de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Terça-feira, 23 de Fevereiro de 2010
Do socialismo utópico ao socialismo científico - I O socialismo utópico

O socialismo moderno é, em primeiro lugar e pelo seu conteúdo, o fruto do reflexo na inteligência, por um lado, dos antagonismos de classe imperantes na sociedade moderna entre possuidores e desapossados, capitalistas e operários assalariados, e, por outro, da anarquia que reina na produção. Na teoria, porém, o socialismo começa por se apresentar inicialmente como uma continuação, mais desenvolvida e mais consequente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores franceses do século XVIII. Como qualquer nova teoria, embora com raiz nos factos materiais económicos, teve de ligar-se, ao nascer, às ideias básicas pré-existentes.  

Os grandes homens que em França iluminaram os cérebros para a Revolução que se havia de desencadear, adoptaram uma atitude resolutamente revolucionária. Não reconheciam autoridade exterior de nenhuma espécie. A religião, a concepção da natureza, a sociedade, a organização do Estado, tudo eles submeteram à crítica mais impiedosa; tudo quanto existia devia justificar a sua existência ante o foro da razão ou renunciar a existir. A tudo se aplicava, como única medida, a razão pensante. Era a época em que, segundo Hegel, "o mundo girava sobre a cabeça" [1], primeiro no sentido em que o cérebro humano e os princípios estabelecidos pelo seu pensamento pretendiam servir de base a toda a acção e associação humanas e, mais tarde, no sentido mais lato de que a realidade em contradição com esses princípios era de facto invertida de cima a baixo. Todas as formas anteriores de sociedade e de Estado, todas as velhas ideias tradicionais foram atiradas ao lixo como irracionais; até então o mundo deixara-se governar por preconceitos; todo o passado não merecia senão comiseração e desprezo. Só agora despontava a aurora, o reino da razão; daqui por diante a superstição, a injustiça, o privilégio e a opressão seriam substituídos pela verdade eterna, pela eterna justiça, pela igualdade baseada na natureza e nos direitos inalienáveis do homem.
Sabemos hoje que esse império da razão não era mais que um império idealizado pela burguesia; que a justiça eterna tomou corpo na justiça burguesa; que a igualdade se reduziu à igualdade burguesa em face da lei; que se proclamou como um dos direitos mais fundamentais do homem... a propriedade burguesa; e que o Estado da razão, o "Contrato Social" de Rousseau, veio ao mundo, e somente podia vir, sob a forma da República democrática burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, como todos os seus predecessores, não podiam romper  as  fronteiras que a sua própria época lhes impunha.
Porém, ao lado do antagonismo entre a nobreza feudal e a burguesia que se erigia em representante de todo o resto da sociedade, mantinha-se de pé o antagonismo universal entre exploradores e explorados, entre ricos ociosos e pobres que trabalhavam. E foi exactamente esse facto que permitiu aos representantes da burguesia arvorarem-se em representantes, não de uma dada classe, mas de toda a humanidade sofredora. Mais ainda: desde o momento em que nasceu, a burguesia trazia nas suas entranhas a sua própria antítese, pois os capitalistas não podem existir sem os operários assalariados, e na mesma medida em que os mestres de ofícios das corporações medievais se convertiam em burgueses modernos, os oficiais e os jornaleiros não agremiados transformavam-se em proletários. E se, em termos gerais, a burguesia podia arrogar-se o direito de representar, nas suas lutas com a nobreza, além dos seus interesses, os das diferentes classes trabalhadoras da época, ao lado de todo o movimento burguês eclodiam movimentos independentes da classe que era a precursora mais ou menos desenvolvida do proletariado moderno. Tal foi, na época da Reforma e das guerras camponesas na Alemanha, a tendência dos anabaptistas e de Thomas Münzer; na grande Revolução Inglesa, a dos levellers [2], e na Revolução Francesa, a de Babeuf. Estas sublevações revolucionárias de uma classe ainda incipiente são acompanhadas, por sua vez, pelas correspondentes manifestações teóricas: nos séculos XVI e XVII [3] aparecem as descrições utópicas de uma sociedade ideal; no século XVIII, teorias já abertamente comunistas, como as de Morelly e Mabley. A reivindicação da igualdade não se limitava já aos direitos políticos, mas tornava-se extensiva às condições sociais de vida de cada indivíduo; já não se pretendia abolir privilégios de classe, mas destruir as próprias diferenças entre classes. Um comunismo ascético, ao modo espartano, que renunciava a todos os gozos da vida, tal foi a primeira forma de manifestação da nova teoria. Mais tarde vieram os três grandes socialistas utópicos: Saint-Simon, no qual a tendência burguesa continua ainda a afirmar-se, até certo ponto, ao lado da orientação proletária; Fourier e Owen, este último, num país onde a produção capitalista estava mais desenvolvida e sob a influência das contradições geradas por ela, expondo de forma sistemática uma série de medidas, em relação directa com o materialismo francês, orientadas no sentido de abolir as diferenças entre classes.
Traço comum aos três é o facto de não se considerarem como representantes dos interesses do proletariado que, entretanto, surgira produzido pela história. Da mesma maneira que os enciclopedistas - que não se propunham emancipar uma classe determinada, mas, de chofre, toda a humanidade -, eles pretendem instaurar o reino da razão e da justiça eterna. Mas entre o seu reino e o dos enciclopedistas medeia um abismo. Na sua opinião, o mundo burguês, organizado segundo os princípios dos enciclopedistas, era irracional e injusto e, por conseguinte, devia ser condenado tanto quanto o tinham sido o regime feudal e todas as formas de sociedade precedentes. Se até agora a razão e a justiça verdadeiras não tinham governado o mundo era simplesmente porque ninguém havia penetrado devidamente nelas. Faltava o homem genial, que agora se ergue ante a humanidade com a verdade, por fim, descoberta. O facto de esse homem aparecer só agora, e não antes, o facto de que a verdade tenha sido por fim descoberta, e não antes, não é, segundo eles, um acontecimento inevitável, imposto pela evolução do desenvolvimento histórico, e sim porque o simples acaso assim o determinou. Poderia ter surgido quinhentos anos antes, poupando assim à humanidade cinco séculos de erros, lutas e sofrimentos.
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII, que abriram o caminho à Revolução, apelavam à razão como único juiz de tudo o que existia. Devia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto era contrário à razão eterna deveria ser abolido sem nenhuma piedade. Vimos também que essa razão eterna, na realidade, não era mais que o senso comum do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia em burguês. Por isso, quando a Revolução Francesa empreendeu a construção dessa sociedade e desse Estado da razão, as novas instituições, por mais racionais que fossem em comparação com as antigas, não podiam, contudo, considerar-se como absolutamente racionais. O Estado da razão falira completamente. O "Contrato Social" de Rousseau tomara corpo na época do Terror, e a burguesia, perdida a fé na sua própria habilidade política, refugiou-se, primeiro na corrupção do Directório e, por último, debaixo da protecção do despotismo napoleónico. A prometida paz eterna convertera-se numa interminável guerra de conquistas. A sociedade da razão também não teve melhor sorte. O antagonismo entre pobres e ricos, longe de dissolver-se no bem-estar geral, agravara-se com a abolição dos privilégios das corporações e de outros que o atenuavam, e da actividade dos estabelecimentos eclesiásticos de beneficência, que o adocicavam. A "libertação da propriedade" dos entraves feudais, que agora se convertia em realidade, vinha a ser para o pequeno-burguês e para o pequeno camponês a liberdade de vender, a esses mesmos poderosos senhores, a sua pequena propriedade, esmagada pela concorrência do grande capital e da grande propriedade latifundiária, com o que se transformava na "libertação" do pequeno burguês e do pequeno camponês de toda a propriedade. O ascenso da indústria sobre bases capitalistas converteu a pobreza e a miséria das massas trabalhadoras em condição de existência da sociedade. O pagamento à vista transformava-se, cada vez mais, segundo a expressão de Carlyle, no único elo de união social. A estatística criminal crescia de ano para ano. Os vícios feudais que outrora eram exibidos impudicamente à luz do dia não desapareceram, mas foram relegados, por um momento, para o fundo do cenário; em troca, floresceram exuberantemente os vícios burgueses, até então superficialmente ocultos. O comércio foi degenerando, cada vez mais, em trapaça. A "Fraternidade" do lema revolucionário tomou corpo nas deslealdades e na inveja da concorrência; a opressão violenta cedeu lugar à corrupção; e a espada, como principal alavanca do poder social, foi substituída pelo dinheiro. O direito de pernada [4] passou do senhor feudal ao fabricante burguês. A prostituição desenvolveu-se em proporções até então desconhecidas. O próprio matrimónio continuou sendo o que já era: a forma reconhecida pela lei, o manto com que se cobria a prostituição, completado ademais com uma abundância de adultérios. Numa palavra, comparadas com as brilhantes promessas dos pensadores do século XVIII, as instituições sociais e políticas instauradas pelo "triunfo da razão" redundaram em tristes e decepcionantes caricaturas. Só faltavam os homens que pusessem em relevo essa decepção, e esses homens surgiram nos primeiros anos do século XIX. Em 1802, vieram à luz as Cartas de Genebra de Saint-Simon; em 1808, Fourier publicou a sua primeira obra, embora as bases de sua teoria datassem já de 1799; e a 1 de Janeiro de 1800, Robert Owen assumiu a direcção da empresa New Lanark.
No entanto, naquela época, o modo capitalista de produção, e com ele o antagonismo entre a burguesia e o proletariado, encontrava-se ainda muito pouco desenvolvido. A grande indústria, que acabava de nascer em Inglaterra, era ainda desconhecida em França. E só a grande indústria desenvolve os conflitos que transformam numa necessidade imperiosa a subversão do modo de produção e a eliminação do seu carácter capitalista - conflitos que eclodem não só entre as classes engendradas por essa grande indústria, mas também entre as forças produtivas e as formas de distribuição por ela criadas. Por outro lado, só ela fornece também, com o gigantesco desenvolvimento das forças produtivas, os meios para solucionar esses conflitos. Nas vésperas do século XIX, os conflitos que brotavam da nova ordem social mal começavam a desenvolver-se, e menos ainda, naturalmente, os meios que levavam à sua solução. Se as massas desapossadas de Paris conseguiram dominar por um momento o poder durante o regime do Terror, e assim levar ao triunfo a revolução burguesa, inclusive contra a própria burguesia, foi só para demonstrar até que ponto era impossível manter por muito tempo esse poder nas condições da época. O proletariado, que apenas começava a destacar-se no seio das massas dos que nada possuíam, como tronco de uma nova classe, ainda totalmente incapaz de desenvolver uma acção política própria, não representava mais que um estrato social oprimido e sofredor que, na incapacidade de se valer a si mesmo, no melhor dos casos, podia receber ajuda externa, vinda de cima.
Esta situação histórica informou também as doutrinas dos fundadores do socialismo. As suas teorias incipientes não fazem mais do que reflectir o estado incipiente da produção capitalista, a incipiente condição de classe do proletariado. Pretendia-se tirar da cabeça a solução dos problemas sociais, latentes ainda nas condições económicas pouco desenvolvidas da época. A sociedade não encerrava senão males, que a razão pensante era chamada a remediar.
Tratava-se, por isso, de descobrir um sistema novo e mais perfeito da ordem social, para implantá-lo na sociedade vindo de fora, por meio da propaganda e, sendo possível, com o exemplo mediante experiências-modelo. Esses novos sistemas sociais estavam condenados a mover-se no reino da utopia; quanto mais detalhados e minuciosos, mais degeneravam em puras fantasias.
Dado isto, não nos deteremos mais neste aspecto, já definitivamente incorporado ao passado. Deixemos às mentes mesquinhas, como a de Dühring, o cuidado de resolverem solenemente essas fantasias, hoje divertidas, para fazerem valer a superioridade do seu raciocínio sobre o fundo desse "cúmulo de disparates". Quanto a nós, admiramos os germes geniais das ideias e as ideias geniais que brotam por toda parte sob esse invólucro de fantasia que os filisteus são incapazes de ver.
Saint-Simon era filho da grande Revolução Francesa, que estalou quando ele não tinha ainda trinta anos. A Revolução foi o triunfo do Terceiro Estado, isto é, da grande massa activa da nação, a cargo da qual corriam a produção e o comércio, sobre os estratos até então ociosos e privilegiados da sociedade: a nobreza e o clero. Mas logo se viu que o triunfo do Terceiro Estado não era mais que o triunfo de uma parte muito pequena dele, a conquista do poder político pelo sector socialmente privilegiado dessa classe: a burguesia possuidora. Esta burguesia desenvolvia-se rapidamente, aproveitando o próprio processo da revolução, especulando com as terras confiscadas à aristocracia e à Igreja, vendendo-as logo em seguida, e lesando a nação por meio das verbas destinadas ao exército. Foi precisamente o governo destes escroques que, sob o Directório, levou a França e a Revolução à beira da ruína, dando com isso a Napoleão o pretexto para o golpe de Estado. Por isso, na ideia de Saint-Simon, o antagonismo entre o Terceiro Estado e os estratos privilegiados da sociedade tomou a forma de um antagonismo entre "trabalhadores" e "ociosos". Os "ociosos" eram não só os antigos privilegiados, mas também todos aqueles que viviam de rendimentos, sem intervir na produção nem no comércio. Os "trabalhadores" não eram somente os operários assalariados, mas também os fabricantes, os comerciantes e os banqueiros. Que os ociosos haviam perdido a capacidade para dirigir intelectual e politicamente era um facto indisfarçável, selado em definitivo pela Revolução. Para Saint-Simon, as experiências da época do Terror haviam demonstrado, por sua vez, que os não possuidores tão pouco tinham essa capacidade. Então, quem haveria de dirigir e governar? Segundo Saint-Simon, a ciência e a indústria, unidas por um novo laço religioso, um "novo cristianismo", forçosamente místico e hierarquizado, chamado a restaurar a unidade das ideias religiosas destruída pela Reforma. Mas a ciência era os sábios académicos; e a indústria era, em primeiro lugar, os burgueses activos, os fabricantes, os comerciantes e os banqueiros. E embora esses burgueses tivessem de transformar-se numa espécie de funcionários públicos, de homens da confiança de toda a sociedade, sempre conservariam frente aos operários uma posição de comando e economicamente privilegiada. Os banqueiros seriam chamados em primeiro lugar para regular toda a produção social por meio de uma regulamentação do crédito. Esta concepção correspondia perfeitamente a uma época em que a grande indústria, e com ela o antagonismo entre a burguesia e o proletariado, mal começava a despontar em França. Mas Saint-Simon insiste muito especialmente neste ponto: o que o preocupa, sempre e em primeiro lugar, é a sorte da "classe mais numerosa e mais pobre" da sociedade ("la classe la plus nombreuse et plus paurre").
