a fazer zigue-zagues, retroceder algumas vezes no caminho já percorrido, abandonar a direção escolhida no início para experimentar outras direções? E pensar que pessoas tão pouco conscientes, tão inexperientes (menos mal se a causa disso é a juventude de tais pessoas, juventude cujas características autorizam que se digam semelhantes tolices durante certo tempo) puderam ser apoiadas direta ou indiretamente, franca ou veladamente, total ou parcialmente, pouco importa, por alguns membros do Partido Comunista Holandês!!
Depois da primeira revolução socialista do proletariado, depois do derrube da burguesia num país, o proletariado desse país continua a ser durante muito tempo mais débil que a burguesia, em virtude, simplesmente, das imensas relações internacionais que ela tem e graças à restauração, ao renascimento espontâneo e contínuo do capitalismo e da burguesia através dos pequenos produtores de mercadorias do país em que ela foi derrubada. Só se pode vencer um inimigo mais forte retesando e utilizando todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior cuidado, minúcia, prudência e habilidade a menor “brecha” entre os inimigos, qualquer contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia dentro de cada país; também é necessário aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de massas, mesmo que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não compreende isto, não compreende nenhuma palavra de marxismo nem de socialismo científico, contemporâneo, em geral. Quem não demonstrou na prática, durante um período bem considerável e em situações políticas bastante variadas, a habilidade em aplicar esta verdade à vida, ainda não aprendeu a ajudar a classe revolucionária na luta para libertar toda a humanidade trabalhadora dos exploradores. E isso aplica-se tanto ao período anterior à conquista do Poder político pelo proletariado como ao posterior.
A nossa teoria, diziam Marx e Engels, não é um dogma, mas sim um guia para a acção, e o grande erro, o imenso crime de marxistas “registados”, como Karl Kautski, Otto Bauer e outros, consiste em não haverem compreendido essa afirmação, em não haverem sabido aplicá-la nos momentos mais importantes da revolução proletária. “A acção política não se parece em nada com a calçada da avenida Nevsk! (a calçada larga, limpa e lisa da rua principal de Petersburgo, rua absolutamente recta), já dizia N.G. Chernishevski, o grande socialista russo do período pré-marxista. Desde a época de Chernishevski, os revolucionários russos pagaram com inúmeras vítimas a omissão ou esquecimento dessa verdade. É preciso conseguir a todo custo que os comunistas de esquerda e os revolucionários da Europa Ocidental e da América fiéis à classe operária paguem menos caro que os atrasados russos a assimilação dessa verdade.
Os social-democratas revolucionários da Rússia aproveitaram repetidas vezes antes da queda do czarismo os serviços dos liberais burgueses, isto é, concluíram com eles inúmeros compromissos práticos, e em 1901/1902, mesmo antes do nascimento do bolchevismo, a antiga redacção da Iskra (na qual participávamos Plekhanov, Axelrod, Zasúlich, Martov, Potresov e eu) concertou - (é verdade que por pouco tempo) uma aliança política formal com Struve, chefe político do liberalismo burguês, sem deixar de sustentar, simultaneamente, a luta ideológica e política mais implacável contra o liberalismo burguês e contra as menores manifestações de sua influência no seio do movimento operário. Os bolcheviques sempre praticaram essa mesma política. Desde 1905 defenderam sistematicamente a aliança da classe operária com os camponeses contra a burguesia liberal e o czarismo sem se negarem nunca, ao mesmo tempo, a apoiar a burguesia contra o czarismo (na segunda fase das eleições ou nos empates eleitorais, por exemplo) e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário-burguês, os “socialistas revolucionários”, que eram denunciados como democratas pequeno-burgueses que falsamente se apresentavam como socialistas. Em 1907, os bolcheviques constituíram, por pouco tempo, um bloco político formal com os “socialistas revolucionários” para as eleições da Duma. Com os mencheviques, estivemos formalmente durante vários anos, de 1903 a 1912, num partido social-democrata único, sem interromper nunca a luta ideológica e política contra eles como portadores da influência burguesa no seio do proletariado e como oportunistas. Durante a guerra assumimos uma espécie de compromisso com os “kautskistas”, os mencheviques de esquerda (Martov) e uma parte dos “socialistas revolucionários” (Chernov, Natanson). Assistimos com eles às conferências de Zimmerwal,d e Kienthal e lançamos manifestos conjuntos, mas nunca interrompemos nem atenuamos a luta política e ideológica contra os “kautskistas”, contra Martov e Chernov. (Natanson morreu em 1919 sendo já um “comunista revolucionário” -populista, muito chegado a nós e quase solidário conosco). No momento da Revolução de Outubro, fizemos um bloco político, não formal, mas muito importante (e muito eficaz) com o campesinato pequeno-burguês, aceitando na íntegra, sem a mais leve modificação, o programa agrário dos socialistas revolucionários, isto é, contraímos um compromisso indubitável para provar aos camponeses que não nos queríamos impor e sim chegar a um acordo com eles. Ao mesmo tempo, propusemos aos “socialistas revolucionários de esquerda” (e depois realizámo-lo) um bloco político formal com participação no governo, bloco que eles romperam depois da paz de Brest, chegando, em julho de 1918, à insurreição armada e, mais tarde, à luta armada contra nós.
É fácil, por conseguinte, compreender que o ataque dos esquerdistas alemães ao Comité Central do Partido Comunista da Alemanha, em virtude deste admitir a ideia de um bloco com os “independentes” (“Partido Social-democrata, Independente da Alemanha”, os kautskistas) pareçam-nos carecer de seriedade e que vejamos neles uma demonstração evidente da posição errada dos “esquerdistas”. Na Rússia também havia mencheviques de direita (que participaram do governo de Kerenski), equivalentes aos Scheidemann da Alemanha, e mencheviques de esquerda (Martov), que se opunham aos mencheviques de direita e equivaliam aos kautskistas alemães. Em 1917, assistimos plenamente à passagem gradual das massas operárias dos mencheviques para os bolcheviques. No 1º Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, celebrado em Junho desse ano, tínhamos uns 13% dos votos. A maioria pertencia aos socialistas revolucionários e aos mencheviques. No II Congresso dos Sovietes (25 de Outubro de 1917, segundo o antigo calendário) tínhamos 51% dos sufrágios. Por que será que na Alemanha uma tendência igual, absolutamente idêntica, dos operários passarem da direita para a esquerda não levou ao fortalecimento imediato dos comunistas, mas sim, no início, ao do partido intermediário dos “independentes”, embora esse partido nunca tenha tido nenhuma ideia política independente e nenhuma política independente, nem tenha feito outra coisa senão vacilar entre Scheidemann e os comunistas?
Não há dúvida de que uma das causas foi a táctica errada dos comunistas alemães, que devem reconhecer o erro honradamente e, sem temor, aprender a corrigi-lo. O erro consistiu em negar-se a participar no parlamento reaccionário burguês, e nos sindicatos reaccionários; o erro consistiu em múltiplas manifestações dessa doença infantil do “esquerdismo”, que agora se manifestou e que, graças a isso, será curada melhor, mais rapidamente e com maior proveito para o organismo.
O “Partido Social-democrata Independente” alemão carece, visivelmente, de homogeneidade; ao lado dos antigos chefes oportunistas (Kautski, Hilferding e, pelo que se vê, em grande parte Crispien, Ledebour e outros), que demonstraram incapacidade para compreender a significação do Poder Soviético e da ditadura do proletariado e para dirigir a luta revolucionária deste, formou-se e cresce com singular rapidez, nesse partido, uma ala esquerda, proletária. Centenas de milhares de membros do partido - que tem, ao que parece, uns 750 000 membros - são proletários que se afastam de Scheidemann e caminham a largas passadas em direcção ao comunismo. Esta ala proletária já no Congresso dos independentes, realizado em Leipzig em 1919, propôs a adesão imediata e incondicional à III Internacional. Temer um “compromisso” com essa ala do partido é simplesmente ridículo. Pelo contrário, para os comunistas é obrigatório procurar e encontrar uma forma adequada de compromisso com ela, que permita, de um lado, facilitar a apressar a fusão completa e necessária com ela e que, de outro, não entrave de modo algum os comunistas na luta ideológica e política contra a ala direita, oportunista, dos “independentes”. É provável que não seja fácil elaborar uma forma adequada de compromisso, mas só um charlatão poderia prometer aos operários e aos comunistas alemães um caminho “fácil” para alcançar a vitória.,
O capitalismo deixaria de ser capitalismo se o proletariado puro não estivesse rodeado de uma massa de elementos de variadíssimas graduações, elementos que representam a transição do proletário ao semiproletário (o que obtém grande parte dos meios de existência vendendo a sua força de trabalho), do semiproletário ao pequeno camponês (e ao pequeno artesão, ao biscateiro, ao pequeno patrão em geral) do pequeno camponês ao camponês médio, etc., e se no próprio seio do proletariado não houvesse sectores com um maior ao menor desenvolvimento, divisões de carácter territorial, profissional, às vezes religioso, etc. De tudo isso se depreende imperiosamente a necessidade uma necessidade absoluta - que tem a vanguarda do proletariado, sua parte consciente, o Partido Comunista, de recorrer à manobra aos acordos, aos compromissos com os diversos grupos proletários, com os diversos partidos dos operários e dos pequenos patrões. Toda a questão consiste em saber aplicar essa táctica para elevar, e não para rebaixar, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado. É preciso assinalar, entre outras coisas, que a vitória dos bolcheviques sobre os mencheviques exigiu da Revolução de Outubro de 1917, não só antes como também depois dela, a aplicação de uma táctica de manobras, acordos, compromissos, ainda que de tal natureza, é claro, que facilitavam e apressavam a vitória dos bolcheviques, além de consolidar e fortalecê-los às custas dos mencheviques. Os democratas pequeno-burgueses (inclusive os mencheviques) vacilavam inevitavelmente entre a burguesia e o proletariado, entre a democracia burguesa e o regime soviético, entre o reformismo e o revolucionarismo, entre o amor aos operários e o medo da ditadura do proletariado, etc. A táctica acertada dos comunistas deve consistir em utilizar essas vacilações e não, de modo algum, em desprezá-las; para utilizá-las é necessário fazer concessões aos elementos que se inclinam para o proletariado - no caso e na medida exacta em que o fazem - e, ao mesmo tempo, lutar contra os elementos que se inclinam para a burguesia. Em virtude de seguirmos uma táctica acertada, o menchevismo foi-se decompondo e decompõe-se cada vez mais no nosso país; esta táctica foi isolando os chefes obstinados no oportunismo e trazendo para o nosso campo os melhores operários, os melhores elementos da democracia pequeno-burguesa. Trata-se de um processo longo, e as “soluções” fulminantes, tais como “nenhum compromisso”, nenhuma manobra, só podem dificultar o crescimento da influência do proletariado revolucionário e o aumento das suas forças.
Finalmente, um dos erros incontestáveis dos “esquerdistas” da Alemanha consiste na insistência inflexível em não reconhecer o Tratado de Versailles. Quanto maiores são a “firmeza” e a “importância” e o tom “categórico” e sem apelo com que, por exemplo, K. Horner formula esse ponto de vista, menos inteligente resulta. Não basta renegar as indignantes tolices do bolchevismo nacional (Lauffenberg e outros), que, nas atuais condições da revolução proletária internacional, chegou até a falar na formação de uma aliança com a burguesia alemã para a guerra contra a Entente. É preciso compreender que é absolutamente errónea a tática que nega a. obrigação da Alemanha Soviética (se surgisse rapidamente uma república soviética alemã) de reconhecer durante certo tempo o Tratado de Versailles e submeter-se a ele. Daí não se deduz que os “independentes” tiveram razão ao reclamar a assinatura do Tratado de Versailles nas condições então existentes, quando os Scheidemann estavam no governo, ainda não havia sido derrubado o Poder Soviético na Hungria e ainda não estava excluída a possibilidade de uma ajuda da revolução soviética em Viena para apoiar a Hungria Soviética. Naquele momento, os “independentes” manobraram muito mal, pois tomaram para si a responsabilidade, maior ou menor, por traidores tipo Scheidemann e se desviaram em maior ou menor escala da luta de classes implacável (e friamente arquitectada) contra os Scheidemann para colocar-se “fora” ou “acima” das classes.
