de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Quinta-feira, 28 de Março de 2013
A guerra de guerrilhas

A questão das acções de guerrilhas interessa muito o nosso Partido e a massa operária. Abordámos já muitas vezes esta questão, mas superficialmente, e temos agora a intenção de chegar, como prometemos, a uma exposição mais completa das nossas ideias sobre este assunto.

I

Comecemos pelo princípio. Que exigências essenciais deve apresentar um marxista no exame da questão das formas de luta? Em primeiro lugar, o marxismo difere de todas as formas primitivas do socialismo porque não subjuga o movimento a qualquer forma de combate único e determinado. Admite os métodos de luta mais variados; mas não os «inventa»; limita-se a generalizar, organizar, tornar conscientes os métodos de luta das classes revolucionárias, que surjam espontaneamente mesmo no decurso do movimento. Absolutamente hostil a todas as formas abstractas, a todas as receitas doutrinárias, o marxismo quer que se considere atentamente a luta de massa que se desenvolve e que, à medida do desenvolvimento do movimento, dos progressos da consciência das massas, do agravamento das crises económicas e políticas, faça nascer sem cessar novos sistemas, cada vez mais variados, de defesa e de ataque. É a razão porque o marxismo não repudia de uma maneira absoluta nenhuma forma de luta. Em nenhum caso, entende limitar-se às formas de luta possíveis e existentes num dado momento; reconhece que uma modificação da conjuntura social conduzirá inevitavelmente ao aparecimento de novas formas de luta, ainda desconhecidas dos militantes do dito período. O marxismo, neste sentido, instrói-se, se se pode dizer, na escola prática das massas; está longe de pretender ensinar as massas propondo-lhes formas de luta inventadas por «fabricantes de sistemas» no seu gabinete de trabalho. Nós sabemos – dizia, por exemplo, Kautsky examinando as formas de revolução social – que a futura crise nos trará novas formas de luta que não podemos prever actualmente.

Em segundo lugar, o marxismo exige absolutamente que a questão das formas de luta seja encarada sob o seu aspecto histórico. Colocar esta questão sem ter em conta as circunstâncias concretas e históricas, é ignorar o ABC do materialismo dialéctico. Em momentos distintos da evolução económica, em função das diversas condições na situação política, nas culturas nacionais, nas condições de existência, etc., diferentes formas de luta se erguem em primeiro plano, tornam-se as principais, enquanto que por repercussão os métodos secundários, acessórios, se modificam igualmente. Pensar responder sim ou não, quando a questão se põe em apreciar um meio determinado de luta, sem examinar em detalhe as circunstâncias concretas do movimento no ponto preciso onde se chegou – será esquecer completamente a posição marxista.

Estes são, teoricamente, os dois princípios essenciais que nos devem guiar. A história do marxismo na Europa ocidental dá-nos inúmeros exemplos em apoio do que se acaba de dizer. A social-democracia europeia considera actualmente o parlamentarismo e o movimento sindical como as principais formas de luta; outrora, reconhecia a insurreição e está ainda perfeitamente disposta a reconhecê-la futuramente em conjunturas modificadas – contrariamente ao que pensam os burgueses liberais, do género dos cadetes russos e dos «sans étiquette»[1]. A social-democracia rejeitou, entre 1870 e 1880, a greve geral considerada como panaceia social, enquanto meio de derrubar de improviso a burguesia por uma outra via sem ser a política; mas a social-democracia admite perfeitamente a greve política de massa (sobretudo depois da experiência feita na Rússia em 1905) como um dos meios de luta, indispensável em certas condições. A social-democracia admitia os combates de barricadas nas ruas em 1840-1850; rejeitava este meio, por motivo de determinadas circunstâncias, no fim do século XIX; declarou-se pronta a rever esta última posição e a admitir a utilidade dos combates de barricadas, depois da experiência de Moscovo que, segundo os termos de K. Kautsky, criou uma nova táctica de barricadas.

