(cap XIII)
Capítulo XIV
Causas que entravam a lei
Considerando o enorme desenvolvimento da produtividade do trabalho social, mesmo só nos últimos trinta anos, em comparação com os períodos precedentes; considerando em particular a enorme massa de capital fixo que, além das máquinas propriamente ditas, entra no conjunto do processo social da produção, a dificuldade que até ao presente ocupou os economistas – «como explicar a baixa da taxa de lucro» – cedeu lugar à pergunta inversa: «como explicar que a baixa da taxa de lucro não tenha sido mais importante ou mais rápida?». Foi preciso que operassem influências contrárias que entravassem e suprimissem o efeito da lei geral e lhe conferissem simplesmente o carácter de uma tendência; foi por isto que qualificámos a baixa da taxa de lucro geral como «baixa tendencial». Entre estas causas, as mais generalizadas são as seguintes:
I – Aumento do grau de exploração do trabalho
O grau de exploração do trabalho, a apropriação do sobretrabalho e da mais-valia, aumentaram, sobretudo pelo prolongamento do dia de trabalho e pela intensificação do trabalho. Estes dois pontos foram largamente desenvolvidos no 1.º volume, no estudo da produção da mais-valia absoluta e relativa. Existem na intensificação do trabalho numerosos elementos que implicam um acréscimo do capital constante com relação ao capital variável, portanto uma baixa da taxa de lucro (por exemplo, quando o operário tem a seu cuidado maior quantidade de máquinas). Como na maioria dos processos que servem para produzir mais-valia relativa, as mesmas causas que provocam uma elevação da taxa de mais-valia podem arrastar uma baixa desta, se considerarmos grandezas determinadas de capital total em função.
Existem ainda outros elementos da intensificação, como por exemplo a aceleração da velocidade das máquinas: no mesmo tempo, estas tratarão decerto mais matéria-prima; todavia, quanto ao capital fixo, se a aparelhagem se desgastar mais depressa, a relação entre o seu valor e o preço do trabalho que põe em obra, não é afectada de modo nenhum.
Mas é sobretudo o prolongamento do dia de trabalho (essa invenção da indústria) que faz aumentar a massa de sobretrabalho apropriado sem modificar essencialmente a relação entre a força de trabalho utilizada e o capital constante que ela faz funcionar, e que, na realidade, provoca antes uma baixa relativa deste último.
Por outro lado, já demonstrámos – e é esse o verdadeiro mistério da baixa tendencial da taxa de lucro – que os processos destinados a produzir mais-valia relativa tendem afinal de contas para isto: por um lado, para a conversão da maior parte possível de uma dada quantidade de trabalho em mais-valia e, por outro lado, para, sobretudo, a utilização do mínimo possível de trabalho com relação ao capital adiantado, de modo que as mesmas razões que permitem aumentar o grau de exploração do trabalho impedem que se explore tanto trabalho como antes com o mesmo capital total.
Eis as tendências antagónicas que, ao mesmo que impelem a um aumento da taxa de mais-valia, actuam no sentido de uma baixa da massa de mais-valia produzida por um dado capital e, portanto, de uma baixa da taxa de lucro. Também é oportuno mencionar a introdução massiva do trabalho das mulheres e das crianças, porque a família inteira é obrigada a fornecer ao capital uma quantidade de sobretrabalho maior do que antes, embora aumente a soma total do salário que recebe, o que, de resto, não é regra geral. Tudo o que favorece a produção de mais-valia relativa, sem aumento do capital utlizado, por simples aperfeiçoamento dos métodos, tem o mesmo efeito. É o que se passa na agricultura, onde, na verdade, o capital constante empregado não aumenta com relação ao capital variável, se considerarmos este último como indicador da força de trabalho empregada; é a massa do produto que aumenta com relação à força produtiva do trabalho (pouco importa que o seu produto entre no consumo dos operários ou nos elementos do capital constante), que é libertada das barreiras comerciais, de limitações arbitrárias, de entraves de todos os tipos, sem que esta libertação afecte primeiramente a relação entre capital variável e capital constante.
Poder-se-ia perguntar se, entre as causas que primeiro emperram e depois acabam por acelerar a baixa da taxa de lucro, estão compreendidos os sumentos de mais-valia acima do nível geral, altas temporárias repetidas que acontecem ora num ora noutro ramo de produção, para lucro do capitalista que explora as invenções, etc., antes da sua generalização. Há razões para responder afirmativamente a esta pergunta.
