de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013
A catástrofe iminente e os meios de a conjurar - 2

(início)

O AGRUPAMENTO OBRIGATÓRIO EM CARTÉIS

A cartelização obrigatória, ou seja, a associação obrigatória dos industriais, por exemplo em cartéis, já foi praticamente aplicada na Alemanha. Tão pouco essa medida representa algo de novo. Também nisto, por culpa dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques, observamos a completa estagnação na Rússia republicana, estagnação que esses pouco honoráveis partidos «vão animando» dançando a quadrilha com os cadetes, ou com os Bublikov, ou com Tereschenko e Kerenski.

A cartelização obrigatória é, por um lado, uma espécie de impulso que o Estado imprime ao desenvolvimento capitalista, o qual conduz em todo o lado à organização da luta de classes, ao aumento do número, da variedade e da importância das associações. Por outro lado, esta cartelização obrigatória é a condição prévia e necessária de todo o controlo mais ou menos sério e de toda a política que queira a economia do trabalho do povo.

A lei alemã obriga, por exemplo, os fabricantes de uma determinada localidade ou de todo o país a organizarem-se num cartel de cujo conselho de administração faz parte, para efeitos de controlo, um representante do Estado. Esta lei não afecta directamente em nada, quer dizer, por si própria, as relações de propriedade, nem priva de um único kopek qualquer proprietário; tão pouco deixa prever se a forma, a tendência e o espírito do controlo serão burocráticos e reaccionários ou revolucionários e democráticos.

Leis como essa poderiam e deveriam decretar-se no nosso país imediatamente, sem perder uma só semana, de um tempo tão precioso, e deixando que as próprias condições de vida social determinassem as formas mais concretas e o ritmo de aplicação da lei, os meios de vigiar a sua aplicação, etc.. Para decretar tal lei, o Estado não necessita de dispor de um aparelho administrativo especial nem de recorrer a investigações especiais nem a estudos prévios de qualquer género; bastaria estar disposto a romper com certos interesses privados dos capitalistas, que «não estão acostumados» a estas intromissões e não querem perder os super-lucros que lhes assegura, a par de uma ausência de controlo, com a administração à antiga.

Para decretar tal lei não é necessário qualquer aparelho administrativo nem tão pouco é necessário qualquer «estatística» (com a qual Chernov pretendia suplantar a iniciativa revolucionária dos camponeses), pois a sua execução ficaria a cargo dos próprios fabricantes e industriais, das forças sociais já existentes, sob controlo das forças sociais (quer dizer, não governamentais, não burocráticas) também existentes, mas que devem pertencer obrigatoriamente às chamadas «camadas inferiores», quer dizer, às classes oprimidas e exploradas, que pelo seu heroísmo, pela sua abnegação e pela sua disciplina baseada na camaradagem sempre têm demonstrado, durante todo o curso da história, serem infinitamente superiores às exploradoras.

Suponhamos que temos um governo verdadeiramente democrático e revolucionário e que este governo decreta: todos os fabricantes e industriais, sempre e quando empreguem, digamos não menos de dois operários, devem agrupar-se imediatamente, por cada ramo de produção, em associações de distrito e de província. A responsabilidade do estrito cumprimento desta lei cabe em primeiro lugar aos fabricantes, aos directores, aos membros dos conselhos de administração e aos grandes accionistas (pois todos eles são os verdadeiros chefes da indústria moderna, os seus verdadeiros patrões). Os que pretenderem subtrair-se ao cumprimento imediato dessa lei, serão considerados como desertores debaixo de fogo, aplicando-se-lhes o castigo correspondente, fazendo-os responder com todos os seus bens, segundo o princípio da caução solidária: todos por um e um por todos. Depois, a responsabilidade caberia a todos os empregados, igualmente obrigados a agrupar-se num sindicato único, como a todos os operários e respectivo sindicato. A finalidade da cartelização é estabelecer uma contabilidade, a mais rigorosa possível, a mais completa e precisa, e sobretudo centralizar as operações de compra de matéria-prima e de venda de produtos, assim como economizar recursos e as forças do povo. Uma vez que se tenham unido num consórcio único as empresas dispersas, esta economia adquirirá proporções gigantescas, como nos ensinam as ciências económicas e demonstra a experiência de todos os consórcios, cartéis e trusts. Repetimos uma vez mais que, só por si, esta cartelização não altera no mínimo as relações de propriedade nem priva de um só kopek qualquer proprietário. Há que sublinhar com realce esta circunstância, pois que a imprensa burguesa não pára de «assustar» os pequenos e médios proprietários, dizendo-lhes que os socialistas em geral, e os bolcheviques, em particular, querem «expropriá-los»; esta afirmação é uma mentira evidente, já que os socialistas, ainda que em caso de uma revolução inteiramente socialista, não expropriarão os pequenos camponeses, porque não o desejam, nem podem fazê-lo. Nós falamos unicamente nas medidas imediatas e mais urgentes, já aplicadas na Europa Ocidental, e que uma democracia medianamente consequente teria adoptado também na Rússia sem perca de tempo, para conjurar a catástrofe iminente que nos ameaça.

A associação dos mais pequenos e humildes proprietários esbarraria com sérias dificuldades técnicas e culturais, dado o extraordinário fracionamento das suas empresas, a técnica primitiva destas e o analfabetismo ou a exígua instrução dos proprietários. Mas são estas empresas precisamente que podem ficar excluídas desta lei (como frisamos no exemplo acima citado), e o facto de não terem sido agrupadas – sem falar no caso de o serem mais tarde – não representaria um obstáculo sério, pois as pequenas empresas, ainda que muito numerosas, desempenham um papel ínfimo no volume global da produção, na economia nacional no seu conjunto, e, além disso, dependem quase sempre, de uma forma ou de outra, das grandes empresas.

Só as grandes empresas têm uma importância decisiva, é aí que se encontram os recursos e as forças técnicas e culturais necessárias para proceder à «cartelização». Somente falta a iniciativa de um Poder revolucionário, iniciativa firme, resoluta e implacavelmente severa para com os exploradores, a fim de colocar em movimento essas forças e esses recursos.

Quanto mais pobre é um país em elementos com instrução técnica e em elementos intelectuais em geral, mais se impõe a necessidade de decretar quanto antes e o mais resolutamente possível a associação obrigatória, começando a levá-la a cabo pelas grandes e maiores empresas, pois a associação permitirá economizar forças intelectuais, aproveitá-las na íntegra e distribuí-las com mais acerto. E se até os camponeses russos nas suas longínquas aldeias, sob o regime czarista, lutando contra os mil obstáculos que este lhes levantava, souberam depois de 1905, dar um gigantesco passo em frente, associando-se em organizações de todo o género, é evidente que nalguns meses, senão em menos, se poderia levar a cabo a sindicalização da grande e média indústria e do comércio, sempre e quando fosse imposta por um governo verdadeiramente democrático e revolucionário apoiado na simpatia, na participação, no interesse e nas vantagens das «camadas inferiores», da democracia, dos empregados e dos operários, um governo que chamasse estes elementos a exercer o controlo.


A REGULAMENTAÇÃO DO CONSUMO

A guerra obrigou todos os Estados beligerantes e muitos neutrais a regulamentarem o consumo. As senhas de racionamento apareceram em cena, converteram-se num fenómeno habitual, e através delas vieram outras. A Rússia não constitui uma excepção e adoptou também as senhas de racionamento.

Mas é precisamente à luz deste exemplo que melhor podemos comparar os métodos burocráticos e reaccionários de luta contra a catástrofe, métodos que procuram limitar-se a umas reformas mínimas, com os métodos democráticos revolucionários que, para serem dignos desse nome, devem romper violentamente com as tradições caducas e acelerar ao máximo o movimento progressista.

Com as senhas de racionamento do pão, o exemplo mais típico da regulamentação do consumo nos Estados capitalistas modernos, implanta-se e cumpre-se (na melhor das hipóteses) uma tarefa: distribuir as existências de pão de modo a que cheguem para todos. O consumo máximo não é estabelecido para todos os produtos, como devia ser, mas só para os artigos mais importantes, os de consumo «popular». E é tudo. Nada mais os preocupa. As existências de pão calculam-se e distribuem-se entre a população, estabelece-se uma taxa de consumo, aplica-se essa taxa, tudo isto burocraticamente, e por aí se fica. Nos artigos de luxo não se toca, pois são de «qualquer maneira» tão escassos e caros, que não estão ao alcance do «povo». Por isso, em todos os países beligerantes, mas em todos, inclusive na Alemanha, país que creio poder ser considerado indiscutivelmente como modelo da regulamentação mais meticulosa e mais rigorosa do consumo; inclusive na Alemanha, vemos como os ricos burlam constantemente todas as «taxas» fixadas para a regulamentação do consumo. E isto também o sabe «toda a gente», também «toda a gente» fala disso com um sorriso irónico, e na imprensa socialista alemã – e de vez em quando até na imprensa burguesa – aparecem constantemente, apesar da ferocidade da censura aí existente, com o seu rígido espírito de caserna, notícias acerca do «menu» dos ricos, do pão branco de que os ricos dispõem sem taxa nesta ou naquela estância termal (fazendo-se passar por doentes, termas concorridas por todos … os que têm dinheiros); de como os ricos consomem, em lugar dos artigos que consome o povo, produtos de luxo, refinados e raros.

O reaccionário Estado capitalista, que teme socavar os fundamentos do capitalismo, os fundamentos da escravidão salarial, os fundamentos da supremacia económica dos ricos, teme fomentar a iniciativa dos operários e dos trabalhadores em geral, teme «atear» as suas exigências; esse Estado não necessita de nada mais do que senhas de racionamento do pão. Um Estado deste tipo não perde jamais de vista, durante um único instante, nos passos que dá, a sua meta reaccionária: consolidar o capitalismo, impedir o seu enfraquecimento, circunscrever a «regulamentação da vida económica» em geral e a do consumo em particular às medidas estritamente indispensáveis para que o povo possa subsistir, precavendo-se exemplarmente de uma regulamentação efectiva do consumo mediante o controlo sobre os ricos, mediante um sistema que, em tempo de guerra, imporia maiores encargos aos ricos, que são, em tempo de paz, os indivíduos favorecidos, privilegiados, satisfeitos e fartos.

A solução burocrática e reaccionária do problema colocado aos povos pela guerra limita-se ao racionamento do pão, à distribuição equitativa dos artigos de consumo «popular» absolutamente indispensáveis para a alimentação, sem se afastar uma única polegada do burocratismo e da reacção, sem se afastar do seu objectivo, que é: não incentivar a iniciativa própria dos pobres, do proletariado, da massa popular (do «demos»), não permitir que exerça o seu controlo sobre os ricos e deixar o maior número possível de subterfúgios para que os ricos possam banquetear-se com artigos de luxo. Esses subterfúgios são tolerados em todos os países, inclusive, repetimos, na Alemanha – para não falar na Rússia –; em todos os lados os «elementos do povo» passam fome, enquanto os ricos se instalam em estâncias termais, completando as parcas rações oficiais com todo o género de «extraordinários», não se deixando controlar.