II

Depois de expostos os princípios gerais do marxismo sobre este assunto, passemos à revolução russa. Recordemos o desenvolvimento histórico das formas de luta que ela sugeriu. No princípio, greves económicas de operários (1896-1900); em seguida, manifestações políticas de operários e de estudantes (1901-1902), revoltas de camponeses em 1902, depois as primeiras greves políticas de massa, combinadas diversamente com manifestações (Rostov 1902, greves do Verão de 1903 e de 22[9] de Janeiro de 1905); greve política estendida a toda a Rússia, com combates de barricada em certos locais (Outubro de 1905); luta de barricadas generalizada e insurreição armada (Dezembro de 1905); luta parlamentar pacífica (Abril-Junho 1906); amotinações parciais no exército (Junho 1905-Junho 1906); revoltas parciais de camponeses (Outono 1905 e Outono de 1906).

Esta é a situação por volta do Outono de 1906, do ponto de vista geral das formas de luta. A autocracia «responde» com as perseguições organizadas pelos Cem-Negros desde a de Kichinev, na Primavera de 1903, até à de Siedlce, no Outono de 1906. Durante todo este período, a organização pelos Cem-Negros das perseguições e massacres de judeus, de estudantes, de revolucionários, de operários conscientes progride sem cessar, aperfeiçoa-se, unificando na violência uma populaça comprada e os bandos armados de reaccionários, indo até ao emprego de artilharia nas aldeias e nas cidades e confundindo-se com expedições punitivas, com comboios de repressão, e assim por diante.

Este é o âmago da questão. Neste âmago desenha-se – certamente como qualquer coisa de particular, de secundário, de acessório – o fenómeno em estudo e em apreciação ao qual é consagrado o presente artigo. Qual é o fenómeno? Quais são as formas? As causas? Quando surgiu e até que ponto foi divulgado? Qual é a sua dimensão na marcha geral da revolução? Quais são as suas ligações com a luta da classe operária, organizada e dirigida pela social-democracia? Tais são as questões que devemos abordar agora depois de ter traçado o âmago da questão.

O fenómeno que nos interessa é a luta armada. Ela é conduzida por indivíduos e por pequenos grupos de indivíduos. Em parte, eles pertencem a organizações revolucionárias; em parte (e, em certas localidades da Rússia, na maior parte) não pertencem a nenhuma organização revolucionária. A luta armada prossegue dois objectivos diferentes, que é indispensável distinguir rigorosamente; antes do mais, esta luta tem por fim matar indivíduos: chefes e subalternos dos serviços militar e policial; em seguida, confiscar fundos pertencentes tanto ao governo como a particulares. Os fundos confiscados são em parte empregues nas necessidades do Partido, em parte na compra de armas e nos preparativos da insurreição, em parte na manutenção de militantes que conduzem a luta em questão. As grandes expropriações (a que foi feita no Cáucaso e que rendeu mais de 200 000 rublos, a de Moscovo que rendeu 375 000 rublos) serviram acima de tudo as necessidades dos partidos revolucionários; as pequenas expropriações servem sobretudo, e por vezes somente, para a manutenção dos «expropriadores». É um facto que esta forma de luta não se desenvolveu muito e expandiu a não ser em 1906, quer dizer, depois da insurreição de Dezembro. O agravamento da crise política, até à luta armada, e, em particular, o agravamento da miséria, da fome e do desemprego, tanto nas cidades como no campo, estão entre as principais causas que conduziram ao emprego desta forma de luta das classes. Estes processos de luta social adoptados de preferência, e quase mesmo exclusivamente pelos elementos mais miseráveis da população, pés descalços, lúmpen proletariado e grupos anarquistas. Sob a forma de configuração «responsiva» de luta da parte da autocracia, convém citar o estado de sítio, a mobilização de novas tropas, as perseguições dos Cem-Negros (Siedlce), os tribunais militares.

III

Geralmente, estes meios de luta são qualificados de: anarquismo, blanquismo, um retorno ao antigo terrorismo; são actos de indivíduos que nada têm de comum com as massas, que desmoralizam os operários, desviam destes as simpatias das largas camadas da população, desorganizam o movimento e prejudicam a revolução. É fácil encontrar exemplos que confirmam esta apreciação nos jornais que anunciam todos os dias feitos semelhantes.