A massa de mais-valia engendrada por um capital de uma dada grandeza é o produto de dois factores: a taxa de mais-valia e o número de operários, ocupados a uma dada taxa. Depende, portanto, se for dada a taxa de mais-valia, do número dado de operários; de maneira geral, depende da proporção formada pela grandeza do capital variável e pela taxa da mais-valia! Ora viu-se que, em média, as mesmas causas que aumentam a taxa da mais-valia relativa fazem baixar a quantidade de força de trabalho empregada. Mas é claro que haverá aumento ou diminuição, consoante a relação em que se realizar este movimento antagónico e que a tendência para fazer baixar a taxa de lucro é notavelmente enfraquecida pela subida da taxa da mais-valia absoluta, proveniente do prolongamento do dia de trabalho.
Já vimos no estudo da taxa de lucro que, em geral, à baixa da taxa corresponde, pelo facto do aumento da quantidade de capital total empregado, o aumento da massa de lucro. Considerando o conjunto do capital variável da sociedade, a mais-valia que ele produz é igual ao lucro produzido. Paralelamente à massa absoluta, a taxa da mais-valia aumentou igualmente; a primeira, porque aumentou a massa de força de trabalho utilizada pela sociedade, a segunda porque aumentou o grau de exploração deste trabalho. Mas, com referência a um capital de uma dada grandeza, por exemplo 100, a taxa da mais-valia pode elevar-se, ao passo que, em média, baixa a sua massa; e isto porque a taxa é determinada pela proporção em que é posta em valor a fracção variável do capital, enquanto a massa é determinada pela grandeza relativa do capital variável, proporcionalmente ao capital total.
A subida da taxa da mais-valia – produzida em circunstâncias em que não se dá, como já indicámos, aumento relativo ou absoluto do capital constante com relação ao capital variável – é um dos factores determinantes da massa da mais-valia e, por isso, da taxa de lucro. Isto não suprime a lei geral. Mas tem como resultado constituir uma tendência, isto é, uma lei cuja realização foi detida, afrouxada, enfraquecida, por causas que a emperram. Como as mesmas causas que elevam a taxa da mais-valia – o prolongamento do tempo de trabalho é um resultado da grande indústria – tendem a reduzir a força de trabalho empregada por um dado capital, tendem ao mesmo tempo a diminuir a taxa do lucro e a afrouxar o movimento desta baixa.
Se for imposto a um operário o trabalho que racionalmente exigiria dois operários e se este facto se produzir em tais condições que este operário único tem de substituir três, claramente que ele produz sobretrabalho correspondente a dois ou três operários e a taxa da mais-valia aumenta proporcionalmente. Mas como não foi preciso esses operários, um só não fornece tanto como eles e assim a massa de mais-valia tem de baixar; baixa esta que é porém compensada ou limitada pela subida da taxa de mais-valia. Se toda a população proletária fosse ocupada a esta nova taxa de mais-valia, a massa de mais-valia aumentaria, embora a população permanecesse a mesma; com mais fortes razões, se a população aumentar. E, embora este facto se alie a uma diminuição relativa do número de operários com relação à grandeza do capital total, esta diminuição será atenuada pelo acréscimo da taxa de mais-valia.
Antes de terminar este ponto, é oportuno sublinhar mais uma vez que, para um capital de uma dada grandeza, a taxa de mais-valia pode elevar-se embora a massa baixe, e inversamente. A massa de mais-valia é igual à taxa multiplicada pelo número de operários; a taxa nunca é calculada sobre o capital total, mas apenas sobre o capital variável e calcula-se realmente por dia de trabalho. Pelo contrário, para um valor-capital de uma dada grandeza, a taxa de lucro nunca pode subir ou baixar sem que suba ou baixe também a massa da mais-valia.
II – Redução do salário abaixo do seu valor
Só mencionamos este facto empiricamente porque nada tem a ver com a análise geral do capital; faz parte do estudo da concorrência que não tratamos agora. É todavia uma das causas mais importantes que entravam a tendência para a baixa da taxa de lucro.
III – Baixa de preço dos elementos do capital constante
Tem aqui lugar tudo o que se disse na 1.ª secção deste volume sobre as causas que aumentam a taxa de lucro, permanecendo a taxa de mais-valia constante ou independente daquela, sobretudo o facto de o valor do capital constante não aumentar na mesma proporção que o seu volume material. A quantidade de algodão que trata um operário de fiação numa fábrica moderna aumentou numa proporção colossal com relação à que trataria um operário antigo. Mas o valor do algodão não aumentou na mesma proporção da sua massa. O mesmo se pode dizer sobre máquinas e outro capital fixo.