Mas a situação actual é de tal natureza, que os comunistas alemães não devem amarrar as mãos e prometer a renúncia obrigatória e indispensável ao Tratado de Versailles em caso de triunfar o comunismo. Isso seria uma tolice. É preciso que se diga: os Scheidemann e os kautskistas cometeram uma série de traições que dificultaram (e em parte fizeram fracassar) a aliança com a Rússia Soviética e com a Hungria Soviética. Nós, comunistas, procuraremos por todos os meios facilitar e preparar essa aliança; quanto à paz de Versailles, não estamos de modo algum obrigados a rechaçá-la a todo custo e, além disso, imediatamente. A possibilidade de rechaçá-la eficazmente depende dos êxitos do movimento soviético não só na Alemanha, como também no terreno internacional. Este movimento foi dificultado pelos Scheidemann e os kautskistas; nós o favorecemos. Nisso reside a essência da questão, a diferença radical. E se os nossos inimigos de classe, os exploradores e os seus lacaios, os Scheidemann e os kautskistas, deixaram escapar uma série de possibilidades de fortalecer o movimento soviético alemão e internacional e a revolução soviética alemã e internacional, a culpa é deles. A revolução soviética na Alemanha robustecerá o movimento soviético internacional, que é o reduto mais forte (e o único seguro invencível e de potência universal) contra o Tratado de Versailles e contra o imperialismo mundial em geral. Colocar obrigatoriamente, a todo preço e imediatamente em primeiro plano a denúncia do Tratado de Versailles, antes da questão de libertar do jugo imperialista os demais países oprimidos pelo imperialismo, é uma manifestação de nacionalismo pequeno-burguês (digno dos Kautsky, Hilferding, Otto Bauer & C.ª) mas não de internacionalismo revolucionário. O derrube da burguesia em qualquer dos grandes países europeus, inclusive Alemanha, é um acontecimento tão favorável para a revolução internacional que, em proveito desse derrube, podemos e devemos aceitar, se for necessário, uma existência mais prolongada do Tratado de Versailles. Se a Rússia pôde resistir sozinha durante vários meses ao Tratado de Brest, com proveito para a revolução, não é nada impossível que a Alemanha Soviética, aliada à Rússia Soviética, possa suportar mais tempo com proveito para a revolução o Tratado de Versailles.
Os imperialistas da França, Inglaterra, etc., provocam os comunistas alemães, preparando-lhes essa armadilha: “Digam que não assinarão o Tratado de Versailles”. E os comunistas “de esquerda” caem como patinhos na armadilha, em vez de manobrar com destreza contra um inimigo traiçoeiro e, no momento actual, mais forte, em vez de dizer-lhe: “Agora assinaremos o Tratado de Versailles”. Amarrarmos as mãos antecipadamente, declarar abertamente ao inimigo, hoje melhor armado que nós, que vamos lutar contra ele e em que momento, é uma tolice e nada tem de revolucionário. Aceitar o combate quando é claramente vantajoso para o inimigo e não para nós constitui um crime, e não servem para nada os políticos da classe revolucionária que não sabem “manobrar”, que não sabem concertar “acordos e compromissos” a fim de evitar um combate que todos sabem ser desfavorável.
[1] Foram muito poucas as possibilidades que tive para conhecer o comunismo "de esquerda" de Itália. Sem dúvida que o camarada Bordiga e a sua fracção de "comunistas boicotadores" (comunistas abstencionistas) não têm razão ao defender a não participação no parlamento. Mas há um ponto em que, a meu ver, têm razão, pelo que posso julgar através de dois números de seu jornal Il Soviet (números 3 e 4 de 18/1 e 1/2 de 1920), a quatro números da excelente revista do camarada Serrati Comunismo (1- 4, de 1/10 a 30/11 de 1919) e a números soltos de jornais burgueses italianos que pude ler. Precisamente o camarada Bordiga e a sua fracção têm razão quando atacam Turati e seus partidários, que estão num partido que reconhece o Poder dos Sovietes e a ditadura do proletariado, continuam a ser membros do parlamento e prosseguem em sua velha e daninha política oportunista. É natural que, ao tolerar isso, o camarada Serrati e todo o Partido Socialista Italiano incorrem num erro tão cheio de grandes prejuízos e perigos como na Hungria onde os senhores Turati húngaros sabotaram por dentro o partido e o Poder dos Sovietes. Esta atitude errada, inconsequente e sem carácter em relação aos parlamentares oportunistas, por um lado, dá origem ao comunismo "de esquerda" e, por outro lado, justifica até certo ponto a sua existência. É evidente que o camarada Serrati não tem razão ao acusar de “inconsequência” o deputado Turati (Comunismo, n.3) pois o inconsequente é, precisamente, o Partido Socialista Italiano, que tolera no seu seio oportunistas parlamentares como Turati e companhia. (Nota do autor)
[2] Partidários de Louis Auguste Blanqui, participantes da Comuna de Paris.
[3] O Estado Popular.
[4] Mesmo no país mais culto, toda classe, inclusive a mais avançada e com o mais excepcional florescimento, de todas as suas forças espirituais gerado pelas circunstâncias do momento, conta – e contará inevitavelmente enquanto subsistirem as classes e a sociedade sem classes não estiver assentada, consolidada e desenvolvida por completo sobre seus próprios fundamentos – com representantes que não pensam e que são incapazes de pensar. O capitalismo não seria o capitalismo opressor das massas se isso não acontecesse. (Nota do autor)
Os comunistas alemães, de quem vamos falar agora, não se chamam de “esquerda”, mas – se não me engano – de “oposição de princípio” (grundsatzliche Opposition). Mas, pelo que se segue, pode-se ver que têm todos os sintomas da “doença infantil do esquerdismo”.
O folheto intitulado Cisão no Partido Comunista da Alemanha (Liga Espartaquista), que reflecte o ponto de vista dessa oposição e que foi editado pelo “Grupo local de Francoforte-sobre-o-Meno”, expõe com grande evidência, exactidão, clareza e concisão a essência dos pontos de vista dessa oposição. Algumas citações serão suficientes para familiarizar os leitores com essa entidade:
“O Partido Comunista é o partido da luta de classes mais decisiva..."
“…Do ponto de vista político, o período de transição [entre o capitalismo e o socialismo] é um período de ditadura do proletariado..."
"…Surge a seguinte pergunta: quem deve exercer a ditadura: o Partido Comunista ou a classe proletária? ... Por princípio, devemos tender para a ditadura do Partido Comunista ou para a ditadura da classe proletária? ..."
(Os realces são do original).
Mais adiante, o autor do folheto acusa o “CC” do Partido Comunista da Alemanha de procurar uma coligação com o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha e de ter levantado “a questão do reconhecimento, por princípio, de todos os meios políticos” de luta, entre eles o parlamentarismo, somente para ocultar as verdadeiras e principais intenções de coligar-se com os independentes. E o folheto continua:
“A oposição escolheu outro caminho. Defende o critério de que a questão da hegemonia do Partido Comunista e da sua ditadura nada mais é que uma questão de táctica. Em todo caso, a hegemonia do Partido Comunista é a última forma de toda hegemonia de partido. Por princípio, deve-se tender para a ditadura da classe proletária. E todas as medidas do Partido, a sua organização, as suas formas de luta, a sua estratégia e a sua táctica devem orientar-se, para esse objectivo. De acordo com isso é preciso rejeitar do modo mais categórico todo o compromisso com os demais partidos, qualquer retorno aos métodos parlamentares de luta, histórica e politicamente obsoletos, qualquer política de manobra e conciliação". "Os métodos especificamente proletários de luta revolucionária devem ser salientados com energia. E, para abarcar os mais amplos sectores e camadas proletários, que devem incorporar-se à luta revolucionária sob a direcção do Partido Comunista, é preciso criar novas formas de organização, sobre a mais ampla base e com os mais amplos limites. Esse lugar de agrupamento de todos os elementos revolucionários é a União Operária, construída sobre a base das organizações de fábrica. Nela devem unir-se todos os operários fiéis ao lema: Fora dos Sindicatos! É aqui que o proletariado militante forma as mais amplas fileiras de combate. Basta reconhecer a luta de classes, o sistema soviético e a ditadura para ser admitido. Toda a educação política posterior das massas combatentes e a sua orientação política na luta são tarefa do Partido Comunista, que se encontra fora da União Operária..."
“... Há agora, por conseguinte, dois partidos comunistas frente à frente:
Um, é o partido dos chefes, que trata de organizar e dirigir a luta revolucionária de cima, aceitando os compromissos e o parlamentarismo com a finalidade de criar situações que permitam a esses chefes participar num governo de coligação, em cujas mãos esteja a ditadura.
O outro é o partido das massas, que espera o ascenso da luta revolucionária de baixo, que conhece e aplica nessa luta um único método que leva firmemente ao objectivo traçado, rejeitando todos os processos parlamentares e oportunistas; esse método único é o derrube incondicional da burguesia para depois implantar a ditadura de classe do proletariado, com a finalidade de instaurar o socialismo...”
“... De um lado, a ditadura dos chefes; do outro, a ditadura das massas! Essa é a nossa palavra de ordem”.
Tais são as teses fundamentais que caracterizam o ponto de vista da oposição no Partido Comunista Alemão.
Qualquer bolchevique que tenha participado conscientemente no desenvolvimento do bolchevismo desde 1903, ou que o tenha observado de perto, não poderá deixar de exclamar imediatamente, depois de ter lido tais opiniões: “Que velharias conhecidas! Que infantilidades de “esquerda”!”.
Examinemos, porém, mais de perto essas opiniões.
Só o facto de perguntar “ditadura do Partido ou ditadura da classe, ditadura (partido) dos chefes ou ditadura (partido) das massas?” mostra a mais incrível e irremediável confusão de ideias. Há pessoas que se esforçam para inventar algo inteiramente original e não conseguem mais, no seu afã de sabedoria, do que cair no ridículo. É sabido de todos que as massas se dividem em classes, que opor as massas às classes só se pode num sentido: se se opõe uma maioria esmagadora, na sua totalidade, sem se distinguir as posições ocupadas em relação ao regime social da produção, às categorias que ocupam uma posição especial nesse regime; que as classes estão geralmente, na maioria dos casos, pelo menos nos países civilizados modernos, dirigidas por partidos políticos; que os partidos políticos estão dirigidos, regra geral, por grupos mais ou menos estáveis das pessoas mais autorizadas, influentes e capazes, eleitas para os cargos mais responsáveis a que se chamam chefes. Tudo isto é o ABC, tudo isto é simples e claro. Que necessidade havia de trocar isso por tais confusões, por essa espécie de volapuque? Pelos vistos, essas pessoas desnortearam-se em virtude da rápida alternância entre vida legal e vida ilegal do Partido, que altera as relações comuns, normais e simples entre os chefes, os partidos e as classes, e caíram numa situação difícil. Na Alemanha, como nos demais países europeus, as pessoas estão excessivamente habituadas à legalidade, à eleição livre e regular dos “chefes” pelos congressos ordinários dos partidos, à comprovação cómoda da composição de classe desses últimos através das eleições parlamentares, dos comícios, imprensa, estado de espírito dos sindicatos e outras organizações, etc. Quando, em virtude da marcha impetuosa da revolução e do desenvolvimento da guerra civil, foi preciso passar dessa rotina para a alternância de legalidade, ilegalidade e da sua combinação, para métodos “pouco cómodos” e “não-democráticos” a fim de designar, formar ou conservar os “grupos de dirigentes’, essas pessoas perderam a cabeça e começaram a inventar um monstruoso absurdo. Provavelmente os “tribunistas” holandeses, que tiveram o azar de nascer num país pequeno, com tradição e condições legais particularmente privilegiadas e estáveis, e confusos e desnorteados por nunca terem assistido a esta alternância de situações legais e ilegais, ajudaram a essas invenções absurdas.