Mas são estes exemplos comprovativos? Para o verificar, consideremos uma região onde a forma de luta considerada é a mais usada: a Letónia. Eis os queixumes que formula o jornal Novoié Vrémia de 21[8] e de 25[12] de Setembro acerca da actividade da social-democracia letónia. O partido Social-Democrata Operário da Letónia (ligado ao P. O. S. D. R.) publica o seu jornal regularmente com uma tiragem de 30 000 exemplares. Na parte oficial, publica listas de espiões que todo o homem honesto tem o dever de executar. Os que colaboram com a polícia são declarados «adversários da revolução» e sujeitos a execução; por outro lado, respondem também com todos os seus bens. O dinheiro destinado ao Partido Social-Democrata não deve ser depositado a não ser com a apresentação de um recibo sustentando o carimbo da organização. No último relatório do Partido, sobre 48 000 rublos de receitas para o ano, figuram 5 600 rublos entregues pela secção de Libau, para compra de armas; esta soma foi realizada por expropriação. O Novoié Vrémia vitupera furiosamente, concebe-se, contra esta «legislação revolucionária», este «governo temível».

Ninguém ousaria qualificar a actividade dos social-democratas letões de anarquismo, blanquismo, terrorismo. E porquê? Porque aqui vê-se claramente a relação entre esta nova forma de luta e a insurreição que ocorreu em Dezembro como a que se prepara de novo. Para toda a Rússia esta combinação não é tão evidente, mas existe. Não se poderia pôr em causa a extensão da luta «de guerrilhas» precisamente desde Dezembro e a sua ligação com o agravamento da crise não somente económico, mas também político. O antigo terrorismo russo era ocupação de intelectuais conspiradores; hoje em dia a luta de guerrilhas é conduzida, em geral, por militantes operários ou simplesmente por desempregados. O blanquismo e o anarquismo apresentam-se rapidamente na ideia daqueles que actuam voluntariamente segundo fórmulas feitas; mas perante uma situação insurreccional tão evidente como o é na Letónia, a impropriedade destes epitáfios salta à vista.

Pelo exemplo dos letões vê-se muito bem a que ponto esta análise, tão frequente entre nós, da guerra de guerrilha, separada da situação insurreccional, está privada de justeza, de valor científico, de sentido histórico. Ora é preciso contar com esta situação, cuidar das particularidades de um período intermédio entre as grandes revoltas; é preciso compreender quais as novas formas de luta que nascem inevitavelmente em tais períodos, e não se esquivar, recusando em bloco estes métodos com a ajuda de um vocabulário feito, igualmente usado pelos cadetes como entre as pessoas do Novoié Vrémia: anarquismo, pilhagem, crimes de elementos desqualificados!

Dizem-nos que os actos de guerrilha desorganizam o nosso trabalho. Apliquemos este raciocínio à situação que se seguiu a Dezembro de 1905, na época das perseguições organizadas pelos Cem-Negros e do estado de sítio. O que é que desorganiza mais o movimento numa época semelhante: a falta de resistência ou uma luta organizada de guerrilhas; comparai a Rússia central com as províncias fronteiriças do oeste, a Polónia e a Letónia. Sem dúvida alguma, a guerra de guerrilhas está muito mais difundida e mais desenvolvida no oeste. Está igualmente fora de dúvida que o movimento revolucionário em geral e o movimento social-democrata em particular estão mais desorganizados na Rússia central que nas províncias do oeste. Longe de nós, certamente, a ideia de concluir que o movimento social-democrata na Polónia e na Letónia está menos desorganizado graças à guerra de guerrilha. De maneira nenhuma. É preciso concluir somente que a guerra de guerrilhas não tem nada a ver com a desorganização do movimento operário social-democrata na Rússia, em 1906.