Nas suas Cartas de Genebra, já Saint-Simon formulava a tese de que "todos os homens devem trabalhar"[5]. Na mesma obra já se expressava a ideia de que o reinado do Terror era o governo das massas não possuidoras. "Vede - grita-lhes - o que se passou na França quando os vossos camaradas subiram ao poder: provocaram a fome". Mas conceber a Revolução Francesa como uma luta de classes, e não só entre a nobreza e a burguesia, mas entre a nobreza, a burguesia e os não possuidores, era, em 1802, uma descoberta verdadeiramente genial.
Em 1816, Saint-Simon declara que a política é a ciência da produção e prediz já a total absorção da política pela economia. E se aqui não faz senão aparecer em germe a ideia de que a situação económica é a base das instituições políticas, proclama já claramente a transformação do governo político sobre os homens numa administração das coisas e na direcção dos processos da produção, que não é senão a ideia da "abolição do Estado", que tanto alarde levanta ultimamente. E, elevando-se ao mesmo plano de superioridade sobre os seus contemporâneos, declara, em 1814, imediatamente, depois da entrada das tropas coligadas em Paris, e reitera em 1815, durante a Guerra dos Cem Dias, que a aliança da França com a Inglaterra e, em segundo lugar, a destes países com a Alemanha é a única garantia do desenvolvimento próspero e da paz na Europa. Para aconselhar aos franceses de 1815 uma aliança com os vencedores de Waterloo era necessário possuir tanto valentia quanto capacidade para ver longe na história.
 O que em Saint-Simon é amplitude de visão genial, que lhe permite conter já, em germe, quase toldas as ideias não estritamente económicas dos socialistas posteriores, em Fourier é a crítica engenhosa autenticamente francesa, mas nem por isso menos profunda, das condições sociais existentes. Fourier pega a burguesia pela palavra dos inflamados profetas do antes e interesseiros aduladores do depois da revolução. Põe a nu, impiedosamente, a miséria material e moral do mundo burguês, e compara-a com as fascinantes promessas dos velhos enciclopedistas, com a imagem que eles faziam da sociedade em que a razão reinaria sozinha, de uma civilização que faria felizes todos os homens e de uma ilimitada capacidade humana de perfeição. Desmascara as brilhantes frases dos ideólogos burgueses da época, demonstra como a essas frases grandiloquentes corresponde, por toda parte, a mais cruel das realidades e derrama a sua sátira mordaz sobre esse ruidoso fracasso da fraseologia. Fourier não é apenas um crítico; o seu espírito sempre jovial faz dele um satírico, um dos maiores satíricos de todos os tempos. A especulação criminosa desencadeada com o refluxo da onda revolucionária e o espírito mesquinho do comércio francês naqueles anos aparecem pintados nas suas obras com traços magistrais e encantadores. Mas mais magistral ainda é a crítica que ele faz das relações entre os sexos e da posição da mulher na sociedade burguesa. É ele o primeiro a proclamar que o grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barómetro natural pelo qual se mede a emancipação geral. Contudo, onde Fourier mais sobressai é na forma como concebe a história da sociedade. Fourier divide toda a história anterior em quatro fases ou etapas de desenvolvimento: selvagismo, barbárie, patriarcado e civilização. Esta última fase coincide com o que hoje chamamos sociedade burguesa, isto é, com o regime social implantado desde o século XVI; e demonstra que a "ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua, equívoca e hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie praticava no meio da maior simplicidade". Para ele a civilização move-se num "círculo vicioso", num ciclo de contradições, que reproduz constantemente sem poder superá-las, conseguindo sempre precisamente o contrário do que deseja ou alega querer conseguir. E assim nos encontramos, por exemplo, com o facto de que "na civilização, a pobreza brota da própria abundância". Fourier, como se vê, usa a dialéctica com a mesma maestria do seu contemporâneo Hegel. Contrariamente à fraseologia corrente sobre a ilimitada capacidade humana de perfeição, ele põe em relevo, com igual dialéctica, que toda a fase histórica tem uma vertente ascendente e outra descendente, e projecta essa concepção sobre o futuro de toda a humanidade. E assim como Kant introduziu na ciência da natureza o desaparecimento futuro da Terra, Fourier introduz no estudo da história a ideia do futuro desaparecimento da humanidade.
Enquanto o vendaval da revolução varria o solo da França, desenvolvia-se na Inglaterra um processo revolucionário mais tranquilo, mas nem por isso menos poderoso. O vapor e as máquinas-ferramenta convertiam a manufactura na grande indústria moderna, revolucionando com isso todas as bases da sociedade burguesa. O vagar do ritmo de desenvolvimento no período da manufactura convertia-se à fulgurância do ritmo da produção. A uma velocidade cada vez mais acelerada, ia-se dando a divisão da sociedade em grandes capitalistas e proletários que nada possuíam e, entre estas duas classes, surgia, no lugar da antiga classe média tranquila e estável, uma massa instável de artesãos e pequenos comerciantes, a parte mais flutuante da população, que levava agora uma existência sem nenhuma segurança. O novo modo de produção apenas começava a galgar a sua fase ascensional; era ainda o modo de produção normal, regular, o único possível naquelas circunstâncias. E, no entanto, já dava origem a toda uma série de graves calamidades sociais: amontoamento, nos bairros mais sórdidos das grandes cidades, de uma população arrancada à sua terra; dissolução de todos os laços tradicionais dos costumes, da submissão patriarcal e da família; prolongamento abusivo do trabalho, que sobretudo entre as mulheres e as crianças assumia proporções aterradoras; desmoralização em massa da classe trabalhadora, lançada de súbito em condições de vida totalmente novas - do campo para a cidade, da agricultura para a indústria, de uma situação estável para outra constantemente variável e insegura. É nestas circunstâncias, que se ergue como reformador um fabricante de 29 anos, um homem cuja pureza quase infantil tocava as raias do sublime e que era, simultaneamente, um condutor de homens como poucos. Roberto Owen assimilara os ensinamentos dos filósofos materialistas do século XVIII, segundo os quais o carácter do homem é, por um lado, produto da sua organização inata e, por outro, fruto das circunstâncias que o envolvem durante a vida, sobretudo durante o período do seu desenvolvimento. A maioria dos homens da sua classe não via na revolução industrial senão caos e confusão e uma ocasião propícia para pescar no rio revolto e enriquecer depressa. Owen, porém, viu nela o terreno adequado para pôr em prática a sua tese favorita, introduzindo ordem no caos. Já em Manchester, dirigindo uma fábrica de mais de 500 operários, tentara, não sem êxito, aplicar na prática a sua teoria. De 1800 a 1829 orientou no mesmo sentido, embora com maior liberdade de iniciativa e com um êxito que lhe valeu fama na Europa, a grande fábrica de fios de algodão de New Lanark, na Escócia, da qual era sócio e gerente. Uma população operária que foi crescendo paulatinamente até 2500 almas, recrutada no princípio entre os elementos mais heterogéneos, a maioria dos quais muito desmoralizada, converteu-se nas suas mãos em colónia-modelo, na qual não se conheciam a embriaguez, a polícia, os juízes de paz, os processos, os asilos para pobres nem a beneficência pública. Para isso bastou dar aos seus operários condições mais humanas de vida, consagrando um cuidado especial à educação da prole. Owen foi o criador dos jardins-de-infância, que funcionaram pela primeira vez em New Lanark. As crianças eram enviadas à escola desde os dois anos, e sentiam-se ali tão bem que só com dificuldade eram levadas para casa. Enquanto nas fábricas dos seus concorrentes os operários trabalhavam treze e catorze horas diárias, em New Lanark a jornada de trabalho era de dez horas e meia. Quando uma crise algodoeira obrigou ao encerramento da fábrica por quatro meses, os operários de New Lanark, que ficaram sem trabalho, continuaram a receber as suas diárias na íntegra. E contudo a empresa elevara para o dobro o seu valor, tendo rendido aos seus proprietários, até ao último dia, enormes lucros.  
Owen, entretanto, não estava satisfeito com o que conseguira. A existência que se propusera dar aos seus operários distava ainda muito de ser, a seus olhos, digna de um ser humano. "Aqueles homens eram meus escravos". As circunstânc ias relativamente favoráveis em que os colocara estavam ainda muito longe de permit ir- lhes desenvolver racionalmente e em todos os aspectos o carácter e a inteligência, e muito menos desenvolver livremente as suas energias. "E, contudo, a parte produtora daquela população de 2.500 almas dava à sociedade uma soma de riqueza real que, apenas meio século antes, teria exigido o trabalho de 600.000 homens juntos. Eu perguntava a mim próprio: onde vai parar a diferença entre a riqueza consumida por essas 2.500 pessoas e a que precisaria ser consumida pelas 600 000?" A resposta era clara: essa diferença era investida em abonar os proprietários da empresa com 5 por cento de juros sobre o capital de instalação, aos quais vinham somar-se mais de 300 000 libras esterlinas de lucros. E o caso de New Lanark era, só que em proporções maiores, o de todas as fábricas da Inglaterra. "Sem essa nova fonte de riqueza criada pelas máquinas, teria sido impossível levar adiante as guerras travadas para derrubar Napoleão e manter de pé os princípios da sociedade aristocrática. E, no entanto, esse novo poder era obra da classe operária."[6] A ela deviam pertencer também, portanto, os seus frutos. As novas e gigantescas forças produtivas, que até ali só haviam servido para que alguns enriquecessem e as massas fossem escravizadas, lançavam, segundo Owen, as bases para uma reconstrução social e estavam destinadas a trabalhar somente para o bem-estar colectivo, enquanto propriedade colectiva de todos os membros da sociedade.
Foi por este caminho puramente prático - resultante dos cálculos de um homem de negócios - que surgiu o comunismo oweniano, conservando sempre esse carácter prático. Assim, em 1823, Owen propõe um sistema de colónias comunistas para combater a miséria reinante na Irlanda e apresenta, em apoio da sua proposta, um orçamento completo de despesas de instalação, gastos anuais e rendas prováveis. Deste modo, também nos seus planos definitivos da sociedade do futuro, os detalhes técnicos são calculados com um domínio tal da matéria, incluindo projectos, desenhos de frente e de perfil, que uma vez aceite o método oweniano de reforma da sociedade, pouco se poderia objectar, mesmo um técnico experimentado, contra os pormenores da sua organização.
O avanço para o comunismo constitui um momento crucial na vida de Owen. Enquanto se limitara a actuar só como filantropo, não colhera senão riquezas, aplausos, honra e fama. Era o homem mais popular da Europa. Não só os homens da sua classe e posição social, mas também os governantes e os príncipes o escutavam e aprovavam. Porém, no momento em que formulou as suas teorias comunistas, virou-se a página. Eram precisamente três os grandes obstáculos que, segundo ele, se erguiam no seu caminho de reforma social: a propriedade privada, a religião e a forma actual do casamento. E não ignorava ao que se expunha atacando-os: à execração de toda a sociedade oficial e à perda da sua posição social. Mas isso não deteve os seus ataques implacáveis contra aquelas instituições, e ocorreu o que ele previa. Desterrado pela sociedade oficial, ignorado completamente pela imprensa, arruinado pelas suas fracassadas experiências comunistas na América, às quais sacrificou toda a sua fortuna, dirigiu-se à classe operária, no seio da qual actuou ainda durante trinta anos. Todos os movimentos sociais, todos os progressos reais registados na Inglaterra em interesse da classe trabalhadora, estão ligados ao nome de Owen. Assim, em 1819, depois de cinco anos de grandes esforços, conseguiu que fosse votada a primeira lei limitando o trabalho da mulher e da criança nas fábricas. Foi ele quem presidiu ao primeiro congresso em que as trade-unions de toda a Inglaterra se fundiram numa grande organização sindical única. Foi também ele quem criou, como medidas de transição, para que a sociedade pudesse organizar-se de maneira integralmente comunista, de um lado, as cooperativas de consumo e de produção - que serviram, pelo menos, para demonstrar na prática que o comerciante e o fabricante não são indispensáveis -, e de outro lado, os mercados operários, estabelecimentos de troca dos produtos do trabalho por meio de créditos de trabalho e cuja unidade era a hora de trabalho de produção; estes estabelecimentos tinham necessariamente que fracassar, mas anteciparam-se em muito aos bancos proudhonianos de troca, diferenciando-se deles por não pretenderem ser a panaceia universal para todos os males sociais, mas pura e simplesmente um primeiro passo para uma transformação muito mais radical da sociedade.