Na Rússia que acaba de fazer a revolução contra o czarismo em nome da liberdade e da igualdade; na Rússia, que se converteu subitamente, se atendermos às suas instituições políticas efectivas, numa república democrática, o que escandaliza sobretudo o povo, o que suscita particularmente o descontentamento, a exasperação, a cólera e a irritação das massas, é a facilidade com que toda a gente observa, como os ricos rodeiam as «senhas de racionamento». Essa facilidade é enorme. «Secretamente» e pagando preços fabulosos, sobretudo quando se mantêm «boas relações» (mantêm-nas unicamente os ricos), obtém-se o que se quer em grandes quantidades. O povo é que passa fome. A regulamentação do consumo circunscreve-se ao modelo burocrático e reaccionário mais estreito. E o governo não manifesta qualquer sombra de cuidado por estabelecer uma regulamentação baseada em princípios democráticos e revolucionários.

«Toda a gente» sofre nas bichas; «toda a gente»... excepto os ricos que, enviam às bichas os seus criados, e até adquirem criados «especialmente para esse serviço! Belo «democratismo»!

Uma política democrática e revolucionária não se limitaria nestes momentos de calamidades insólitas que atravessa o país a estabelecer senhas de racionamento para combater a catástrofe iminente. Acrescentar-lhe-ia, em primeiro lugar, o agrupamento obrigatório de toda a população em cooperativas de consumo, pois sem essa medida é impossível implantar um controlo integral do consumo. Em segundo lugar, imporia aos ricos o trabalho obrigatório, fazendo-os prestar serviços gratuitos como secretários de cooperativas de consumo ou noutro trabalho desta índole. Em terceiro lugar, organizaria uma distribuição por igual de todos os artigos de consumo entre a população, para repartir equitativamente os encargos da guerra. Em quarto lugar, organizaria o controlo de tal modo que as classes pobres fiscalizassem precisamente o consumo dos ricos.

A instauração de uma verdadeira democracia neste terreno, dando provas de um espírito verdadeiramente revolucionário nas organizações de controlo, colocando-o precisamente nas mãos das classes mais necessitadas do povo, seria o maior estímulo para colocar em tensão todas as forças intelectuais existentes, para despoletar as energias verdadeiramente revolucionárias de todo o povo. Hoje os ministros da Rússia republicana, democrática e revolucionária, assim como todos os seus colegas dos demais Estados imperialistas, pronunciam frases altissonantes acerca do «trabalho comum em benefício do povo», acerca da «tensão de todas as energias», mas o povo vê precisamente, percebe e sente toda a hipocrisia dessas frases.

O resultado é um cansaço estéril, enquanto a desorganização aumenta de um modo irresistível e a catástrofe avizinha-se, pois o nosso governo – conservando-se ainda tão vivas no povo, como estão, as tradições, as recordações, os costumes e as instituições da revolução – não se pode submeter os operários a um regime de presídio militar, à maneira de Kornilov ou de Hindenburg, segundo o modelo imperialista geral; e, por outro lado, o nosso governo não quer marchar com seriedade seguindo a via democrática e revolucionária, porque está manietado até à medula pelos laços de dependência em relação à burguesia, porque a «coligação» com ela o ata de pés e mãos e porque teme ir contra os seus privilégios efectivos; porque está enredado dos pés à cabeça por essa dependência, esse medo.


O GOVERNO SABOTA O TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES DEMOCRÁTICAS

Examinámos os diversos meios e processos para lutar contra a catástrofe e contra a fome. Observamos por todo o lado o carácter irredutível da contradição entre a democracia, por um lado, e, por outro lado, o governo e o bloco dos socialistas-revolucionários e mencheviques, que o apoiam. E para provar que essas contradições existem na realidade e não só nos nossos escritos, e que o seu carácter irredutível o demonstram na prática conflitos de dimensão nacional, basta recordar dois «resultados» muito típicos, dois ensinamentos do meio ano que leva de história a nossa revolução.

Um destes ensinamentos é a história do «reinado» de Paltchinski. Outro, a história do «reinado» e da queda de Peshekonov.

No fundo, todas as medidas que temos apontado para lutar contra a catástrofe e contra a fome se reduzem a fomentar por todos os meios (chegando inclusive à coacção) a «associação» da população e, em primeiro lugar, da democracia, quer dizer, da maioria da população, ou seja, antes de mais nada, das classes oprimidas, os operários e os camponeses, principalmente os camponeses pobres. E já a própria população, de um modo espontâneo, começou a trilhar este caminho, para lutar contra as inauditas dificuldades, encargos e calamidades da guerra.

O czarismo colocava todo o género de entraves à «associação» voluntária e livre da população. Mas, uma vez derrubada a monarquia czarista, as organizações democráticas começaram a brotar e a desenvolver-se rapidamente por toda a Rússia. A luta contra a catástrofe foi empreendida por organizações democráticas que surgiram espontaneamente, comités de abastecimento de todo o género, comités de abastecimento de víveres, de combustível, etc., etc..

Pois bem, o mais notável de todo este meio ano que leva de história a nossa revolução, em relação ao problema que analisamos, é que um governo que se clama republicano e revolucionário, que um governo apoiado pelos mencheviques e pelos socialistas-revolucionários em nome dos «órgãos autorizados da democracia revolucionária» combateu as organizações democráticas e triunfou sobre elas!

Paltchinski adquiriu, durante esta luta, a mais triste e a mais vasta celebridade, uma celebridade nacional. Actuou escudando-se no governo, sem intervir abertamente diante do povo (do mesmo modo que preferiam actuar, em geral os cadetes, lançando para a frente Tsereteli, «para o povo», enquanto eles resolviam tudo silenciando os assuntos importantes). Paltchinski entravou e sabotou todas as medidas sérias das organizações democráticas constituídas espontaneamente, porque nenhuma destas medidas sérias podia colocar-se em prática a não ser em «detrimento» dos excessivos lucros e arbitrariedades dos grandes capitalistas da indústria e do comércio, de quem Paltchinski era fiel advogado e servidor. E tão longe foram as coisas, que Paltchinski – a imprensa deu conta do facto – chegou a anular sem mais nem menos as disposições das organizações democráticas surgidas espontaneamente! 

Toda a história do «reinado» de Paltchinski – e «reinou» durante largos meses, precisamente quando eram «ministros» Tsereteli, Skobelev e Chernov – é um escândalo incessante e abominável, uma sabotagem da vontade popular, dos acordos da democracia, para agradar aos capitalistas, para satisfazer a sua sórdida cobiça. Os jornais só puderam publicar, naturalmente, uma ínfima parte das «façanhas» de Paltchinski; a investigação completa de como esta personagem obstaculizava a luta contra a fome só poderá levar-se a efeito por um governo verdadeiramente democrático do proletariado, quando este conquiste o Poder e submeta a tribunal popular, sem ocultações, os negócios de Paltchinski e outros tais.

Objectar-nos-ão, provavelmente, que Paltchinski era, apesar de tudo, uma excepção, e que ao fim ao cabo, foi destituído… Mas a verdade é que Paltchinski não é uma excepção, mas a regra e que, destituindo-se Paltchinski, as coisas não melhoraram no mínimo, pois que o seu lugar vago veio a ser ocupado por outros Paltchinski com outros nomes, e toda a «influência» dos capitalistas, toda a política de sabotagem da luta contra a fome, praticada para agradar a estes capitalistas, continuam como antes. Porque Kerenski e C.ª não são mais do que um biombo que encobre a defesa dos interesses dos capitalistas.

A prova mais evidente disso é que Peshekonov, ministro do Abastecimento, saiu do governo. Como se sabe, Peshekonov é um populista dos mais moderados. Não obstante, quis organizar o regime de abastecimentos conscienciosamente, em contacto com as organizações democráticas, apoiando-se nelas. A experiência do seu trabalho e a sua saída do governo são tanto mais interessantes quanto o facto de que este moderadíssimo populista, membro do Partido «Popular Socialista» e disposto a qualquer compromisso com a burguesia, se enha visto, apesar de tudo, obrigado a sair do governo, já que para agradar aos capitalistas, aos latifundiários e aos kulaks, o governo de Kerenski subiu o preço tabelado do trigo!

Eis como M. Smith, no número 1 do Svobodnaya Zhizn, de 2 de Setembro, aprecia esta «medida» e a sua importância:

«Poucos dias antes do governo ter decidido elevar os preços de tabela, desenrolou-se no Comité Nacional de Abastecimento a seguinte cena: o representante das direitas, Rolovich, tenaz defensor dos interesses do comércio privado e inimigo implacável do monopólio do trigo e da intervenção do Estado na vida económica, declarou publicamente, com um sorriso de satisfação, que lhe constava que o preço da tabela do trigo ia ser brevemente aumentado.

O representante do Soviete de deputados operários, camponeses e soldados replicou-lhe que não tinha conhecimento de nada e que, enquanto durasse a revolução na Rússia, tal medida não podia ser levada a cabo; em todo o caso, o governo não a aplicaria sem pôr-se antes disso de acordo com os organismos competentes da democracia, com o Conselho Económico e o Comité Nacional dos Abastecimentos. A estas manifestações aderiu o representante do Soviete de deputados camponeses.

Porém a realidade veio aclarar cruelmente esta controvérsia, dando razão, não aos representantes da democracia, mas ao representante das classes possuidoras. Resultou que este estava perfeitamente informado do atentado contra os interesses da democracia, apesar dos representantes desta terem repudiado indignados a possibilidade desse atentado chegar a consumar-se»

Quer dizer, que tanto o representante dos operários como o representante dos camponeses expressam concretamente a sua opinião em nome da imensa maioria do povo; mas o governo de Kerenski decide o contrário, no interesse dos capitalistas.

Resultou Rolovich, o representante dos capitalistas, estar perfeitamente informado, à custa da democracia, do mesmo modo que, como observávamos e continuamos a observar, os jornais burgueses Riech e Birzhovka são os que melhor estão informados do que se passa no governo de Kerenski.

Que atesta esta perfeita informação? Atesta, indubitavelmente, que os capitalistas têm os seus «privilégios» e que o Poder está de facto nas suas mãos. Kerenski não é mais do que um títere que colocam em movimento quando e como lhes apetece. Os interesses de milhões de operários e camponeses são sacrificados para assegurar os lucros de um punhado de ricaços.

E como respondem a estas indignantes burlas, de que o povo é objecto, os nossos socialistas-revolucionários e mencheviques? Terão dirigido aos operários e aos camponeses um apelo para dizer-lhes que, em vistas de tudo isso, o lugar de Kerenski e de seus colegas é o cárcere?

Deus nos livre! Os socialistas-revolucionários e os mencheviques, através da «Secção Económica», por eles dirigida, limitaram-se a votar uma resolução cominatória, à qual já nos temos referido! Nessa resolução declaram que a subida dos preços do trigo pelo governo de Kerenski é uma «medida funesta, que assenta um golpe extraordinariamente forte ao regime de abastecimentos e a toda a vida económica do país», e que estas medidas funestas se aplicaram «violando» abertamente a lei!