Em resumo, a mesma evolução, que faz aumentar a massa do capital constante com relação ao capital variável, faz baixar o valor dos seus elementos devido ao acréscimo da produtividade do trabalho, e impede assim que o valor do capital constante, que no entanto aumenta sem cessar, aumente na mesma proporção que o seu volume material (isto é, que o volume material dos meios de produção postos em acção pela mesma quantidade da força de trabalho). Num ou noutro caso, a massa dos elementos do capital constante pode até aumentar, ao passo que o seu valor permanece imutável ou até mesmo baixa.
IV – Depreciação do capital existente
A depreciação do capital existente (isto é, dos seus elementos materiais), que resulta do desenvolvimento industrial, liga-se ao que precede. É também uma das causas constantes que entravam a baixa da taxa de lucro, embora seja em certos casos susceptível de reduzir a massa de lucro pela redução da massa do capital produtivo de lucro. Também aqui se vê que as mesmas causas, que engendram a tendência para a baixa da taxa de lucro, moderam igualmente a realização desta tendência.
V – Sobrepopulação relativa
A criação de sobrepopulação é inseparável do desenvolvimento da produtividade do trabalho, que se traduz pela baixa da taxa de lucro, enquanto o desenvolvimento dessa produtividade a acelera. A sobrepopulação relativa é tanto mais chocante num país quanto mais desenvolvido for o modo de produção capitalista; é também a razão por que, em numerosos ramos da produção, subsiste uma subordinação, em grau maior ou menor, do trabalho ao capital; esta subsiste mais tempo do que parece à primeira vista implicar o estado geral do desenvolvimento; e é assim porque existe uma quantidade de assalariados disponíveis que se podem adquirir a baixo preço e porque muitos sectores da produção, pela sua natureza, opõem maior resistência do que outros à transformação do trabalho manual em trabalho mecânico.
Por outro lado, criam-se novos ramos de produção destinados sobretudo ao consumo de luxo, que têm precisamente por base a sobrepopulação relativa, libertada muitas vezes por uma preponderância do capital constante noutros sectores; e, por sua vez, estes sectores assentam num predomínio do elemento do trabalho vivo e só pouco a pouco é que vão sofrer a mesma evolução dos outros ramos de produção. Nos dois casos, o capital variável açambarca uma proporção considerável do capital total e o salário situa-se abaixo da média, de modo que a taxa e a massa da mais-valia são extraordinariamente elevadas nestes ramos de produção. Ora, como a taxa de lucro geral é constituída por igual repartição das taxas de lucro entre os ramos particulares de produção, ainda desta vez a mesma causa que fez surgir a tendência para a baixa da taxa de lucro suscita um contrapeso que paralisa mais ou menos o efeito desta tendência.
VI – Comércio externo
Como o comércio exterior faz baixar o preço dos elementos do capital constante e das subsistências necessárias em que se converte o capital variável, tem por efeito fazer subir a taxa de lucro, elevando a taxa da mais-valia e abaixando o valor do capital constante. De maneira geral, o objectivo é o alargamento da escala da produção. Assim, o comércio exterior acelera por um lado a acumulação, mas por outro também a queda do capital variável com relação ao capital constante e por isso a baixa da taxa de lucro. Igualmente, a extensão do comércio exterior, que era a base do modo de produção capitalista no seu início, tornou-se seu resultado à medida que progredia a produção capitalista, em razão da necessidade de dispor de um mercado sempre mais extenso. Aqui se verifica de novo a mesma ambivalência do efeito. (Ricardo nada viu sobre este aspecto do comércio exterior).
Eis outra pergunta que, pelo seu carácter especial, ultrapassa por assim dizer os limites do nosso estudo: será a taxa de lucro geral aumentada pela taxa de lucro mais elevada que rende o capital investido no comércio externo e sobretudo no comércio colonial?
Capitais investidos no comércio externo são capazes de dar uma taxa de lucro mais elevada porque se entra em concorrência com países cujas facilidades de produção mercantil são menores, de modo que o país mais adiantado vende as suas mercadorias acima do seu valor, embora as ceda mais barato do que os países concorrentes. Na medida em que o trabalho do país mais evoluído é posto em valor como trabalho de peso específico mais elevado, a taxa de lucro aumenta, sendo vendido o trabalho que não é pago como trabalho de qualidade superior. Pode ter-se a mesma situação com relação ao país para onde se expedem e de onde se recebem mercadorias, aquele que fornece mais trabalho materializado no estado natural do que recebe e, apesar de tudo, obtém a mercadoria mais barata do que ele mesmo a poderia produzir.
O mesmo se daria com um fabricante que, utilizando uma nova invenção antes da sua generalização, vendesse mais barato que os seus concorrentes e, contudo, acima do valor individual da sua mercadoria, isto é, pusesse em valor, como sobretrabalho, a produtividade especificamente superior do trabalho que empregasse; desta maneira realizaria um sobrelucro.
