de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Terça-feira, 26 de Março de 2013
Cartas de Longe - Quinta Carta

As tarefas da organização proletária revolucionária do Estado

Nas quatro cartas anteriores, as tarefas actuais do proletariado revolucionário da Rússia foram formuladas do seguinte modo: (1) saber chegar pela via mais correcta à etapa seguinte da revolução, ou à segunda revolução que (2) deve fazer passar o poder de Estado das mãos do governo dos latifundiários e dos capitalistas (os Gutchkov, os Lvov, os Miliukov, os Kérenski) para as mãos de um governo dos operários e dos camponeses pobres. (3) Este último governo deve organizar-se segundo o modelo dos Sovietes de deputados operários e camponeses. A saber, (4) deve demolir e liquidar por completo a velha máquina de Estado habitual em todos os países burgueses – exército, polícia, burocracia –, substituindo-a (5) por uma organização do povo em armas que não só não se limite a abarcar grandes massas, mas que compreenda todo o povo. (6) Só um tal governo, "tal" pela sua composição de classe ("ditadura democrática revolucionária dos operários e dos camponeses") e pelos seus órgãos de administração ("milícia proletária") estará em condições de resolver eficazmente o problema essencial do momento, problema extremamente difícil e de absoluta urgência, ou seja, conseguir a paz, uma paz que não seja imperialista, que não seja um tratado entre potências imperialistas para repartir o bolo que os capitalistas e os seus governos obtiveram através do saque, mas sim uma paz verdadeiramente duradoura e democrática, que não se pode conseguir sem a revolução proletária em vários países. (7) Na Rússia a vitória do proletariado só será possível num futuro próximo, caso os operários contem, acima de tudo, com o apoio da imensa maioria dos camponeses em luta pela confiscação de toda a propriedade latifundiária (e a nacionalização de toda a terra, se se considera que o programa agrário "dos 104" continua a ser, no fundo, o programa agrário do campesinato). (8) Relacionada com esta revolução camponesa, e com base nela, tornam-se possíveis e necessárias novas acções do proletariado em aliança com os elementos pobres do campesinato, acções dirigidas para conseguir o controlo da produção e da distribuição dos produtos mais importantes, a introdução de "trabalho geral obrigatório", etc.. Estes passos são impostos de maneira inevitável pelas condições criadas com a guerra, e que o pós-guerra irá agravar em muitos aspectos. No seu conjunto e no seu desenvolvimento, estes passos constituiriam a transição para o socialismo, que na Rússia não se pode realizar de um modo directo, de uma só vez, sem medidas transitórias, mas que é perfeitamente realizável e imperiosamente necessária como resultado de medidas transitórias desse tipo. (9) A tarefa de formar imediatamente uma organização especial de sovietes de deputados operários no campo, quer dizer, Sovietes de operários assalariados agrícolas, independentes dos sovietes dos demais deputados camponeses, é imperiosa.

Tal é, em resumo, o nosso programa baseado numa análise das forças de classe da revolução russa e mundial, bem como na experiência de 1871 e 1905.

Tentemos agora observar o conjunto deste programa e, de passagem, analisar a forma como o assunto foi abordado por K. Kautsky, o principal teórico da "Segunda” Internacional (1889-1914) e o mais proeminente representante da tendência, agora existente em todos os países, do "Centro", tendência de "pântano" que oscila entre os social-chauvinistas e os internacionalistas revolucionários. Kautsky abordou este assunto na sua revista Die Neue Zeit n.º 6 de Abril de 1917 (novo estilo) no artigo intitulado: "As Perspectivas da Revolução Russa".

"Primeiro que tudo", escreve Kautsky, "é preciso verificar quais as tarefas a enfrentar pelo regime revolucionário proletário" (o sistema de Estado).

"Duas coisas", continua o autor, "são urgentemente necessárias ao proletariado: democracia e socialismo".

Infelizmente, os avanços de Kautsky nesta tese absolutamente incontestável são realizados de forma extremamente geral, de modo que, em essência, nada diz e nada explica. Miliukov e Kerensky, membros de um governo burguês e imperialista, poderiam prontamente subscrever essa tese geral, um a primeira parte, e outro a segunda... [1]

 

Escrito em 26 de Março (8 de Abril) de 1917. Publicado pela primeira vez em1924 no N.º. 3-4 da revista «Bolshevik».