Invoca-se bastante frequentemente o carácter particular das condições nacionais. Mas esta alegação atraiçoa sobretudo a fraqueza da argumentação corrente. Se se trata com efeito das particularidades nacionais, então o anarquismo, o blanquismo, o terrorismo, vícios comuns a todas as partes do império, e mesmo mais especialmente às províncias de nacionalidade russa, não têm nada com isso; trata-se então de outra coisa. Examinem esta «outra coisa» de uma maneira concreta, senhores! Vereis então que a opressão nacional, ou melhor, os antagonismos de nacionalidades nada explicam, porque eles existiram sempre nas províncias do oeste, enquanto a luta de guerrilhas só apareceu no presente período histórico. Há muitas regiões onde a opressão e os antagonismos nacionais existem, sem que se verifique a luta de guerrilhas; e esta desenvolve-se por vezes em locais onde não se poderia falar de opressão nacional. A análise concreta da questão mostrará que se trata aqui não da opressão nacional mas das condições da insurreição. A guerrilha é uma forma inevitável de luta numa época em que o movimento das massas termina efectivamente na insurreição e se criam intervalos mais ou menos consideráveis entre as «grandes batalhas» no decurso da guerra civil.

O que desorganiza o movimento não são as acções de guerrilhas, mas a fraqueza de um partido incapaz de encarregar-se destas operações. É a razão por que a maldição que geralmente se lança, entre nós, russos, às acções de guerrilha coincide com operações deste género, mas clandestinas, acidentais, desorganizadas, e que efectivamente desorganizam o partido. Se somos incapazes de compreender as circunstâncias históricas que criam esta forma de luta, somos igualmente incapazes de lhe neutralizar as acções nocivas. Mas a luta não pára. Ela é provocada por poderosos factores económicos e políticos. Não depende de nós suprimir estes factores nem suprimir esta luta. Logo que nos lastimamos da guerra de guerrilha, lastimamo-nos na realidade da fraqueza do nosso Partido na obra insurreccional.

O que acabamos de dizer da desorganização refere-se também à desmoralização. O que desmoraliza não é a guerra de guerrilha mas o carácter inorganizado, desordenado, «sem-partido» dos actos de guerrilha. E nesta desmoralização absolutamente incontestável não escaparemos de modo algum censurando e amaldiçoando as acções de guerrilha; porque estas censuras e estas maldições são absolutamente impotentes para fazer parar o fenómeno provocado por causas profundas, de ordem económica e política. Objectar-se-á: se somos incapazes de fazer parar um fenómeno anormal e desmoralizante, não é uma razão para que o Partido adopte meios de luta anormais e desmoralizantes. Mas semelhante objecção seria a de um liberal burguês e não de um marxista, porque um marxista não pode considerar de uma maneira geral como anormal e desmoralizante a guerra civil, ou ante, a guerra de guerrilha que é uma das suas formas. O marxista atém-se no terreno da luta de classes e não no da paz social. Em certos períodos de crises agudas, económicas e políticas, a luta de classes terminou no seu desenvolvimento numa verdadeira guerra civil, quer dizer, numa luta armada entre duas partes da população. Em tais períodos, o marxista tem a obrigação de se colocar no ponto de vista da guerra civil. Nenhuma condenação moral desta é admissível do ponto de vista do marxismo.

Em tempo de guerra civil o ideal do partido do proletariado é um partido combatente. É absolutamente incontestável. Admitimos perfeitamente que, do ponto de vista da guerra civil, se possa e se venha a demonstrar que um outro método de guerra, num ou noutro momento, não é razoável. Admitimos perfeitamente que se critique diversos métodos de guerra civil do ponto de vista da sua oportunidade militar e estamos absolutamente de acordo para reconhecer que em questões idênticas a voz decisiva pertence aos militantes da social-democracia em cada região distinta. Mas em nome dos princípios do marxismo exigimos categoricamente que não se furte à análise das condições da guerra civil por meio de formas e frases repetidas e feitas sobre o anarquismo, o blanquismo, o terrorismo, e que não se venha agitar diante de nós certos processos absurdos aplicados na guerra de guerrilha por uma ou outra organização do PSP, num ou noutro momento, quando se trata de decidir se, de uma maneira geral, os social-democratas participarão nesta guerra de guerrilhas.