As concepções dos utópicos dominaram durante muito tempo as ideias socialistas do século XIX, e em parte ainda as dominam hoje. Rendiam-lhes homenagem, até há muito pouco tempo, todos os socialistas franceses e Ingleses e a eles se deve também o incipiente comunismo alemão, incluindo o de Weitling. Para todos eles, o socialismo é a expressão da verdade absoluta, da razão e da justiça, e basta revelá-lo para, graças à sua virtude, ele conquistar o mundo. E, como a verdade absoluta não está sujeita a condições de espaço e de tempo nem ao desenvolvimento histórico da humanidade, só o acaso pode decidir quando e onde essa descoberta se revelará. Acrescente-se a isso que a verdade absoluta, a razão e a justiça variam com os fundadores de cada escola; e como o carácter específico da verdade absoluta, da razão e da justiça está condicionado, por sua vez, em cada um deles, pela inteligência pessoal, condições de vida, estado de cultura e disciplina mental, resulta que, nesse conflito de verdades absolutas, a única solução é que elas se vão acomodando umas às outras. Assim, era inevitável que surgisse uma espécie de socialismo eclético e medíocre, como o que, com efeito, continua imperando ainda nas cabeças da maior parte dos operários socialistas da França e da Inglaterra: uma mistura extraordinariamente variada e cheia de matizes, composta de desabafos críticos, princípios económicos e das imagens sociais do futuro menos discutíveis dos diversos fundadores de seitas, mistura tanto mais fácil de compor quanto mais os ingredientes individuais iam perdendo, na torrente da discussão, os seus contornos subtis e agudos, como as pedras limadas pela corrente de um rio. Para converter o socialismo em ciência era necessário, antes de tudo, situá-lo no terreno da realidade.

 (a seguir)  


[1] Referência à seguinte passagem de Hegel sobre a Revolução Francesa: "A Ideia, o conceito de direito, fez-se valer de chofre, sem que a velha armação da Injustiça lhe pudesse opor qualquer resistência. Sobre a ideia do direito baseou-se agora, portanto, uma Constituição, e é sobre esse fundamento que se deve basear tudo no futuro. Desde que o Sol ilumina o firmamento e os planetas giram em torno daquele, ninguém havia percebido que o homem se ergue sobre a cabeça, isto é, sobre a ideia, construindo de acordo com ela a realidade. Anaxágoras foi o primeiro a dizer que ónus, a razão, governa o mundo: mas só agora o homem acabou de compreender que o pensamento deve governar a realidade espiritual. Era, pois, uma esplêndida aurora. Todos os seres pensantes celebraram a nova época. Uma sublime emoção reinava naquela época, um entusiasmo do espírito abalava o mundo, como se, pela primeira vez, se conseguisse a reconciliação do mundo com a divindade". Hegel Philosophie der Geschichte. 1840, pág. 535) [Hegel, Filosofia da História, 1840 pág. 535]. Não terá chegado o momento de aplicar a essas doutrinas subversivas e atentatórias da sociedade, do finado professor Hegel, a lei contra os socialistas? (Nota de Engels)
[2] Levellers (niveladores): nome que se dava aos elementos plebeus da cidade e do campo que durante a revolução de 1648 apresentavam na Inglaterra as reivindicações democráticas mais radicais. 
[3] Engels refere-se aqui às obras dos representantes do comunismo utópico Tomas Morus (século XVI) e Campanella (Século XVII).
[4] "Direito de pernada": direito que tinha o senhor feudal à primeira noite com as nubentes do seu feudo.   
[5] Cartas de um habitante de Genebra aos seus contemporâneos - Paris, 1802.
[6] De The Revolution In Mind and Practice [A Revolução no Espírito e na Prática, um memorial dirigido a todos os republicanos vermelhos, comunistas e socialistas da Europa", e enviado ao governo provisório francês de 1848, mas também "à rainha Vitória e seus conselheiros responsáveis". (Nota de Engels)

 



publicado por portopctp às 20:02
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Do socialismo utópico ao socialismo científico - II A dialéctica

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Entretanto, junto à filosofia francesa do século XVIII, e por trás dela, surgira a moderna filosofia alemã, cujo ponto culminante foi Hegel. O seu principal mérito foi restaurar a dialéctica como forma suprema de pensamento. Os antigos filósofos gregos eram todos dialécticos inatos, espontâneos, e a cabeça mais universal de todos eles - Aristóteles - chegara já a estudar as formas mais substanciais do pensamento dialéctico. Em troca, a nova filosofia, embora tendo um ou outro brilhante defensor da dialéctica (como por exemplo, Descartes e Spinoza) caía cada vez mais, sob a influência principalmente dos ingleses, na chamada maneira metafísica de pensar, que também dominou quase totalmente entre os franceses do século XVIII, ao menos nas suas obras especificamente filosóficas. Fora do campo estritamente filosófico, eles criaram também obras-primas de dialéctica; bastará citar O Sobrinho de Rameau, de Diderot, e o estudo de Rousseau sobre a origem da desigualdade entre os homens. Resumiremos aqui, sucintamente, os traços essenciais de ambos os métodos discursivos.       