Por outro lado, salta aos olhos o uso impensado e ilógico de algumas palavras “da moda”, na nossa época, sobre “a massa” e “os chefes”. Essas pessoas ouviram e sabem de cor muitos ataques contra “os chefes” e como estes eram contrapostos à “massa”, mas não souberam raciocinar sobre o significado e ver com clareza do que se tratava.
No fim da guerra imperialista e depois dela, manifestou-se em todos os países com singular vigor e evidência o divórcio entre “os chefes” e “a massa”. A causa fundamental desse fenómeno foi explicada muitas vezes por Marx e Engels, de 1852 a 1892, usando o exemplo da Inglaterra. A situação monopolista desse país originou o nascimento de uma “aristocracia operária” oportunista, semi-pequeno-burguesa, saída da “massa”. Os chefes dessa aristocracia operária passavam-se frequentemente para o campo da burguesia, que os sustentava directa ou indirectamente. Marx foi alvo do ódio, que o honra, desses canalhas, por havê-los qualificado publicamente de traidores. O imperialismo moderno (do século XX) criou uma situação privilegiada, monopolista, para alguns países avançados, e, nesse terreno, surgiu em toda parte, dentro da II Internacional, esse tipo de chefes traidores, oportunistas, social-chauvinistas, que defendem os interesses da sua corporação, do seu reduzido grupo de aristocracia operária. Esses partidos oportunistas afastaram-se das “massas”, isto é, dos sectores mais amplos de trabalhadores, da maioria, dos operários pior remunerados. A vitória do proletariado revolucionário torna-se impossível sem a luta contra esse mal, sem o desmascaramento, a desmoralização e a expulsão dos chefes oportunistas social-traidores; esta é, exactamente, a política aplicada pela III Internacional.
Mas chegar com este pretexto a contrapor, em termos gerais, a ditadura das massas à ditadura dos chefes é um absurdo ridículo e uma imbecilidade. O mais divertido é que, de facto, no lugar dos antigos chefes que se agarravam às ideias comuns sobre as coisas simples, destacam-se (encobrindo-se com a palavra de ordem de “abaixo os chefes”) novos chefes que dizem tolices e disparates que escapam a qualquer qualificação. Tais são, na Alemanha, Lauffenberg, Wolfweim, Horner11, Karl Schroeder, Friedrich Wendell e Karl Erler[1]. As tentativas deste último para “aprofundar” a questão e proclamar, de modo geral, a inutilidade e o “carácter burguês” dos partidos políticos representam verdadeiras colunas de Hércules da estupidez, deixando qualquer um estupefacto. Um processo real: a partir de um pequeno erro, pode-se fazer sempre um monstruosamente grande, caso se persista nele, caso seja aprofundado para o justificar, caso se tente “levá-lo às últimas consequências”!
Negar a necessidade do Partido e da disciplina partidária, eis o resultado a que chegou a oposição. E isso equivale a desarmar completamente o proletariado em proveito da burguesia. Acrescente-se a isso a balbúrdia, a instabilidade e a incapacidade, próprios da pequena burguesia, para ser dirigido, para a unir-se e para actuar de modo organizado, que, se formos indulgentes, causarão inevitavelmente a ruína de todo movimento revolucionário do proletariado. Negar a necessidade do Partido, do ponto-de-vista do comunismo, é dar um salto das vésperas da derrocada do capitalismo (na Alemanha) não até à fase inferior ou média do comunismo, mas até à sua fase superior. Na Rússia estamos ainda (mais de dois anos depois do derrube da burguesia) a dar os nossos primeiros passos na via da transição do capitalismo para o socialismo, ou fase inferior do comunismo. As classes subsistem e continuarão a existir durante anos, em toda parte, depois da conquista do Poder pelo proletariado. Talvez na Inglaterra, onde não há camponeses (mas onde existem pequenos proprietários!), este período possa ser mais curto. Suprimir as classes, não é apenas expulsar os proprietários de terras e os capitalistas – o que nos foi relativamente fácil fazer – é também suprimir os pequenos produtores de mercadorias; ora estes não podem ser expulsos ou esmagados; há que viver em boa harmonia com eles. Pode-se (e deve-se) transformá-los, reeducá-los – mas só mediante um trabalho de organização muito longo, muito lento e muito prudente. Eles cercam por todos os lados o proletariado de uma atmosfera pequeno-burguesa, que embebe e corrompe o proletariado, suscita constantemente no seio do proletariado reincidências de defeitos próprios da pequena burguesia: falta de carácter, dispersão, individualismo, oscilação entre entusiasmo e abatimento. Para resistir a isto, para permitir que o proletariado exerça acertada, eficaz e vitoriosamente o seu papel de organizador (que é o seu papel principal), o partido político do proletariado deve fazer reinar no seu seio uma centralização e uma disciplina rigorosas. A ditadura do proletariado é uma luta tenaz, cruel ou não, violenta e pacífica, militar e económica, pedagógica e administrativa, contra as forças e as tradições da velha sociedade. A força do costume de milhões e dezenas de milhões de homens é a força mais terrível. Sem um partido de ferro, temperado na luta, sem um partido que goze da confiança de tudo o que haja de honrado dentro da classe, sem um partido que saiba sentir o estado de espírito das massas e influir sobre ele, é impossível levar a cabo com êxito esta luta. É mil vezes mais fácil vencer a grande burguesia centralizada do que “vencer” milhões e milhões de pequenos proprietários; estes, com a sua actividade corruptora quotidiana, prosaica, invisível, imperceptível, produzem os mesmos resultados que são necessários à burguesia, que restauram a burguesia. Quem enfraqueça, por pouco que seja, a disciplina de ferro do partido do proletariado (sobretudo durante a sua ditadura) ajuda, na realidade, a burguesia contra o proletariado.
Ao lado da questão dos chefes-partido-classe-massas, é preciso exprimir a dos sindicatos “reaccionários”. Mas, antes, e a fim de facilitar a compreensão da conclusão, tomarei a liberdade de fazer algumas observações baseadas na experiência do nosso Partido. Nele, sempre houve ataques contra a “ditadura dos chefes”. Que eu lembre, a primeira vez foi em 1895, quando o partido ainda não existia formalmente, mas já começava a constituir-se em Petersburgo o grupo central que iria encarregar-se da direcção dos grupos distritais. No IX Congresso do nosso Partido (Abril de 1920) houve uma pequena oposição que também se pronunciou contra a “ditadura dos chefes”, a “oligarquia”, etc. Não há, portanto, nada de surpreendente, nada de novo, nada de alarmante na “doença infantil” do “comunismo de esquerda” entre os alemães. Essa doença manifesta-se sem perigo e, uma vez curada, chega mesmo a fortalecer o organismo. Por outro lado, a rápida alternância entre trabalho legal e ilegal, que implica a necessidade de “ocultar”, de envolver com singular segredo o Estado-Maior, os chefes, originou, algumas vezes, fenómenos profundamente perigosos. O pior deles foi a infiltração no Comité Central bolchevique, em 1912, de um agente provocador – Malinovski. Ele denunciou dezenas e dezenas dos mais abnegados e excelentes camaradas, causando-lhes a condenação a trabalhos forçados e provocando a morte de muitos deles. E se não causou maiores danos foi porque tínhamos estabelecido adequadamente a correlação entre os trabalhos legal e ilegal. Para ganhar a nossa confiança, Malinovski, como membro do Comité Central do Partido e deputado à Duma, teve de ajudar-nos a organizar a publicação de diários legais que, inclusive sob o czarismo, souberam lutar contra o oportunismo dos mencheviques e difundir, de forma velada, os princípios fundamentais do bolchevismo. Com uma das mãos, Malinovski enviava para a prisão e para a morte dezenas e dezenas dos melhores combatentes do bolchevismo; com a outra via-se obrigado a contribuir para a educação de dezenas e dezenas de milhares de novos bolcheviques, através da imprensa legal. Sobre este facto, deveriam reflectir cuidadosamente os camaradas alemães (e também os ingleses, americanos, franceses e italianos) que têm diante de si a tarefa de aprender a realizar um trabalho revolucionário nos sindicatos “reaccionários”[2].
Em muitos países, até nos mais adiantados, a burguesia infiltra e continuará infiltrando, sem a menor dúvida, agentes provocadores nos Partidos Comunistas. Um dos meios de lutar contra esse perigo consiste em saber combinar acertadamente o trabalho ilegal com o legal.
Os “esquerdistas” alemães julgam poder responder sem hesitar a esta pergunta pela negativa. Segundo eles, as declamações e invectivas contra os sindicatos “reaccionários” e “contra-revolucionários” são suficientes (K. Horner afirma-o com uma “seriedade” muito particular e idiota) para “demonstrar” a inutilidade e até a inadmissibilidade dos revolucionários, os comunistas, militarem nos sindicatos amarelos, contra-revolucionários, os sindicatos dos social-chauvinistas, dos conciliadores, dos Legien.
Mas, por mais convencidos que estejam os “esquerdistas” alemães do carácter revolucionário desta táctica, ela está na realidade fundamentalmente errada e nada contém a não ser frases vazias.
Para melhor o demonstrar, partirei da nossa própria experiência, de acordo com o plano geral deste artigo que tem por objectivo aplicar à Europa ocidental o que a história e a táctica actual do bolchevismo têm de aplicável, importante e obrigatório em toda a parte.
A relação entre os dirigentes, o partido, a classe e as massas e, por outro lado, a atitude da ditadura do proletariado e do seu partido relativamente aos sindicatos, apresentam-se hoje aqui, concretamente, da seguinte maneira: a ditadura é exercida pelo proletariado organizado nos Sovietes e dirigida pelo Partido comunista bolchevique, que, segundo os dados do último congresso (Abril de 1920), conta com 611 000 membros. O número de filiados oscilou muito, antes e depois da Revolução de Outubro; foi mesmo consideravelmente menor em 1918 e em 1919. Receamos ampliar excessivamente o partido, pois os arrivistas e aventureiros – que não merecem senão a execução – procuram esforçadamente introduzir-se nas fileiras do partido governamental. A última vez que abrimos largamente as portas do partido – exclusivamente para operários e camponeses – foi na altura (Inverno de 1919) em que Joudenitch se encontrava a algumas verstas de Petrogrado e Dénikine em Orel (a 350 verstas de Moscovo); isto é, num momento em que a República dos Sovietes era ameaçada por um perigo terrível, um perigo de morte, e em que os aventureiros, os arrivistas, os oportunistas e, de uma maneira geral, os elementos instáveis não podiam, de modo nenhum, contar com uma carreira vantajosa aderindo aos comunistas (mas sim com a forca e as torturas). O partido, que convoca congressos anuais (no último, a representação era de um delegado por 1000 membros), é dirigido por um Comité central de 19 membros, eleito no congresso; o trabalho corrente está confiado, em Moscovo, a organismos ainda mais restritos chamados “Orgbureau” (Secretariado de organização) e “Politbureau” (Secretariado político), eleitos em assembleia plenária do Comité central. Em cada um desses organismos participam 5 membros do CC. Daí resulta, pois, a mais autêntica “oligarquia”. Nenhuma questão importante, política ou de organização, é resolvida por uma instituição estatal na nossa República sem as directivas do Comité central do partido.
No seu trabalho, o partido apoia-se directamente nos sindicatos que contam actualmente, segundo os dados do último congresso (Abril de 1920), com mais de quatro milhões de membros e, formalmente, são sem-partido. Efectivamente, todas as instituições dirigentes da grande maioria dos sindicatos, e sobretudo, naturalmente, o centro ou o Secretariado dos sindicatos da Rússia (Conselho central dos sindicatos da Rússia) são compostos por comunistas e aplicam todas as directivas do partido. Obtém-se, em suma, um aparelho proletário formalmente não comunista, flexível e relativamente amplo, muito poderoso, por meio do qual o partido está estreitamente ligado à classe e às massas, e através do qual se exerce a ditadura da classe sob a direcção do partido. É claro que nos teria sido impossível governar o país e exercer a ditadura, já não digo em dois anos e meio, mas mesmo em dois meses e meio, se não houvesse a mais estreita ligação com os sindicatos, seu apoio enérgico, o seu abnegadíssimo trabalho não só na construção económica, mas também na organização militar. Como se pode compreender, esta ligação muito estreita, implica, na prática, um trabalho de agitação e propaganda bastante complexo e variado, reuniões oportunas e frequentes, não só com os dirigentes, mas, de uma maneira geral, com os militantes influentes nos sindicatos; uma luta decidida contra os mencheviques que contam, até hoje, com um certo número de adeptos, – bem pequeno, é certo – a quem ensinam todas as maquinações da contra-revolução, desde a defesa ideológica da democracia (burguesa) e a pregação da “independência” dos sindicatos (independência em relação ao poder do Estado proletário!) até à sabotagem da disciplina proletária, etc., etc.