[1] O texto quebra aqui


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Sábado, 5 de Janeiro de 2013
Cartas de Longe - Primeira Carta

A primeira etapa da primeira Revolução

A primeira revolução, engendrada pela Guerra Imperialista Mundial, estalou. Seguramente esta primeira revolução não será a última.

A primeira etapa desta primeira revolução, concretamente a revolução russa de 1 de Março de 1917, terminou, a julgar pelos escassos dados de que se dispõe na Suíça. Seguramente, esta primeira etapa não será a última da nossa revolução.

Como se pôde produzir o «milagre» de que só em oito dias – segundo afirmou o senhor Miliukov no seu exultante telegrama a todos os representantes da Rússia no estrangeiro – se tenha desmoronado uma monarquia que se tinha mantido ao longo dos séculos e que se manteve, apesar de tudo, durante três anos – 1905-1907 – de gigantescas batalhas de classes em que todo o povo participou?

Nem na natureza nem na história se produzem milagres, porém todas as viragens bruscas da história, incluindo qualquer revolução, oferecem um conteúdo tão rico, desenvolvem combinações tão inesperadas e originais de formas de luta e de correlação das forças em confronto, que muitas coisas podem parecer milagre à frente do filisteu.

Para que a monarquia czarista tenha podido desmoronar-se em alguns dias, foi necessária a conjugação de várias condições de importância histórica para o mundo inteiro. Indiquemos as principais:

Sem os três anos de formidáveis batalhas de classes, sem a energia revolucionária despendida pelo proletariado russo em 1905-1907, teria sido impossível uma segunda revolução tão rápida, no sentido que culminou a sua etapa inicial nuns quantos dias. A primeira revolução (1905) removeu profundamente o terreno, arrancou pela raiz preconceitos seculares, despertou para a vida e a luta políticas milhões de operários e dezenas de milhões de camponeses, revelou a cada classe e ao mundo inteiro o verdadeiro carácter de todas as classes (e de todos os principais partidos) da sociedade russa, a verdadeira correlação dos seus interesses, das suas forças, dos seus meios de acção, dos seus objectivos imediatos e longínquos. A primeira revolução e a época de contra-revolução que se lhe seguiu (1907-1914) puseram a descoberto a verdadeira natureza da monarquia czarista, levaram esta ao seu «último extremo», revelaram toda a sua putrefacção, toda a ignomínia, todo o cinismo e toda a libertinagem do bando czarista com o monstro Rasputine à cabeça; revelaram toda a ferocidade da família dos Romanov – esses progromistas[1] que inundaram a Rússia com o sangue dos judeus, de operários, de revolucionários – esses latifundiários, «os primeiros entre os seus iguais» possuidores de milhões de hectares de terra, dispostos a todas as atrocidades, a todos os crimes, dispostos a arruinar e estrangular quantos cidadãos fosse preciso para defender a sua «sacrossanta propriedade» e a da sua classe.

Sem a revolução de 1905-1907, sem a contra-revolução de 1907-1914, teria sido impossível uma «definição» tão precisa de todas as classes do povo russo e de todos os povos que habitam a Rússia, e a definição da atitude dessas classes – de umas para com as outras e de cada uma delas para com a monarquia czarista – que se revelou durante os oito dias da revolução de Fevereiro-Março de 1917. Esta revolução de oito dias foi «representada», se se pode permitir a metáfora, como se se houvesse procedido anteriormente a uns dez ensaios parciais e gerais; os «actores» conheciam-se, sabiam os seus papéis, os sue lugares, conheciam todo o cenário em comprimento e altura em todos os seus detalhes, conheciam até aos menores matizes das tendências políticas e das formas de acção. Mas para que a primeira, a grande revolução de 1905, condenada como sendo «uma gran rebelião» pelos senhores Guchkov, Miliukov e seus acólitos, tivesse conduzido em 12 anos à «brilhante» e «gloriosa» revolução de 1917, que os Guchkov e os Miliukov declararam «gloriosa» porque lhes deu (de momento) o Poder, era necessário, para além do mais um grande «director de cena», vigoroso, omnipotente, capaz por um lado de acelerar extraordinariamente a marcha da história universal, e por outro de engendrar crises mundiais económicas, políticas, nacionais e internacionais de uma força inusitada. Para além de uma aceleração extraordinária da história universal, eram necessárias viragens particularmente bruscas desta, para que uma delas pudesse voltar, bruscamente, a carroça sangrenta e enlameada da monarquia dos Romanov.