Quando nos detemos a pensar sobre a natureza, sobre a história humana, ou sobre a nossa própria actividade espiritual, deparamo-nos, em primeiro plano, com a imagem de uma trama infinita de interligações e influências recíprocas, em que nada permanece o que era, nem como nem onde era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos, pois, antes de tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda mais ou menos para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições, no encadeamento, do que no que se move, se transforma e se encadeia. Essa concepção do mundo, primitiva, ingénua, mas essencialmente exacta, é a dos filósofos gregos antigos, e aparece claramente expressa pela primeira vez em Heraclito: tudo é e não é, pois tudo flui, tudo se acha sujeito a um processo constante de transformação, de incessante nascimento e morte. Mas essa concepção, por mais exactamente que reflicta o carácter geral do quadro que nos é oferecido pelos fenómenos, não basta para explicar os elementos isolados que formam esse quadro total; sem conhecê-los, a imagem geral não adquirirá um sentido claro. Para penetrar nesses detalhes temos que arrancá-los do seu tronco histórico ou natural e investigá-los separadamente, cada um por si, no seu carácter, causas e efeitos especiais, etc. Tal é a missão primordial das ciências naturais e da história, ramos de investigação que os gregos clássicos situavam, por motivos muito justificados, num plano puramente secundário, pois primariamente era preciso acumular os materiais científicos necessários. Enquanto não se reúne uma certa quantidade de materiais naturais e históricos não se pode proceder ao exame crítico, à comparação e, consequentemente, à divisão em classes, ordens e espécies. Por isso, os rudimentos das ciências naturais exactas não foram desenvolvidos senão a partir dos gregos do período alexandrino [1] e, mais tarde, na Idade Média, pelos árabes; a ciência autêntica da natureza só foi iniciada na segunda metade do século XV e, desde então, não fez senão progredir aceleradamente. A análise da natureza nas suas diversas partes, a classificação dos diversos processos e objectos naturais em determinadas categorias, a pesquisa interna dos corpos orgânicos de acordo com as suas diferentes estruturas anatómicas, foram o fundamento dos gigantescos progressos realizados no conhecimento científico da natureza durante os últimos quatrocentos anos. Estes métodos de investigação, porém, transmitiram-nos, em simultâneo, o hábito de enfocar as coisas e os processos da natureza isoladamente, subtraídos à dinâmica do grande todo; portanto, não dinâmica, mas estaticamente; não como substancialmente variáveis, mas como consistências fixas; não na vida, mas na morte. Por isso, esse método de observação, ao transplantar-se, com Bacon e Locke, das ciências naturais para a filosofia, determinou a estreiteza específica característica dos últimos séculos: o método metafísico da especulação.
Para o metafísico, as coisas e as suas imagens no pensamento, os conceitos, são objectos de investigação isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objecto não pode ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo excluem-se em absoluto. A causa e o efeito revestem-se também, aos seus olhos, da forma de uma rígida antítese. À primeira vista, este método discursivo parece-nos extremamente razoável, porque é o do chamado senso comum. Mas o próprio senso comum - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes - vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, por muito justificado e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do objecto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira, ultrapassada a qual se converte num método unilateral, limitado, abstracto e se perde em insolúveis contradições, pois, absorvido pelos objectos concretos, não consegue perceber o seu encadeamento; preocupado com a existência, não atenta nem na origem nem na caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver a floresta. Na realidade de cada dia, sabemos, por exemplo, e podemos dizer com toda certeza se um animal existe ou não; porém, pesquisando mais detidamente, verificamos que às vezes o problema se complica consideravelmente, como sabem muito bem os juristas, que tanto e tão inutilmente se têm atormentado a descobrir um limite racional a partir do qual a morte de um filho no ventre materno deva ser considerada um assassinato; também não é fácil determinar rigidamente o momento da morte, uma vez que a fisiologia demonstrou que a morte não é um fenómeno repentino, instantâneo, mas um processo muito longo. Do mesmo modo, todo o ser orgânico é, a qualquer instante, ele mesmo e outro; a todo o instante, assimila matérias absorvidas do exterior e elimina outras do seu interior; a todo instante, morrem certas células e nascem outras no seu organismo; e no transcurso de um período mais ou menos demorado a matéria de que é formado renova-se totalmente, e novos átomos vêm ocupar o lugar dos antigos, donde todo o ser orgânico é, ao mesmo tempo, ele mesmo e um outro diferente. Da mesma maneira, observando as coisas detidamente, verificamos que os dois pólos de uma antítese, o positivo e o negativo, são tão inseparáveis quanto antitéticos um do outro e que, apesar de todo o seu antagonismo, se penetram reciprocamente; e vemos que a causa e o efeito são representações que só funcionam, como tais, na aplicação ao caso concreto, mas que, examinando esse caso concreto na sua interligação com o universo, se juntam e se diluem na ideia de uma trama universal de acções e reacções, onde as causas e os efeitos mudam constantemente de lugar e onde o que agora ou aqui é efeito adquire em seguida ou ali o carácter de causa, e vice-versa.
Nenhum destes fenómenos e métodos discursivos se encaixa no quadro das especulações metafísicas. Ao contrário, para a dialéctica, que focaliza a substância das coisas e das respectivas imagens conceptuais nas conexões, nas suas ligações, no seu movimento, no processo de nascimento e caducidade, fenómenos como os expostos não são mais que outras tantas confirmações do seu modo genuíno de proceder. A natureza é a pedra de toque da dialéctica, e as modernas ciências naturais oferecem-nos, para essa prova, um acervo de dados extraordinariamente copioso e enriquecido cada dia que passa, demonstrando com isso que a natureza se move, em última instância, pelos caminhos dialécticos e não pelas veredas metafísicas, que não se move na eterna monotonia de um ciclo constantemente repetido, mas percorre uma verdadeira história. Aqui é necessário citar Darwin, que foi quem, com a prova de que toda a natureza orgânica existente, plantas e animais, e entre eles, como é lógico, o homem, é produto de um processo de desenvolvimento de milhões de anos, assestou na concepção metafísica da natureza o golpe mais rude. Até hoje, porém, os naturalistas que souberam pensar dialecticamente podem ser contados com os dedos, e esse conflito entre os resultados descobertos e o método discursivo tradicional põe a nu a ilimitada confusão que reina presentemente na teoria das ciências naturais e que constitui o desespero de mestres e discípulos, de autores e leitores.
Só seguindo o caminho da dialéctica, sem perder de vista as inumeráveis acções e redacções gerais do devenir e do perecer, das mudanças de avanço e retrocesso, chegamos a uma concepção exacta do universo, do seu desenvolvimento e do desenvolvimento da humanidade, assim como da imagem projectada por esse desenvolvimento nas cabeças dos homens. E foi esse, com efeito, o sentido em que começou a trabalhar, desde o primeiro momento, a moderna filosofia alemã. Kant iniciou a carreira de filósofo dissolvendo o sistema solar estável de Newton e a sua duração eterna - depois de recebido o primeiro impulso - num processo histórico: no dos nascimentos do Sol e de todos os planetas a partir de uma massa nebulosa em rotação.  Daí, deduziu que essa origem implicava também, necessariamente, a morte futura do sistema solar. Meio século depois esta teoria foi confirmada matematicamente por Laplace e, ao fim de outro meio século, o espectroscópio veio demonstrar a existência no espaço de massas ígneas de gás em diferentes graus de condensação.
A filosofia alemã moderna encontrou a sua culminância no sistema de Hegel, no qual, pela primeira vez - e aí está seu grande mérito - se concebe o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação e desenvolvimento, tentando além disso ressaltar a intima conexão que preside esse processo de movimento e desenvolvimento. Contempla-o desse ponto de vista, a história da humanidade já não aparecia como um caos inóspito de violências absurdas, todas igualmente condenáveis diante do foro da razão filosófica hoje já madura, e boas para serem esquecidas quanto antes, mas como o processo de desenvolvimento da própria humanidade, que cabia agora ao pensamento acompanhar nas suas etapas graduais e através de todos os desvios, demonstrando a existência das leis internas que orientam tudo aquilo que à primeira vista poderia parecer obra cega do acaso.
Não importava que o sistema de Hegel não resolvesse o problema que se propunha. O seu mérito, que marca época, consistiu em tê-lo proposto. Não em vão, trata-se de um problema que nenhum homem sozinho pôde resolver. E embora Hegel fosse, como Saint-Simon, a cabeça mais universal do seu tempo, o seu horizonte achava-se circunscrito, em primeiro lugar, pela limitação inevitável dos seus próprios conhecimentos e, em segundo lugar, pelos conhecimentos e concepções da sua época, também limitados em ex-tensão e profundidade. Deve acrescentar-se a isto uma terceira circunstância. Hegel era idealista; isto é, para ele as ideias da sua cabeça não eram imagens mais ou menos abstractas dos objectos ou fenómenos da realidade, pois essas coisas e seu desenvolvimento afiguravam-se-lhe, ao contrário, como projecções realizadas da "Ideia", que já existia, não se sabe como, antes de existir o mundo. Assim, tudo foi posto de cabeça para baixo, e a concatenação real do Universo apresentava-se completamente às avessas. Logo, por mais exactas e mesmo geniais que fossem várias das conexões concretas concebidas por Hegel, era inevitável, pelos motivos que acabamos de apontar, que muitos dos seus detalhes tivessem um carácter amaneirado, artificial, construído; numa palavra, falso. O sistema de Hegel foi um aborto gigantesco, mas o último do seu género. De facto, o mesmo continuava a sofrer de uma contradição interna incurável; pois, enquanto por um lado partia do pressuposto inicial da concepção histórica, segundo a qual a história humana é um processo de desenvolvimento que não pode, pela sua própria natureza, encontrar o remate intelectual na descoberta daquilo a que chamam verdade absoluta, por outro lado é-nos apresentado exactamente como a soma e a síntese dessa verdade absoluta. Um sistema universal e definitivamente plasmado do conhecimento da natureza e da história é incompatível com as leis fundamentais do pensamento dialéctico - que não exclui, antes implica, que o conhecimento sistemático do mundo exterior na sua totalidade possa progredir gigantescamente de geração em geração.
A consciência da total inversão em que incorria o idealismo alemão levou necessariamente ao materialismo; mas não, atente-se bem, àquele materialismo puramente metafísico e exclusivamente mecânico do século XVIII. Em oposição à simples repulsa, ingenuamente revolucionária, de toda a história anterior, o materialismo moderno vê na história o processo de desenvolvimento da humanidade, cujas leis dinâmicas têm por missão descobrir. Contrariamente à ideia da natureza que imperava entre os franceses do século XVIII, assim como em Hegel, em que esta era concebida como um todo permanente e invariável, que se movia dentro de ciclos estreitos, com corpos celestes eternos, tal como Newton os representava, e com espécies invariáveis de seres orgânicos, como ensinara Linneu, o materialismo moderno resume e compendia os novos progressos das ciências naturais, segundo os quais a natureza tem também a sua história no tempo, e os mundos, assim como as espécies orgânicas que em condições propícias os habitam, nascem e morrem, e os ciclos, no grau em que são admissíveis, tomam dimensões infinitamente mais grandiosas. Em ambos os casos, o materialismo moderno é substancialmente dialéctico e não precisa já de uma filosofia superior às demais ciências. Desde o momento em que cada ciência tem que prestar contas da posição que ocupa no quadro universal das coisas e do conhecimento dessas coisas, já não há lugar para uma ciência especialmente consagrada ao estudo do encadeamento universal. Da filosofia anterior, com existência própria só permanece de pé a teoria do pensamento e as suas leis: a lógica formal e a dialéctica. Tudo o resto se dissolve na ciência positiva da natureza e da história.
No entanto, enquanto essa revolução na concepção da natureza só se pôde impor na medida em que a pesquisa fornecia à ciência os materiais positivos correspondentes, já há muito tempo se tinham revelado certos factos históricos que imprimiram uma reviravolta decisiva à concepção da história. Em 1831, estala em Lyon a primeira insurreição operária, e de 1838 a 1842 atinge o auge o primeiro movimento operário nacional: o dos cartistas ingleses. A luta de classes entre o proletariado e a burguesia passou a ocupar o primeiro plano da história dos países europeus mais avançados, ao mesmo ritmo que neles se desenvolvia, por um lado, a grande indústria e, por outro, o domínio político recém-conquistado pela burguesia. Os factos refutavam cada vez mais rotundamente as doutrinas burguesas da identidade de interesses entre o capital e o trabalho e da harmonia universal e o bem-estar geral das nações como fruto da livre concorrência. Não havia como passar por alto esses factos, nem tão pouco era possível ignorar o socialismo francês e inglês, sua expressão teórica, por mais imperfeita que fosse. Mas a velha concepção idealista da história, que ainda não havia sido removida, não conhecia lutas de classes baseadas em interesses materiais, nem conhecia interesses materiais de qualquer espécie; para ela a produção, bem como todas as relações económicas, só existiam acessoriamente, como um elemento secundário dentro da "história da civilização". Os novos factos obrigaram à revisão de toda a história anterior, vendo-se então que, com excepção do Estado primitivo, toda a história anterior era a história das lutas de classes, e que essas classes sociais em luta entre si eram em todas as épocas fruto das relações de produção e de troca, isto é, das relações económicas da sua época; que a estrutura económica da sociedade em cada época da história constitui, portanto, a base real que permite explicar, em última análise, toda a superstrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, assim como pela ideologia religiosa, filosófica, etc., de cada período histórico. Hegel libertara da metafísica a concepção da história, tornando-a dialéctica; mas a sua interpretação da história era essencialmente idealista. Agora, o idealismo fora expulso do seu último reduto, a concepção da história - substituída por uma concepção materialista da história, com o que se abria o caminho para explicar a consciência dos homens a partir da sua existência, e não esta pela consciência daqueles, como era tradicional até então. 
Desse modo o socialismo já não aparecia como a descoberta casual de um qualquer génio, mas como o produto necessário da luta entre as duas classes formadas pela história: o proletariado e a burguesia. A sua missão já não era elaborar um sistema o mais perfeito possível de sociedade, mas investigar o processo histórico económico do qual brotavam, necessariamente, essas classes e o seu antagonismo, descobrindo os meios para a solução desse conflito na situação económica assim criada. Mas o socialismo tradicional era incompatível com essa nova concepção materialista da história, tanto quanto a concepção da natureza do materialismo francês não podia ajustar-se à dialéctica e às novas ciências naturais. Com efeito, o socialismo anterior criticava o modo de produção capitalista existente e as suas consequências, mas não conseguia explicá-lo nem podia, portanto, destruí-lo ideologicamente; nada mais lhe restava senão repudiá-lo, pura e simplesmente, como mau. Quanto mais violentamente clamava contra a exploração da classe operária, inseparável desse modo de produção, menos estava em condições de indicar claramente em que consistia e como nascia essa exploração. Do que se tratava era, por um lado, de expor esse modo capitalista de produção nas suas conexões históricas e como necessário para uma determinada época da história da sociedade, demonstrando com isso também a necessidade da sua queda e, por outro lado, pôr a nu as suas características internas, ainda ocultas. Isso tornou-se evidente com a descoberta da mais-valia. Descoberta que veio revelar que o regime capitalista de produção e a exploração do operário, que dele deriva, tinham por forma fundamental a apropriação do trabalho não pago; que o capitalista, mesmo quando compra a força de trabalho do seu operário por todo o seu valor, pelo valor que representa como mercadoria, dela retira sempre mais valor do que aquele que ela lhe custa e que essa mais-valia é, em última análise, a origem da massa cada vez maior do capital acumulado nas mãos das classes possuidoras. O processo da produção capitalista e o da produção de capital estavam assim explicados.
Essas duas grandes descobertas - a concepção materialista da história e a revelação do segredo da produção capitalista através da mais-valia - nós as devemos a Karl Marx. Graças a elas o materialismo converte-se numa ciência, que só nos resta desenvolver em todos os seus pormenores e conexões.
(a seguir)