Eis aonde conduz a política de conciliação, a política de namoro com Kerenski e o desejo de «tratá-lo com delicadeza»!

Ao adoptar, para agradar aos ricos, aos latifundiários e aos capitalistas, uma medida que lança por terra todo o controlo, o regime de abastecimento e o saneamento das Finanças, abaladas até mais não poder, o governo infringe a lei, e os socialistas-revolucionários e os mencheviques continuam falando de um acordo com os centros do comércio e da indústria, continuam a conferenciar com Tereschenko, a tratar Kerenski com delicadeza, e limitam-se a votar uma resolução de protesto que se fica pelo papel, que o governo arquiva tranquilamente!

Aqui se revela de um modo bem palpável a verdade de que os socialistas-revolucionários e os mencheviques traíram o povo e a revolução e de que os bolcheviques se estão convertendo hoje nos verdadeiros dirigentes das massas, inclusive das massas que seguem os socialistas-revolucionários e os mencheviques.

Pois é precisamente a conquista do Poder pelo proletariado, com o partido dos bolcheviques à cabeça, o único modo de pôr fim aos abusos de Kerenski e C.ª, e restaurar a obra das organizações democráticas de abastecimentos, etc., sabotada por Kerenski e seu governo.

Os bolcheviques trabalham – o exemplo citado demonstra-o claramente – como representantes dos interesses de todo o povo, lutando por assegurar os abastecimentos e aprovisionamentos, por satisfazer as necessidades mais prementes dos operários e dos camponeses, em contraposição à política vacilante e irresoluta dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques, política que é uma verdadeira traição e que conduziu a esta vergonha que é a subida dos preços do trigo!


A BANCARROTA FINANCEIRA E OS MEIOS DE A CONJURAR

O problema da subida dos preços da tabela do trigo revela, além do mais, um outro aspecto. Esta subida trás consigo um novo aumento, caótico, da emissão do papel moeda, um passo mais na agudização da carestia, o incremento da desorganização da Fazenda Pública e a aproximação da bancarrota financeira. Toda a gente reconhece que a emissão de papel moeda é um empréstimo forçado das piores consequências; toda a gente reconhece que agrava principalmente a situação dos operários, a camada mais pobre da população, e que é a principal causa do caos financeiro.

E é essa, precisamente, a medida de que lança mãos o governo de Kerenski, apoiado pelos socialistas-revolucionários e mencheviques!

Para combater seriamente a desorganização da Fazenda e a sua inevitável bancarrota, não há outra hipótese que não seja romper revolucionariamente com os interesses do capital e implantar um controlo verdadeiramente democrático, quer dizer, «a partir de baixo», o controlo dos operários e camponeses pobres sobre os capitalistas; a solução que temos vindo a apresentar ao longo da nossa exposição.

A emissão ilimitada do papel moeda estimula a especulação, permite aos capitalistas ganhar com ela milhões e cria enormes dificuldades ao tão necessário aumento da produção, pois a carestia dos materiais, da maquinaria, etc., continua progredindo gradualmente. Como pôr cobro a tal situação quando se ocultam as fortunas adquiridas pelos ricos através da especulação?

Pode estabelecer-se um imposto sobre o rendimento com taxas progressivas e bastante elevadas para os grandes rendimentos. O nosso governo seguindo as pegadas dos demais governos imperialistas, decretou este imposto. Mas esta medida não é mais, na maioria das vezes, do que pura ficção, letra morta: primeiro porque a moeda está a desvalorizar-se com uma rapidez crescente e, em segundo lugar, porque a ocultação dos rendimentos aumenta na medida em que tem como fonte a especulação e é protegido o sigilo comercial.

Para que este imposto fosse um imposto real e não fictício, haveria que proceder a um controlo efectivo e não simplesmente formal. Mas o controlo sobre os capitalistas é impossível, enquanto não perder o seu carácter burocrático, pois a própria burocracia se encontra embrulhada, vinculada à burguesia por milhares de laços. Sendo assim, nos Estados imperialistas da Europa Ocidental, sejam eles monárquicos ou republicanos, o saneamento da Fazenda Pública não se consegue senão implantando um «trabalho obrigatório» que para os operários é um presídio militar ou uma escravidão militar.

O controlo burocrático reaccionário: eis aí o único recurso de que sabem lançar mãos os Estados imperialistas, sem exceptuar as repúblicas democráticas de França e Estados Unidos, para fazer recair os encargos da guerra sobre o proletariado e as massas trabalhadoras.

A contradição fundamental da política do nosso governo reside precisamente no facto de que – para não se divorciar da burguesia, para não desfazer a «coligação» com ela – não tem outro remédio senão praticar um controlo reaccionário burocrático, dando-lhe o nome de «democrático-revolucionário», enganando constantemente o povo, exasperando e irritando as massas, que acabam de derrubar o czarismo.

Pretende-se fomentar a circulação de cheques contra a emissão excessiva do papel moeda. Para os pobres, essa medida não reveste qualquer importância, pois que, de qualquer maneira, vivem o seu dia-a-dia e o seu «ciclo económico» realiza-se numa semana, restituindo aos capitalistas os kopecks contados que tinham conseguido ganhar. Para os ricos, a circulação de cheques poderia ter uma importância extraordinária, pois permitiria ao Estado – particularmente conjugada com medidas como a nacionalização dos bancos e a abolição do sigilo comercial – estabelecer um controlo real sobre os rendimentos dos capitalistas, impor-lhes uma tributação efectiva e «democratizar» (e, ao mesmo tempo, ordenar) efectivamente o sistema financeiro.

Mas o obstáculo que se levanta é precisamente o receio de atentar contra os privilégios da burguesia e romper com a «coligação» com ela estabelecida; pois, sem medidas efectivamente revolucionárias, sem a mais séria coacção, os capitalistas não se submeterão a qualquer controlo, não exporão à luz do dia os seus orçamentos nem colocarão as suas reservas de papel moeda «sob o controlo» do Estado democrático.

Nacionalizando-se os bancos, promulgando uma lei que tornasse obrigatária a circulação de cheques para todos os ricos, suprimindo-se o sigilo comercial, punindo-se com a confiscação dos bens a ocultação dos rendimentos, etc., os operários e camponeses, agrupados nas suas associações, poderiam, com extraordinária facilidade, exercer o controlo eficaz e universal, estabelecer o controlo precisamente sobre os ricos, um controlo que iria restituir ao Tesouro Público o papel moeda, por ele emitido, recuperando-o àqueles que o têm em seu poder, àqueles que o ocultam.

Mas para isso há que instaurar uma ditadura revolucionária da democracia, dirigida pelo proletariado revolucionário, quer dizer, para isso a democracia deve ser revolucionária de facto. Aqui reside o busílis da questão. Mas isso é o que não querem os nossos socialistas-revolucionários e mencheviques, que se ocultam sob o pavilhão da «democracia revolucionária» para enganar o povo apoiando de facto a política burocrática e reaccionária da burguesia, cuja divisa é sempre a mesma: «Après nous le déluge» (depois de mim, o dilúvio).

Geralmente, não nos damos conta de até que ponto se encontram arreigados em nós os costumes e os preconceitos antidemocráticos em relação à «santidade» da propriedade burguesa. Quando um engenheiro ou um banqueiro tornam públicos os rendimentos e as despesas de um operário, os dados referentes ao que um operário ganha e o que o seu trabalho rende, tudo isso se considera perfeitamente justo e legal. A ninguém lhe ocorre ver nisso um atentado contra a «vida privada» do operário nem um «acto de espionagem ou uma delação» do engenheiro. A sociedade burguesa considera o trabalho e os rendimentos dos operários assalariados como um livro aberto que lhe pertence, que qualquer burguês tem o direito de consultar a todo o instante a fim de denunciar um ou outro «luxo», uma ou outra manifestação de «ociosidade» do operário, etc..

Mas e o controlo inverso? Que aconteceria se o Estado democrático convidasse os sindicatos de empregados, do pessoal de escritório, de criados domésticos a controlar os rendimentos e os gastos dos capitalistas, a publicar os dados correspondentes, a ajudar o governo na campanha contra a ocultação dos rendimentos?

Que clamores selvagens não lançaria o sector burguês contra a «espionagem» e as «delações»! que os «senhores» controlem as suas domésticas, que os capitalistas controlem os operários, é considerado o mais natural do mundo, pois a vida privada dos trabalhadores, dos explorados, não se considera inatingível, e a burguesia tem o direito de pedir contas a todo o «escravo assalariado», a fazer publicidade constantemente dos seus rendimentos e dos deus gastos. Mas que os oprimidos tentem controlar os opressores, pôr à luz do dia os seus rendimentos e os seus gastos, denunciar o seu luxo, mesmo em tempo de guerra, quando esse luxo é a causa directa da fome e da morte dos exércitos na frente… Oh, não! A burguesia não tolerará nem a «espionagem» nem a «delação»!

O problema reduz-se sempre ao mesmo: o domínio da burguesia é incompatível com uma verdadeira democracia, autenticamente revolucionária. No século XX, num país capitalista é impossível ser democrata revolucionário se se teme marchar até ao socialismo.


PODE-SE AVANÇAR TEMENDO CAMINHAR PARA O SOCIALISMO?

Tudo o que expusemos poderia suscitar facilmente num leitor educado nas ideias oportunistas, hoje em voga, a seguinte objecção dos socialistas- revolucionários e dos mencheviques: a maior parte das medidas aqui apontadas não são, no fundo, medidas democráticas, são medidas socialistas!

Esta objecção corrente, habitual (sob uma forma ou outra) na imprensa burguesa, socialista-revolucionária e menchevique, é um meio de defesa reaccionário do capitalismo atrasado, uma defesa ao serviço de Struve. Diz-se que não estamos ainda suficientemente maduros para o socialismo; que seria prematuro «implantar» o regime socialista, que a nossa revolução é uma revolução burguesa; e que, por tal, há que ser lacaios da burguesia (apesar dos revolucionários burgueses de França há mais de cento e vinte e cinco anos terem assegurado a grandeza da sua revolução implantando um regime de terror contra os opressores, contra os latifundiários e os capitalistas!).

Os pseudo-marxistas ao serviço da burguesia, aos quais se associaram os socialistas-revolucionários, e que vêem as coisas desse modo, não compreendem (se se consideram as bases teóricas da sua concepção) o que é o imperialismo, o que são os monopólios capitalistas, o que é o Estado, o que é a democracia revolucionária. Pois, caso compreendam tudo isso, não podem deixar de reconhecer que é impossível avançar sem marchar para o socialismo.

Toda a gente fala do imperialismo. Mas o imperialismo não é outra coisa que o capitalismo monopolista.

Que, também, na Rússia o capitalismo se transformou em capitalismo monopolista evidencia-o palpavelmente os monopólios «Prodúgol» e «Prodamet», o consórcio do açúcar, etc.. O próprio consórcio do açúcar demonstra-nos lapidarmente a transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado.