Este «director de cena» omnipotente, esse acelerador vigoroso foi a guerra imperialista mundial.

Hoje, já não existem dúvidas de que a guerra é mundial, pois os Estados Unidos e a China já estão parcialmente envolvidos nela, e amanhã estarão totalmente.

Já não há dúvidas de que a guerra é imperialista de ambos os lados. Só os capitalistas e os seus sequazes, os sociais-patriotas e os sociais-chauvinistas – ou, aplicando em lugar de definições críticas gerais, nomes de políticos bem conhecidos na Rússia – só os Guchkov e os Lvov, os Miliukov e os Shingariov por um lado, e os Gvozdiev, os Potrésov, os Chjenkeli, os Kerensky e os Chjeidze por outro, podem negar ou escamotear este facto. Tanto a burguesia alemã como a burguesia anglo-francesa fazem a guerra para saquearem outros países, para estrangular os pequenos povos, para estabelecer o seu domínio financeiro no Mundo, para proceder à repartição e redistribuição das colónias, para salvar, enganando e dividindo os operários dos diversos países, o agonizante regime capitalista.

A guerra imperialista devia – era objectivamente inevitável – acelerar extraordinariamente e recrudescer de maneira inusitada a luta de classe do proletariado contra a burguesia, devia transformar-se numa guerra civil entre classes inimigas.

Esta transformação começou com a revolução de Fevereiro-Março de 1917 cuja primeira etapa nos mostrou, em primeiro lugar, o golpe conjunto vibrado no czarismo por duas forças: por um lado toda a Rússia burguesa e latifundiária, com todos os seus acólitos inconscientes e com todos os seus orientadores conscientes, os embaixadores e capitalistas anglo-franceses, e por outro o soviete de deputados operários que começou a conquistar para o seu lado os deputados soldados e camponeses.

Estes três campos políticos, estas três forças políticas fundamentais são: 1) a monarquia czarista cabeça dos proprietários fundiários feudais, cabeça da velha burocracia e dos generais; 2) a Rússia burguesa e latifundiária dos Outubristas, e os democratas constitucionalistas, atrás da qual se arrastava a pequena-burguesia (cujos representantes mais destacados são Kerensky e Chjeidze); 3) o soviete de deputados operários, que trata de fazer seus aliados todo o proletariado e as massas de todos os sectores pobres da população; estas três forças políticas fundamentais revelaram-se com plena clareza, mesmo nos oito dias da «primeira etapa» mesmo para um observador obrigado a contentar-se com os magros telegramas dos jornais estrangeiros e tão afastado dos acontecimentos como está quem escreve estas linhas.

Mas antes de desenvolver esta ideia devo voltar à parte da minha carta consagrada ao factor de maior importância: a guerra imperialista mundial.

A guerra ligou entre si com cadeias de ferro as potências beligerantes, os grupos beligerantes de capitalistas, os «donos» do regime capitalista, os esclavagistas da escravatura capitalista. Uma amálgama sangrenta, eis o que é a vida social e política do momento histórico que vivemos.

Os socialistas que se passaram para o campo da burguesia no começo da guerra, os David e Scheidemann na Alemanha, os Plekanov, Protesov, Gvozdiev & C.ª na Rússia vociferaram largamente e em altos berros contra as «ilusões» do Manifesto de Basileia, contra o «sonho-farsa» da transformação da guerra imperialista em guerra civil, enalteceram em todas os tons a força, o vigor, a faculdade de adaptação revelada, segundo eles, pelo capitalismo: eles que ajudaram os capitalistas a «adaptar», domesticar, enganar e dividir a classe operária dos diferentes países! Mas, «quem ri por último, ri melhor». A burguesia não conseguiu atrasar por muito tempo a crise revolucionária gerada pela guerra. Esta crise agrava-se com uma força irresistível em todos os países, começando pela Alemanha, que sofre agora, segundo a expressão de um observador que a visitou recentemente, «uma fome genialmente organizada», e terminando com a Inglaterra e a França, onde a fome se aproxima também e onde a organização é muito menos «genial».