Quanto aos capitais investidos nas colónias, são capazes de render taxas de lucro mais elevadas porque, devido ao menor desenvolvimento, a taxa de lucro é de maneira geral mais elevada; e também devido à escravatura, à servidão, à exploração do trabalho.
Mas não se vê porque estas taxas de lucro mais elevadas, produzidas por capitais investidos em certos ramos e que eles transformam nos seus países de origem, não deveriam entrar, caso não houvesse o obstáculo dos monopólios, no sistema de igual repartição da taxa de lucro geral e não o aumentaria proporcionalmente. Não se vê porque não deveria ser assim, sobretudo porque os sectores de investimento de capitais estão sujeitos às leis da concorrência livre. Mas Ricardo coloca diante dos olhos a seguinte operação imaginária: graças ao preço mais elevado obtido no estrangeiro, compram-se ali mercadorias que, uma vez na metrópole, são vendidas no mercado interno; daqui pode resultar, mas só por algum tempo, uma posição particularmente vantajosa dessas esferas da produção, favorecidas com relação às outras. Esta miragem dissipa-se desde que se abstraia da forma monetária da troca. O país favorecido recebe em troca mais trabalho do que deu, embora esta diferença, este excesso (como em geral na troca entre capital e trabalho), seja metida ao bolso por uma classe. Portanto, se a taxa de lucro for mais elevada, porque assim é em geral no país colonial, este facto pode, se as condições naturais forem favoráveis, ir a par com a baixa de preço das mercadorias. Produz-se uma repartição igual, mas não ao nível antigo, como pensava Ricardo.
Mas o comércio externo favorece na metrópole o desenvolvimento do modo de produção capitalista e provoca assim a redução do capital variável com relação ao capital constante. E cria, por outro lado, com relação ao estrangeiro, uma sobreprodução, e acabará de novo por agir em sentido oposto.
Vemos assim que, em geral, as mesmas causas que provocam a baixa da taxa de lucro geral suscitam efeitos contrários que travam, afrouxam e paralisam parcialmente esta baixa. Não suprimem a lei mas enfraquecem o seu efeito. Caso assim não fosse, não seria a baixa da taxa de lucro geral que seria incompreensível, mas, inversamente, a lentidão relativa dessa baixa. É assim que a lei só actua sob a forma de tendência, cujo efeito só aparece de forma chocante em determinadas circunstancias e em longos períodos de tempo.
Antes de continuar, para evitarmos mal-entendidos, queremos ainda lembrar duas proposições já por várias vezes desenvolvidas.
Primeira: o mesmo processo que, na evolução do modo de produção capitalista, produz mercadorias a preços cada vez mais baixos, provoca uma alteração na composição orgânica do capital social empregado na produção dessas mercadorias e, por isso, a queda da taxa de lucro. É pois indispensável não confundir a diminuição do custo relativo da mercadoria, e até da parte desse custo que compreende o desgaste da aparelhagem, com o acréscimo do valor do capital constante comparado com o capital variável, embora, inversamente, qualquer diminuição de custo relativo do capital constante – permanecendo imutável o volume dos seus elementos materiais, ou até aumentando – seja um factor de subida da taxa de lucro, isto é, actue no sentido de uma diminuição correspondente do valor do capital constante, relativamente ao capital variável empregado em proporção cada vez mais fraca.
Segunda: nas mercadorias cuja totalidade abrange o produto do capital, o trabalho adicional vivo que elas contêm está em proporção decrescente com relação às matérias-primas tratadas e aos meios de trabalho que foram consumidos na produção. É pois uma quantidade cada vez mais fraca de trabalho vivo adicional que está nelas materializado, porque, com o desenvolvimento da produtividade social, a produção requer menos trabalho. Ora este facto não afecta a relação segundo a qual o trabalho vivo que a mercadoria contém se reparte em trabalho pago e não pago; antes pelo contrário, embora diminua a quantidade total de trabalho adicional vivo que ela contenha, a fracção que não é paga aumenta com relação àquela que é paga, por uma diminuição absoluta ou proporcional desta; porque o modo de produção que reduz a massa total de trabalho vivo acrescentado a uma mercadoria, é acompanhado de uma alta da mais-valia absoluta e relativa. A tendência de queda da taxa de lucro alia-se a uma subida tendencial da taxa de mais-valia, isto é, do grau de exploração do trabalho.