E o que é o Estado? É a organização da classe dominante; na Alemanha, por exemplo, a organização dos junkers e dos capitalistas. Por essa razão, o que os Plekanov alemães (Scheidemann, Lensch, etc.) chamam de «socialismo de guerra», não é, na realidade, mais do que um capitalismo monopolista de Estado em tempo de guerra, ou, dito de uma maneira mais simples e mais clara, um presídio militar para os operários e um regime de protecção militar para os lucros dos capitalistas.

Pois bem, substituí esse Estado de junkers e capitalistas, esse Estado de latifundiários e capitalistas, por um Estado democrático e revolucionário, quer dizer, por um Estado que destrua revolucionariamente todos os privilégios, que não tema implantar revolucionariamente a mais completa democracia, e vereis que o capitalismo monopolista de Estado verdadeiramente democrático e revolucionário, representa inevitavelmente, infalivelmente, um passo em frente, um passo para o socialismo!

De facto, quando uma empresa capitalista gigantesca se converte em monopólio, serve o povo inteiro. Se se converte em monopólio de Estado, o Estado (quer dizer, a organização armada do povo, e em primeiro lugar dos operários e camponeses, quando se trata de um regime de democracia revolucionária) dirige todas as empresas. No interesse de quem?

Ou bem que no interesse dos latifundiários e dos capitalistas, caso este em que não teremos um Estado democrático e revolucionário, mas sim um Estado burocrático e reaccionário, quer dizer, uma república imperialista.

Ou bem que no interesse da democracia revolucionária, e nesse caso isso será precisamente um passo em frente para o socialismo.

Pois o socialismo não é mais do que a etapa imediata a seguir ao monopólio capitalista de Estado. Ou utilizando outros termos, o socialismo não é mais que o monopólio capitalista de Estado colocado ao serviço de todo o povo e que por isso, deixou de ser monopólio capitalista.

Não há meio termo. O curso objectivo do desenvolvimento é tal que não há possibilidade de dar um passo em frente, partindo dos monopólios (cujo número, papel e importância veio a decuplicar com a guerra), sem caminhar para o socialismo.

Ou bem que se é um democrata revolucionário de facto e nesse caso não há que temer dar qualquer passo para o socialismo.

Ou bem que se temem os passos a dar para o socialismo e se condenam, como o fazem Plekanov, Dan e Chernov, alegando que a nosssa revolução é uma revolução burguesa, que não se pode «implantar» o socialismo, etc., etc., e então desliza-se fatalmente até Kerenski, Miliukov e Kornilov, quer dizer, até à repressão burocrática e reaccionária das aspirações «democráticas e revolucionárias» das massas operárias e camponesas.

Não há termo médio.

E aqui reside a contradição fundamental da nossa revolução.

Na história, em geral, e em épocas de guerra, em particular, é impossível ficar-se parado. Há que avançar ou retroceder. Na Rússia do século XX, que soube conquistar pela via revolucionária a república e a democracia, é impossível avançar sem caminhar para o socialismo, sem dar passos concretos para ele (passos condicionados e determinados pelo nível técnico e cultural: na agricultura baseada nas fazendas camponesas é impossível «introduzir» a grande exploração mecanizada; no açúcar é impossível suprimi-la).

E ter medo de avançar, significa retroceder, que é o que fazem precisamente os Kerenski, com grande prazer dos Miliukov e dos Plekanov e com a estúpida cumplicidade dos Tsereteli e dos Chernov.

A guerra, a acelerar extraordinariamente a transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado, coloca deste modo a humanidade extraordinariamente próxima do socialismo: tal é, precisamente, a dialéctica da história.

A guerra imperialista é a véspera da revolução socialista. Isso não só se deve ao facto da guerra engendrar, com os seus horrores, a insurreição proletária – pois não há insurreição capaz de instaurar o socialismo se não estiverem amadurecidas as condições económicas para tal –, mas também ao facto do capitalismo monopolista de Estado ser a mais completa preparação material para o socialismo, a sua antecâmara, um degrau da escada histórica entre a qual e o degrau chamado socialismo não há nenhum degrau intermédio.

***

Os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques focam o problema do socialismo doutrinariamente, sob o ponto de vista de uma doutrina aprendida de memória e mal assimilada. Apresentando o socialismo como um futuro longínquo, desconhecido, nebuloso.

Mas o socialismo assoma já por todas as janelas do capitalismo moderno, o socialismo surge de uma forma imediata, praticamente, em qualquer medida que constitua um passo em frente sobre a base do capitalismo moderno.

O que é o trabalho geral obrigatório?

Um passo em frente na base do capitalismo monopolista moderno, um passo para regulamentação da vida económica no seu conjunto de acordo com um plano geral concreto, um passo para um regime de desenvolvimento do trabalho do povo, no sentido de impedir o seu absurdo desperdício pelo capitalismo.

Na Alemanha são os junkers (os latifundiários) e os capitalistas que implantam o trabalho geral obrigatório; por isso esta medida converte-se inevitavelmente na instauração de um presídio militar para os operários.

Mas consideremos a mesma instituição pensando na importância que teria num Estado democrático e revolucionário. O trabalho geral obrigatório, implantado, regulamentado e dirigido pelos Sovietes de deputados operários, soldados e camponeses, não seria ainda o socialismo, mas já não seria o capitalismo. Representaria um passo gigantesco em direcção ao socialismo, um passo após o qual seria impossível, sempre e enquanto se mantivesse uma democracia plena, voltar ao capitalismo sem recorrer à violência sobre as massas.


A LUTA CONTRA A DERROCADA ECONÓMICA E A GUERRA

O problema das medidas que devem adoptar-se para lutar contra a catástrofe que se avizinha, leva-nos a tratar de outro problema extraordinariamente importante: a ligação da política interna com a externa ou, utilizando outros termos, a relação entre a guerra anexionista, imperialista, e a guerra  revolucionária, proletária, entre a criminosa guerra de rapina e a guerra justa e democrática.

Todas as medidas de luta contra a catástrofe por nós descritas reforçariam extraordinariamente, como já assinalámos, a capacidade de defesa ou, dito de outra maneira, a força militar do país. Isto, por um lado. Por outro lado, estas medidas não podem ser levadas à prática sem transformar a guerra anexionista numa guerra justa, sem transformar a guerra liderada pelos capitalistas e no interesse dos capitalistas numa guerra liderada pelo proletariado no interesse de todos os trabalhadores e explorados.

Com efeito, a nacionalização dos bancos e dos consórcios capitalistas, em comum com a abolição do sigilo comercial e o controlo operário sobre os capitalistas, não só representaria uma imensa economia do trabalho do povo, não só permitiria economizar forças e recursos, mas também, melhoraria a situação das massas trabalhadoras, quer dizer, da maioria da população. Na guerra moderna, como ninguém pode ignorar, a organização económica tem uma importância decisiva. Na Rússia há pão, carvão, petróleo e ferro em quantidade suficiente; neste aspecto, a nossa situação é melhor do que a de qualquer outro país beligerante da Europa. Combatendo a desorganização económica através dos processos indicados, mobilizando para essa luta a iniciativa das massas, melhorando a sua situação, nacionalizando os bancos e os consórcios capitalistas, a Rússia podia aproveitar a sua revolução e a sua democracia para elevar o país inteiro a um nível infinitamente mais elevado de organização económica.

Se em vez de se fazer uma «coligação» com a burguesia, que entrava todas as medidas de controlo e sabota a produção, os socialistas-revolucionários e os mencheviques tivessem colocado em Abril o poder nas mãos dos Sovietes, se não tivessem dedicado as suas forças ao jogo do «carrocel ministerial» e a aquecer, como burocratas, juntamente com os democratas-constitucionalistas, as poltronas dos ministérios e das subsecretarias, etc., etc., mas a dirigir os operários e os camponeses no exercício do seu controlo sobre os capitalistas, na sua guerra contra os capitalistas, a Rússia seria hoje um país em plena transformação económica, onde a terra pertenceria aos camponeses e os bancos estariam nacionalizados; ou seja, o nosso país estaria nesse sentido (quer dizer, no que respeita a estas medidas, que representam outras tantas bases económicas importantíssimas da vida moderna) acima de todos os demais países capitalistas.

A capacidade defensiva, a força militar de um país com os bancos nacionalizados é maior que a de um país com os bancos nas mãos de particulares. A força militar de um país camponês com a terra nas mãos dos comités camponeses é superior à de um país de grandes propriedades latifundiárias.

Invoca-se constantemente o patriotismo heróico e os prodígios do arrojo militar dos franceses em 1792 e 1793. Mas esquecem-se as condições materiais, as condições históricas e económicas sem as quais teria sido impossível aqueles milagres. A destruição efectivamente revolucionária do feudalismo, já caduco, e a passagem de todo o país, com uma celeridade, uma energia e uma abnegação verdadeiramente revolucionárias e democráticas, a um modo de produção mais elevado, a livre possessão de terra pelos camponeses; eis as condições materiais, as condições económicas que salvaram a França com uma rapidez «prodigiosa», regenerando e renovando a sua base económica.

O exemplo da França diz-nos unicamente uma coisa e só uma: para fazer com que a Rússia tenha capacidade defensiva e para que nela também se produzam «prodígios» de heroísmo em massa, há que varrer com implacabilidade «jacobina» tudo o que é velho e renovar, regenerar a Rússia economicamente. Mas, no século XX, isso não pode fazer-se simplesmente varrendo o czarismo (há cento e vinte e cinco anos a França não se limitou a isso). Não pode fazer-se sequer única e exclusivamente através da abolição revolucionária da grande propriedade latifundiária (nós nem sequer isso fizemos, pois os socialistas-revolucionários e os mencheviques atraiçoaram os camponeses!), nem única e exclusivamente com a entrega da terra aos camponeses, pois vivemos no século XX, e dominar a terra sem dominar os bancos não basta para regenerar e renovar a vida do povo.

A renovação das condições materiais, a renovação das condições da produção em França, nos finais do século XVIII, estava unida a uma renovação política e espiritual, a ditadura da democracia revolucionária e do proletariado revolucionário (da qual a democracia ainda não se tinha separado e que quase se tinha fundido com ela), à guerra sem quartel declarada a todo o reaccionário. Todo o povo, principalmente as massas, quer dizer, as classes oprimidas, foram de um entusiasmo revolucionário ilimitado; toda a gente considerava a guerra, e era na realidade, uma guerra justa, defensiva. A França revolucionária defendia-se contra a Europa reaccionária e monárquica. Não foi em 1792-1793, mas sim muitos anos mais tarde, depois de triunfar a reacção no interior do país, quando da ditadura contra-revolucionária de Napoleão, que se transformaram as guerras defensivas sustentadas pela França em guerras de conquista.

E na Rússia? Nós continuamos mantendo uma guerra imperialista no interesse dos capitalistas, aliados com os imperialistas, em virtude dos tratados secretos assinados entre o czar e os capitalistas ingleses, etc., prometendo neles aos capitalistas russos o saque de outros países, Constantinopla, Lvov, Arménia, etc.