Era natural que a crise revolucionária estalasse, em primeiro lugar, na Rússia czarista, onde a desorganização era mais monstruosa e o proletariado o mais revolucionário (não devido às suas qualidades singulares, mas sim às tradições, ainda vivas do «ano cinco»). Aceleraram esta crise as duríssimas derrotas sofridas pela Rússia e os seus aliados. Estas derrotas sacudiram todo o velho mecanismo governamental e toda a velha ordem das coisas, enfureceram contra ele todas as classes da população, exasperaram o exército, exterminaram muitíssimos dos velhos chefes saídos de uma nobreza fossilizada, e, particularmente de uma burocracia apodrecida, substituindo-os por elementos jovens, frescos, principalmente burgueses, «raznochintsi», pequeno-burgueses. Os lacaios descarados da burguesia ou os homens simplesmente sem carácter que gritavam e vociferavam contra o «derrotismo», vêem-se hoje perante o facto da ligação histórica entre a derrota da monarquia czarista, a mais atrasada e bárbara, e o começo do incêndio revolucionário.

Mas se as derrotas, ao começar a guerra, desempenharam o papel de um factor negativo, que acelerou a explosão, o vínculo entre o capital financeiro anglo-francês, o imperialismo anglo-francês e o capital outubrista e demo-constitucionalista da Rússia, foi o factor que acelerou esta crise, mediante a organização directa de um complot contra Nicolau Romanov.

Por razões bem compreensíveis a imprensa anglo-francesa silencia esse aspecto extraordinariamente importante da questão, ao mesmo tempo que a imprensa alemã o sublinha com maldosa alegria. Nós, marxistas, devemos olhar a verdade cara a cara, serenamente sem nos deixarmos desconcertar pela mentira, a mentira oficial, diplomática e adocicada dos diplomatas e dos ministros do primeiro grupo beligerante de imperialistas, nem pelos trejeitos ou risos trocistas dos seus concorrentes financeiros e militares do outro grupo beligerante. Todo o curso dos acontecimentos na revolução de Fevereiro-Março mostra claramente que as embaixadas inglesa e francesa, com os seus agentes e as suas «relações», que já há muito tempo faziam os esforços mais desesperados para impedir os acordos «separados» e uma paz separada entre Nicolau II (esperamos e faremos o necessário para que seja o último) e Guilherme II, organizaram directamente um complot com os outubristas e os democratas constitucionalistas, com parte dos generais e da oficialagem do exército, sobretudo da guarnição de Petersburgo, especialmente para depor Nicolau Romanov.

Não tenhamos ilusões. Não caiamos no erro daqueles – como alguns «Okistas» ou «mencheviques» que vacilam entre a posição dos Gvozdev e Potresov e o internacionalismo, deslizando com excessiva frequência para o pacifismo pequeno-burguês – que estão dispostos a elogiar o «acordo» entre o partido operário e os democratas constitucionalistas, o «apoio» dos primeiros aos últimos, etc., etc.. Essa gente, rendendo tributo á sua velha e estafada doutrina (que nada tem de marxista), cobre com o véu o complot tramado pelos imperialistas anglo-franceses com os Guchkov e os Miliukov para encostar à parede Nicolau Romanov, a «primeira espada», e pôr em seu lugar espadas mais enérgicas, menos gastas, mais capazes.

Se a revolução triunfou com tanta rapidez e de uma maneira tão radical – aparentemente e à primeira vista – é unicamente porque, devido a uma situação histórica original em extremo, se fundiram, com notável «unanimidade», correntes absolutamente diferentes, interesses de classe absolutamente heterogéneos, aspirações políticas e socias absolutamente opostas, a saber: a conjura dos imperialistas anglo-franceses, que empurraram Miliukov, Guchkov & C.ª a tomarem conta do poder para continuar a guerra imperialista, para continuá-la mais encarniçada e tenazmente, para imolar novos milhões de operários e camponeses russos a fim de dar Constantinopla… aos Guchkov, a Síria… aos capitalistas franceses, a Mesopotâmia… aos capitalistas ingleses, etc.. Isto por um lado. Por outro lado um profundo movimento proletário e de massas do povo (todos os sectores pobres da população das cidades e dos campos), movimento de carácter revolucionário, pelo pão, a paz e a verdadeira liberdade.