Não há maior insensatez do que explicar a queda da taxa de lucro por uma alta da taxa de salário, embora este caso possa dar-se excepcionalmente. Só compreendendo antes as condições que criam a taxa de lucro, se poderá depois, graças às estatísticas, estabelecer análises reais da taxa do salário em diferentes épocas e em diferentes países. A taxa de lucro não baixa porque o trabalho se torna menos produtivo, mas sim porque se torna mais produtivo. Os dois fenómenos – alta da taxa de mais-valia e baixa da taxa de lucro – são apenas formas particulares que, em regime capitalista, exprimem o acréscimo da produtividade do trabalho.
VII – Aumento do capital por acções
Aos seis pontos anteriores, pode ainda juntar-se o seguinte que no entanto não podemos aprofundar por agora. À medida que progride a produção capitalista, que vai de par de mais rápida acumulação, uma parte do capital já só é empregada como capital produtor de juros. Não no sentido vulgar – que todo o capitalista se contenta com os juros quando empresta capital, enquanto o capitalista industrial embolsa o seu lucro. Este facto, ao nível da taxa de juro geral, não interessa, porque o lucro é igual ao juro, como o lucro de qualquer tipo, como a renda, e a sua distribuição entre estas categorias é indiferente para o capitalista. Mas estes capitais, embora colocados em grandes empresas produtivas, não fornecem, feita a dedução de todos os gastos, mais do que juros maiores ou menores, os chamados dividendos. Não entram no sistema de igual repartição da taxa de lucro geral, porque rendem uma taxa de lucro inferior à taxa média; se nela entrassem, esta taxa desceria ainda muito mais. Sob um ponto de vista teórico, obtém-se uma taxa de lucro inferior à que parece existir e que determina realmente os capitalistas, porque é nestas empresas que o capital constante é mais elevado relativamente ao capital variável.
(Cap XV)
Capítulo XIII
Natureza da lei
Para um salário e dia de trabalho determinados, um capital variável, por exemplo de 100, representa a colocação no trabalho de um certo número de operários. Suponhamos que 100 libras é o salário de 100 operários por semana. Se estes 100 operários realizarem tanto trabalho para eles (isto é, para reproduzir o seu salário) como para o capitalista (isto é, para produzir mais-valia), o valor total que produzem será de 200£ e a mais-valia será de 100£. A taxa de mais-valia será pl/v= 100%. Mas, como vimos, esta taxa de mais-valia traduz-se por taxas de lucro muito diferentes, consoante o volume do capital constante c, portanto consoante o capital total C. A taxa de lucro é igual a pl/C.
Para uma taxa de mais-valia de 100%
se c= 50, v=100; p´=100:150= 66 2/3%
se c=100, v=100; p´=100:200= 50%
se c=200, v=100; p´=100:300= 33 1/3%
se c=300, v=100; p´=100:400= 25%
se c=400, v=100; p´=100:500= 20%
Permanecendo o mesmo grau de exploração, a mesma taxa de mais-valia traduzir-se-ia por uma taxa de lucro em decréscimo, porque o volume de valor do capital constante e, por isso, o conjunto do capital, cresce com o seu volume material, mesmo que o aumento não seja proporcional.
Se, além disto, admitirmos que esta modificação gradual da composição do capital não se produz apenas em esferas isoladas de produção mas que se encontra mais ou menos em todos (ou pelo menos nas esferas-chave da produção) e que traz modificações na composição orgânica média do conjunto do capital, será preciso que o acréscimo progressivo de capital constante com relação ao capital variável tenha como resultado uma baixa gradual da taxa de lucro, permanecendo a mesma a taxa de mais-valia ou ainda o grau de exploração do trabalho pelo capital restante.
Mostrámos que uma lei do modo de produção capitalista é esta: à medida que a produção se desenvolve, produz-se uma diminuição relativa do capital variável com relação ao capital constante, e, portanto, ao capital total posto em movimento. O que significa simplesmente: o mesmo número de operários, a mesma quantidade de força de trabalho, que fazia trabalhar um capital variável com um dado volume de valor, porá em movimento, no mesmo lapso de tempo, devido ao desenvolvimento dos métodos próprios da produção capitalista, uma quantidade sempre maior de meios de trabalho, de máquinas e de capital fixo de toda a espécie, tratará e consumirá produtivamente uma quantidade sempre maior de matérias-primas e auxiliares – por consequência, fará funcionar um capital constante de um volume de valor em perpétuo aumento.
A diminuição progressiva, relativa, do capital variável com relação ao capital constante – e, por isso, ao capital total – é idêntica ao crescimento progressivo da composição orgânica do capital social médio. É afinal uma outra maneira de exprimir o progresso da força produtiva social do trabalho que se traduz precisamente por este facto: utilizando mais máquinas, empregando mais capital fixo, o mesmo número de operários pode transformar em produtos maior quantidade de matérias-primas e auxiliares num mesmo lapso de tempo – isto é, com menos trabalho. A este acréscimo de volume do valor do capital constante – embora só traduza muito aproximadamente o acréscimo da massa real dos valores de uso que, materialmente, constituem este capital – corresponde uma diminuição crescente do custo do produto.