Reconhecemos que a ligação às “massas” através dos sindicatos é insuficiente. Durante a revolução, a prática criou, no nosso pais, uma instituição que nós procuramos por todos os meios manter, desenvolver e aumentar: as conferências de operários e camponeses sem-partido, que nos permitem observar o estado de espírito das massas, aproximarmo-nos delas, reagir aos seus pedidos, chamar os seus melhores elementos para os postos de Estado, etc. Um recente decreto sobre a transformação do Comissariado do povo para o controlo do Estado em “Inspecção Operária e Camponesa”, dá a essas conferências sem-partido o direito de eleger membros para os serviços do controlo do Estado, que se encarregarão das mais diversas revisões, etc.
Além disso, como é evidente, o trabalho do partido á feito pelos Sovietes, que agrupam as massas trabalhadoras, sem distinção de profissão. Os congressos distritais dos Sovietes representam uma instituição democrática como nunca se viu nas mais democráticas das repúblicas democráticas do mundo burguês; através desses congressos (em que o partido se esforça por seguir os trabalhos com grande atenção) assim como delegando constantemente operários conscientes para as funções mais diversas no campo – o proletariado cumpre o seu papel de dirigente relativamente ao campesinato; exerce-se a ditadura do proletariado urbano, a luta sistemática contra os camponeses ricos, burgueses, exploradores, especuladores, etc..
Esse é o mecanismo geral do poder de Estado proletário considerado “de cima”, do ponto de vista da aplicação prática da ditadura. Esperamos que o leitor compreenda porque é que ao bolchevique russo, que conhece este mecanismo, que o viu nascer dos pequenos círculos ilegais e clandestinos, desenvolver-se durante 25 anos, todas estas discussões sobre a ditadura “de cima” ou “de baixo”, dos dirigentes ou das massas, etc., não podem deixar de parecer ridículas e de absurda infantilidade como o seria uma discussão sobre a questão de saber o que é mais útil ao homem, a perna esquerda ou o braço direito.
Também não nos parecem de menos absurda infantilidade e menos ridículas as graves dissertações absolutamente sábias, e terrivelmente revolucionárias dos “esquerdistas” alemães que afirmam que os comunistas não podem nem devem militar nos sindicatos reaccionários, que se pode renunciar a este trabalho, que é preciso abandonar os sindicatos e organizar, urgentemente, uma “união operária” completamente nova, completamente pura, inventada por comunistas muito simpáticos (e, na sua maioria, sem dúvida, muito jovens), etc., etc..
O capitalismo lega inevitavelmente ao socialismo, por um lado, as velhas distinções profissionais e corporativas que se estabeleceram no decorrer dos séculos entre os operários, e, por outro lado, os sindicatos que não podem transformar-se e não se transformarão senão muito lentamente, durante anos e anos, em sindicatos de indústria mais amplos, menos corporativos (englobando indústrias inteiras e não só corporações, ofícios e profissões). Por intermédio destes sindicatos de indústria, suprimir-se-á mais tarde a divisão do trabalho entre os homens; passar-se-á à educação, à instrução e à formação de homens universalmente desenvolvidos, universalmente preparados, capazes de fazer tudo. É para aí que caminha, deve caminhar e caminhará o comunismo, mas só ao fim de muitos anos. Tentar actualmente antecipar na prática esse futuro resultado do comunismo completamente desenvolvido, solidamente constituído, no apogeu da sua maturidade, é querer ensinar matemáticas superiores a uma criança de quatro anos.
Podemos (e devemos) empreender a construção do socialismo, não com material humano imaginário ou especialmente criado por nós, mas com o que capitalismo nos deixou. Isso é muito difícil, é certo, mas, qualquer outra maneira de abordar o problema é tão pouco séria que nem merece que se fale dela.
Os sindicatos representaram um progresso gigantesco da classe operária nos primeiros tempos do desenvolvimento do capitalismo, pois significaram a passagem do estado de dispersão e de impotência dos operários a embriões de organização de classe. Quando começou a desenvolver-se a forma suprema de união de classe dos proletários, o partido revolucionário do proletariado (que não merecerá este nome enquanto não souber ligar os dirigentes, a classe e as massas num todo homogéneo, indissolúvel), os sindicatos manifestaram inevitavelmente alguns traços reaccionários, uma certa estreiteza corporativa, uma certa tendência para o apoliticismo, um certo espírito de rotina, etc.. Porém, o desenvolvimento do proletariado não se faz em nenhuma parte do mundo, nem podia fazer-se de outra maneira, senão por intermédio dos sindicatos, pela sua acção conjunta com o partido da classe operária. A conquista do poder político pelo proletariado é, para o proletariado tomado como classe, um grande passo em frente e o partido deve também, mais ainda do que no passado, à maneira nova e não só à antiga, educar os sindicatos, dirigi-los, sem esquecer, contudo, que estes são e serão por muito tempo a indispensável “escola do comunismo”, a escola preparatória dos proletários para a aplicação da sua ditadura, a associação indispensável dos operários para a passagem gradual da gestão de toda a economia do país, primeiro para as mãos da classe operária (e não para estas ou aquelas profissões) e, depois, para as mãos de todos os trabalhadores.
Sob a ditadura do proletariado, é inevitável, neste sentido, a existência de um certo “espirito reaccionário” nos sindicatos. Não o compreender, é dar prova de uma completa incompreensão das condições essenciais da transição do capitalismo ao socialismo. Recear este “espírito reaccionário”, tentar iludi-lo, passar por cima, é cometer um grave erro, pois é ter medo de assumir este papel de vanguarda do proletariado, que consiste em instruir, esclarecer, educar, chamar para uma vida nova as camadas e as massas mais atrasadas da classe operária e do campesinato. Por outro lado, adiar a ditadura do proletariado até não haver nenhum operário de estreito espírito profissional, nenhum operário imbuído de preconceitos corporativos e trade-unionistas, seria um erro ainda mais grave. A arte do político (e a justa compreensão dos seus deveres por um comunista) é apreciar correctamente as condições e o momento em que a vanguarda do proletariado estará pronta a tomar o poder, a beneficiar, durante e depois, de um apoio suficiente de camadas suficientemente amplas da classe operária e das massas trabalhadoras não proletárias; em que poderá, uma vez obtido esse apoio, manter, consolidar e ampliar a sua dominação, educando, instruindo, atraindo para si massas cada vez maiores de trabalhadores.
Prossigamos. Nos países mais avançados que a Rússia manifestou-se, e tinha que, incontestavelmente, se manifestar, com muito mais força que entre nós, um certo espírito reaccionário dos sindicatos. Os nossos mencheviques tinham (e têm ainda em parte, num pequeno número de sindicatos) apoio nos sindicatos, precisamente graças a esta estreiteza corporativa, a este egoísmo profissional, e ao oportunismo. Os mencheviques do Ocidente “entrincheiraram-se” muito mais solidamente nos sindicatos, e surgiu aí uma “aristocracia operária” corporativa, mesquinha, egoísta, sem escrúpulos, ávida, pequeno-burguesa, de espírito imperialista, subornada e corrompida pelo imperialismo, muito mais poderosa que no nosso país. Isto é indiscutível. Na Europa ocidental, a luta contra os Gompers, contra os senhores Jouhaux, Henderson, Merrheim, Legien e C.ª, é muito mais difícil que a luta contra os nossos mencheviques que representam um tipo político e social perfeitamente homogéneo. Esta luta deve ser implacável e é absolutamente necessário desenvolvê-la, como nós o fizemos, até desacreditar completamente e expulsar dos sindicatos, todos os chefes incorrigíveis do oportunismo e do social-chauvinismo. É impossível conquistar o poder político (e não é preciso experimentar tomar o poder político) antes desta luta ter atingido um certo grau; nos diferentes países e nas diversas condições, este “certo grau” não é o mesmo, e só dirigentes políticos do proletariado, sensatos, experimentados e competentes, podem determiná-lo com acerto em cada país. (Na Rússia a prova do sucesso nesta luta foi-nos particularmente dada pelas eleições à Assembleia Constituinte, em Novembro de 1917, alguns dias depois da Revolução proletária de 25 de Outubro de 1917. Nessas eleições, os mencheviques foram completamente derrotados, tendo obtido apenas 0,7milhões de votos – 1,4 milhões incluindo os da Transcaucásia – contra os 9 milhões dos bolcheviques. Ver a este respeito o meu artigo As eleições para a Assembleia Constituinte e a ditadura do proletariado no número 7/8 de A Internacional Comunista)[3].
Mas sustentamos a luta contra a “aristocracia operária” em nome das massas operárias e para pô-las ao nosso lado; combatemos os chefes oportunistas e social-chauvinistas para conquistar a classe operária. Seria absurdo desconhecer esta verdade elementar e evidente para todos. Ora, é precisamente esse, o erro que cometem os comunistas alemães “de esquerda”, que, do espírito reaccionário e contra-revolucionário dos centros dirigentes sindicais, saltam para a conclusão de que...é necessário sair dos sindicatos!! recusam aí trabalharem!! e queriam criar novas formas de organização inventadas por eles!! Asneira imperdoável que equivale a um grande serviço prestado pelos comunistas à burguesia. Porque os nossos mencheviques, assim como todos os líderes sindicais oportunistas, social-chauvinistas e kautskistas, não são mais do que “agentes da burguesia no seio do movimento operário” (o que sempre dissemos dos mencheviques) ou os “tenentes laborais da classe capitalista” (labour lieutenants of the capitalist class), segundo a magnífica expressão, profundamente correcta, dos discípulos americanos de Daniel de León. Não trabalhar nos sindicatos reaccionários é abandonar as massas operárias insuficientemente desenvolvidas ou atrasadas pela influência dos líderes reaccionários, dos agentes da burguesia, da aristocracia operária ou dos “operários aburguesados” (cf. a este respeito a carta de Engels e Marx sobre os operários ingleses, 1858).
A despropositada “teoria” da não-participação dos comunistas nos sindicatos reaccionários mostra, claramente, com que leviandade, estes comunistas “de esquerda” encaram a questão da influência nas “massas”, e com que abuso utilizam a palavra “massas” nos seus apelos. Para saber ajudar as “massas” e conquistar a sua simpatia, adesão e apoio, é preciso não temer as dificuldades, os enganos, as armadilhas, os insultos, as perseguições pelos “chefes” (que, sendo oportunistas e social-chauvinistas, estão, na maior parte dos casos, ligados – directa ou indirectamente – à burguesia e à policia) e trabalhar precisamente aonde estiverem as massas. É preciso saber sofrer todos os sacrifícios e superar os maiores obstáculos para poder fazer um trabalho de agitação e propaganda metódico com perseverança, pertinácia e paciência justamente nas instituições, sociedades e organizações – mesmo nas mais reaccionárias – por toda a parte onde haja massas proletárias ou semi-proletárias. Ora os sindicatos e as cooperativas operárias (estas pelo menos em certos casos) são precisamente organizações onde se encontram as massas. Na Inglaterra, segundo as informações de um jornal sueco Folkets Dagblad Politiken[4] (de 10 de Março de 1920), o número e efectivos das trade-unions passou, do fim de 1917 ao fim de 1918, de 5 500 000 para 6 600 000, isto é aumentou 19%. No fim de 1919 aumentou para 7 500 000. Não tenho à mão os números correspondentes à França e à Alemanha; mas factos absolutamente indiscutíveis e conhecidos de todos atestam que também nestes países se verifica um sensível aumento do número de sindicalizados.
