A última derrota do exército francês do Loire e a retirada de Ducrot para lá do Marne (supondo que esta retirada tenha tido o carácter decisivo que se lhe atribuía no Sábado) fixam definitivamente o destino da primeira operação combinada empreendida para libertar Paris. Ela falhou completamente e o povo recomeça a perguntar se esta nova série de insucessos não demonstraria a incapacidade dos franceses em prosseguir com êxito a resistência e se não seria melhor cessar imediatamente o jogo, entregar Paris assinar a cedência da Alsácia e da Lorena.
O facto é que se perdeu totalmente qualquer recordação de uma guerra verdadeira. As guerras da Crimeia, da Itália e da Prússia contra a Áustria não eram todas senão guerras inteiramente de acordo com as guerras de governos que assinavam a paz logo que os seus mecanismos militares se avariavam ou se desgastavam. Da verdadeira guerra, daquela em que participa a própria nação, não a temos visto em toda a Europa já há algumas gerações. Vimo-la no Cáucaso, na Argélia, onde a luta durou mais de vinte anos, quase sem interrupção; poderíamos vê-la na Turquia, se a Turquia tivesse recebido dos seus aliados a autorização para se defender à sua maneira com os seus próprios meios. Com efeito os nossos acordos não deixam senão aos bárbaros o direito de autodefesa autêntica; consideramos que os Estados civilizados devem combater de acordo com o cerimonial e que não é próprio de uma verdadeira nação cometer a indelicadeza de continuar a luta após a nação oficial ser obrigada a render-se.
Ora, actualmente, os franceses tornam-se culpados desta indelicadeza. A despeito dos prussianos, que se consideram os melhores conhecedores da etiqueta militar, há três meses que os franceses continuam a lutar de verdade, depois do exército francês ter retirado oficialmente do campo de batalha; eles fizeram mesmo o que o seu exército oficial não teria podido fazer nunca durante esta campanha. Obtiveram um grande e muitos pequenos sucessos; apreenderam ao inimigo canhões, comboios de navios e prisioneiros. É verdade que acabam de sofrer vários reveses graves; mas estes reveses nada são em comparação com a sorte que estava normalmente destinada ao seu exército oficial em cada recontro com o mesmo inimigo. É verdade que a sua primeira tentativa para romper o cerco de Paris por meio de uma ofensiva combinada do interior e do exterior resultou num assinalável desaire. Mas resultará daí necessariamente que não lhes restam mais possibilidades de êxito para uma segunda tentativa?
Os dois exércitos franceses, o de Paris e o do Loire, lutaram bem, segundo o testemunho dos próprios alemães. Foram derrotados, é verdade, por forças numericamente inferiores, mas o que era de esperar por parte de tropas jovens, recentemente organizadas e obrigadas a defrontar veteranos. Segundo o correspondente do Daily News, que aí se encontrava, os seus movimentos tácticos debaixo de fogo eram rápidos e seguros; podia notar-se uma falta de precisão, esta falta foi comum a muitos exércitos franceses vitoriosos. Não há possibilidade de engano: estes exércitos demonstraram que eram verdadeiros exércitos, aos quais os seus inimigos guardavam o devido respeito. Sem dúvida alguma que são formados com os mais heterogéneos elementos. Existem batalhões de linha com um número variável de soldados antigos; existem unidades de valor militar variado, desde o batalhão bem treinado e armado, com bons quadros de oficiais, atá ao batalhão de novos recrutas sem a mais elementar preparação militar e desconhecendo o manejo das armas; existem franco-atiradores de todas as categorias: os bons, os maus e os médios; é provável que a maior parte deles pertençam a esta última categoria. Mas em todo ocaso existe um núcleo de bons batalhões de combate, à volta dos quais os outros se podem agrupar. Eles que participem em combates isolados apenas durante um mês, evitando as derrotas esmagadoras, e tornar-se-ão todos excelentes soldados. Com uma melhor estratégia, poderiam mesmo alcançar êxitos presentemente, e a única estratégia que se impõe de momento é adiar qualquer batalha decisiva, o que, em nossa opinião pode ser atingido.