Enquanto o nosso país não propor aos demais países uma paz justa e não rompa com o imperialismo, a guerra continuará sendo, por parte da Rússia, uma guerra injusta e reaccionária, uma guerra de conquista. O carácter social da guerra, o seu verdadeiro significado não é determinado (como pensam os socialistas-revolucionários e os mencheviques, caídos na vulgaridade de um mujik ignorante) pelo lugar onde se encontra as tropas inimigas. O carácter social da guerra depende da política que a continua («a guerra é a continuação da política»), da classe que a mantem e dos fins que com ela persegue.

Não se pode conduzir as massas a uma guerra de rapina, de acordo com os tratados secretos, e alentar esperanças no seu entusiasmo. A classe mais avançada da Rússia revolucionária, o proletariado, dá cada vez mais conta do carácter criminoso da guerra. A burguesia está muito longe de ter conseguido que as massas mudem de opinião; pelo contrário, a convicção do carácter criminoso da guerra não faz mais do que crescer. O proletariado de ambas as capitais da Rússia abraçou já definitivamente o internacionalismo!

O entusiasmo das massas pela guerra pode-se avaliar por isto!

 



publicado por portopctp às 13:20
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Sábado, 19 de Janeiro de 2013
A catástrofe iminente e os meios de a conjurar - 1

A FOME APROXIMA-SE

Uma catástrofe inevitável começa a abater-se sobre a Rússia. Os transportes ferroviários encontram-se num estado de incrível desorganização, que cresce sem cessar. Os caminhos-de-ferro acabarão por paralisar. A afluência de matérias-primas e de carvão às fábricas interromper-se-á. Cessará o fornecimento de trigo. Os capitalistas sabotam (deterioram, suspendem, sapam, entravam) deliberada e tenazmente a produção, na esperança de que uma catástrofe inaudita determine a bancarrota da república e da democracia, dos Sovietes e, em geral, das associações operárias e camponesas, facilitando desse modo o retorno à monarquia e à restauração da omnipotência da burguesia e dos latifundiários.

Uma catástrofe de proporções sem precedentes e a fome ameaçam-nos inexoravelmente. Já todos os periódicos se debruçaram sobre esta questão uma infinidade de vezes. Os partidos e os Sovietes de deputados operários, soldados e camponeses votaram um número infinito de resoluções nas quais se reconhece que a catástrofe é inevitável, que está iminente, que se deve manter contra ela uma luta desesperada, que é necessário que o povo faça «esforços heróicos» para conjurar o desastre, etc.

Toda a gente o diz. Toda a gente o reconhece. Toda a gente o constata.

Mas não se toma nenhuma medida.

Levamos meio ano de revolução. A catástrofe está hoje mais próxima do que nunca. O desemprego em massa abate-se sobre nós. Imaginem: no país não há mercadorias, o país perece por falta de víveres, por falta de mão-de-obra, existindo trigo e matérias-primas em quantidades suficientes: e num país que se encontra nestas condições, num momento tão crítico, vemos as grandes massas no desemprego forçado! Quer-se melhor prova do que este meio ano de revolução (que alguns classificam de grande revolução, mas que, por agora, seria mais justo chamar de revolução apodrecida), com uma república democrática, com uma grande profusão de associações, organismos e instituições que se intitulam orgulhosamente de «democráticas e revolucionárias», no qual não se fez na realidade nada de sério, absolutamente nada, contra a catástrofe, contra a fome? Aproximamo-nos a passos largos do desastre, pois a guerra não dá tréguas e a desorganização originada por ela em todos os domínios da vida do povo se torna cada vez mais profunda.

Contudo, basta um mínimo de reflexão para nos convencermos de que existem meios necessários para combater a catástrofe e a fome, de que as medidas a tomar são perfeitamente claras e simples, perfeitamente realizáveis, plenamente acessíveis às forças do povo, e que se estas medidas não se tomam é única e exclusivamente porque a sua concretização lesaria os lucros fabulosos de um punhado de latifundiários parasitas.

É um facto. Pode assegurar-se que não encontrareis um único discurso ou um único artigo, seja qual for a tendência do periódico, uma única resolução, seja qual for a assembleia ou a instituição em que tenha sido votada, onde não se exponha de um modo claro e concreto a medida fundamental para lutar contra a catástrofe e contra a fome e evitá-las. Essa medida é o controlo, a vigilância, a contabilidade, o recenseamento, a regulamentação pelo Estado, uma distribuição racional da mão-de-obra na produção e distribuição dos produtos, a economia das forças populares, a eliminação de todos os gastos supérfluos de energia e sua economia. Controlo, vigilância, recenseamento: eis as medidas principais na luta contra a catástrofe e contra a fome. Isto é algo indiscutível e admitido por toda a gente. Mas é isto precisamente que ninguém faz com medo de atentar contra a omnipotência dos latifundiários e capitalistas, contra os seus lucros desmedidos e inauditos, escandalosos, obtidos pelo aproveitamento da carestia de vida e pelos fornecimentos ao exército (e hoje, directa ou indirectamente, quase todos «trabalham» para a guerra) lucros que toda a gente conhece, que toda a gente observa e a propósito dos quais todos se lamentam e escandalizam.

Contudo, o Estado nada fez de sério, absolutamente nada, para implantar o controlo, a vigilância e o recenseamento.

INACÇÃO TOTAL DO GOVERNO

Por todo o lado se assiste a uma sabotagem sistemática, inflexível a todo o controlo, a toda a vigilância e a todo o recenseamento, perante qualquer tentativa de organização por parte do Estado. É necessário ser incrivelmente ingénuo para não compreender – ou profundamente hipócrita para dizer que não compreende – de onde parte essa sabotagem e de que meios se serve. Porque essa sabotagem exercida pelos banqueiros e capitalistas, essa torpedagem por eles exercida sobre todo o controlo, vigilância e recenseamento, adapta-se às formas estatais da república democrática, à existência das instituições «democráticas e revolucionárias». Os senhores capitalistas assimilaram perfeitamente essa verdade que todos os partidários de socialismo científico reconhecem nas palavras, mas que os mencheviques e os socialistas-revolucionários procuram esquecer tão depressa como os seus amigos ocupam as cómodas poltronas dos ministérios, os subsecretariados, etc.. Essa verdade diz que a essência económica da exploração capitalista não varia, no mínimo, com a substituição das formas monárquicas de governo pelas democrático-republicanas, e que, por conseguinte basta alterar a forma de luta pela intangibilidade e santidade dos lucros capitalistas para salvaguardá-los sob a república democrática com a mesma eficácia do que sob a monarquia absoluta.

A sabotagem económica, novíssima, democrática-republicana de todo o controlo, vigilância e recenseamento, consiste no facto dos capitalistas reconhecerem verbalmente «de todo o coração» o «princípio» do controlo e da necessidade (como o fazem também, por certo, todos os mencheviques e socialistas-revolucionários), mas porfiarem para que se implante «paulatinamente», de um modo regular, segundo uma «regulamentação estabelecida pelo Estado». Na realidade, por trás destas belas palavras oculta-se o torpedeamento do controlo, a sua redução a nada, uma ficção; oculta-se a comédia do controlo, o adiamento de todas as medidas eficazes e de verdadeira importância prática, a criação de organismos de controlo inexplicavelmente complicados, pesados, inertes e burocráticos, controlados todos eles pelos capitalistas e que não fazem nem podem fazer absolutamente nada.

Para não fazer afirmações gratuitas invocaremos o testemunho dos mencheviques e socialistas-revolucionários, quer dizer, desses mesmos elementos que nos primeiros seis meses de revolução tiveram a maioria nos Sovietes, desses mesmos elementos que participaram no «governo de coligação» e que, por isso mesmo, são politicamente responsáveis perante os operários e camponeses russos da sua conivência com os capitalistas e de que todo o controlo tenha sido iludido por estes.

O órgão oficial mais credenciado de entre os chamados «autorizados» (não se riam!) da democracia «revolucionária» - a Izvestia do CEC (quer dizer, do Comité Executivo Central do Congresso dos Sovietes de deputados operários, soldados e camponeses de toda a Rússia), publica no seu número 164 de 7 de Setembro de 1917, uma deliberação emanada de um organismo especial criado com fins de controlo por esses mencheviques e socialistas-revolucionários e que se encontra inteiramente nas suas mãos. Esse organismo especial é a «Secção de Economia» do Comité Central. Nessa deliberação reconhece-se oficialmente como um facto «a absoluta passividade dos organismos centrais adjuntos ao governo em regulamentar a vida económica».

Existirá testemunho mais eloquente da bancarrota política dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários que este, subscrito pelos próprios mencheviques e socialistas-revolucionários?

A necessidade de regulamentar a vida económica foi já reconhecida sob o czarismo, tendo-se criado vários organismos para esse fim. Mesmo sob o czarismo a desorganização económica fazia progressos cada vez maiores, chegando a alcançar proporções monstruosas. Logo se reconheceu que era missão do governo republicano, do governo revolucionário, adoptar medidas sérias e decididas para acabar com a desorganização. O governo de «coligação» ao ser formado com o concurso dos mencheviques e socialistas-revolucionários prometeu ao povo, na sua soleníssima declaração de 6 de Maio, que se estabeleceria o controlo e a regulamentação estatal. Os Tsereteli e os Tchernov, e com eles todos os líderes mencheviques e socialistas-revolucionários, juraram e tornaram a jurar que eles eram não só responsáveis pela gestão do governo, como também os «órgãos com plenos poderes da democracia revolucionária», por eles dirigidos, vigiariam e fiscalizariam praticamente a actividade do governo.

Desde 6 de Maio que se passaram quatro meses, quatro longos meses nos quais a Rússia sacrificou centenas de milhares de soldados na absurda «ofensiva» imperialista e em que a desorganização e a catástrofe se aproximaram a passos largos, apesar do Verão oferecer possibilidades extraordinárias para fazer muita coisa, tanto nos transportes fluviais, como na agricultura, nas explorações geológicas, etc., etc., e ao cabo destes quatro meses, os mencheviques e os socialistas-revolucionários vêem-se obrigados a confessar oficialmente a «absoluta passividade» dos organismos de controlo adjuntos ao governo!

E hoje (escrevemos estas linhas precisamente em vésperas da abertura da Conferência Democrática convocada para 12 de Setembro), estes mesmos mencheviques e socialistas-revolucionários declamam com um ar sério de homens de Estado, que ainda se pode remediar a situação, substituindo a coligação com os cadetes por uma coligação com os figurões da indústria e do comércio, com os Kit Kitich, com os Riabushinski, os Bublikov, Tereschenko e C.ª!

Como explicar – perguntamos – esta assombrosa cegueira dos mencheviques e socialistas-revolucionários? Teremos de considerar que, como estadistas, são meninos de mama, que pela sua extrema candura e grande desatino não sabem o que fazem e erram de boa-fé? Ou será que as abundantes poltronas de ministros, subsecretários, governadores-gerais, comissários, etc., etc., têm a virtude de produzir uma cegueira especial, a cegueira «política»?