Tais factos provam com toda a evidência o que milhares de outros sintomas confirmam: o crescimento da consciência e a tendência cada vez maior para a organização que se manifestam justamente nas “camadas inferiores” das massas proletárias, entre os elementos atrasados. Na Inglaterra, França e Alemanha, milhões de operários passam pela primeira vez da total desorganização à forma de organização elementar, inferior, mais simples e mais acessível (para os que ainda estão imbuídos de preconceitos democrático-burgueses) isto é: os sindicatos. E os Comunistas de Esquerda, revolucionários mas pouco razoáveis, estacionam a gritar “as massas”, “as massas”!, e recusam-se a militar no seio dos sindicatos!! desculpando-se com o seu “espírito reaccionário”!! e inventam uma “União Operária” completamente nova, pura, virgem de preconceitos democrático-burgueses, dos pecados corporativos e estritamente profissionais, união essa que, segundo dizem, será (será!) ampla e para adesão da qual é preciso simplesmente (simplesmente!) “reconhecer o sistema dos Sovietes e a ditadura” (ver mais atrás a citação)!!
Seria impossível conceber maior disparate, maior prejuízo causado à revolução pelos revolucionários “de esquerda”! Se na Rússia, depois de dois anos e meio de vitórias sem precedente sobre a burguesia da Rússia e da Entente, estabelecêssemos actualmente, como condição de entrada nos sindicatos o “reconhecimento da ditadura”, cometeríamos uma asneira, traríamos prejuízo à nossa influência sobre as massas e faríamos o jogo dos mencheviques. Porque a tarefa dos comunistas é em saber convencer os elementos atrasados, saber trabalhar entre eles e não em isolar-se deles com palavras-de-ordem “de esquerda” de invenção ingénua.
Não há dúvida nenhuma que os senhores Gompers, Henderson, Jouhaux e Legien[5] ficarão muito reconhecidos a esses revolucionários “de esquerda” que, como os da oposição “de princípio” alemã (Deus nos guarde de semelhantes “princípios”!) ou como alguns revolucionários americanos dos “Operários Industriais do Mundo”[6], nos Estados Unidos, pregam o abandono dos sindicatos reaccionários e recusam-se a trabalhar aí. Não duvidamos de que os senhores “leaders” do oportunismo recorrerão a todos os artifícios da diplomacia burguesa, à ajuda dos governos burgueses, ao clero, à policia e aos tribunais, para impedir a entrada dos comunistas nos sindicatos, expulsá-los de lá por todos os meios, tornar-lhes o trabalho nos sindicatos o mais desagradável possível, ultrajá-los, cercá-los e persegui-los. É preciso saber resistir a tudo isso, estar disposto a todos os sacrifícios, usar mesmo – em caso de necessidade – de todos os estratagemas, artifícios e processos ilegais, evasivas e subterfúgios, com o único objectivo de entrar nos sindicatos, permanecer neles e realizar aí, custe o que custar, a acção comunista. Sob o czarismo, até 1905, não tivemos nenhuma “possibilidade legal”; mas quando o polícia Zoubatov organizava assembleias ultra-reaccionárias de operários e associações operárias para referenciar e combater os revolucionários, nós enviávamos a essas assembleias e para essas associações, membros do nosso Partido (entre eles, recordo-me pessoalmente do operário de Petersburgo, Babouchkine, notável militante, fuzilado em 1906 pelos generais do czar), que estabeleciam a ligação com as massas, conseguiam realizar a sua agitação e arrancavam os operários da influência dos homens de Zoubatov. Não há dúvida que é mais difícil actuar assim nos países da Europa Ocidental, particularmente imbuídos de preconceitos legalistas, constitucionais e democrático-burgueses muito enraizados. Contudo pode-se e deve-se fazê-lo, e fazê-lo sistematicamente.
O Comité Executivo da III Internacional deve, na minha opinião, condenar abertamente e propor ao próximo congresso da Internacional Comunista que condene, de um modo geral, a política de não-participação nos sindicatos reaccionários (explicando pormenorizadamente o que uma tal não-participação tem de errado e de infinitamente prejudicial à causa da revolução proletária) e, particularmente, a linha de conduta de certos membros do Partido Comunista Holandês, que – directamente, abertamente ou não, na totalidade ou em parte tanto faz) sustentaram esta falsa política. A III Internacional deve renunciar à táctica da II, e não evitar as questões penosas, não as encobrir mas pô-las frontalmente. Dissemos, abertamente, toda a verdade aos “independentes” (ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha); é preciso dizê-la, do mesmo modo, aos comunistas “de esquerda”.
[1] No Diário Operário Comunista 12 (n.º. 32, Hamburgo, 7 de Fevereiro de 1920), Karl Erler, num artigo intitulado A dissolução do Partido, escreve: "A classe operária não pode destruir o Estado burguês sem aniquilar a democracia burguesa, e não pode aniquilar a democracia burguesa sem destruir os partidos “.
As mais confusas cabeças dos sindicalistas e anarquistas latinos podem sentir-se "satisfeitas": alguns alemães importantes que pelos vistos, se consideram marxistas (em seus artigos no jornal citado, K. Erler e K. Horner demonstram serenamente que se consideram firmes marxistas, apesar de dizerem de modo singularmente ridículo tolices inacreditáveis, manifestando assim não conhecer o ABC do marxismo) chegam a afirmar coisas completamente absurdas. Por si só, o reconhecimento do marxismo não exime ninguém dos erros. Os russos bem sabem disso, porque o marxismo, com muita frequência, esteve “em moda" em nosso pais. '(Nota do autor)
[2] Malinovski esteve preso na Alemanha. Quando regressou à Rússia, já no poder bolchevique, foi imediatamente entregue aos tribunais e fuzilado pelos nossos operários. Os mencheviques criticaram-nos acerbamente pelo erro de ter abrigado um, provocador no Comité Central do nosso Partido, mas, quando no período de Kerenskí exigimos que fosse detido e julgado o presidente da Duma, Rodzianko, que desde antes da guerra sabia que Malinovski era um provocador e não comunicara o facto aos deputados "trudoviques" (trabalhistas) e operários da Duma, nem os mencheviques nem os socialistas revolucionários, que formavam o governo de Kerenski, apoiaram a nossa exigência, e Rodzianko ficou em liberdade e pode unir-se a Denikin sem o menor obstáculo. (Nota do autor)
[3] A Internacional Comunista, revista, órgão do Comité Executivo d Internacional Comunista, publicada em russo, alemão, francês, inglês, espanhol e chinês, de 1919 até 1943.
[4] Diário Popular Político, órgão dos social-democratas suecos, que, em 1917, formaram o Partido Social-Democrata de Esquerda da Suécia; começou a publicar-se em Estocolmo em Abril de 1916. Em 1921, o Partido Social-Democrata de Esquerda aderiu ao Komintern e tomou o nome de Partido Comunista. Depois da cisão operada na seio do Partido Comunista da Suécia em Outubro de 1929, o jornal passou para as mãos da sua ala direita. Deixou de ser publicado em Maio de 1945.
[5]Os Gompers, os Henderson, os Johaux e os Legien nada mais são que os Zoubatov, diferenciando-se dele por seus trajes europeus, o porte elegante e refinados processos aparentemente democráticos e civilizados que empregam para realizar a sua abominável política. (Nota do autor)
[6] Operários Industriais do Mundo [Industrial Workers of the World], união profissional dos operários dos Estados Unidos; foi fundada em 1905, reunia principalmente os operários não-qualificados e mal remunerados das diversas profissões. Em 1905-1907, quando o movimento grevista americano conheceu um recrescimento de actividade sob a influência da revolução na Rússia, os Industrial Workers of the World organizaram grande número de greves de massas que foram vitoriosas, lutaram contra a política de colaboração das classes, praticada pelos chefes reformistas da Federação Americana do Trabalho e pelos socialistas de direita. Durante a primeira guerra imperialista, os Industrial Workers of the World participaram na organização de manifestações contra a guerra da classe operária americana. Alguns chefes dos Industrial Workers of the World (W. Heywood e outros) saudaram a Revolução Socialista de Outubro e aderiram ao partido Comunista dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a actividade desta organização teve uma tonalidade anarco-sindicalista: não reconhecia a necessidade para a classe operária de conduzir a luta política, negava o papel dirigente do Partido, a ditadura do proletariado, não queria trabalhar entre os membros dos sindicatos aderindo à Federação Americana do Trabalho. Os chefes anarco-sindicalistas da organização, aproveitando o facto de os seus numerosos chefes revolucionários se encontrarem presos, rejeitaram, apesar da vontade da massa dos sindicalizados, o apelo do Comité executivo da Internacional Comunista, dirigido à organização em 1920, convidando-a a aderir ao Komintern. A política oportunista da direcção dos Industrial Workers of the World tornou-a uma organização sectária que perdeu muito depressa toda a influência no movimento operário.
(início)
Anos de preparação da revolução (1903/1905). Prenúncio de grande tempestade em toda parte. Fermentação e preparativos em todas as classes da sociedade. No estrangeiro, a imprensa dos emigrados expõe teoricamente todas as questões fundamentais da revolução. Representantes das três classes fundamentais, das três correntes políticas principais – a liberal-burguesa, a democrático-pequeno-burguesa (encoberta pelos rótulos de “social-democrática” e “socialista revolucionária”) e a proletária revolucionária – através de uma luta encarniçada de concepções programáticas e tácticas, prenunciam e preparam a futura luta de classes aberta. Todas as questões que motivaram a luta armada das massas em 1905/1907 e em 1917/1920 podem (e devem) ser encontradas, em forma embrionária, na imprensa daquela época. Entre essas três grandes áreas existia, é claro, uma série de formações intermédias, de transição, híbridas. Ou melhor: é na luta nos órgãos da imprensa, que os partidos políticos, as fracções e os grupos cristalizam as tendências ideológicas e políticas com carácter realmente de classe, que cada uma das classes forja para si a adequada arma ideológica e política para as batalhas iminentes.
Anos de revolução (1905/1907). Todas as classes agem abertamente. Todas as concepções programáticas e tácticas são testadas pela acção das massas. Luta grevista sem precedentes no mundo inteiro pela sua amplitude e dureza. Escalada da greve económica para a greve política e da greve política para a insurreição. As relações de liderança entre o proletariado dirigente e o campesinato vacilante e instável são testadas na prática. Nascimento, no processo espontâneo da luta, da forma soviética de organização. As controvérsias de então sobre o papel dos sovietes são uma antecipação da grande luta de 1917/1920. Sucessão de formas de luta parlamentares e não parlamentares, de tácticas de boicote ao parlamento e de participação no mesmo, e de formas legais e ilegais de luta, assim como as relações recíprocas e as ligações existentes entre elas – tudo isto marcado por uma extraordinária riqueza de conteúdo. Cada mês deste período equivale, do ponto de vista da aprendizagem dos fundamentos da ciência política – das massas e chefes, das classes e partidos –, a um ano de desenvolvimento “pacífico” e “constitucional”. Sem o “ensaio geral” de 1905, a vitória da Revolução de Outubro de 1917 teria sido impossível.
Anos de reacção (1907/1910). O czarismo ganhou. Foram esmagados todos os partidos revolucionários e da oposição. Desânimo, desmoralização, cisões, discórdia, deserções, pornografia em vez de política. Fortalecimento da tendência para o idealismo filosófico, o misticismo torna-se o disfarce de estado de espírito contra-revolucionário. Todavia, ao mesmo tempo, é esta grande derrota que ensina aos partidos revolucionários e à classe revolucionária uma verdadeira lição muito proveitosa, uma lição de dialéctica histórica, a da compreensão, da habilidade e da arte na condução da luta política. Os verdadeiros amigos manifestam-se na desgraça. Os exércitos derrotados passam por uma boa escola.
O czarismo vitorioso vê-se obrigado a destruir apressadamente as remanescências do regime pré-burguês e patriarcal na Rússia. O desenvolvimento burguês do país progride com notável rapidez. As ilusões à margem e acima das classes, as ilusões sobre a possibilidade de evitar o capitalismo dissipam-se. A luta de classes manifesta-se de modo absolutamente novo e com maior clareza.