Mas as tropas concentradas em Mans e próximo de Loire estão longe de representar toda a força armada da França. Existem ainda pelo menos 200 000 a 300 000 homens em vias de organização nos pontos mais afastados da retaguarda. Cada dia que passa, a sua capacidade combativa melhora. Durante um certo tempo pelo menos, por dia deve fornecer para a frente uma quantidade cada vez maior de novos soldados. Atrás deles muitos homens estão prontos a substituí-los nos campos de instrução. Os armamentos e as munições chegam diariamente em grandes quantidades. Graças ás fábricas modernas de canhões e de armas, graças ao telégrafo, aos barcos a vapor, ao domínio no mar, não há que temer a penúria sobre este aspecto. Basta pois um mês para que se produza igualmente uma grande mudança na capacidade combativa destes homens. Se eles pudessem ter dois meses à sua disposição, constituiriam um exército capaz de comprometer seriamente o repouso de Moltke.
Atrás destas forças mais ou menos regulares encontra-se um numeroso Lundstrum, a massa do povo, encurralado pelos Prussianos nesta guerra defensiva que, segundo as palavras do pai de rei Guilherme, sanciona todos os meios. Quando «Fritz» (1) avançava de Metz para Reims, de Reims para Sedan e de lá para Paris, não se falava de levantamento do povo. As derrotas dos exércitos imperiais eram aceites com uma espécie de entorpecimento; vinte anos de regime imperial tinham lançado as massas numa submissão obtusa e passiva à direcção oficial. Aqui e ali encontravam-se camponeses que tinham participado em verdadeiros combates, como o de Bazeilles, mas eram excepções. Ora, logo que os prussianos se instalaram à volta de Paris e submeteram as localidades vizinhas ao sistema ao sistema humilhante das requisições, praticado sem piedade alguma, logo que eles se puseram a fuzilar os franco-atiradores e a incendiar as aldeias onde estes últimos tinham encontrado auxílio, quando enfim recusaram as propostas de paz dos franceses e declararam a sua intenção de empreender uma guerra de conquista, tudo mudou. Por todo o lado à sua volta, eclodiu um guerra de guerrilhas provocada pelas suas próprias brutalidades, e agora basta entrar-lhes num novo distrito para suscitar por todo o lado um levantamento em massa. Leiam nos jornais a reportagem sobre o avanço dos exércitos de Mecklembourg e do príncipe Frederico-Carlos e compreendereis imediatamente a influência extraordinária que exerce sobre os movimentos destes exércitos esta invencível insurreição do povo que ora se apaga ora reaparece, mas que embaraça sempre. Mesmo a cavalaria numerosa, à qual os franceses não têm quase nada com que se opor, é neutralizada em larga escala por esta hostilidade geral, activa e passiva, da população.
Examinemos agora a situação dos prussianos: das divisões, dispostas em redor de Paris, não poderão certamente retirar nenhuma, porque Trochu ficará em condições de repetir todos os dias as suas saídas em massa. Quanto ás divisões de Manteuffeul na Normandia e na Picardia, terão ainda para nais algum tempo de despachar muito trabalho; além disso poderão ser solicitadas algures. As duas divisões e meia de Werder não podem fazer para lá de Dijon senão incursões e isto continuará assim pelo menos enquanto Belford não capitular. Não se pode retirar um único soldado das unidades encarregadas de guardar a comprida e estreita linha de comunicação formada pelo caminho de ferro de Nancy-Paris. O 7º regimento tem bastante que fazer, encarregado que está de fornecer guarnições ás fortalezas da lorena e de continuar o cerco a Longwy e a Montmédy. Para as operações de campo contra a França central e meridional, não restam senão onze divisões de infantaria de Frederico-Carlos e do duque de Mecklembourg, seguramente não mais de 150 000 homens, incluindo a cavalaria.