Com efeito, qualquer produto individual, considerado à parte, contém uma soma de trabalho menor do que a contida em estádios inferiores da produção, quando o capital desembolsado em trabalho era muito maior, proporcionalmente ao investido em meios de produção.
Assim, o quadro acima estabelecido como hipótese traduz bem a tendência real da produção capitalista. À medida que diminui progressivamente o capital variável com relação ao capital constante, eleva-se cada vez mais a composição orgânica do conjunto do capital, e a consequência imediata é que a taxa de mais-valia se traduz por uma taxa de lucro geral em baixa contínua, ficando sem mudança ou até aumentando o grau de exploração do restante trabalho.
(Veremos mais adiante porque é que esta baixa não se manifesta sob forma absoluta, mas sim sob forma de tendência para uma baixa progressiva.)
A tendência progressiva para a baixa da taxa geral de lucro é própria do modo de produção capitalista e exprime o progresso da produtividade social do trabalho. Decerto que poderia haver outras razões para uma baixa passageira da taxa de lucro, mas provámos que o progresso da produção capitalista implica necessariamente que a média taxa geral de mais-valia se traduz por uma baixa da taxa de lucro geral; é uma necessidade evidente que deriva da essência do modo de produção capitalista. Ao diminuir sem cessar a massa do trabalho vivo com relação à massa do trabalho materializado que põe em movimento, a fracção não paga deste trabalho vivo, que se concretiza em mais-valia, vê diminuir sem cessar a sua relação para o volume de valor do capital total; e esta relação da massa de mais-valia para o valor do capital total empregado constitui a taxa de lucro; esta baixa portanto continuamente.
Por mais simples que pareça esta lei, nenhum economista conseguiu, até hoje descobri-la, como veremos. Ao verificar o fenómeno, os economistas torturaram o espírito para chegarem a explicações contraditórias. Dada a importância desta lei para a produção capitalista, pode dizer-se que é o mistério cuja solução preocupa toda a economia política desde Adam Smith. E o que distingue as diversas escolas desde Smith é a diferença nas tentativas para chegar a uma solução. Mas se reflectirmos que a economia política andou às apalpadelas à roda da distinção entre capital constante e capital variável, sem nunca chegar a formulá-la com precisão, e que nunca apresentou a mais-valia separada do lucro, que o próprio lucro nunca foi por ela apresentado na sua pureza, distinguindo-o dos seus componentes promovidos à autonomia – lucro industrial, lucro comercial, juros, renda –, que nunca analisou a fundo as diferenças na composição orgânica do capital, como nunca analisou a fundo a formação da taxa de lucro geral – então já não há mistério algum no facto de lhe ter sempre escapado a solução deste enigma.
É de propósito que expomos esta lei antes de explicar como é que o lucro se decompõe em diferentes categorias promovidas respectivamente à autonomia. Porque esta exposição não depende dessa divisão do lucro em diversos elementos que cabem a diferentes categorias de pessoas, isto prova desde sempre que a lei, na sua generalidade, é independente de tal divisão e das relações recíprocas que regem as categorias de lucro dela resultantes. O lucro de que tratamos é simplesmente um outro nome da mais-valia, estudada na sua relação com o capital total, em vez de o ser na relação com o capital variável que lhe dá origem. A baixa da taxa de lucro traduz portanto a baixa da relação da própria mais-valia para o conjunto do capital adiantado e é por isso independente de qualquer repartição dessa mais-valia – seja qual for – entre categorias diferentes de beneficiários.
Vimos que, em certo nível do desenvolvimento capitalista, quando a composição do capital c com relação a v estava na proporção de 50 para 100, uma taxa de mais-valia de 100% traduzia-se por uma taxa de lucro de 66 2/3%; e vimos que, em nível mais elevado, quando a relação c:v era 400:100, a mesma taxa de mais-valia traduzia-se por uma taxa de lucro de 20% apenas. O que se aplica a diversos estádios sucessivos de desenvolvimento num país, pode aplicar-se também a diferentes estádios de desenvolvimento que existam simultânea e paralelamente em países diferentes. Num país não desenvolvido, em que a primeira composição do capital representa a média, a taxa de lucro geral seria de 66 2/3%, ao passo que seria de 20% num país em que produção estivesse em estádio muito mais elevado.