[1] O período alexandrino de desenvolvimento da ciência abrange desde o século III antes da nossa era até o século VII da nossa era, recebendo o seu nome da cidade de Alexandria, no Egipto, um dos mais importantes centros das relações económica internacional daquela época. No período alexandrino adquiriram grande desenvolvimento várias ciências: as matemáticas (com Euclides e Arquimedes), a geografia, a astronomia, a anatomia, etc


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Do socialismo utópico ao socialismo científico - III O materialismo histórico

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A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas de classe, é determinada pelo que a sociedade produz, como produz e pelo modo de trocar os seus produtos. Por conseguinte, as causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens nem na ideia que eles façam da verdade eterna ou da  justiça absoluta, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia da época que se analisa. Quando se revela à compreensão dos homens que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga [1], isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição se operaram silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão das condições económicas anteriores. Isto significa, ao mesmo tempo, que nas novas relações de produção existem forçosamente - em estado mais ou menos desenvolvido - os meios necessários para eliminar os males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobri-los nos factos materiais da produção, tal qual eles existem na realidade.

Qual é, por conseguinte, a posição do socialismo moderno?
A ordem social vigente - verdade reconhecida hoje por quase todo o mundo - é obra da classe dominante dos tempos modernos: a burguesia. O modo de produção característico da burguesia, ao qual desde Marx se dá o nome de modo capitalista de produção, era incompatível com os privilégios locais e dos estados, como o era com os vínculos interpessoais da ordem feudal. A burguesia lançou por terra a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o regime da sociedade burguesa, o império da livre concorrência, da liberdade de domicílio, da igualdade de direitos dos possuidores de mercadorias, e tantas outras maravilhas burguesas. Agora já podia desenvolver-se livremente o modo capitalista de produção. E ao chegarem o vapor e a nova maquinaria, transformando a antiga manufactura na grande indústria, as forças produtivas criadas e postas em movimento sob o comando da burguesia desenvolveram-se com uma velocidade inaudita e em proporções até então desconhecidas. Mas, do mesmo modo que no seu tempo a manufactura e o artesanato, que continuava a desenvolver-se sob a sua influência, se chocavam com os entraves feudais das corporações, a grande indústria, ao chegar a um nível de desenvolvimento mais alto, já não cabe no estreito marco em que é contida pelo modo de produção capitalista. As novas forças produtivas transbordam já da forma burguesa em que são exploradas, e esse conflito entre as forças produtivas e o modo de produção não é um conflito nascido na cabeça do homem – algo como o conflito entre o pecado original do homem e a Justiça divina – mas com as raízes nos factos, na realidade objectiva fora de nós, independente da vontade ou da actividade dos próprios homens que o provocam. O socialismo moderno não é mais que o reflexo desse conflito material na consciência, a sua projecção sob a forma de ideias, desde logo na mente da classe que sofre directamente as suas consequências: a classe operária.
Em que consiste esse conflito? Antes de sobrevir a produção capitalista, isto é, na Idade Média, dominava, com carácter geral, a pequena indústria, baseada na propriedade privada do trabalhador sobre os seus meios de produção: no campo, a agricultura corria a cargo de pequenos lavradores, livres ou vassalos; nas cidades, a indústria achava-se nas mãos dos artesãos. Os meios de trabalho - a terra, os instrumentos agrícolas, a oficina, as ferramentas - eram meios de trabalho individual, destinados unicamente ao uso individual e, portanto, forçosamente, mesquinhos, diminutos, limitados. Mas isso mesmo levava a que pertencessem, em geral, ao próprio produtor. O papel histórico do modo capitalista de produção e seu portador, a burguesia, consistiu precisamente em concentrar e desenvolver esses dispersos e mesquinhos meios de produção, transformando-os nas poderosas alavancas produtoras dos tempos actuais. Esse processo, que a burguesia vem desenvolvendo desde o século XV e que passa historicamente por três etapas – a cooperação simples, a manufactura e a grande indústria – é minuciosamente exposto por Marx na secção quarta de O Capital. Mas a burguesia, como fica também demonstrado nessa obra, não podia converter aqueles primitivos meios de produção em poderosas forças produtivas sem transformá-los de meios individuais de produção em meios sociais – só manejáveis por uma colectividade de homens. A roca, o tear manual e o martelo do ferreiro foram substituídos pela máquina de fiar, pelo tear mecânico e pelo martelo movido a vapor; a oficina individual deu o lugar à fábrica, que impõe a cooperação de centenas e milhares de operários. E, com os meios de produção, transformou-se a própria produção, deixando esta de ser uma cadeia de actos individuais para se converter numa cadeia de actos sociais; e os produtos transformaram-se em produtos sociais. O fio, as telas, os artigos de metal que agora tiram da fábrica eram produto do trabalho colectivo de um grande número de operários, por cujas mãos tinha que passar sucessivamente para sua elaboração. Já ninguém podia dizer: isso foi feito por mim, esse produto é meu.
Mas onde a produção tem por forma principal um regime de divisão social do trabalho criado paulatinamente, por impulso elementar, sem sujeição a plano algum, também imprime aos produtos a forma de mercadoria, cuja troca, compra e venda permitem aos diferentes produtores individuais satisfazerem as suas diversas necessidades. E isso era o que acontecia na Idade Média. O camponês, por exemplo, vendia ao artesão os produtos da terra, comprando-lhe em troca os artigos elaborados na sua oficina. Nessa sociedade de produtores isolados, de produtores de mercadorias, veio a introduzir-se mais tarde o novo modo de produção. Em vez daquela divisão elementar do trabalho, sem plano nem sistema, que imperava no seio de toda a sociedade, o novo modo de produção implantou a divisão planificada do trabalho dentro de cada fábrica; ao lado da produção individual surgiu a produção social. Os produtos de ambas eram vendidos no mesmo mercado e, portanto, a preços aproximadamente iguais. Mas a organização planificada podia mais que a divisão elementar do trabalho; as fábricas em que o trabalho estava organizado socialmente elaboravam os seus produtos mais baratos do que os pequenos produtores isolados. A produção individual foi pouco a pouco sucumbindo em todos os campos e a produção social revolucionando todo o antigo modo de produção. Contudo, esse carácter revolucionário passava despercebido; tão despercebido que, pelo contrário, se implantava com a única e exclusiva finalidade de aumentar e fomentar a produção de mercadorias. Nasceu directamente ligado a certos sectores de produção e troca de mercadorias que já vinham funcionando: o capital comercial, a indústria artesanal e o trabalho assalariado. E já que surgia como uma nova forma de produção de mercadorias, mantiveram-se em pleno vigor sob ela as formas de apropriação da produção de mercadorias.      
Na produção de mercadorias, tal como se havia desenvolvido na Idade Média, não podia surgir o problema de saber a quem pertenciam os produtos do trabalho. O produtor individual criava-os, geralmente, com matérias-primas de sua propriedade, produzidas não poucas vezes por ele mesmo, com os seus próprios meios de trabalho e elaborados com seu próprio trabalho manual ou o da sua família. Não necessitava, portanto, de apropriar-se deles, pois já eram seus pelo simples facto de os produzir. A propriedade dos produtos baseava-se, pois, no trabalho pessoal. E mesmo naqueles casos em que se empregava a ajuda alheia, esta era, em regra, acessória, e recebia frequentemente, além do salário, outra compensação: o aprendiz e o oficial das corporações não trabalhavam menos pelo salário e pela comida do que para aprenderem a chegar a ser mestres algum dia. É da concentração dos meios de produção em grandes oficinas e manufacturas, que sobrevém a sua transformação em meios de produção realmente sociais. Entretanto, esses meios de produção e seus produtos sociais foram considerados como se continuassem a ser o que eram antes: meios de produção e produtos individuais. E se até aqui o proprietário dos meios de trabalho se apropriara dos produtos, porque eram, geralmente, produtos seus e a ajuda constituía uma excepção, agora o proprietário dos meios de trabalho continuava a apoderar-se do produto, embora este já não fosse um produto seu, mas fruto exclusivo do trabalho alheio. Desse modo, os produtos, agora criados socialmente, não passavam a ser propriedade daqueles que haviam posto realmente em marcha os meios de produção e eram realmente seus criadores, mas do capitalista. Os meios de produção e a produção foram convertidos essencialmente em factores sociais. E, no entanto, viam-se submetidos a uma forma de apropriação que pressupõe a produção privada individual, isto é, aquela em que cada qual é dono do seu próprio produto e, como tal, comparece com ele no mercado. O modo de produção vê-se sujeito a essa forma de apropriação apesar de destruir o pressuposto sobre o qual repousa [2].Nessa contradição, que imprime ao novo modo de produção o seu carácter capitalista, encerra-se em germe, todo o conflito dos tempos actuais. E quanto mais o novo modo de produção se impõe e impera em todos os campos fundamentais da produção e em todos os países economicamente importantes, afastando a produção individual, salvo parcelas insignificantes, maior é a evidência com que se revela a incompatibilidade entre a produção social e a apropriação  capitalista.       
Os primeiros capitalistas já se encontraram, como ficou dito, com a forma do trabalho assalariado. Mas como excepção, como ocupação secundária, como simples ajuda, como ponto de transição. O lavrador que saía de quando em vez para ganhar uma diária, tinha os seus dois palmos de terra própria, graças aos quais, em caso extremo, podia viver. Os regulamentos das corporações velavam para que os oficiais de hoje se convertessem amanhã em mestres. Mas, logo que os meios de produção adquiriram um carácter social e se concentraram nas mãos dos capitalistas, tudo  mudou. Os meios de produção e os produtos do pequeno produtor individual foram sendo cada vez mais depreciados, até que a esse pequeno produtor não ficou outro recurso senão ganhar um salário pago pelo capitalista. O trabalho assalariado, que antes era excepção e mera ajuda, passou a ser regra e forma fundamental de toda a produção, e o que antes era ocupação acessória converte-se em ocupação exclusiva do operário. O operário assalariado temporário transformou-se em operário assalariado para toda a vida. Ademais, a multidão desses para sempre assalariados vê-se engrossada em proporções gigantescas pela derrocada simultânea da ordem feudal, pela dissolução das mesnadas [3] dos senhores feudais, a expulsão dos camponeses das suas terras, etc. Realizara-se o divórcio completo entre os meios de produção concentrados nas mãos dos capitalistas, e os produtores que nada possuíam além da sua própria força de trabalho. A  contradição entre a produção social e a apropriação capitalista reveste-se pela formação do antagonismo entre o proletariado e a burguesia.           
Vimos que o modo de produção capitalista se introduziu numa sociedade de produtores de mercadorias, de produtores individuais, cujo vínculo social era o intercâmbio dos seus produtos. Mas toda a sociedade baseada na produção de mercadorias apresenta a particularidade de que nela os produtores perdem o comando sobre as suas próprias relações sociais. Cada qual produz para si, com os meios de produção de que consegue dispor, e para as necessidades do seu intercâmbio privado. Ninguém sabe qual a quantidade de artigos do mesmo tipo que os demais lançam no mercado, nem de que quantidade o mercado necessita; ninguém sabe se o seu produto individual corresponde a uma procura efectiva, nem se poderá cobrir os gastos, nem sequer, em geral, se conseguirá vendê-lo. A anarquia impera na produção social. Mas a produção de mercadorias tem, como toda a forma de produção, as suas leis características, próprias e inseparáveis dela; e essas leis abrem caminho apesar da anarquia, na própria anarquia e através dela. Tomam corpo na única forma de enlace social que subsiste: na troca; e impõem-se aos produtores individuais sob a forma das leis imperativas da concorrência. No princípio, esses produtores ignoram-nas, e é preciso que uma larga experiência as vá revelando pouco a pouco. Impõem-se, pois, sem os produtores, e mesmo contra eles, como leis naturais cegas que presidem a esse modo de produção. O produto impera sobre o produtor.
Na sociedade medieval, e sobretudo nos seus primeiros séculos, a produção destinava-se principalmente ao consumo próprio, a satisfazer apenas as necessidades do produtor e sua família. E onde, como acontecia no campo, subsistiam relações pessoais de vassalagem, contribuía também para satisfazer as necessidades do senhor feudal. Não se produzia, pois, nenhuma troca, nem os produtos revestiam, portanto, o carácter de mercadorias. A família do lavrador produzia quase todos os objectos de que necessitava: utensílios, roupas e víveres. Só começou a produzir mercadorias quando começou a criar um excedente de produtos, depois de cobrir as suas próprias necessidades e os tributos em espécie que devia pagar ao senhor feudal; esse excedente, lançado no intercâmbio social, no mercado, para venda, converteu-se em mercadoria. Os artesãos das cidades, por certo, tiveram que produzir para o mercado desde o primeiro momento. Mas também elaboravam eles próprios a maior parte dos produtos de que necessitavam para o seu consumo; tinham as suas hortas e pequenos campos, apascentavam o seu gado nos campos comunais, que lhes forneciam também madeira e lenha; as suas mulheres fiavam o linho e a lã, etc. A produção para a troca, a produção de mercadorias, achava-se no seu início. Por isso o intercâmbio era limitado, o mercado era reduzido, o modo de produção era estável. Face ao exterior imperava o exclusivismo local; no interior, a associação local: a Marca [4]  no campo, as corporações nas cidades.      
Mas ao estender-se a produção de mercadorias e, sobretudo, ao aparecer o modo capitalista de produção, as leis da produção de mercadorias, que até aqui haviam apenas dado sinais de vida, passam a funcionar de maneira aberta e poderosa. As antigas associações começam a perder força, as antigas fronteiras vão caindo por terra, os produtores vão-se convertendo mais e mais em produtores de mercadorias independentes e isolados. A anarquia na produção social sai à luz do dia e agudiza-se cada vez mais. Mas o instrumento principal com que o modo de produção capitalista fomenta essa anarquia na produção social é precisamente o inverso da anarquia: a crescente organização da produção com carácter social, dentro de cada estabelecimento de produção. Por esse meio, põe fim à velha estabilidade. Onde se implanta num ramo industrial, não tolera a seu lado nenhum dos velhos métodos. Onde se apodera da indústria artesanal, ela  destrói-a e aniquila-a. O terreno do trabalho transforma-se num campo de batalha. As grandes descobertas geográficas e as empresas de colonização que as acompanham multiplicam os mercados e aceleram o processo de transformação da oficina do artesão em manufactura. E a luta não eclode somente entre os produtores locais isolados; as contendas locais adquirem envergadura nacional, e surgem as guerras comerciais dos séculos XVII e XVIII. Até que, por fim, a grande indústria e a implantação do mercado mundial dão carácter universal à luta, ao mesmo tempo que lhe imprimem uma inaudita violência. Tanto entre os capitalistas individuais como entre industrias ou países inteiros, a primazia das condições – natural ou artificialmente criadas – da produção decide a luta pela existência. O que sucumbe é esmagado sem piedade. É a luta darwinista pela existência individual transplantada, com redobrada fúria, da natureza para a sociedade. As condições naturais de vida do animal convertem-se no ponto culminante do desenvolvimento humano. A contradição entre a produção social e a apropriação capitalista manifesta-se agora como antagonismo entre a organização da produção dentro de cada fábrica e a anarquia da produção no seio de toda a sociedade.
O modo de produção capitalista move-se nessas duas formas de contradição a ele inerentes, descrevendo sem apelo aquele "círculo vicioso" já revelado por Fourier. Mas o que Fourier não podia ver ainda na sua época é que esse círculo se vai reduzindo gradualmente, que o movimento se desenvolve em espiral e tem de chegar necessariamente ao seu fim, como o movimento de satélites decaindo para o centro. É a força propulsora da anarquia social da produção que converte a imensa maioria dos homens, cada vez mais marcadamente, em proletários, e essas massas proletárias serão, por sua vez, as que, afinal, porão fim à anarquia da produção. É a força propulsora da anarquia social da produção que converte a capacidade infinita de aperfeiçoamento das máquinas num preceito imperativo, que obriga todo o capitalista industrial a melhorar continuamente a sua maquinaria, sob pena de perecer. Mas melhorar a maquinaria equivale a tornar supérflua uma massa de trabalho humano. E assim como a implantação e o aumento quantitativo da maquinaria trouxeram consigo a substituição de milhões de operários manuais por um número reduzido de operários mecânicos, o seu aperfeiçoamento determina a eliminação de um número cada vez maior de operários das máquinas e, em última instância, a criação de uma massa de operários disponíveis que ultrapassa a necessidade média de ocupação do capital, de um verdadeiro exército industrial de reserva, como eu já o chamara em 1845[5], de um exército de trabalhadores disponíveis para as épocas em que a indústria trabalha a pleno vapor e que, logo nas crises que sobrevêm necessariamente depois desses períodos, é lançado às ruas, constituindo a todo o momento uma grilheta amarrada aos pés da classe operária na sua luta pela existência contra o capital e um regulador para manter os salários no nível baixo correspondente às necessidades do capitalista. Assim, para dizê-lo como Marx, a maquinaria converteu-se na mais poderosa arma do capital contra a classe operária, um meio de trabalho que arranca constantemente os meios de vida das mãos do operário, acontecendo que o produto do próprio operário passa a ser o instrumento da sua escravização. Desse modo, a economia nos meios de trabalho leva consigo, desde o primeiro momento, o mais impiedoso desperdício da força de trabalho e a espoliação das condições normais da própria função de trabalhar. E a maquinaria, o recurso mais poderoso que se pôde criar para reduzir a jornada de trabalho, converte-se no mais infalível recurso para transformar a vida inteira do operário e da sua família numa grande jornada disponível para a valorização do capital; ocorre, assim, que o excesso de trabalho de uns é a condição determinante da carência de trabalho de outros, e que a grande indústria, lançando-se pelo mundo inteiro, em desaforada correria, à conquista de novos consumidores, reduz na sua própria casa o consumo das massas a um mínimo de fome e mina com isso o seu próprio mercado interno. "A lei que mantém constantemente o excesso relativo de população ou exército industrial de reserva em equilíbrio com o volume e a intensidade da acumulação do capital amarra o operário ao capital com laços mais fortes do que as cunhas com que Vulcano cravou Prometeu no rochedo. Isso dá origem a que à acumulação de capital corresponda uma igual acumulação de miséria. A acumulação de riqueza num dos pólos determina no pólo oposto, no pólo da classe que produz o seu próprio produto como capital, uma acumulação igual de miséria, de sofrimento, de escravidão, de ignorância,  embrutecimento e degradação moral." (Marx, O Capital, t. 1, cap. XXIII). E esperar do modo capitalista de produção uma distribuição diferente dos produtos seria o mesmo que esperar que os dois eléctrodos de uma bateria, quando ligados a ela, não decompusessem a água nem libertassem oxigénio no pólo positivo e hidrogénio no pólo negativo.