Desta maneira os prussianos empregavam cerca de 4 divisões para ocupar a Alsácia e a Lorena, para guardar duas compridas linhas de comunicação até Paris e Dijon e para atacar Paris. E no entanto eles não controlam directamente talvez mesmo um oitavo e, indirectamente, seguramente não mais de um quarto do território francês. Para todo o resto do país não dispõem senão de 15 divisões, das quais 4 se encontram debaixo do comando de Manteuffel. O seu avanço eventual dependerá inteiramente da energia da resistência popular que eles possam encontrar. Mas como todas as suas comunicações passam por Versalhes-não tendo a campanha de Frederico-Carlos aberto a nova linha por Troyes-e como estas comunicações atravessam em pleno centro o país rebelde, as tropas em questão deveram dispersar as suas forças numa larga frente, deixar na retaguarda destacamentos para guardar as estradas e para manter a população submissa. Elas atingirão assim rapidamente o limite em que as suas forças diminuirão ao ponte de serem contrabalançadas pelas forças francesas opositoras e neste caso as possibilidades de êxito são de novo favoráveis aos franceses. Ou melhor ainda estes exércitos alemães deverão operar em grandes colunas móveis, percorrendo o país de lés a lés, sem o ocupar definitivamente. Neste caso as tropas regulares francesas poderiam, recuando à sua frente durante algum tempo, encontrar em seguida bastantes ocasiões oportunas para os atacar de flanco e à retaguarda.
Alguns destacamentos móveis, como os que Blucher enviava em 1813 para contornar as alas dos franceses, seriam muito úteis se fossem empregados para destruírem a linha de comunicação dos alemães. Esta linha é vulnerável em quase toda a sua extensão, de Paris a Nancy. Alguns destacamentos, cada um composto por um por dois esquadrões de cavalaria e por um certo número de atiradores especiais, atacam esta linha, destroem a via, os túneis e as pontes, surpreendem os comboios, etc., e poderiam forçar a chamar a cavalaria alemã de frente tal com ela é particularmente perigosa. Os franceses, é verdade, não possuem quase nada do verdadeiro «ímpeto do hussardo».
Tudo isto, bem entendido, na hipótese de Paris se continuar a aguentar bem. Até ao momento do presente, exceptuando a fome, nada há que possa forçar a capital a render-se. O Daily News inseriu no seu número de ontem o comunicado de um dos seus correspondentes que se encontra em Paris. Ele dissipa, se é verídico, todas as apreensões. Existem ainda na capital 25 000 cavalos fora os que pertencem ao exército de Paris. Se se avaliar o peso médio de cada um 500 kg, isso equivale a 6 250 g de carne por habitante ou seja um pouco mais de 100 g por dia durante dois meses. Juntemos a isto o pão e o vinho ad libitum (2), assim como uma importante quantidade de salgados e de outros víveres, e é claro que Paris pode perfeitamente aguentar-se até ao começo de Fevereiro. Isso daria à França dois meses que tem agora para ela mais importância do que dois anos em tempo de paz. Supondo uma direcção mais ou menos inteligente e enérgica tanto no centro como na província, os franceses poderiam nessa altura libertar Paris e ao mesmo tempo desocupar a França.
Mas se Paris cai? Teremos de examinar esta eventualidade, quando ela se tornar mais provável. De qualquer forma, a França passou sem paris durante mais de dois meses e pode continuar a luta sem ela. Evidentemente que a queda de Paris poderia desmoralizar os franceses e minar o espírito de resistência, mas os revesses dos últimos setes dias poderiam desde já produzir esse efeito. Contudo nenhum destes acontecimentos deve produzir necessariamente tais consequências. Se os franceses fortificarem algumas posições boas de manobras como Nevers, situada na confluência do Loire e do Allier, se construírem fortes avançados em redor de Lyon para a tornar assim tão sólida como Paris, a guerra pode continuar mesmo depois da queda de Paris, mas o momento para se falar disso ainda não chegou.
Por consequência, cometemos a ousadia de declarar que se o espírito de resistência do povo não enfraqueceu, a posição dos franceses mesmo depois das últimas derrotas permanece ainda muito forte. Enquanto a França possuir o domínio no mar para se reabastecer em armas e uma quantidade suficiente de homens para a guerra, e como desenvolveu um trabalho de organização durante tês meses os primeiros e mais difíceis com a perspectiva de ter ainda um mês de espera, senão dois, e tudo isto num momento que os prussianos deixam já transparecer indícios de esgotamento, seria uma traição evidente capitular. E quem é que sabe o que pode acontecer, as complicações que podem surgir na Europa, durante este intervalo de tempo? Custe o que custar, os franceses devem continuar a luta.
Publicado in Pall Mall Gazette, nº 1816, quinta-feira, 8 de Dezembro de 1870.
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