Os partidos revolucionários têm de completar a sua edução. Aprenderam a atacar. Agora têm que compreender que essa ciência deve ser completada pela de saber recuar ordenadamente. É preciso compreender – e a classe revolucionária compreende-o pela sua própria amarga experiência – que não se pode triunfar sem saber atacar e como retirar correctamente. De todos os partidos revolucionários e da oposição derrotados, foram os bolcheviques que recuaram com maior ordem, com menores perdas no seu “exército”, conservando melhor o núcleo central, com cisões menos profundas e irreparáveis, menos desmoralização e com maior capacidade para reiniciar a acção de modo mais amplamente correcto e vigoroso. E se os bolcheviques conseguiram tal resultado foi exclusivamente porque desmascararam impiedosamente e expulsaram os revolucionários de boca, obstinados em não compreender que é necessário recuar, que é preciso saber recuar, que é necessário aprender a actuar legalmente nos parlamentos mais reaccionários e nas organizações sindicais, cooperativas, nas organizações de socorros mútuos e outras semelhantes, por mais reaccionárias que sejam.
Anos de ascenso (1910/1914). A princípio, o ascenso foi incrivelmente lento, em seguida, depois dos acontecimentos do Lena em 1912, um pouco mais rápido. Vencendo dificuldades inauditas, os bolcheviques arrojaram os mencheviques, cujo papel como agentes da burguesia no movimento operário foi admiravelmente compreendido depois de 1905 por toda a burguesia e aos quais, por isso mesmo, ela apoiou de mil maneiras contra os bolcheviques. Mas estes nunca teriam conseguido isso, se não tivessem aplicado uma táctica justa, combinando o trabalho ilegal com a utilização obrigatória das “oportunidades legais”. Na mais reaccionária das Dumas, os bolcheviques conquistaram toda a bancada operária.
Primeira guerra imperialista mundial (1914/1917). O parlamentarismo legal, com um “parlamento” ultra-reaccionário, presta os mais úteis serviços ao partido do proletariado revolucionário, aos bolcheviques. Os deputados bolcheviques são deportados para a Sibéria. Todos os matizes das concepções do social-imperialismo, do social-chauvinismo, do social-patriotismo, do internacionalismo inconsequente e do consequente, do pacifismo e o repúdio revolucionário das ilusões pacifistas, encontram a mais plena expressão na imprensa dos emigrados. Os imbecis sabichões e as velhas comadres da II Internacional, que franziam o cenho com desdém e arrogância ante a abundância de “fracções” no socialismo russo e ante a luta encarniçada que havia entre elas, quando a guerra suprimiu em todos os países avançados a tão alardeada “legalidade”, foram incapazes de organizar, ainda que apenas aproximadamente, um intercâmbio livre (ilegal) de ideias e uma elaboração livre (ilegal) de concepções justas, como os revolucionários russos organizaram na Suíça e noutros países. É precisamente por isso que tanto os social-patriotas declarados como os “kautskianos” de todos os países se revelaram os piores traidores do proletariado. E se o bolchevismo foi capaz de triunfar em 1917/1920, uma das causas fundamentais dessa vitória foi que desmascarou impiedosamente, já desde fins de 1914, a vileza, a infâmia e a abjecção do social-chauvinismo e do “kautskismo” (ao qual correspondem o longuetismo na França, as ideias dos chefes do Partido Trabalhista Independentee dos fabianos na Inglaterra, de Turati na Itália, etc.) e as massas foram-se convencendo cada vez mais, por experiência própria, da justeza das concepções dos bolcheviques.
Segunda revolução russa (Fevereiro-Outubro de 1917). O incrível grau de decrepitude e obsolescência do czarismo criou contra ele (com ajuda dos reveses e sofrimentos de uma guerra infinitamente penosa) uma tremenda força destruidora. Em poucos dias, a Rússia converteu-se numa república burguesa democrática, mais livre – em condições de guerra – do que qualquer outro país. Os chefes dos partidos da oposição e revolucionários começaram a formar governo como na maior parte das repúblicas “puramente parlamentares”, e o título de chefe de um partido de oposição no parlamento, mesmo no mais reaccionário jamais havido, facilitou o papel ulterior como chefe na revolução
Em poucas semanas, os mencheviques e os “socialistas revolucionários” assimilaram com perfeição todos os métodos e processos, argumentos e sofismas dos heróis europeus da II Internacional, dos ministerialistas e de outro lixo oportunista. Tudo que hoje lemos sobre os Scheidemann e os Noske, Kautsky e Hilferding, Renner e Austerlitz, Otto Bauer e Fritz Adler, Turati e Longuet, sobre os fabianos e os chefes do Partido Trabalhista Independente da Inglaterra nos parece (e é, na realidade) uma repetição monótona de um assunto antigo e conhecido. Já vimos tudo isso no exemplo dos mencheviques. A História pregou uma partida, obrigando os oportunistas de um país atrasado a manifestarem-se antes dos oportunistas de uma série de países avançados.
Se todos os heróis da II Internacional fracassaram e envergonham-se sobre a questão do papel e da importância dos sovietes e do Estado soviético, se eles se cobriram de ignomínia com singular “brilhantismo” e se os chefes dos três grandes partidos que se separaram agora da II Internacional (Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, Partido Longuetista da França e Partido Trabalhista Independente da Inglaterra) atolaram-se nessa questão, se todos eles se tornaram escravos dos preconceitos da democracia pequeno-burguesa (bem no espírito dos pequeno-burgueses de 1848, que se chamavam “social-democratas”), também é verdade que já vimos tudo isso no exemplo dos mencheviques. A história fez esse gracejo: os Sovietes surgiram na Rússia em 1905, foram falsificados em Fevereiro-Outubro de 1917 pelos mencheviques – que fracassaram por não terem compreendido o papel e a importância dos Sovietes – e hoje emergiu no mundo inteiro a ideia do Poder Soviético, ideia que se difunde com uma velocidade extraordinária entre o proletariado de todos os países. Enquanto isso, os antigos heróis da II Internacional fracassam em toda parte, por não terem sabido compreender, do mesmo modo que os nossos mencheviques, o papel e a importância dos Sovietes. A experiência demonstrou que, em algumas questões essenciais da revolução proletária, todos os países terão de fazer, inevitavelmente, o que a Rússia tem feito.
Contrariamente às opiniões que não raro se expendem agora na Europa e na América, os bolcheviques começaram com muita prudência e não prepararam de modo algum com facilidade a sua vitoriosa luta contra a república burguesa parlamentar (de facto) e contra os mencheviques. No início do período citado, não conclamámos ao derrube do governo, mas explicámos a impossibilidade de fazê-lo sem modificar previamente a composição e o estado de espírito dos Sovietes. Não proclamámos o boicote ao parlamento burguês, a Assembleia Constituinte, mas, pelo contrário, dissemos, e a partir da Conferência Abril (1917) do nosso partido passámos a dizê-lo oficialmente em nome do partido, que uma república burguesa com uma Constituinte era preferível à mesma república sem Constituinte, mas que a república “operário-camponesa” soviética é melhor que qualquer república democrático-burguesa, parlamentar. Sem essa preparação prudente, completa, sensata e prolongada não teríamos podido alcançar nem manter a vitória de Outubro de 1917.
Em primeiro lugar, e acima de tudo, na luta contra o oportunismo que, em 1914, se transformou definitivamente em social-chauvinismo e se bandeou definitivamente para o lado da burguesia contra o proletariado. Foi, naturalmente, o principal inimigo do bolchevismo dentro do movimento operário. Este continua a ser o principal inimigo numa escala internacional. O bolchevismo prestou e presta a este inimigo a maior atenção. Esse aspecto da actividade dos bolcheviques já é muito bem conhecido no estrangeiro.
Quanto a outro inimigo do bolchevismo no movimento operário, a coisa já é bem diferente. Pouco se sabe, no estrangeiro, que o bolchevismo cresceu, formou-se e temperou-se, durante muitos anos, na luta contra o revolucionarismo pequeno-burguês, parecido com o anarquismo, ou que adquiriu dele alguma coisa, afastando-se, em tudo o que é essencial, das condições e exigências de uma consequente luta de classes do proletariado. A teoria marxista provou – e a experiência de todas as revoluções e movimentos revolucionários europeus confirmaram-no totalmente – que o pequeno proprietário, o pequeno patrão (tipo social que em muitos países europeus tem uma escala de massas muito ampla), que sofre sob o capitalismo uma opressão contínua e, amiúde, um agravamento terrivelmente brusco e rápido de precárias condições de vida, não sendo difícil arruinar-se, passa facilmente para uma posição ultra-revolucionária, mas é incapaz de manifestar serenidade, organização, disciplina e firmeza. O pequeno-burguês “enfurecido” pelos horrores do capitalismo é, como o anarquismo, um fenómeno social comum a todos os países capitalistas. São bem conhecidas a inconstância e a esterilidade de tais revolucionários, tanto como a facilidade com que se transformam rapidamente em submissão, apatia, fantasias, e mesmo num entusiasmo “frenético” por uma qualquer outra tendência burguesa “na moda”. Contudo, o reconhecimento teórico, abstracto, de tais verdades não é suficiente para proteger um partido revolucionário de antigos erros, que sempre acontecem por motivos inesperados, com ligeiras variações de forma – com aparência ou contornos nunca vistos anteriormente em ambientes sem precedentes –, mais ou menos originais.
O anarquismo é frequentemente uma espécie de expiação dos pecados oportunistas do movimento operário. Estas duas anomalias completam-se reciprocamente. Se o anarquismo exerceu na Rússia uma influência relativamente insignificante nas duas revoluções (1905 e 1917) e durante a sua preparação, não obstante a população pequeno-burguesa ser aqui mais numerosa que nos países europeus, isso se deve, em parte, sem dúvida, ao bolchevismo, que sempre lutou impiedosa e inconciliavelmente contra o oportunismo. Digo “em parte” porque o que mais contribuiu para debilitar o anarquismo na Rússia foi a possibilidade que teve no passado (década de 70 do século XIX) de alcançar um desenvolvimento extraordinário, revelando no final com profundidade a sua incapacidade de servir como teoria dirigente da classe revolucionária.
Ao surgir em 1903, o bolchevismo herdou a tradição de luta implacável contra o revolucionarismo pequeno-burguês, semi-anarquista (ou capaz de “namoricar” o anarquismo), tradição que sempre existira na social-democracia revolucionária e que se consolidou particularmente no nosso país em 1900/1903, quando foram estabelecidas as bases do partido de massas do proletariado revolucionário da Rússia. O bolchevismo fez sua e continuou a luta contra o partido que mais fielmente representava as tendências do revolucionarismo pequeno-burguês (isto é, o partido dos “socialistas revolucionários”) em três pontos principais. Em primeiro lugar, esse partido, que repudiava o marxismo, obstinava-se em não querer compreender (talvez fosse mais justo dizer que não podia compreender) a necessidade de levar em conta, com estrita objectividade, as forças de classe e as relações mútuas antes de empreender qualquer acção política. Em segundo lugar, esse partido via um sinal particular de “revolucionarismo” ou de “esquerdismo” no reconhecimento do terror individual, dos atentados, que nós, marxistas, rejeitávamos categoricamente. É claro que condenávamos o terror individual exclusivamente por conveniência; as pessoas capazes de condenar “por princípio” o terror da grande revolução francesa ou, de modo geral, o terror de um partido revolucionário vitorioso, assediado pela burguesia do mundo inteiro, já foram fustigadas e ridicularizadas por Plekhanov em 1900/1903, quando este era marxista e revolucionário. Em terceiro lugar, ser “esquerdista” consistia, para os “socialistas revolucionários”, em rir dos pecados oportunistas, relativamente leves, da social-democracia alemã, ao mesmo tempo que imitavam os ultra-oportunistas desse mesmo partido, em questões como a agrária ou a da ditadura do proletariado.