AS MEDIDAS DE CONTROLO SÃO DE TODOS CONHECIDAS E FACILMENTE APLICÁVEIS

Pode-se perguntar: os meios e as medidas de controlo não serão algo extraordinariamente complicado, difícil, nunca experimentado e até desconhecido? Não serão as dilações devidas, mau grado o esforço até mais não poder a investigar, a estudar e a descobrir as medidas e os meios de controlo que já leva meio ano aos estadistas do Partido Democrata Constitucional, da classe dos industriais e comerciantes, e dos partidos socialista-revolucionário e menchevique e sem que tenham podido chegar a uma resolução do problema, à sua extraordinária dificuldade?

De modo algum! O que se pretende é «colocar uma venda nos olhos» e apresentar as coisas dessa forma ao mujique inculto, ignorante e intimidado e ao bom burguês que em tudo acredita e nada aprofunda. A realidade é que até o czarismo, até o «velho regime», ao criar os comités da indústria de guerra conhecia a medida fundamental, o meio principal e a via para exercer o controlo: agrupar a população segundo as suas profissões, segundo o objectivo e o ramo da sua actividade, etc.. Mas o czarismo temia a associação de população, e por isso recorria a todos os meios para limitar e entravar artificialmente essa via e esse meio de controlo, tão universalmente conhecido e tão fácil de aplicar.

Todos os Estados beligerantes, que sofrem o peso extraordinário e as calamidades de guerra, que sofrem, em maior ou menor grau, da confusão e da fome, traçaram, fixaram, aplicaram e experimentaram já há muito toda uma série de medidas de controlo, que se reduzem quase todas elas a agrupar a população, a criar ou fomentar associações de toda a espécie vigiadas pelo Estado, nas quais participam os seus representantes, etc.. Estas medidas de controlo são conhecidas de todos, e já se falou e escreveu muito sobre elas; as leis respeitantes ao controlo ditadas pelas potências beligerantes mais adiantadas têm sido traduzidas em russo ou expostas detalhadamente na imprensa do nosso país.

Se se quisesse realmente aplicar o controlo de um modo sério e efectivo, se os seus organismos não se tivessem condenado a si próprios à «passividade» absoluta, com o seu servilismo perante os capitalistas, bastaria ao nosso Estado pegar com unhas e dentes – pois que se possui uma reserva abundante – nas medidas de controlo já conhecidas e aplicadas. O único obstáculo que se levanta nesse caminho, o obstáculo que os democratas constitucionalistas, os socialistas-revolucionários e os mencheviques ocultam ao povo, era e continua a ser o facto de que o controlo colocaria a descoberto os lucros fabulosos dos capitalistas e reduzi-los-ia.

Para esclarecer melhor esta questão importantíssima (que no fundo acaba por ser a questão de todo o governo revolucionário que queira salvar a Rússia da guerra e da fome), enumeraremos e examinaremos separadamente as mais importantes medidas de controlo.

Veremos que a um governo, não intitulado democrático e revolucionário senão por brincadeira, lhe bastaria decretar (ordenar, prescrever), logo na primeira semana da sua gestão, a aplicação das principais medidas de controlo, impor castigos sérios não irrisórios aos capitalistas que pretendessem burlar fraudulentamente essas medidas e convidar a população a vigiar ela própria os capitalistas, a vigiar se eles cumpriam ou não honradamente as disposições acerca do controlo, para que este tivesse sido implantado na Rússia já há muito tempo.

Eis aqui as medidas mais importantes:

1.º -            Fusão de todos os bancos num banco único e o controlo das suas operações pelo Estado, ou a nacionalização dos bancos.

2.º -            Nacionalização dos consórcios capitalistas, quer dizer, das associações monopolistas mais importantes dos capitalistas (consórcios do açúcar, petróleo, carvão, metalurgia, etc.).

3.º -            Abolição do sigilo comercial.

4.º -            Cartelização obrigatória (quer dizer, associação obrigatória) dos industriais, comerciantes e patrões em geral.

5.º -            Organização obrigatória da população em cooperativas de consumo ou fomento e fiscalização dessas organizações

Vejamos agora que importância teria cada uma destas medidas, sempre e quando se implantarem por via democrática e revolucionária.

A NACIONALIZAÇÃO DOS BANCOS

Os bancos constituem, como é sabido, centros da vida económica moderna, os centros nervosos mais importantes de todo o sistema de economia capitalista. Falar de uma «regulamentação da vida económica» e iludir o problema da nacionalização dos bancos significa fazer gala de uma ignorância crassa e enganar a «plebe» com frases pomposas e promessas altissonantes, que de antemão se resolveu não cumprir.

É um absurdo querer controlar a regular o fornecimento de trigo ou, em geral, a produção e a distribuição de produtos, se a par disso não se controlam e regulam as operações bancárias. É algo como lançar-se à caça de uns problemáticos «copekes» e fechar os olhos a milhões. Os bancos modernos estão estreitamente e indissoluvelmente fundidos com o comércio (com o de cereais e com todo o comércio em geral) e com a indústria, que sem «lançar a mão» sobre eles não se pode fazer absolutamente nada de sério, nada «democrático e revolucionário».

Mas será, por ventura, uma operação difícil e complicada esse «lançar a mão» do Estado sobre os bancos? As coisas pintam-se assim habitualmente – pintam-no assim, claro está, os capitalistas e os seus advogados, que são os que saem beneficiados – para assustar os filisteus.

Na realidade, a nacionalização dos bancos, que não priva de um único copek qualquer «proprietário», não representa nenhuma dificuldade, nem de ordem técnica nem de ordem cultural, e se essa medida demora é devido exclusivamente à sórdida cupidez de um insignificante punhado de ricaços. Se se confunde com tanta frequência a nacionalização dos bancos com a confiscação de bens privados, a culpa é da imprensa burguesa que propaga essa confusão para enganar o público.

A propriedade sobre os capitais com que operam os bancos e que se encontram neles, é acreditada por meio de certificados impressos ou manuscritos, aos quais se dá o nome de acções, obrigações, letras de câmbio, recibos, etc.. Com a nacionalização dos bancos, quer dizer, com a fusão de todos os bancos num único banco do Estado, não se anularia nem se modificaria nenhum desses certificados. Quem tivesse quinze rublos na sua caderneta de caixa económica continuaria possuindo os mesmos quinze rublos após a implantação da nacionalização dos bancos, e quem tivesse quinze milhões, continuaria possuindo-os, mesmo depois de tomada essa medida, em forma de acções, obrigações, letras de câmbio, warrants, etc..

Qual é pois a importância da nacionalização dos bancos?

O facto de ser impossível exercer um verdadeiro controlo sobre bancos diferentes e sobre as suas operações (ainda que supondo que se suprimia o sigilo comercial, etc.), pois não se pode vigiar a complexa e astuta destreza a que se recorre ao fazer os balanços, fundar empresas e sucursais fictícias, fazer intervir testas de ferro, etc., etc.. Só a fusão de todos os bancos num banco único, sem que isso implique a mínima modificação nas relações de propriedade, sem que, repita-se, se retire um único copeck a alguém, oferece a possibilidade de implantar um controlo efectivo, desde que, é claro, se implante a par de todas as medidas acima mencionadas. Só nacionalizando-se os bancos se pode conseguir que o Estado saiba onde e como, de onde e quando se deslocaram milhões e milhões. E só este controlo sobre os bancos – centro, eixo principal e mecanismo básico da circulação capitalista – permitiria levar a cabo de facto, e não só em palavras, o controlo de toda a vida económica, da produção e da distribuição dos produtos mais importantes, a «regulamentação da vida económica», que de outro modo será inevitavelmente condenada a ser um lugar comum ministerial para enganar os incautos. Só o controlo das operações bancárias, com a condição de que se concentrem num só banco pertencente ao Estado, permitirá levar a cabo, com a prévia aplicação de outras medidas facilmente aplicáveis, a cobrança do imposto sobre rendimentos sem que haja ocultação de bens e rendimentos, já que, hoje em dia, o imposto sobre rendimentos continua a ser, em grande parte, uma ficção.

Bastaria unicamente decretar a nacionalização dos bancos; de realizá-la encarregar-se-iam os seus próprios directores e empregados. Para tal não é necessário nenhum aparato especial, nem se requerem providências preparatórias especiais por parte do Estado; essa medida pode ser implantada com um simples decreto «de um só golpe», já que o próprio capitalismo, no seu desenvolvimento chegou a criar as letras de câmbio, as acções, as obrigações, etc., encarregando-se de criar a possibilidade económica desta medida. Feito isto, não restaria mais do que unificar a contabilidade; e se o Estado democrático e revolucionário ordenasse que em cada cidade se convocassem imediatamente, por telégrafo, assembleias e, nas províncias, por todo o país, congressos de directores e empregados da banca, com o objectivo de levar a cabo sem demora a fusão de todos os bancos num só Banco do Estado, essa reforma seria realizada no espaço de umas semanas. É evidente que seriam precisamente os directores e os altos empregados que oporiam resistência, que tentariam iludir o Estado, demorar ao máximo as coisas, etc., pois esses cavalheiros, e aqui reside a questão, perderiam posições muito rentáveis e a possibilidade de operar em fraudes muito lucrativas. Mas não existe a menor dificuldade técnica para a fusão dos bancos, se o Poder de estado fosse revolucionário não só em palavras (quer dizer, se não temesse romper com a inércia e com a rotina), se fosse democrático não só em palavras (quer dizer, se trabalhasse no interesse da maioria do povo e não de um punhado de ricaços), bastaria decretar a confiscação dos bens e o encarceramento dos directores, dos conselheiros e dos grandes accionistas como castigo pela menor dilação e por tentativa de ocultar saldos de contas e outros documentos; bastaria, por exemplo, organizar à parte os empregados pobres e premiá-los por todas as fraudes e dilações dos empregados ricos que descobrissem, para que a nacionalização dos bancos avançasse sem choques nem sobressaltos, em menos de nada.

A nacionalização dos bancos traria enormes vantagens a todo o povo, e não aos operários particularmente (pois que os operários pouco têm a ver com os bancos) mas sim à massa camponesa e pequenos industriais. O desenvolvimento do trabalho que isso representaria seria gigantesco, e suponho que o Estado conservasse o mesmo número de empregados da banca que até aqui, ter-se-ia dado um grande passo no sentido de universalizar o uso dos bancos, multiplicar as suas sucursais, tornar acessíveis as suas operações, etc., etc. Seriam precisamente os pequenos proprietários, os camponeses, quem poderiam obter créditos em condições muitíssimo mais fáceis e acessíveis. E o Estado teria pela primeira vez a possibilidade de conhecer, sem que nada pudesse ocultá-las, as operações financeiras mais importantes, logo, possibilidade de controlá-las, a possibilidade de regular a vida económica e, finalmente, a de obter milhões e milhões para as operações do Estado, sem necessidade de abonar «comissões» fabulosas pelos seus «serviços» aos senhores capitalistas. Por isso, e somente por isso, se aprontam a lutar com toda a fúria e por todos os meios contra a nacionalização dos bancos, inventando mil objecções contra esta medida facílima e de grande urgência, todos os capitalistas, todos os professores burgueses, toda a burguesia e todos osmPlekanov, Potressov e C.ª ao seu serviço, apesar de se tratar de uma medida que mesmo do ponto de vista da «defesa nacional», quer dizer, do ponto de vista militar, significaria uma enorme vantagem e reforçaria extraordinariamente a «potência militar» do país.