Vimos que a capacidade de aperfeiçoamento da maquinaria moderna, levada ao seu extremo, converte-se, em virtude da anarquia da produção na sociedade, num preceito imperativo que obriga os capitalistas industriais, cada qual por si, a melhorarem incessantemente a sua maquinaria, a tornarem sempre mais poderosa a sua força de produção. Não menos imperativo é o preceito em que se converte para ele a mera possibilidade efectiva de dilatar a sua órbita de produção. A enorme força de expansão da grande indústria, ao lado da qual a expansão dos gases é uma brincadeira de crianças, revela-se hoje diante dos nossos olhos como uma necessidade qualitativa e quantitativa de expansão que zomba de todos os obstáculos que se lhe deparam. Esses obstáculos são os que lhe opõem o consumo, a exportação, os mercados de que os produtos da grande indústria necessitam. Mas a capacidade extensiva e intensiva de expansão dos mercados obedece, por sua vez, a leis muito diferentes e que actuam de uma maneira muito menos enérgica. A expansão dos mercados não pode desenvolver-se ao mesmo ritmo que a da produção. O choque torna-se inevitável, e como é impossível outra solução que não seja destruir o próprio modo capitalista de produção, esse choque torna-se periódico. A produção capitalista engendra um "novo círculo vicioso".      
Com efeito, desde 1825, ano em que estalou a primeira crise geral, não se passam dez anos seguidos sem que em todo o mundo industrial e comercial, a produção e a troca de todos os povos civilizados e dos de países mais ou menos bárbaros ligados a eles, saia dos eixos. O comércio é paralisado, os mercados são saturados de mercadorias, os produtos apodrecem nos armazéns abarrotados, sem encontrar saída; a marcha do dinheiro acelera-se, o andar converte-se em trote, o trote industrial em galope e, finalmente, em corrida desenfreada, num steeple-chase [6] da indústria, do comércio, do crédito, da especulação, para terminar, por fim, depois dos saltos mais arriscados... no fosso de outra crise. E assim sucessivamente. Cinco vezes se repete a mesma história desde 1825, e presentemente (1877) estamos a vivê-la pela sexta vez. O carácter destas crises é tão nítido e tão marcante que Fourier as abrangia todas ao descrever a primeira, dizendo que era uma crise pletórica, uma crise nascida da superabundância.      
Nas crises estala, em explosões violentas, a contradição entre a produção social e a apropriação capitalista. A circulação de mercadorias é momentaneamente paralisada. O meio de circulação, o dinheiro, converte-se num obstáculo para a circulação; todas as leis da produção e da circulação das mercadorias são  viradas do avesso. O conflito económico atinge o seu ponto culminante: o modo de produção rebela-se contra o modo de distribuição.     
O  facto da  organização social da produção dentro das fábricas se ter desenvolvido até chegar a um ponto em que passou a ser inconciliável com a  anarquia – coexistente com ela e acima dela – na produção social é um dado que se revela palpável aos próprios capitalistas pela concentração violenta dos capitais, produzida durante as crises à custa da ruína de numerosos grandes e, sobretudo, pequenos capitalistas. Todo o mecanismo do modo de produção falha, esgotado pelas forças produtivas que ele mesmo criou. Já não consegue transformar em capital essa massa de meios de produção que permanecem inactivos, e precisamente por isso permanece também inactivo o exército industrial de reserva. Meios de produção, meios de vida, operários em disponibilidade: todos os elementos da produção e da riqueza geral existem em excesso. Mas a "superabundância converte-se em fonte de miséria e de penúria" (Fourier), já que é exactamente ela que impede a transformação dos meios de produção e de vida em capital, pois na sociedade capitalista os meios de produção não podem pôr-se em movimento senão transformando-se previamente em capital, em meio de exploração da força de trabalho humana. Esse imprescindível carácter de capital dos meios de produção ergue-se como um espectro entre eles e a classe operária. É isso que impede que engrenem a alavanca material e a alavanca pessoal da produção; é o que não permite aos meios de produção funcionar nem aos operários trabalhar e viver. De um lado, o modo capitalista de produção revela, pois, a sua própria incapacidade para continuar a dirigir as suas forças produtivas. Por outro lado, essas forças produtivas compelem, com uma intensidade cada vez maior, no sentido de que se resolva a contradição, de que sejam redimidas da sua condição de capital, e lhes seja efectivamente reconhecido o seu carácter social.      
É essa rebelião das forças produtivas, cada vez mais imponentes, contra a sua condição de propriedade do capital, essa necessidade cada vez mais imperiosa de que se reconheça o seu carácter social, que obriga a própria classe capitalista a considerá-las cada vez mais abertamente como forças produtivas sociais, na medida em que isso é possível dentro das relações capitalistas. Tanto os períodos de elevada pressão industrial, com uma desmedida expansão do crédito, como o próprio crash, com o desmoronamento de grandes empresas capitalistas, estimulam essa forma de socialização de grandes massas de meios de produção que encontramos nas diferentes categorias de sociedades anónimas. Alguns desses meios de produção e de comunicação já são por si tão gigantescos que excluem, como ocorre com as ferrovias, qualquer outra forma de exploração capitalista. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento tal forma já não basta; os grandes produtores nacionais de um ramo industrial unem-se para formar um trust, um consórcio destinado a regular a produção; determinam a quantidade total que deve ser produzida, dividem-na entre eles e impõem, desse modo, um preço de venda de antemão fixado. Porém, como esses trusts se desmoronam ao sobrevirem os primeiros ventos maus nos negócios, conduzem com isso a uma socialização ainda mais concentrada; todo o ramo industrial se converte numa única grande sociedade anónima, e a concorrência interna dá lugar ao monopólio interno dessa sociedade única; assim aconteceu já em 1890 com a produção inglesa de álcalis, que na actualidade, depois da fusão de todas as quarenta e oito grandes fábricas do país, é explorada por uma só sociedade com direcção única e um capital de 120 milhões  de  marcos.       
Nos trusts, a livre concorrência transforma-se em monopólio e a produção sem plano da sociedade capitalista capitula ante a produção planificada e organizada da nascente sociedade socialista. É claro que, no momento, em proveito e benefício dos capitalistas. Mas aqui a exploração torna-se tão patente, que tem forçosamente de ser derrubada. Nenhum povo toleraria uma produção dirigida pelos trusts, uma exploração tão descarada da colectividade por uma pequena quadrilha de cortadores de cupões.
De um modo ou de outro, com ou sem trusts, o representante oficial da sociedade capitalista, o Estado, tem que acabar por tomar a seu cargo o comando da produção [7]. A necessidade a que corresponde essa transformação de certas empresas em propriedade do Estado começa a manifestar-se nas grandes empresas de transportes e comunicações, tais como o correio, o telégrafo e as ferrovias.
Além da incapacidade da burguesia para continuar a dirigir as forças produtivas modernas revelada pelas crises, a transformação das grandes empresas de produção e transporte em sociedades anónimas, em trusts e em propriedade do Estado demonstra que a burguesia já não é indispensável para o desempenho dessas funções. Hoje, as funções sociais do capitalista estão todas a cargo de empregados assalariados, e toda a actividade social do capitalista está reduzida a cobrar rendas, cortar cupões e jogar na bolsa, onde capitalistas de toda a espécie arrebatam, uns aos outros, os seus capitais. E se antes o modo de produção capitalista deslocava os operários, agora desloca também os capitalistas, lançando-os, do mesmo modo que aos operários, entre a população excedente; embora, por enquanto, ainda não no exército industrial de reserva.        
Porém, as forças produtivas não perdem a condição de capital ao converterem-se em propriedade das sociedades anónimas, dos trusts ou do Estado. No que se refere aos trusts e às sociedades anónimas, isto é palpavelmente claro. Por seu turno, o Estado moderno não é mais que uma organização criada pela sociedade burguesa para defender as condições exteriores gerais do modo de produção capitalista contra os ataques, tanto dos operários como de capitalistas isolados. O Estado moderno, qualquer que seja a forma que assuma, é uma máquina essencialmente capitalista, é o Estado dos capitalistas, o capitalista colectivo ideal. E quanto mais forças produtivas detenha tanto mais se converterá em capitalista colectivo e maior quantidade de cidadãos explorará. Os operários continuam assalariados, proletários. A relação capitalista, longe de ser abolida com essas medidas, acentua-se. Mas, ao chegar ao cume, esboroa-se. A propriedade do Estado sobre as forças produtivas não é a solução do conflito, mas encerra já no seu seio o meio formal, o instrumento para chegar à solução.         
Essa solução só pode consistir em reconhecer de um modo efectivo a natureza social das forças produtivas modernas e, portanto, em harmonizar o modo de produção, apropriação e troca com o carácter social dos meios de produção. Para tal, não há senão um caminho: que a sociedade, abertamente e sem rodeios, tome posse dessas forças produtivas, que já não admitem outra direcção a não ser a sua. Assim procedendo, o carácter social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se volta contra os próprios produtores, rompendo periodicamente as fronteiras do modo de produção e de troca, e só pode impor-se com uma força e uma eficácia tão destruidoras quanto o impulso cego das leis naturais, será posto em vigor com plena consciência pelos produtores e converter-se-á, de causa constante de perturbações e cataclismos periódicos, na alavanca mais poderosa da própria produção.
As forças activas da sociedade actuam, enquanto não as conhecemos e contamos com elas, exactamente como as forças da natureza: de modo cego, violento e destruidor. Mas, uma vez conhecidas, logo que se saiba compreender a sua acção, as tendências e os efeitos, está nas nossas mãos sujeitá-las cada vez mais à nossa vontade e, por meio delas, alcançar os fins propostos. Tal é o que ocorre, muito especialmente, com as gigantescas forças modernas da produção. Enquanto resistirmos obstinadamente a compreender a sua natureza e o seu carácter – e a essa compreensão se opõem o modo capitalista de produção e os seus defensores –, essas forças actuarão apesar de nós, e dominar-nos-ão, como bem salientámos. Em troca, assim que penetramos na sua natureza, essas forças, postas nas mãos dos produtores associados, converter-se-ão de tiranos demoníacos em servas submissas. É a mesma diferença que há entre o maléfico poder da electricidade nos raios da tempestade e o benéfico poder da força eléctrica dominada no telégrafo e no arco voltaico; a diferença que há entre o fogo destruidor e o fogo posto ao serviço do homem. No dia em que as forças produtivas da sociedade moderna se submeterem a um regime congruente com a sua natureza por fim conhecida, a anarquia social da produção dará lugar à regulamentação colectiva e organizada da produção, de acordo com as necessidades da sociedade e do indivíduo. E o regime capitalista de apropriação, em que o produto escraviza primeiro quem o cria e, em seguida, quem dele se apropria, será substituído pelo regime de apropriação do produto que o carácter dos modernos meios de produção reclama: de um lado, a apropriação directamente social, como meio para manter e ampliar a produção; do outro, a apropriação directamente individual, como meio de vida e de proveito.       
O modo capitalista de produção, ao converter cada vez mais em proletários a imensa maioria dos indivíduos de cada país, cria a força que, se não quiser perecer, está obrigada a fazer essa revolução. E, ao forçar cada vez mais a conversão dos grandes meios socializados de produção em propriedade do Estado, ele já indica, por si mesmo, o caminho pelo qual deve produzir-se essa revolução. O proletariado toma nas suas mãos o Poder do Estado e principia por converter os meios de produção em propriedade do Estado. Mas, nesse mesmo acto, destrói-se a si próprio como proletariado, destruindo toda diferença e todo o antagonismo entre classes, e com isso o próprio Estado como tal. A sociedade, que se movera até então entre antagonismos de classe, precisou do Estado, ou seja, de uma organização da classe exploradora correspondente para manter as condições externas de produção e, portanto, particularmente, para manter pela força a classe explorada nas condições de opressão (a escravidão, a servidão ou a vassalagem e o trabalho assalariado) determinadas pelo modo de produção existente. O Estado era o representante oficial de toda a sociedade, a sua síntese num corpo social visível; mas representava toda a sociedade tal como o era só na sua época: na antiguidade era o Estado dos cidadãos esclavagistas, na Idade Média o da nobreza feudal; no nosso tempo, o da burguesia. Quando o Estado se converter, finalmente, em representante efectivo de toda a sociedade, tornar-se-á por si mesmo supérfluo. Quando já não existir nenhuma classe social que precise ser submetida; quando desaparecerem, juntamente com a dominação de classe, juntamente com a luta pela existência individual engendrada pela actual anarquia da produção, os choques e os excessos resultantes dessa luta, nada mais haverá para reprimir, nem haverá necessidade, portanto, dessa força especial de repressão que é o Estado.        
O primeiro acto em que o Estado se manifesta efectivamente como representante de toda a sociedade – a posse dos meios de produção em nome da sociedade – é, ao mesmo tempo, o seu último acto independente enquanto Estado. A intervenção da autoridade do Estado nas relações sociais tornar-se-á supérflua num campo após outro da vida social e cessará por si mesma. O governo sobre as pessoas é substituído pela administração das coisas e pela direcção dos processos de produção. O Estado não será "abolido", extingue-se. É partindo daí que se pode julgar o valor do falado "Estado popular livre" no que diz respeito à sua justificação provisória como palavra de ordem de agitação e no que se refere à sua falta de fundamento científico. É também partindo daí que deve ser considerada a exigência dos chamados anarquistas de que o Estado seja abolido da noite para o dia.
Desde que existe historicamente o modo capitalista de produção, houve indivíduos e seitas inteiras diante dos quais se projectou mais ou menos vagamente, como ideal futuro, a apropriação de todos os meios de produção pela sociedade. Mas, para que isso fosse realizável, para que se convertesse numa necessidade histórica, era preciso que ocorressem as condições efectivas para a sua realização. Para que esse progresso, como todos os progressos sociais, seja viável, não basta ser compreendido pela razão que a existência de classes é incompatível com os valores da justiça, da igualdade, etc.; não basta a simples vontade de abolir essas classes – são necessárias determinadas condições económicas novas. A divisão da sociedade numa classe exploradora e outra explorada, numa classe dominante e outra oprimida, era uma consequência necessária do anterior desenvolvimento incipiente da produção. Enquanto o trabalho global da sociedade produzir apenas o estritamente necessário para cobrir as necessidades mais elementares de todos, e talvez um pouco mais; enquanto, por isso, o trabalho absorver todo o tempo, ou quase todo o tempo, da imensa maioria dos membros da sociedade, esta divide-se, necessariamente, em classes. Junto à grande maioria constrangida a não fazer outra coisa senão suportar a carga do trabalho, forma-se uma classe que se exime do trabalho directamente produtivo e a cujo cargo correm os assuntos gerais da sociedade: a direcção dos trabalhos, os negócios públicos, a justiça, as ciências, as artes, etc.. É, pois, a lei da divisão do trabalho que serve de base à divisão da sociedade em classes. O que não impede que essa divisão da sociedade em classes se realize por meio de violência e espoliação, astúcia e logro; nem quer dizer que a classe dominante, uma vez entronizada, se abstenha de consolidar o seu poderio à custa da classe trabalhadora, transformando o seu papel social de direcção numa maior exploração das massas.
Vemos, pois, que a divisão da sociedade em classes tem uma razão histórica de existir, mas só dentro de determinados limites de tempo e sob determinadas condições sociais. É condicionada pela insuficiência da produção, e será varrida quando se desenvolverem plenamente as modernas forças produtivas. Com efeito, a abolição das classes sociais pressupõe um tal grau de desenvolvimento histórico que a existência, já não dessa ou daquela classe dominante concreta, mas de uma classe dominante qualquer que ela seja e, portanto, das próprias diferenças de classe, representa um anacronismo. Pressupõe, por conseguinte, um grau culminante no desenvolvimento da produção em que a apropriação dos meios de produção e dos produtos e, portanto, do poder político, do monopólio da cultura e da direcção espiritual por uma determinada classe da sociedade, não só se tornou de facto supérflua, mas constitui económica, política e intelectualmente uma barreira levantada ante o progresso. Pois bem, já se chegou a esse ponto. Hoje, a bancarrota política e intelectual da burguesia não é mais um segredo nem para ela mesma e a sua bancarrota económica é um fenómeno que se repete periodicamente de dez em dez anos. Em cada uma dessas crises a sociedade asfixia-se, afogada pela massa das suas próprias forças produtivas e dos seus produtos, que não pode aproveitar e, impotente, vê-se diante da absurda contradição de os seus produtores não terem o que consumir, precisamente por falta de consumidores. A força expansiva dos meios de produção faz saltar as amarras com que o modo de produção capitalista os atou. Só essa libertação dos meios de produção pode permitir o desenvolvimento ininterrupto e cada vez mais rápido das forças produtivas e, com isso, o crescimento praticamente ilimitado da produção. Mas não é tudo. A apropriação social dos meios de produção não só elimina os obstáculos artificiais hoje antepostos à produção, mas põe termo também ao desperdício e à devastação das forças produtivas e dos produtos, uma das consequências inevitáveis da produção actual e que alcança o ponto culminante durante as crises. Ademais, ao acabar com o esbanjamento estúpido que representa o luxo das classes dominantes e dos seus representantes políticos, ela porá em circulação para a colectividade toda uma massa de meios de produção e de produtos. Pela primeira vez, surge agora, e de um modo efectivo, a possibilidade de assegurar a todos os membros da sociedade, através de um sistema de produção social, uma existência que, além de satisfazer plenamente e cada dia mais abundantemente as suas necessidades materiais, lhes assegura o livre e completo desenvolvimento das suas capacidades físicas e intelectuais [8].
Com a tomada de posse pela sociedade dos meios de produção, cessa a produção de mercadorias e, com ela, o domínio do produto sobre os produtores. A anarquia reinante no seio da produção social cede o lugar a uma organização planificada e consciente. Cessa a luta pela existência individual e, assim, em certo sentido, o homem sai definitivamente do reino animal e sobrepõe-se às condições animais de existência, para submeter-se a condições de vida verdadeiramente humanas. As condições que cercam o homem e até agora o dominam, colocam-se, a partir desse instante, sob o seu domínio e comando e o homem, ao tomar-se dono e senhor das suas próprias relações sociais, converte-se pela primeira vez em senhor consciente e efectivo da natureza. As leis da sua própria actividade social, que até agora se erguiam frente ao homem como leis naturais, como poderes estranhos que o subjugavam, são agora aplicadas por ele com pleno conhecimento de causa e, portanto, submetidas ao seu poderio. A própria existência social do homem, que até aqui era enfrentada como algo imposto pela natureza e a história, é de agora em diante obra sua. Os poderes objectivos e estranhos que até aqui vinham imperando na história colocam-se sob o controlo do próprio homem. Só a partir de então, ele começa a traçar a sua história com plena consciência do que faz. E só daí em diante as causas sociais postas em acção por ele começam a produzir predominantemente, e cada vez em maior medida, os efeitos desejados. É o salto da humanidade do reino da necessidade para o  reino da liberdade. 
 