A História, diga-se de passagem, confirmou hoje, em grande escala, na escala histórico-mundial, a opinião que sempre defendemos, isto é, que a social-democracia revolucionária alemã (devemos levar em conta que, já em 1900/1903, Plekhanov reclamava a expulsão de Bernstein do partido e que os bolcheviques, mantendo sempre essa tradição, desmascaravam em 1913 toda a vilania, a baixeza e a traição de Legien) estava mais próxima que ninguém do partido que o proletariado revolucionário necessitava para triunfar. Agora, em 1920, depois de todos os rompimentos e crises ignominiosos da época da guerra e dos primeiros anos que a sucederam, vê-se com clareza que, de todos os partidos ocidentais, a social-democracia revolucionária alemã é quem deu os melhores dirigentes e que também mais rapidamente recuperou, se corrigiu e se fortaleceu. Isso também se verifica no partido dos espartaquistas e na ala esquerda, proletária, do “Partido Social-Democrata Independente da Alemanha”, que mantém uma luta firme contra o oportunismo e a cobardia dos Kautsky, Hilferding, Ledebour e Crispien. Se dermos agora uma olhada num período histórico completamente encerrado, que vai da Comuna de Paris à primeira República Socialista Soviética, veremos delinear-se com relevo absolutamente definido e indiscutível a posição do marxismo diante do anarquismo. Em última análise, o marxismo demonstrou ter razão, e se os anarquistas assinalaram com justeza o carácter oportunista das concepções sobre o Estado que imperavam na maioria dos partidos socialistas, deve-se dizer, em primeiro lugar, que esse oportunismo provinha de uma deformação e até mesmo de uma ocultação consciente das ideias de Marx a respeito do Estado (no meu livro O Estado e a Revolução registei que Bebel manteve no fundo de uma gaveta durante 36 anos, de 1875 a 1911, a carta em que Engels denunciava com singular realce, vigor, franqueza e clareza o oportunismo das concepções social-democratas em voga sobre o Estado); e, em segundo lugar, que a rectificação dessas ideias oportunistas e o reconhecimento do poder soviético e da sua superioridade sobre a democracia parlamentar burguesa partiram com maior amplitude e rapidez precisamente das tendências mais marxistas existentes no seio dos partidos socialistas da Europa e da América.
Houve dois momentos em que luta do bolchevismo contra os desvios “esquerdistas” do seu próprio partido adquiriu dimensões particularmente consideráveis: em 1908, em torno da participação num “parlamento” ultra-reaccionário e nas associações operárias legais, regidas por leis reaccionárias, e em 1918 (paz de Brest), em torno da admissibilidade de um “compromisso”.
Em 1908, os bolcheviques “de esquerda” foram expulsos do partido, em virtude de seu empenho em não querer compreender a necessidade de participar num “parlamento” ultra-reaccionário. Os “esquerdistas”, entre os quais havia muitos excelentes revolucionários que depois foram (e continuam a ser) honrosamente membros do Partido Comunista, apoiavam-se, principalmente, na feliz experiência do boicote de 1905. Quando o czar anunciou, em Agosto de 1905, a convocação de um “parlamento” consultivo, os bolcheviques, contra todos os partidos da oposição e contra os mencheviques, declararam o boicote a esse parlamento, que foi liquidado, com efeito, pela revolução de Outubro de 1905. Naquela ocasião, o boicote foi justo, não porque seja certo abster-se, de modo geral, de participar nos parlamentos reaccionários, mas porque foi levada em conta, acertadamente, a situação objectiva, que levava à rápida transformação das greves de massas em greves políticas e, sucessivamente, em greve revolucionária e em insurreição. Além disso, o motivo da luta era, nessa época, saber se se devia deixar nas mãos do czar a convocação da primeira instituição representativa, ou se se devia tentar arrancá-la das mãos das antigas autoridades. Como não havia, nem podia haver, a plena certeza de que a situação objectiva era semelhante e que o seu desenvolvimento havia de realizar-se no mesmo sentido e com igual ritmo, o boicote deixou de ser correcto.
O boicote dos bolcheviques ao “parlamento” em 1905, enriqueceu o proletariado revolucionário com uma experiência política extraordinariamente preciosa, mostrando que, na combinação das formas de luta legais e ilegais, parlamentares e extraparlamentares, é, às vezes, conveniente e até obrigatório saber renunciar às formas parlamentares. Mas transportar cegamente, por simples imitação, sem espírito critico, essa experiência para outras condições, para outra situação, é o maior dos erros. O que já constituíra um erro, embora pequeno e facilmente corrigível[1], foi o boicote dos bolcheviques à “Duma” em 1906. Os boicotes de 1907, 1908 e anos seguintes, foram erros muito mais sérios e dificilmente reparáveis, quando, por um lado, não era acertado esperar que a onda revolucionária se reerguesse com muita rapidez e se transformasse em insurreição e, por outro, o conjunto da situação histórica originada pela renovação da monarquia burguesa impunha a necessidade de se combinar o trabalho legal com o ilegal. Hoje, quando se considera retrospectivamente esse período histórico já encerrado por completo, cuja ligação com os períodos posteriores já se manifestou plenamente, torna-se particularmente claro que os bolcheviques não teriam podido conservar (já não digo consolidar, desenvolver e fortalecer) o núcleo sólido do partido revolucionário do proletariado em 1908/1914, se não houvessem defendido, na mais árdua luta, a combinação obrigatória de formas legais de luta com ilegais, a participação obrigatória num parlamento ultra-reaccionário e numa série de instituições regidas por leis reaccionárias (associações de socorro mútuo, etc.).
Em 1918, as coisas não chegaram à cisão. Os comunistas “de esquerda” só constituíram, na ocasião, um grupo especial, ou “fracção”, dentro de nosso Partido, e por pouco tempo. No mesmo ano, os mais destacados representantes do “comunismo de esquerda”, Rádek e Bukharin, por exemplo, reconheceram abertamente o erro. Achavam que a paz de Brest era um compromisso com os imperialistas, inaceitável por princípio e funesto para o partido do proletariado revolucionário. Tratava-se, realmente, de um compromisso com os imperialistas; mas era precisamente um compromisso duma espécie que era obrigatório naquelas circunstâncias.
Hoje, quando ouço, por exemplo, os “socialistas revolucionários” atacarem a nossa táctica de assinar a paz de Brest, ou uma observação como a que me foi feita pelo camarada Landsbury durante uma conversa: “Os chefes das nossas trade-unions inglesas dizem que é aceitável o compromisso para eles, uma vez que os bolcheviques também o admitiram”, respondo habitualmente, antes de tudo, com uma comparação simples e “popular”:
Imagine que o automóvel no qual viaja é detido por bandidos armados. Dá-lhes o dinheiro, o documento de identidade, o revólver e o automóvel. Em troca disso, escapa da agradável companhia dos bandidos. Trata-se, evidentemente, de um compromisso. Do ut des (“dou” o dinheiro, as armas e o automóvel, “para que me dês” a possibilidade de seguir em paz). Dificilmente, porém, se encontraria um homem sensato capaz de declarar que esse compromisso é “inadmissível por princípio”, ou de denunciar quem o assumiu como cúmplice dos bandidos (ainda que esses bandidos, de posse do automóvel e das armas, possam utilizá-los para novas pilhagens). O nosso compromisso com os bandidos do imperialismo alemão foi semelhante a este.
Mas quando os mencheviques e os socialistas revolucionários na Rússia, os partidários de Scheidemann (e, em grande parte, os kautskistas) na Alemanha, Otto Bauer e Friedrich Adler (sem falar dos Srs. Renner e outros) na Áustria, os Renaudel, Longuet & C.ª em França, os fabianos, os “independentes” e os “trabalhistas” na Inglaterra assumiram, em 1914/1918 e em 1918/1920, com os bandidos da sua própria burguesia e, às vezes, com os da burguesia “aliada”, compromissos contra o proletariado revolucionário do seu próprio país, esses senhores agiram como cúmplices do banditismo.
A conclusão é clara: rejeitar compromissos “por princípio”, negar a legitimidade de qualquer compromisso em geral, constitui uma infantilidade que é inclusive difícil de se levar a sério. Um político que queira ser útil ao proletariado revolucionário deve saber distinguir os casos concretos de compromissos que são mesmo inadmissíveis, que são uma expressão de oportunismo e de traição, e dirigir contra esses compromissos concretos toda a força da critica, todo o esforço de um desmascaramento implacável e de uma guerra sem quartel, não permitindo aos velhos manobradores do “negócio” socialista e aos jesuítas parlamentares que se livrem de responsabilidades por meio de prelecções sobre “compromissos em geral”. Os senhores “chefes” das trade-unions inglesas, assim como os da Sociedade Fabiana e do Partido Trabalhista “Independente”, pretendem, exactamente desse modo, eximir-se da responsabilidade da traição que cometeram, por haverem assumido um compromisso que, na realidade, nada mais é que oportunismo, deslealdade e traição da pior espécie.
Há compromissos e compromissos. É preciso saber analisar a situação e as circunstâncias concretas de cada compromisso, ou de cada variedade de compromissos. É preciso aprender a distinguir o homem que entregou aos bandidos a bolsa e as armas para diminuir o mal causado por eles e facilitar a sua captura e execução, daquele que dá aos bandidos a bolsa e as armas para participar da divisão do saque. Em política, nem sempre é assim tão fácil como neste pequeno exemplo de simplicidade infantil. Seria, porém, apenas charlatão quem pretendesse inventar para os operários uma fórmula que, antecipadamente, apresentasse soluções adequadas para todas as circunstâncias da vida, ou quem prometesse que na política do proletariado revolucionário nunca surgirão dificuldades nem situações complicadas.
A fim de não deixar margem a interpretações falsas, tentarei esboçar, ainda que em poucas palavras, algumas orientações, para a análise de compromissos concretos.
O partido que acertou com o imperialismo alemão o compromisso de firmar a paz de Brest vinha elaborando na prática o seu internacionalismo desde fins de 1914. Esse partido não receou proclamar a derrota da monarquia czarista e condenar a “defesa da pátria”, na guerra entre dois predadores imperialistas. Os deputados desse partido no parlamento foram deportados para a Sibéria, em vez de seguirem o caminho que leva às pastas ministeriais num governo burguês. A revolução, ao derrubar o czarismo e proclamar a república democrática, submeteu esse partido a uma nova e importante prova: não ajustou nenhum acordo com os imperialistas do “seu” país, mas preparou o seu derrube e derrubou-os. Tomando o poder político, não deixou pedra sobre pedra nem da propriedade agrária nem da propriedade capitalista. Depois de publicar a invalidade dos tratados secretos dos imperialistas, esse partido propôs a paz a todos os povos e só cedeu ante a violência dos bandidos de Brest quando os imperialistas anglo-franceses frustraram a paz e depois dos bolcheviques terem feito tudo o que era humanamente possível para acelerar a revolução na Alemanha e noutros países. A total justeza de semelhante compromisso, assumido por tal partido nessas circunstâncias, torna-se dia a dia mais clara e evidente para todos.
Os mencheviques e socialistas revolucionários da Rússia (do mesmo modo que todos os chefes da II Internacional no mundo inteiro, em 1914/1920) começaram pela traição, justificando directa ou indirectamente a “defesa da pátria”, isto é, a defesa da sua burguesia espoliadora. Persistiram na traição coligando-se com a burguesia do seu país e lutando a seu lado contra o proletariado revolucionário do seu próprio país. A sua união na Rússia com Kerenski e os cadetes e, depois, com KoIchak e Denikin, assim como a aliança dos seus correligionários estrangeiros com a burguesia dos respectivos países, foi uma deserção para o campo da burguesia, contra o proletariado. O seu compromisso com os bandidos do imperialismo consistiu, do princípio ao fim, em tornar-se cúmplices do banditismo imperialista.