Poderão objectar-nos: por que motivo, então, países mais avançados como a Alemanha e os Estados Unidos praticam uma excelente «regulamentação da vida económica» sem pensarem sequer na nacionalização dos bancos?

Porque estes dois Estados – respondemos nós –, ainda que um monárquico e outro uma república são ambos Estados não só capitalistas mas também imperialistas. E como tal, levam à prática as reformas de que necessitam por via burocrática reacionária. Mas nós falamos aqui da via democrática e revolucionária.

Esta «pequena diferença» tem uma importância substancial. «Não é costume», geralmente, pensar-se nela. No nosso país (e principalmente entre os socialistas-revolucionários e os mencheviques), as palavras «democracia revolucionária» quase que se converteram num chavão, algo parecido com a expressão «graças a Deus», empregada também por muita gente que não é tão ignorante ao ponto de acreditar em Deus, ou como a de «respeitável cidadão», que se emprega por vezes designando pessoas, inclusive, como os colaboradores de Dien ou de Edinsvo, embora toda a gente saiba que estes periódicos foram fundados e são mantidos pelos capitalistas para defender os interesses dos capitalistas e que, portanto, a colaboração neles daqueles que se chamam socialistas tem muito pouco de «respeitável».

Para quem não empregue as palavras «democracia revolucionária» como uma pomposa frase estereotipada, como uma designação convencional, e queira pensar no que significa ser democrata, ser democrata é ter presente na prática os interesses da maioria e não da minoria do povo; e ser revolucionário significa demolir do modo mais resoluto e implacável tudo o que é nocivo e caduco.

Na América do Norte e na Alemanha, nem os governos nem as classes governantes pretendem ostentar, que se saiba, o título de «democracia revolucionária», que reivindicam para si (e prostituem) os nossos socialistas-revolucionários e mencheviques.

Na Alemanha são quatro, no total, os grandes bancos privados que possuem uma importância nacional; nos Estados Unidos, somente dois. Para os reis financeiros destes bancos é mais fácil, mais cómodo, mais vantajoso associar-se privadamente, secretamente, reacionariamente, e não por meios revolucionários; burocraticamente e não por meios democráticos; subornando funcionários do Estado (pois isto constitui norma geral, tanto nos Estados Unidos como na Alemanha) e mantendo o carácter privado dos bancos justamente para manter o segredo das operações; para poderem continuar a sugar a esse mesmo Estado milhões e milhões de «super-lucros»; para assegurarem o êxito de manipulações financeiras fraudulentas.

Tanto os Estados Unidos como a Alemanha «regulamentam a vida económica» fazendo tudo para criar aos operários (e em parte também aos camponeses) um presídio militar e para os banqueiros um paraíso. Toda a sua regulamentação consiste em «entalar» os operários levando-os até à fome, enquanto que aos capitalistas se lhes garante (secretamente, por via reacionária, burocrática) lucros superiores aos de antes da guerra.

Também para a Rússia imperialista republicana é possível seguir esse caminho, evidentemente que não é outro o abraçado, não só pelos Miliukov e Shingariov, mas também por Kerenski de mãos dadas com Tereschenko, Negrassov, Bernatski, Prokopovistch e C.ª, que também protegem, de um modo burocrático reaccionário, a «intangibilidade» dos bancos e o seu direito sagrado aos lucros fabulosos. Mas falemos a sério, na Rússia republicana regulamentar-se-ia de boa vontade a vida económica através de processos burocráticos e reaccionários, se não fosse tropeçarem «amiúde» com dificuldades derivadas da existência dos «Sovietes», esses Sovietes que o Kornilov número um não conseguiu desbaratar, o que se encarregará de fazer um Kornilov número dois…

Eis a verdade. E esta simples verdade, ainda que amarga, contribuirá ainda mais para esclarecer o povo que as mentiras açucaradas sobre a «nossa» «grande» democracia revolucionária…

 

*   *   *

A nacionalização dos bancos facilitará extraordinariamente a nacionalização simultânea dos seguros, quer dizer, a fusão de todas as companhias de seguros, quer dizer, a fusão de todas as companhias de seguros numa só, a centralização das suas actividades, o seu controlo pelo Estado. Os congressos dos empregados dessas companhias encarregar-se-iam também neste caso de realizar a fusão imediatamente, logo que o Estado democrático e revolucionário a decretasse e ordenasse aos directores dos conselhos de administração e aos grandes accionistas que levassem a cabo essa fusão sem a menor demora e sob a sua inteira responsabilidade pessoal. Os capitalistas investiram nos seguros centenas de milhões. Todo o trabalho é aí efectuado pelos empregados. A fusão das companhias de seguros faria baixar os prémios de seguro, traria enormes vantagens e facilidades para todos os segurados e permitiria aumentar a esfera de actividade destes com o mesmo dispêndio de meios e energias. Não fosse a inércia, a rotina e o egoísmo de um punhado de pessoas colocadas em postos lucrativos, e não haveria absolutamente nada que se opusesse a esta reforma que, aliás, viria reforçar a «capacidade de defesa» do país economizando o trabalho do povo e abrindo, não em palavras mas na prática, sérias possibilidades de «regulamentação da vida económica».

A NACIONALIZAÇÃO DOS CONSÓRCIOS CAPITALISTAS

O capitalismo distingue-se dos antigos sistemas económicos pré-capitalistas por ter criado a mais íntima ligação e a mais estreita interdependência entre os distintos ramos da economia nacional. Se não fosse assim, seria tecnicamente impossível – diga-se de passagem – o mínimo avanço no sentido do socialismo. Com o predomínio dos bancos sobre a produção, o capitalismo moderno elevou ao mais alto grau essa interdependência entre os distintos ramos da economia nacional. Os bancos encontram-se indissoluvelmente interligados com os ramos mais importantes da indústria e do comércio. Isso quer dizer, por um lado, que não é possível nacionalizar só os Bancos sem tomar medidas destinadas a implantar o monopólio do Estado sobre os consórcios comerciais e industriais (o do açúcar, o do carvão, o do ferro, o do petróleo, etc.) sem nacionalizar estes consórcios. Isto quer dizer, por outro lado, que a regulamentação da vida económica, se se leva a cabo seriamente, exige ao mesmo tempo a nacionalização dos bancos e dos consórcios.

Tomemos, por exemplo, o consórcio do açúcar. Este consórcio criou-se já no tempo do czarismo e deu origem a um grande agrupamento capitalista de fábricas magnificamente montadas, e esta associação, penetrada, como é lógico, do espírito mais reacionário e burocrático, garantia aos capitalistas lucros escandalosos, enquanto que isso para os operários e empregados significava a privação absoluta de direitos e um regime de humilhação e de escravidão. Nessa altura o Estado controlava e regulamentava a produção no interesse dos magnates e dos grandes ricaços.

Neste caso bastaria transformar a regulamentação burocrática e reaccionária em revolucionária e democrática através de simples decretos que convocassem um congresso de empregados, engenheiros, directores e accionistas, que implantassem um sistema único de contabilidade, o controlo pelos sindicatos operários, etc.. Isto é a mais simples das coisas e que apesar de tudo não se faz! A república democrática continua respeitando de facto a regulamentação burocrática e reacionária da indústria do açúcar, e tudo continua como dantes! Desperdício do trabalho do povo, estagnação e rotina, enriquecimento dos Bobrinsk e dos Tereschenko. Apelar à iniciativa para a democracia e não para a burocracia dos operários e dos empregados e não dos «reis do açúcar»: eis o que poderia e deveria ter sido feito em alguns dias, de uma só vez, se os socialistas-revolucionários e os mencheviques não tivessem obscurecido a consciência do povo com os seus planos de «coligação» com esses mesmos reis do açúcar, coligação com os ricaços por cuja causa e em virtude da qual a «passividade completa» do governo em relação à regulamentação da vida económica é completamente inevitável.

Debrucemo-nos sobre a indústria do petróleo. Esta indústria encontra-se já «socializada» a uma escala gigantesca pelo desenvolvimento anterior do capitalismo. Dois reis do petróleo manejam milhões e centenas de milhões, dedicando-se a passar recibos e a embolsar lucros fabulosos num «negócio» que está hoje, de facto, técnica e socialmente, organizado à escala nacional e é dirigido por centenas e milhares de empregados, engenheiros, etc.. A nacionalização da indústria do petróleo pode efectivar-se imediatamente e é, além do mais, uma medida obrigatória para um Estado democrático e revolucionário, sobretudo se esse Estado atravessa uma crise gravíssima, durante a qual urge poupar a todo o transe o trabalho do povo e aumentar a produção de combustível. Falta referir que um controlo burocrático de nada serviria e nada alteraria, pois os Tereschenko e os Kerenski, os Avxentiev e os Skobelev, seriam vencidos pelos «reis do petróleo» com a mesma facilidade com que os venceriam os ministros czaristas; e fá-lo-ão primeiro com demoras, com desculpas e promessas e logo de imediato utilizando o suborno directo e indirecto da imprensa burguesa (a chamada «opinião pública» que «tão tida em conta» é pelos Kerenski e pelos Avxentiev) e dos funcionários públicos (aos quais os Kerenski e os Avxentiev deixam tranquilos nos seus antigos postos do aparelho estatal, até agora intacto, do velho regime).

Para fazer algo de sério, há que passar da burocracia à democracia e há que passar por procedimentos verdadeiramente revolucionários, quer dizer, declarando a guerra aos reis do petróleo e aos accionistas, decretando a confiscação de bens e o encarceramento de todo aquele que levante obstáculos à nacionalização da indústria do petróleo, oculte os rendimentos ou falsifique os balanços, sabote a produção ou não adopte as medidas conducentes a elevá-la. Há que apelar para a iniciativa dos operários e dos empregados, convocá-los imediatamente para conferências e congressos e colocar nas suas mãos uma determinada parte dos lucros, com a condição de se encarregarem do controlo em todos os seus aspectos e velarem pelo aumento da produção. Se estes passos democráticos e revolucionários tivessem sido dados sem demora, imediatamente, em Abril de 1917, a Rússia, um dos países mais ricos do mundo pelas suas reservas de combustível líquido, teria podido fazer muita coisa, durante o Verão, para abastecer por via aquática o povo do combustível necessário.