* * *
Para terminar, resumamos brevemente a nossa trajectória de desenvolvimento:
1.    Sociedade medieval: Pequena produção individual. Meios de produção adaptados ao uso individual e, portanto, primitivos, torpes, mesquinhos, de eficácia mínima. Produção para o consumo imediato, seja do próprio produtor, seja do seu senhor feudal. Só nos casos em que fica um excedente de produtos, depois de ser coberto aquele consumo, é que esse excedente é posto à venda e lançado no mercado. Portanto, a produção de mercadorias encontra-se ainda nos seus alvores, mas já encerra, em embrião, a anarquia da produção social.
2.    Revolução capitalista: Transformação da indústria, iniciada por meio da cooperação simples e da manufactura. Concentração dos meios de produção, até então dispersos, em grande oficinas, transformando-se assim de meios de produção do indivíduo em meios de produção sociais, metamorfose que não afecta, em geral, a forma de troca. Ficam de pé as velhas formas de apropriação. Aparece o capitalista: na sua qualidade de proprietário dos meios de produção, apropria-se também dos produtos e converte-os em mercadorias. A produção transforma-se num acto social; a troca e, com ela, a apropriação, continuam sendo actos individuais: o produto social é apropriado pelo capitalista individual. Contradição fundamental, da qual  derivam todas as contradições em que se move a sociedade actual e que a grande indústria evidencia claramente:
 