Poderia haver supressão e até reviravolta no desvio que separa as duas taxas nacionais de lucro se, no país menos desenvolvido, o trabalho fosse menos produtivo, se maior quantidade de trabalho se traduzisse por menor quantidade da mesma mercadoria, maior valor de troca por menor valor de uso; portanto, o operário deveria consagrar maior parte do seu tempo à reprodução dos seus próprios meios de subsistência ou do valor deles, e menor fracção à criação de mais-valia; forneceria menos sobretrabalho, de forma que a taxa de mais-valia seria mais baixa. Na hipótese do exemplo dado, se um operário trabalhasse no país menos desenvolvido 2/3 do dia para ele e 1/3 para o capitalista, a mesma força de trabalho seria paga por 133 1/3 e só forneceria um excedente de 66 2/3. Ao capital variável de 133 1/3 corresponderia um capital constante de 50. A taxa de mais-valia seria então de 66 2/3:133 1/3=50% e a taxa de lucro seria de 66 2/3:183 1/3=36,5% aproximadamente.
Até ao presente, ainda não estudámos os diversos elementos que nasceram da divisão do lucro; por isso evitaremos qualquer mal-entendido. Quando se comparam países de diferentes níveis de desenvolvimento – em particular países de desenvolvida produção capitalista – com outros em que o trabalho não está ainda formalmente sujeito ao capital, embora na realidade o operário seja explorado pelo capitalista (por exemplo na Índia onde o operário trabalha como camponês independente, a sua produção como tal não está ainda sujeita ao capital e, portanto, o usurário pode subtrair-lhe, sob forma de juros, não só todo o seu sobretrabalho mas até – para falar na linguagem do capitalista – uma parte do seu salário) seria grave erro querer medir a taxa de lucro nacional pelo nível da taxa nacional do juro. O juro inclui todo o lucro e até mais, em vez de exprimir apenas, como é o caso nos países de desenvolvida produção capitalista, uma parte alíquota da mais-valia ou do lucro produzidos; por outro lado, neste caso é exercida uma influência predominante sobre a taxa do juro por condições (empréstimos dos usurários aos grandes proprietários detentores de rendas) que nada têm a ver com o lucro e só indicam, pelo contrário, em que proporção e como, o usurário se apropria da renda.
Nos países em que o desenvolvimento da produção capitalista se situa em níveis desiguais e, por isso, a composição orgânica dos capitais é diferente, a taxa de mais-valia (um dos factores que determinam a taxa de lucro) pode ser mais elevada num país em que o dia de trabalho normal seja mais curto do que naquele em que seja mais longo. Em primeiro lugar se, em razão da sua maior intensidade, o dia de trabalho de 10 horas na Inglaterra for igual a um dia de trabalho de 14 na Áustria, sendo a mesma a repartição do dia de trabalho, 5 horas de sobretrabalho na Inglaterra pode representar no mercado mundial um valor superior a 7 horas na Áustria. Em segundo lugar, pode acontecer que, na Inglaterra, uma porção do dia de trabalho maior do que na Áustria constitua sobretrabalho.
A lei da baixa da taxa de lucro, que traduz manutenção da taxa de mais-valia ou até uma alta desta, significa por outros termos: sendo dada uma certa quantidade de capital social médio, por exemplo um capital de 100, a fracção deste que representa meios de trabalho não deixa de crescer e a que representa trabalho vivo não deixa de diminuir. Mas, como a massa total do trabalho vivo acrescido dos meios de produção baixa com relação ao valor deles, o trabalho não pago e a porção de valor que o representa baixam também com relação ao valor do capital total adiantado. Ou ainda: uma parte alíquota cada vez mais pequena do capital total investido converte-se em trabalho vivo; e este capital total absorve sempre menos sobretrabalho, proporcionalmente à sua grandeza, embora a relação entre trabalho pago e não pago venha a aumentar no mesmo tempo, o que é possível. Esta diminuição e este aumento relativos do capital variável e do capital constante – aumentando ambos aliás em valor absoluto – são apenas uma nova maneira de exprimir o aumento da produtividade do trabalho.
Suponhamos um capital de 100, composto de 80c+20v, este último termo igual a 20 operários. Seja uma taxa de mais-valia de 100%, o que significa que o operário trabalha para si meio dia e outro meio para o capitalista. Suponhamos que, num país menos desenvolvido, este capital é de 20c+80v em que este último termo significa 80 operários. Mas estes operários necessitam de 2/3 do dia de trabalho para eles e só trabalham 1/3 do tempo para o capitalista. Mantendo constantes todos os outros factores, os operários, no primeiro caso, produzirão um valor de 40 e, no segundo caso, de 120. O primeiro capital produz 80c+20v+20pl=120; taxa de lucro de 20%; o segundo, 20c+80v+40pl=140; taxa de lucro de 40%. Esta taxa é portanto dupla da primeira, embora no primeiro caso a taxa de mais-valia tenha sido de 100%, dupla do segundo em que só atingia 50%. Pelo contrário, um capital da mesma grandeza apropria-se do sobretrabalho de 20 operários no primeiro caso e de 80 no segundo.