 Seria absurdo falar de «apoio» por parte do proletariado revolucionário da Rússia ao imperialismo demo-constitucionalista-outubrista, «edificado» com dinheiro inglês e tão repugnante como o imperialismo czarista. Os operários revolucionários demoliam, demoliram já em grande parte e continuarão a demolir a vergonhosa monarquia czarista até acabar com ela, sem se entusiasmar nem mudar de posição mesmo quando, em outros momentos históricos de breve duração e de conjuntura excepcional, veio a ajudá-los a luta dos Buchnan, dos Guchkov, dos Miliukov & C.ª, visando substituir um monarca por outro, e de preferência por outro Romanov.

As coisas passaram-se assim, e somente assim. Assim e só assim, pode considerar as coisas o político que não teme a verdade, que avalia com lucidez a correlação das forças sociais na revolução, que tem em conta cada «momento actual», não só em tudo o que tem de original num dado momento mas também do ponto de vista das causas mais profundas, de uma correlação mais profunda dos interesses do proletariado e da burguesia, tanto na Rússia como em todo o mundo.

Os operários de Petersburgo, assim como os operários de toda a Rússia têm combatido com abnegação contra a monarquia czarista, pela liberdade, pela terra para os camponeses, pela paz, contra a matança imperialista. O capital imperialista anglo-francês, para continuar a intensificar esta matança, urdiu intrigas palacianas, tramou um complot com os oficiais da guarda, instigou e alentou os Guchkov e os Miliukov, tinha completamente formado um novo governo, que foi aquele que tomou o poder assim que o proletariado vibrou os primeiros golpes no czarismo.

Este novo governo, no qual os outubritas e os «renovadores pacíficos» Lvov e Guchkov, ontem cúmplices de Stolypin o Carrasco, ocupavam potos de verdadeira importância, postos capitais, postos decisivos, detêm nas suas mãos o exército e a burocracia; este governo no qual Miliukov e outros democratas constitucionalistas figuram acima de tudo como adorno, como rótulo, para pronunciar melífluos discursos professorais, e o «Trudovique» Kerensky desempenha o papel de balalaica para enganar os operários e os camponeses, esse governo não é um agrupamento acidental de pessoas. São os representantes de uma nova classe chegada ao poder político na Rússia, a classe dos latifundiários capitalistas e da burguesia, que desde há muito tempo dirige economicamente o nosso país e que tanto na revolução de 1905-1907 como durante a contra-revolução de 1907-1914 e por fim, durante a guerra de 1914-1917 – neste período com especial velocidade – se organizaram politicamente com extraordinária rapidez apoderando-se das administrações locais, da educação pública, de congressos de todo o género, da Duma, dos Comités da indústria de guerra, etc.. Esta nova classe estava já «quase completamente» no Poder em 1917; por isso, os primeiros golpes foram suficientes para que o czarismo se desmoronasse, abandonando o campo à burguesia. A guerra imperialista, ao exigir uma incrível tensão de forças, acelerou a tal extremo o processo do desenvolvimento da Rússia atrasada, que, «de um momento para o outro» –   na realidade aparentemente de um momento para o outro – alcançámos a Itália, a Inglaterra e quase a França, obtivemos um governo «parlamentar», de «coligação», «nacional» (quer dizer, adaptado para dirigir a matança imperialista e para enganar o povo). Ao lado deste governo – que não é, no fundo, mais do que um simples agente das «firmas» de multimilionários da «Inglaterra e França» do ponto de vista da actual guerra – apareceu um governo operário, o governo principal, não oficial, ainda não desenvolvido, relativamente débil que exprime os interesses do proletariado e de todos os elementos pobres da população da cidade e do campo. Este governo é o Soviete de deputados operários de Petersburgo, que procura ligações com os soldados e camponeses e também com os operários agrícolas. Como é natural, sobretudo com estes, mais do que com os camponeses.