Quando se alega que a guerra de guerrilhas desorganiza o movimento, é preciso examinar criticamente as circunstâncias. Toda a nova forma de luta, implicando novos perigos e novas vítimas, «desorganiza» forçosamente as organizações que não estão preparadas. Os nossos antigos círculos de propagandistas desorganizaram-se logo que se passou à agitação. Os nossos comités desorganizaram-se em consequência de termos participado nas manifestações. Toda a operação militar, em qualquer guerra, dá por fruto uma certa desorganização nas fileiras dos combatentes. Não se deve daí concluir que não se deve combater. É preciso concluir somente que se deve aprender a combater. É tudo.

Quando vejo social-democratas que, orgulhosamente, com presunção, declaram: não somos anarquistas, nem ladrões, não nos entregamos à pilhagem, estamos acima de tudo isso, rejeitamos a guerra de guerrilhas, pergunto a mim próprio se estas pessoas sabem o que dizem. Em toda a extensão do país, há escaramuças e combates entre um governo de Cem-Negros e a população. Esta fenómeno é absolutamente inevitável em dado grau de desenvolvimento da revolução. Espontaneamente, sem organização – e precisamente por causa disto, frequentemente com imperícia, de mau modo – a população reagiu com confrontos armados, com ataques à mão armada. Compreendo que, em consequência da fraqueza e da falta de preparação da nossa organização, podíamos renunciar, nessa região, nesse momento, a assegurar a essa luta espontânea a direcção do partido. Compreendo que esta questão deve ser resolvida no local pelos militantes e que não é fácil transformar organizações fracas e não preparadas. Mas logo que vejo que um teórico ou um publicista da social-democracia, em vez de se afligir pensando nesta falta de preparação, fala com uma satisfação presunçosa de anarquismo, de blanquismo, de terrorismo, e repete a este respeito frases decoradas na sua juventude com a vaidade de um presunçoso, sofro ao ver rebaixada deste modo a doutrina mais revolucionária do mundo.

Dizem-nos: a guerra de guerrilhas aproxima o proletariado consciente das escumalhas, dos patifes e bêbados. É verdade. Mas, disto, a única conclusão a tirar é que o partido do proletariado nunca deve considerar a guerra de guerrilhas como o único ou mesmo o principal meio de luta; que este meio deve estar subordinado a outros, que deve ser empregado numa medida justa de acordo com os meios principais, e que deve ser engrandecido pela influência educadora e organizativa do socialismo. Se esta última condição não é cumprida, todos os meios de luta, sem excepção, na sociedade burguesa, aproximam o proletariado das camadas não proletárias acima ou abaixo dele, e entregues ao desenvolvimento espontâneo das coisas, gastam-se, desnaturam-se, prostituem-se. As greves, abandonadas ao desenvolvimento dos acontecimentos, degeneram em «Alliances» - em acordos entre os operários e os patrões contra os consumidores. O Parlamento torna-se um local de tolerância, onde um bando de políticos burgueses trafica, por junto e em detalhe, «liberdades públicas», «liberalismo», «democracia», republicanismo, anticlericalismo, socialismo e outras mercadorias correntes. O jornal degenera em intermediário, acessível a todos, em instrumento de depravação das massas; lisonjeia grosseiramente os baixos instintos da multidão, etc.. A social-democracia não possui meios de luta universais capazes de proteger o proletariado, erguendo uma Muralha da China entre ela e as camadas que estão um pouco superiores ou um pouco inferiores. A social-democracia emprega, segundo as épocas meios diferentes, subordinando sempre a sua aplicação a ideias e métodos de organização rigorosamente determinados[2].