(a seguir)
[1] Pode-se dizer, da política e dos partidos – com as variações correspondentes – o mesmo que dos indivíduos. Inteligente não é aquele que não comete erros. Não há, nem pode haver, homens que não cometam erros. Inteligente é aquele que comete erros não muito graves e sabe corrigi-los acertada e rapidamente. (Nota do autor)
Nos primeiros meses que se seguiram à conquista do poder político pelo proletariado na Rússia (25-X/7-XI de 1917) poderia parecer que, em virtude das enormes diferenças existentes entre a Rússia atrasada e os países adiantados da Europa Ocidental, a revolução proletária nesses países seria muito pouco semelhante à nossa. Actualmente dispõe-se já de considerável experiência internacional, a qual mostra definitivamente que certas características fundamentais da nossa revolução têm um significado não local, ou particularmente nacional, exclusivamente russo, mas internacional. Não me refiro a um significado internacional no sentido amplo da palavra, de que não são apenas alguns, mas todos os aspectos fundamentais, e muitos secundários, da nossa revolução que têm importância internacional quanto à influência que exercem sobre todos os países. Refiro-me ao sentido mais restrito da palavra, tomando-a no sentido da validade internacional ou da inevitabilidade histórica de uma repetição, numa escala internacional, do que ocorreu no nosso país. Deve-se admitir este valor para algumas das características fundamentais da nossa revolução.
Naturalmente, seria um erro grosseiro exagerar o alcance desta verdade, aplicando-a a outros aspectos da nossa revolução além de alguns dos fundamentais. Também seria errado não ter em conta que depois da vitória da revolução proletária, mesmo que seja em apenas um dos países adiantados, se produzirá, com toda certeza, uma radical transformação: a Rússia, logo depois disso, transformar-se-á não em país modelo, e sim, de novo, em pais atrasado (do ponto de vista “soviético” e socialista).
No momento histórico actual, porém, trata-se exactamente de que o exemplo russo ensina algo a todos os países, algo muito substancial, a respeito do seu futuro próximo e inevitável. Os operários evoluídos de todos os países já compreenderam isso há muito tempo e, mais que compreender, pressentiram-no com o seu instinto de classe revolucionária. Daí a “significado” internacional (no sentido estrito da palavra) do poder soviético e dos fundamentos da teoria e da táctica bolcheviques. Esse facto não foi compreendido pelos chefes “revolucionários” da II Internacional, como Kautsky na Alemanha e Otto Bauer e Friedrich Adler na Áustria, que, por isso, provaram ser reaccionários e defensores do pior oportunismo e traição social. A propósito, o folheto anónimo A Revolução Mundial (Weltre-revolution), publicado em 1919 em Viena (Sozialistische Bücherei, Heft II; Ignaz Brand), apresenta com particular clareza todo o processo de pensamento e todo o conjunto de raciocínios, ou melhor, todo o abismo de incompreensões, pedantismo, vilania e traição aos interesses da classe operária – e além disso, mascarado de “defesa” da ideia da “revolução mundial”.
Mas teremos de deixar para outra ocasião o exame mais pormenorizado desse folheto. Limitemo-nos aqui a mais um ponto: na época, já bem distante, em que Kautsky era um marxista e não um renegado, previa, ao abordar a questão como historiador, a possibilidade do surgimento de uma situação em que o espírito revolucionário do proletariado russo se converteria em modelo para a Europa Ocidental. Isso foi em 1902, quando Kautsky publicou na “Iskra” revolucionária o artigo “Os eslavos e a Revolução”. Eis o que escreveu nesse artigo:
"Actualmente (ao contrário de 1848) parece que os eslavos não só incorporaram as fileiras dos povos revolucionários, como também, que o centro de gravidade das ideias e da acção revolucionárias se desloca cada vez mais para os eslavos. O centro revolucionário move-se de oeste para leste. Na primeira metade do século XIX encontrava-se em França e, por vezes, em Inglaterra. Em 1848, a Alemanha também se juntou às fileiras das nações revolucionárias... O novo século inicia-se com acontecimentos que sugerem a ideia de que caminhamos para um novo deslocamento do centro revolucionário: concretamente, da sua transferência para a Rússia... Rússia, que tendo tomado de empréstimo tanta iniciativa revolucionária do Ocidente, esteja hoje, ela própria, pronta para servir-lhe de fonte de energia revolucionária. O ardor actual do movimento revolucionário russo será, talvez, o meio mais poderoso para eliminar o espírito de filisteísmo flácido e de frio cálculo político que começa a difundir-se nas nossas fileiras e ressuscitará a chama viva do anseio de luta e da fidelidade apaixonada aos nossos grandes ideais. Há muito tempo que a Rússia deixou de ser para a Europa Ocidental um simples reduto da reacção e do absolutismo. A situação agora é, talvez, exactamente a oposta. A Europa Ocidental está a tornar-se o reduto da reacção e do absolutismo russos... É possível que os revolucionários russos já tivessem derrubado o czar há muito tempo se não fossem obrigados a lutar, ao mesmo tempo, contra o aliado deste, o capital europeu. Esperemos que desta vez consigam derrotar ambos os inimigos e que a nova “santa aliança" desmorone, mais rapidamente que as predecessoras. Contudo, seja qual for o resultado da luta actual na Rússia, o sangue e o sofrimento dos mártires que essa luta cria, infelizmente, em demasia, não terão sido em vão. Eles fecundarão os germes da revolução social em todo o mundo civilizado, fazendo-os crescer exuberante e rapidamente. Em 1848, os eslavos eram uma terrível geada que calcinava as flores da primavera popular. É bem possível que estejam agora destinados a cumprir o papel da tempestade que romperá o gelo da reacção e trará consigo irresistivelmente, uma nova e feliz primavera para os povos". (Karl Kautsky, Os eslavos e a revolução, artigo publicado na Iskra, jornal revolucionário da social-democracia russa, n.º 18, 10 de Março de 1902).
Como Karl Kautsky escrevia bem, há 18 anos!
Seguramente que hoje quase todo a gente percebe que os bolcheviques não poderiam ter-se mantido no poder, não dois anos e meio, mas tão-somente dois meses e meio, sem a disciplina severíssima, verdadeiramente férrea, dentro do nosso Partido, sem o apoio mais completo e abnegado prestado a este por toda a massa da classe operária, isto é, por tudo o que esta tem de consciente, honrado, abnegado, influente e capaz de conduzir com ela ou de atrair a si as camadas atrasadas.
A ditadura do proletariado é a guerra mais heróica e mais implacável da nova classe contra um inimigo mais poderoso, contra a burguesia, cuja resistência se decuplica com o seu derrubamento (ainda que num só país), e cujo poderio não reside apenas na força do capital internacional, na força e na solidez das relações internacionais da burguesia, mas ainda na força do costume, na força da pequena produção. Porque, infelizmente, ficou ainda no mundo muita e muita pequena produção, e a pequena produção engendra o capitalismo e a burguesia, cada dia, cada hora, de modo espontâneo e em massa. Por todos estes motivos, a ditadura do proletariado é indispensável, e é impossível vencer a burguesia sem uma guerra prolongada, tenaz, encarniçada, uma guerra de morte que exige serenidade, disciplina, firmeza, e uma vontade única e inflexível.
A experiência da ditadura proletária triunfante na Rússia, repito mais uma vez, mostrou claramente, a quem não sabe pensar ou a quem não teve oportunidade de reflectir sobre este problema, que a centralização incondicional e a disciplina mais severa do proletariado constituem uma das condições fundamentais da vitória sobre a burguesia.
Fala-se disso com frequência. Mas não se medita suficientemente sobre o que isso significa nem sobre as condições em que isso se torna possível. Não conviria que as saudações entusiásticas ao Poder dos Sovietes e aos bolcheviques fossem acompanhadas, mais frequentemente, pela mais séria análise das razões pelas quais os bolcheviques foram capazes de forjar a disciplina necessária ao proletariado revolucionário?
O bolchevismo existe como corrente do pensamento político e como partido político desde 1903. Somente a história do bolchevismo em todo o período de sua existência é capaz de explicar satisfatoriamente as razões pelas quais ele foi capaz de forjar e manter, nas mais difíceis condições, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
A primeira pergunta que surge é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como se verifica? Como se fortalece? Em primeiro lugar, pela consciência de classe da vanguarda proletária e pela fidelidade à revolução, pela firmeza, espírito de sacrifício, heroísmo. Em segundo lugar, pela capacidade de ligar-se, aproximar-se e, até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Em terceiro lugar, pela justeza da liderança política exercida por essa vanguarda, pela justeza da sua estratégia e da sua táctica políticas, com a condição de que as mais amplas massas vejam isso a partir da sua própria experiência. Sem estas condições é impossível alcançar a disciplina de um partido revolucionário realmente capaz de ser o partido da classe avançada, cuja missão é derrubar a burguesia e transformar toda a sociedade. Sem estas condições, os propósitos de implantar uma disciplina convertem-se, inevitavelmente, em ficção, em frases sem significado, em gestos grotescos. Mas, por outro lado, estas condições não podem surgir de repente. Somente se vão formando por um trabalho prolongado e árdua experiência; a sua formação é facilitada por uma teoria revolucionária correcta que, por sua vez, não é um dogma e só se forma de modo definitivo em estreita ligação com a experiência prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário.
Se o bolchevismo foi capaz de desenvolver e implementar com êxito, nos anos de 1917/1920, em condições de inaudita dificuldade, a mais rigorosa centralização e uma disciplina férrea, deve-se simplesmente a uma série de particularidades históricas da Rússia.
Por um lado, o bolchevismo surgiu em 1903 fundamentado na mais sólida base da teoria marxista. E a justeza dessa teoria revolucionária – e de nenhuma outra – foi demonstrada tanto pela experiência internacional de todo o século XIX como, em particular, pela experiência dos desvios, vacilações, erros e desilusões do pensamento revolucionário na Rússia. No decurso de quase meio século, aproximadamente de 1840 a 1890, o pensamento de vanguarda na Rússia, sob o jugo do terrível despotismo do czarismo selvagem e reaccionário, procurava avidamente uma teoria revolucionária justa, acompanhando com zelo e atenção admiráveis cada “última palavra” da Europa e da América nesse terreno. A Rússia alcançou o marxismo, como única teoria revolucionária justa, pelo sofrimento de meio século de tormentas incomparáveis e sacrifícios, de heroísmo revolucionário nunca visto, de incrível energia e abnegada pesquisa, de estudo, avaliação prática, desilusões, comprovação e comparação com a experiência europeia. Graças à emigração forçada pelo czarismo, a Rússia revolucionária da segunda metade do século XIX contava, mais que qualquer outro país, com uma enorme riqueza de relações internacionais e excelentes conhecimentos de todas as formas e teorias do movimento revolucionário mundial.
Por outro lado, o bolchevismo, surgido sobre essa base teórica de granito, passou por 15 anos de história prática (1903/1917) que, pela sua riqueza de experiência, não tem igual no mundo. Nenhum país, no decurso desses quinze anos, passou, nem ao menos aproximadamente, por experiência revolucionária tão rica na sucessão rápida e variada das diferentes formas do movimento, legais e ilegais, pacíficas e tumultuosas, clandestinas e abertas, de círculos locais e de massas, parlamentares e terroristas. Em nenhum país esteve concentrada, em tão curto espaço de tempo, semelhante riqueza de formas, matizes, métodos de luta, de todas as classes da sociedade contemporânea, luta que, além disso e em consequência do atraso do país e da gravidade da opressão czarista, amadureceu com singular rapidez e assimilou com particular sofreguidão e eficiência a “última palavra” da experiência política americana e europeia.
(a seguir)
"esquerdismo" - a doença infantil do com
a catastrofe iminente e os meios de a co
a classe operária e o neo-malthusianismo
as possibilidades de êxito da guerra
as tarefas dos destacamentos do exército
carta ao comité de combate junto do comi
chile: lição para os revolucionários de
discurso radiodifundido em 3 de julho de
do socialismo utópico ao socialismo cien
editorial do bandeira vermelha nº1
imperialismo - estádio supremo do capita
jornadas sangrentas em moscovo
karl marx (breve esboço biográfico...
manifesto do partido comunista
mensagem do comité central à liga dos co
o exército revolucionário e o governo re
o materialismo dialéctico e o materialis
os ensinamentos da insurreição de moscov
para uma linha política revolucionária
pensar agir e viver como revolucionários
reorganizar o partido revolucionário do
sobre o que aconteceu com o rei de portu