Tal é a verdadeira situação política, que devemos esforçarmo-nos antes de tudo o mais, por esclarecer com a máxima precisão objectiva para dar à táctica marxista a única base sólida que pode ter: os factos.

- A monarquia czarista deposta, mas ainda não destruída

- O governo outubrista demo-constitucionalista burguês que quer levar a guerra imperialista «até ao fim», agente na realidade da firma financeira «Inglaterra & França», que se vê obrigado a prometer ao povo todas as liberdades e todas as dádivas compatíveis com a manutenção do poder sobre o povo e com a possibilidade de continuar com a matança imperialista.

- O Soviete de deputados operários, organização operária, embrião do governo operário, representante dos interesses de todas as massas pobres da população, quer dizer nove décimos da população que luta pela paz, o pão e a liberdade.

A luta destas três forças determina a situação presente, que é a passagem da primeira à segunda etapa da revolução. A contradição entre a primeira força e a segunda não é profunda, é uma contradição temporária, suscitada somente pela conjuntura do momento, por uma brusca viragem dos acontecimentos na guerra imperialista. No novo governo, todos são monárquicos, pois o republicanismo verbal de Kerensky não é sério nem digno de um político, é, objectivamente, politiquice. Ainda não tinha o novo governo dado o golpe de misericórdia na monarquia czarista, quando já estavam entrando em acordos com a dinastia dos latifundiários Romanov. A burguesia do tipo outubrista demo-constitucionalista necessita da monarquia, como cabeça da burocracia e do exército, para salvaguardar os privilégios do capital contra os trabalhadores.

Quem pretende que os operários devem apoiar o novo governo em nome da luta contra a reacção do czarismo (e isso é o que pretendem pelos vistos os Potrésov, os Gvózdiev, os Chjenkeli e, também, apesar da sua posição ambígua os Chjeidze) atraiçoa os operários, atraiçoa a causa do proletariado, a causa da paz e da liberdade. Porque, de facto, precisamente este novo governo está atado de pés e mãos pelo capital imperialista, pela política imperialista belicista de rapina; iniciou os acordos (sem consultar o povo!) com a dinastia; já se atarefa na restauração da monarquia czarista; já convida um candidato a reizito, Mikail Romanov; já se preocupa em lhe assegurar o trono, em substituir a monarquia legitimista (legal, baseada em velhas leis) por uma monarquia bonapartista, plebiscitária (baseada num sufrágio popular falsificado).

Para combater realmente contra a monarquia czarista, para assegurar realmente a liberdade, e não em palavras, e não só nas promessas miríficas de Miliukov e Kerensky, não são os operários quem deve apoiar o novo governo, mas este governo quem deve «apoiar» os operários! Porque a única garantia de liberdade e de destruição completa do czarismo, é armar o proletariado, consolidar, estender, desenvolver o papel, a importância e a força do Soviete de deputados operários.

Tudo o mais são frases ocas e mentirosas, ilusões de politiqueiros do campo liberal e radical, maquinações fraudulentas.

Ajudai o armamento dos operários, ou pelo menos não o estorveis e a liberdade será invencível na Rússia, nada conseguirá restaurar a monarquia e a república será assegurada.

De contrário, os Guchkov e os Miliukov restaurarão a monarquia e não farão nada, absolutamente nada do que prometeram no que respeita às «liberdades». Todos os politiqueiros burgueses em todas as revoluções burguesas «alimentaram» e embalaram os operários com promessas.

A nossa revolução é burguesa, e por isso os operários devem apoiar a burguesia, dizem os Potrésov, os Gvózdiev e os Chjeidze, como já antes dizia Plekanov.

A nossa revolução é burguesa, dizemos nós os marxistas, e por isso os operários devem abrir os olhos ao povo para que veja o engano dos politiqueiros burgueses e ensinar-lhes a não crer nas palavras, a confiar unicamente nas suas próprias forças, na sua própria organização, na sua própria união, no seu próprio armamento.