IV

As formas de luta na revolução russa são de uma extraordinária diversidade quando comparadas com as que foram postas em prática pelas revoluções burguesas na Europa. Kautsky tinha-o parcialmente predito, em 1902, quando afirmava que a futura revolução (acrescentava: talvez com excepção da Rússia) seria mais uma luta entre duas facções do povo do que uma luta do povo contra o governo. Na Rússia, vemos, sem dúvida alguma, um maior desenvolvimento desta segunda forma de luta que nas revoluções burguesas ocidentais. Os inimigos da nossa revolução entre o próprio povo são pouco numerosos, mas organizam-se cada vez mais à medida que a luta se agrava, e obtêm apoio das camadas reaccionárias da burguesia. Por conseguinte, é perfeitamente natural e inevitável que numa semelhante época, na época das greves políticas de todo o povo, a insurreição não se possa revestir da antiga forma de actos isolados, limitados a um curto espaço de tempo e de território. É perfeitamente natural e inevitável que a insurreição se eleve às formas mais complexas de uma guerra civil, englobando todo o país, quer dizer uma luta armada entre duas partes do povo. Não se pode representar uma guerra deste género de outra maneira a não ser como uma série de batalhas pouco numerosas, separadas por intervalos de tempo relativamente consideráveis, no decurso dos quais haja numerosas escaramuças. A partir do momento em que é assim – e é assim realmente – a social-democracia deve absolutamente marcar como tarefa a criação de organizações que, na medida do possível, sejam capazes de dirigir as massas nestas grandes batalhas, assim como, se possível, nessas escaramuças. A social-democracia, numa época em que a luta de classes foi agravada até à guerra civil, deve ter como tarefa, não somente participar nesta guerra civil, mas deve desempenhar um papel directivo. A social-democracia deve educar e preparar as suas organizações para que elas intervenham efectivamente enquanto parte beligerante, sem deixar escapar uma só ocasião de causar danos ao inimigo.

É um problema difícil, inútil dizê-lo. Não se pode resolvê-lo de repente. Do mesmo modo que, no decurso da guerra civil, todo o povo refaz a sua educação e se instrui, do mesmo modo as nossas organizações devem ser educadas, recompostas, sobre as bases dos dados da experiência, para estarem à altura da tarefa.

Não temos a mais pequena pretensão de impor aos militantes uma forma de luta da nossa autoria, nem mesmo resolver, no nosso gabinete de trabalho, a questão do papel de um ou outra forma da guerra de guerrilha na marcha geral da guerra civil na Rússia. Longe de nós o pensamento de ver, numa apreciação concreta de uma ou outra acção da guerrilha, um problema de orientação para a social-democracia. Mas nós vemos que a nossa tarefa é de contribuir, na medida do possível, para uma justa apreciação teórica das novas formas de luta impostas pela vida; como também de combater implacavelmente as fórmulas preconcebidas e as conjecturas que impedem os operários conscientes de apreciarem, como convém, este novo e difícil problema e chegarem a uma justa solução.

 

Prolétari n.º 5, 13 de Outubro [30 de Setembro] de 1906



[1] Colaboradores e partidários da revista Sans étiquette que apareceu em 1906 em Petersburgo. Apoiavam os liberais e os mencheviques e pronunciavam-se contra a independência política do proletariado.

[2] Acusam-se frequentemente os social-democratas bolcheviques de adoptarem uma atitude imprudente e parcial em relação às acções de guerrilha. Também não é supérfluo lembrar que no projecto de resolução sobre as acções de guerrilha, esta parte dos bolcheviques que as defende sujeitou o seu reconhecimento às condições seguintes: as expropriações dos bens do erário público não eram recomendadas e não eram toleradas senão sob a condição do controlo do Partido e da atribuição desses recursos às necessidades da insurreição. As acções de guerrilha sob a forma de acções terroristas estavam recomendadas contra os fomentadores de violências do governo e contra os Cem-Negros activos mas na condição: 1. Contar com o estado de espírito das amplas massas; 2. Tomar em consideração as condições do movimento operário da localidade referida; 3. Ter cuidado para que as forças do proletariado não sejam desperdiçadas em vão. A única coisa que distingue praticamente este projecto da resolução adoptada no Congresso de unificação, é que não admite as expropriações dos bens do erário público. (Nota de Lenine)


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