Nem o governo burguês, nem o governo de coligação dos socialistas-revolucionários, dos mencheviques e dos cadetes fizeram algo; limitaram-se a brincar burocraticamente às reformas. Não se atreveram a dar um só passo democrático e revolucionário. Tudo continua como sob o czarismo; os mesmos reis do petróleo, o mesmo monopólio, o mesmo ódio dos operários e dos empregados contra os exploradores, fruto obrigatório de tudo isto, o mesmo desperdício do trabalho do povo; a única coisa que mudou foi o timbre dos papéis em movimento nos ministérios «republicanos»!

Na indústria do carvão, não menos «preparada», pelo seu nível técnico e cultural, para a nacionalização e administrada com o mesmo descaramento pelos saqueadores do povo, pelos reis do carvão, podemos registar numerosos e evidentes actos de sabotagem descarada, de franca deterioração e paralisação da produção pelos industriais. Inclusive um órgão ministerial, a Rabotchaia Gazeta dos mencheviques, foi obrigado a confessar esse caos. E o que se fez? Não se fez absolutamente nada; não se fez mais do que reunir os antigos comités «paritários» burocráticos e reaccionários, formados, em partes iguais, por representantes dos operários e dos bandidos do consórcio hulhífero! Não se deu um único passo democrático e revolucionário; não houve um assomo de tentativa para implantar o único controlo real, o controlo a partir de baixo, através dos sindicatos dos empregados, através dos operários, atemorizando esses industriais da hulha, que levam o país à ruína e paralisam a produção. Mas como se pode fazer isso? «Todos» somos partidários da «coligação», senão com os cadetes, pelo menos com os círculos comerciais e industriais, e a coligação significa precisamente deixar o Poder nas mãos dos capitalistas, deixá-los manobrar impunemente, deixá-los boicotar, deixá-los lançar as culpas sobre os operários, agudizar a desordem e preparar deste modo uma nova Kornilovada!

ABOLIÇÃO DO SIGILO COMERCIAL

Sem a abolição do sigilo comercial, o controlo da produção e da distribuição ou bem que não irá mais longe do que uma vaga promessa, somente útil para que os cadetes enganem os socialistas-revolucionários e os mencheviques e estes, por sua vez, as classes trabalhadoras, ou então somente serão levados a cabo medidas e procedimentos burocráticos e reaccionários. E apesar disto ser evidente para qualquer pessoa desprevenida, apesar da tenacidade com que o Pravda tem vindo a preconizar a necessidade de abolir o sigilo comercial (campanha que foi, por certo, uma das que mais contribuiu para que o governo de Kerenski, tão submisso ao capital, suspendesse o periódico), nem o nosso governo republicano, nem os «organismos competentes da democracia revolucionária» se detiveram pelo menos em pensamento nesta exigência fundamental de todo o verdadeiro controlo.

Nisto reside precisamente, a chave de todo o controlo; este é, precisamente, o ponto mais sensível do capital, que saqueia o povo e sabota a produção. É precisamente por esta razão que os socialistas-revolucionários e os mencheviques não se atrevem a tocar neste ponto.

O argumento usual dos capitalistas, que a pequena burguesia repete sem quedar-se a reflectir, consiste em dizer que a economia capitalista não admite de modo nenhum a abolição do sigilo comercial porque a propriedade privada sobre os meios de produção e a sujeição das distintas empresas ao mercado impõe a «sacrossanta intangibilidade» dos livros de operações comerciais, incluindo, naturalmente, as operações bancárias.

Tudo o que repita, de uma ou outra maneira, este argumento ou outro semelhante, engana-se a si mesmo e engana o povo, fechando os olhos perante os factos fundamentais, importantíssimos e universalmente conhecidos, da vida económica actual. O primeiro facto é o grande capitalismo, quer dizer, as peculiaridades económicas dos bancos, dos consórcios capitalistas, das grandes empresas, etc.. O segundo é a guerra.

É precisamente o grande capitalismo moderno, que por toda a parte se está a converter em capitalismo monopolista, o que tira qualquer vestígio de razão ao sigilo comercial e o converte numa hipocrisia, num instrumento manejado exclusivamente para ocultar as trapaças financeiras e os lucros inauditos do grande capital. A grande empresa capitalista é, pelo seu próprio carácter técnico, uma empresa socializada, quer dizer que trabalha para milhões de homens e que associa com as suas operações, directa e indirectamente, centenas, milhares e dezenas de milhares de famílias. É algo muito diferente do pequeno artesão ou do camponês médio que, em geral, não utilizam nenhum género de livros comerciais e aos quais, portanto, não afecta em nada a abolição do sigilo comercial!

Na grande empresa, as operações realizadas são de qualquer modo do conhecimento de centenas e centenas de pessoas. Aqui a lei que garante o sigilo comercial não se destina a proteger as necessidades da produção ou de troca, mas sim a especulação e o lucro na sua forma mais brutal, a fraude descarada, que, como se sabe, está particularmente difundida nas sociedades anónimas e se oculta com muita habilidade nos relatórios de contas e nos balanços, elaborados cuidadosamente para enganar o público.

Se na pequena propriedade mercantil, quer dizer, entre os pequenos camponeses  e os artesãos, onde a produção não está socializada, mas sim atomizada, dispersa, o sigilo comercial é inevitável, pelo contrário, nas grandes empresas capitalistas, proteger esse sigilo comercial é proteger os privilégios e os lucros de um punhado, sim de um punhado, de indivíduos contra todo o povo. Isto é Já reconhecido pelas leis, já que prescrevem a publicação dos balanços das sociedades anónimas. Mas este controlo, implantado em todos os países avançados e que reina também na Rússia, é precisamente um controlo burocrático e reaccionário, que não abre os olhos ao povo nem lhe permite saber toda a verdade acerca das operações dessas sociedades.

Para proceder como democratas revolucionários haveria que publicar sem demora uma lei de carácter distinto, abolindo o sigilo comercial, obrigando as grandes empresas e os ricos a prestar contas com todo o detalhe e autorizando qualquer grupo de cidadãos suficientemente numeroso para considerá-lo democrático (digamos uns mil ou dez mil eleitores) a verificar os documentos de qualquer grande empresa. Esta medida é possível e facilmente aplicável através de um simples decreto; e só ela abriria as potas à iniciativa popular do controlo através dos sindicatos de empregados, dos sindicatos operários, através de todos os partidos políticos; só ela permitiria que o controlo fosse eficaz e democrático.

A isto vem juntar-se a guerra. A imensa maioria das empresas comerciais e industriais não trabalham hoje para o «mercado livre», mas para o Estado, para a guerra. Por isso tive de dizer no Pravda àqueles que pretendem atalhar-nos com o argumento de que não é possível implantar o socialismo que mentem e mentem triplamente, pois que não se trata de implantar o socialismo agora, acto contínuo, da noite para o dia, mas sim revelar a delapidação do Tesouro.

A empresa capitalista «ao serviço da guerra» (quer dizer, directa ou indirectamente relacionada com os fornecimentos de guerra) é a delapidação do Tesouro sistemática e legalizada, e os senhores cadetes, e com eles os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que se opõem à abolição do sigilo comercial, não são mais do que cúmplices e encobridores da delapidação do Tesouro.

A guerra custa hoje à Rússia 50 milhões de rublos diários. A maior parte desses 50 milhões vai parar às mãos dos fornecedores do exército. Destes 50 milhões, 5 milhões diários, pelo menos, provavelmente até 10 milhões ou ainda mais, constituem os «lucros lícitos» dos capitalistas e dos funcionários que, de um modo ou de outro, estão confabulados com eles. São sobretudo as grandes companhias e os bancos que adiantam o dinheiro para as operações de fornecimento de guerra, embolsando deste modo lucros inauditos, e fazem-no precisamente delapidando o Tesouro, pois não pode dar-se outro nome às suas manobras para enganar e esgotar o povo «à custa» das calamidades da guerra, «à custa» da morte de milhares e milhares de homens.

«Toda a gente» sabe desses lucros escandalosos com os fornecimentos da guerra, «toda a gente» sabe das «letras de garantia» ocultas pelos bancos, «toda a gente» sabe quem são os que enriquecem à custa da carestia, cada vez mais agravada; na «alta roda» fala-se disso com um sorriso irónico nos lábios, e até a imprensa burguesa, que geralmente silencia os factos «desagradáveis» e ilude os problemas «delicados» contém, não poucas, alusões concretas a estes assuntos. Toda a gente o sabe e toda a gente o silencia, toda a gente transige com o governo, que fala eloquentemente acerca do «controlo» e da «regulamentação»!!

Os democratas revolucionários, se fossem evolucionários e democratas a sério, decretariam imediatamente uma lei suprimindo o sigilo comercial, obrigando os fornecedores e os negociantes a prestar contas, proibindo-os de mudar de actividade sem autorização das entidades competentes; uma lei que decretasse a confiscação de bens e a pena de morte como castigo pelas ocultações e as fraudes contra o povo e organizasse o controlo e a fiscalização a partir de baixo, de um modo democrático pelo próprio povo, pelos sindicatos de operários, pelas associações de consumidores, etc..

Os nossos socialistas-revolucionários e mencheviques bem merecem o nome de democratas atemorizados, pois que, sobre esta questão, mais não fazem que repetir o que dizem todos os pequeno-burgueses atemorizados: que os capitalistas «fugiriam» se se aplicassem medidas «demasiado rigorosas»; que «nós» não poderíamos avançar sem os capitalistas; que, provavelmente, essas medidas «ofenderiam» também os milionários anglo-franceses, os quais, como é sabido, nos «apoiam», etc., etc.. Poder-se-ia crer que os bolcheviques propõem uma coisa nunca vista na história da humanidade, jamais experimentada, «utópica», quando, na realidade, há já 125 anos, em França, homens que eram verdadeiros «democratas e revolucionários», realmente convencidos do carácter justo e defensivo da guerra que faziam, homens que se apoiavam realmente nas massas populares, também sinceramente disso convencidos, souberam implantar um controlo revolucionário sobre os ricos e obter resultados que deixaram admirado o mundo inteiro. E nos 125 anos que transcorreram desde então, o desenvolvimento do capitalismo, com a criação de bancos, cartéis, caminhos de ferro, etc., etc., tornou cem vezes mais fácil e simples as medidas de aplicação de um controlo verdadeiramente democrático dos operários e camponeses sobre os exploradores, sobre os latifundiários e os capitalistas.

No fundo, todo o problema do controlo se reduz em saber quem é que controla e quem é controlado, quer dizer, qual a classe que controla e qual a controlada. Até hoje no nosso país, na Rússia republicana, com a cooperação dos «organismos competentes» de uma pretensa democracia revolucionária, continua-se a reconhecer e a deixar nas mãos dos latifundiários e dos capitalistas o papel de controladores. Consequências inevitáveis disso são a banditagem dos capitalistas e a indignação geral do povo, e a desorganização económica, artificialmente mantida pelos mesmos capitalistas. É preciso passar resoluta e definitivamente, sem medo de destruir o velho, sem temer construir decididamente o novo, ao controlo exercido pelos operários e camponeses sobre os latifundiários e capitalistas. Mas os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques temem-no mais que ao fogo.

(a seguir)



publicado por portopctp às 18:40
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