O governo dos outubristas e democratas constitucionalistas dos Guchkov e dos Miliukov não pode dar ao povo – mesmo que o quisesse sinceramente (só crianças de tenra idade podem acreditar na sinceridade de Guchkov e Lvov) – nem paz, nem pão, nem liberdade.

A paz, porque é um governo de guerra, um governo de continuação da matança imperialista, um governo de rapina que deseja saquear a Arménia, a Galícia, a Turquia, conquistar Constantinopla, reconquistar a Polónia, a Curlândia, a Lituânia, etc.. Este governo está atado de pés e mãos pelo capital imperialista anglo-francês. O capital russo não é mais do que uma sucursal da «firma» universal que maneja centenas de milhares de milhões de rublos e que se chama «Inglaterra & França».

O pão, porque este governo é burguês. No melhor dos casos, dará ao povo, como o fez a Alemanha, «uma fome genialmente organizada». Mas o povo não quererá tolerar a fome. O povo chegará a saber, e sem dúvida rapidamente, que há pão e que se pode obtê-lo, mas somente através de medidas desprovidas de todo o respeito para com o capital e da propriedade da terra.

A liberdade, porque este governo é um governo de latifundiários e capitalistas, que teme o povo e já entrou em acordos com a dinastia dos Romanov.

Noutro artigo trataremos dos objectivos tácticos da nossa conduta imediata a respeito deste governo. Mostraremos em que consiste a peculiaridade do momento actual, da passagem da primeira à segunda etapa da revolução e porque é que a palavra de ordem, a «tarefa do dia», deve ser neste momento: operários! Fizestes prodígios de heroísmo proletário e popular na guerra civil contra o czarismo. Deveis fazer prodígios de organização proletária e popular para preparar o vosso triunfo na segunda etapa da revolução.

Limitando-nos por agora a analisar a luta de classes na etapa actual da revolução, ainda temos de levantar esta questão: quem são os aliados do proletariado na actual revolução?

Esses aliados são dois: em primeiro lugar, as amplas massas dos semi-proletários e em parte, dos pequenos camponeses da Rússia, massa que conta dezenas de milhões de homens e constitui a imensa maioria da população. Esta massa necessita de paz, de pão, de liberdade e de terra. Esta massa sofrerá inevitavelmente uma certa influência da burguesia e sobretudo da pequena-burguesia, da qual se aproxima mais pelas suas condições de existência, vacilando entre a burguesia e o proletariado. As duras lições da guerra, que serão tanto mais duras quanto mais energicamente seja conduzida a guerra por Guchkov, Lvov, Miliukov & C.ª, empurrarão inevitavelmente esta massa para o lado do proletariado, obrigá-la-ão a segui-lo. Agora devemos aproveitar a liberdade relativa do novo regime e os Sovietes de deputados operários para nos esforçarmos por educar e organizar, sobretudo e antes de mais estas massas. Os Sovietes de deputados camponeses, os Sovietes de operários agrícolas são uma das nossas principais tarefas. Não só nos esforçaremos para que os operários agrícolas formem os seus sovietes próprios, como também para que os camponeses pobres se organizem separadamente dos camponeses abastados. Na carta seguinte trataremos das tarefas especiais e das formas especiais desta organização, cuja necessidade se impõe hoje em dia com grande força.

Em segundo lugar, aliado do proletariado russo é o proletariado dos países beligerantes e de todos os países em geral. Hoje, este aliado encontra-se em grande medida esmagado pela guerra, e os seus porta-vozes são com excessiva frequência os social-chauvinistas, que na Europa se passaram, como Plekanov, Grosdiev e Potresov na Rússia, para o campo da burguesia.

Com estes dois aliados, o proletariado pode avançar, e avançará aproveitando as particularidades do actual momento de transição, primeiro para a conquista da república democrática e para a vitória completa dos camponeses sobre os latifundiários, em vez de semi-monarquia Guchkov-Miliukoviana, e depois para o socialismo, pois só este dará a paz, o pão e a liberdade aos povos extenuados pela guerra.



[1] Progrom – caça aos judeus; usada no tempo dos czares como forma de desviar os trabalhadores dos seus verdadeiros interesses, fazendo recair as culpas de tudo o que acontecia sobre as supostas actividades dos judeus. Foi assim uma forma racista de manter o estado autocrata.


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