A.    Divórcio do produtor com os meios de produção. Condenação do operário a ser assalariado por toda a vida. Oposição entre a burguesia e o proletariado.
B.    Relevo crescente e eficácia acentuada das leis que presidem à produção de mercadorias. Concorrência desenfreada. Contradição entre a organização social dentro de cada fábrica e a anarquia social reinante na produção como um todo.
C.    Por um lado, aperfeiçoamento da maquinaria, que a concorrência transforma num preceito imperativo para cada fabricante e que equivale a um afastamento cada dia maior de operários: exército industrial de reserva. Pelo outro, expansão ilimitada da produção, que a concorrência impõe também como norma incoercível a todos os fabricantes. De ambos os lados, um desenvolvimento inaudito das forças produtivas, excesso da oferta sobre a procura, superprodu- ção, abarrotamento dos mercados, crise em cada dez anos, círculo vicioso: superabundância aqui de meios de produção e de produtos e, ali de operários sem trabalho e sem meios de vida. Mas essas duas alavancas da produção e do bem-estar social não podem combinar-se, porque a forma capitalista da produção impede que as forças produtivas actuem e os produtos circulem, a não ser que se convertam previamente em capital, o que lhes é vedado precisamente pela sua própria superabundância. A contradição aprofunda-se até se transformar em contra-senso: o modo de produção revolta-se contra a forma de troca. A burguesia revela-se incapaz para continuar a dirigir as suas próprias forças sociais produtivas.
D.    Reconhecimento parcial do carácter social das forças produtivas, arrancado aos próprios capitalistas. Apropriação dos grandes organismos de produção e de transporte, primeiro por sociedades anónimas, em seguida pelos trusts e, mais tarde, pelo Estado. A burguesia revela-se uma classe supérflua; todas as suas funções sociais são executadas agora por empregados assalariados.
3.    Revolução proletária, solução das contradições: o proletariado toma o poder político e, por meio dele, converte em propriedade pública os meios sociais de produção, que escapam das mãos da burguesia. Com esse acto, liberta os meios de produção da condição de capital que tinham até então e dá ao seu carácter social plena liberdade para se impor. A partir de agora já é possível uma produção social segundo um plano previamente elaborado. O desenvolvimento da produção transforma em anacronismo a sobrevivência de classes sociais diversas. À medida que desaparece a anarquia da produção social, vai desaparecendo também, gradualmente, a autoridade política do Estado. Os homens, por fim donos da sua própria existência social, tornam-se senhores da natureza, senhores de si mesmos, homens livres.
 

Realizar esse acto, que libertará o mundo, é a missão histórica do proletariado moderno. E o socialismo científico, expressão teórica do movimento proletário, destina-se a pesquisar as condições históricas e, com isso, a própria natureza desse acto, infundindo assim à classe chamada a fazer essa revolução, à classe hoje oprimida, a consciência das condições e da natureza da sua própria acção.



[1] Palavras de Mefistófeles no Fausto de Goethe. 
[2] Não precisamos explicar que, ainda quando a forma de apropriação permanece invariável, o carácter da apropriação sofre uma revolução pelo processo que descrevemos, em não menor grau que a própria produção. A apropriação do produto próprio e a apropriação do produto alheio são, evidentemente, duas formas muito diferentes de apropriação. E advertimos de passagem que o trabalho assalariado, no qual se contém já o germe de todo o modo capitalista de produção, é muito antigo; coexistiu durante séculos inteiros, em casos isolados e dispersos, com a escravidão. Contudo, esse germe só pôde desenvolver-se até formar o modo capitalista de produção quando surgiram as premissas históricas adequadas. (Nota de Engels)
[3] Mesnadas: tropas mercenárias que serviam aos senhores feudais nas guerras
[4] A Marca é o nome dado à antiga comuna germânica baseada na comunidade da terra. Muitos traços dessa comunidade conservaram-se até aos nossos dias, não só nos países germânicos, mas também nos países ocidentais conquistados pelos germânicos (Nota de Engels).
[5] Em A Situação da Classe Operária na Inglaterra, pág. 109 (Nota de Engels).
[6] Corrida de obstáculos.
[7] E digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso económico, um passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja levada a cabo pelo Estado actual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já efectivamente os marcos directores de uma sociedade anónima, quando, portanto, a medida da nacionalização for já  economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie de falso socialismo, que degenera de quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo acto de nacionalização, mesmo nos adoptados por Bismarck, vê uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo fosse socialismo, seria necessário incluir Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo. Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por sua conta as principais linhas férreas do país, ou quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade económica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem directa nem indirectamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo, a Real Manufactura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos prostíbulos, proposta muito seriamente, aí por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um homem muito esperto (Nota de Engels)  
[8] Algumas cifras darão ao leitor uma noção aproximada da enorme força expansiva que, mesmo sob a pressão capitalista, os modernos meios de produção desenvolvem. Segundo os cálculos de Giffen, a riqueza global da Grã-Bretanha e Irlanda ascendia, em números redondos, a
1814
 2 200 milhões de £
 44 000 milhões de marcos
1865
 6 100 milhões de £
 122 000 milhões de marcos
1875 
 8 500 milhões de £
 170 000 milhões de marcos.
Para dar uma ideia do que representa a delapidação dos meios de produção e de produtos desperdiçados durante a crise, direi que no segundo congresso dos industriais alemães, realizado em Berlim, em 21 de Fevereiro de 1878, calculou-se em 455 milhões de marcos as perdas globais representadas pelo último crash, somente para a indústria siderúrgica alemã. (Nota de Engels)


publicado por portopctp às 19:11
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