A lei da baixa progressiva da taxa de lucro, ou diminuição relativa do sobretrabalho, de que se apropria o capitalista com relação à massa de trabalho materializado que o trabalho vivo põe em acção, não exclui de forma nenhuma que a massa de trabalho posta em movimento e explorada pelo capital social aumente em grandeza absoluta e não possa, por isso, aumentar a massa de sobretrabalho de que este se apropria; também não exclui que os capitais colocados às ordens dos capitalistas individuais comandem uma massa crescente de trabalho, e por isso de sobretrabalho, podendo até este aumentar, ao passo que não cresce o número de operários colocados sob o látego daqueles.
Consideremos uma dada população proletária, dois milhões por exemplo; consideremos, além disso, como dadas a duração e a intensidade do dia médio de trabalho, assim como o salário e, por consequência, a relação do trabalho necessário para o sobretrabalho: o trabalho total destes dois milhões de operários, assim como o seu sobretrabalho que se exprime em mais-valia, produzirão sempre a mesma grandeza de valor. Mas à medida que aumenta a massa de capital constante que este trabalho põe em acção – fixo e circulante –, vê-se diminuir a relação entre esta grandeza de valor e o valor daquele capital que aumenta com a massa deste, mesmo que este aumento não seja proporcional. Esta relação (e por isso a taxa de lucro) baixa, embora como antes o capital comande a mesma porção de trabalho vivo e absorva a mesma quantidade de sobretrabalho.
Se esta relação for modificada, não será porque a massa de trabalho diminua, mas porque aumenta a massa do trabalho já materializado que ele põe em movimento. A diminuição é relativa e não absoluta e não tem nada a ver com a grandeza absoluta do sobretrabalho e do trabalho posto em movimento. A baixa da taxa de lucro provém de uma baixa puramente relativa e não absoluta do elemento variável do conjunto do capital, por comparação com o seu elemento constante.
O raciocínio é válido para uma dada massa de sobretrabalho e de trabalho, é válido também para o aumento do número dos operários e portanto, para o acréscimo de trabalho sob as ordens do capital, em geral, e da sua parte não paga, o sobretrabalho, em particular. Se a população proletária passar de 2 milhões para 3 milhões e se, de igual maneira, o capital variável (que é gasto com ela em salário) passar de 2 milhões para 3 milhões e, pelo contrário, o capital constante passar de 4 para 15 milhões, nas condições da nossa hipótese (dia de trabalho e taxa de mais-valia constantes) a massa de sobretrabalho – de mais-valia – aumentará metade (50%), de 2 para 3 milhões. Nem por isso, apesar do acréscimo de 50% da massa absoluta de sobretrabalho e portanto de mais-valia, a relação entre capital variável e o capital constante deixa de descer de 2:4 para 3:15 e a relação entre a mais-valia e o capital total estabelece-se como segue (em milhões):
I. 4c+2v+2pl; C=6, p’=33,333%
II. 15c+3v+3pl; C=18, p’=16,667%
Ao passo que a massa de mais-valia aumentou metade, a taxa de lucro já não é metade do que era anteriormente. Mas o lucro é apenas a mais-valia relacionada ao capital social e a massa do lucro, a sua grandeza absoluta, é por isso, sob o ponto de vista social, igual à grandeza absoluta da mais-valia. A grandeza absoluta do lucro, a sua massa total, teria portanto aumentado 50%, apesar de uma diminuição enorme da relação desta para o capital total adiantado (por outros termos, apesar da enorme baixa da taxa de lucro geral). O número de operários empregados pelo capital (portanto a massa absoluta de trabalho que põe em movimento, e daqui a massa de mais-valia que produz, e daqui a massa de lucro), podem aumentar progressivamente, apesar da baixa progressiva da taxa de lucro. Mas não basta dizer que pode ser assim; na base da produção capitalista, é preciso que assim seja – abstraindo de passageiras oscilações.
Por essência, o processo de produção capitalista é, ao mesmo tempo, processo de acumulação. Já se mostrou que, à medida que progride a produção capitalista, a massa de valor tem de ser obrigatoriamente reproduzida, conservada, aumentada com o desenvolvimento da produtividade do trabalho, mesmo que a força de trabalho utilizada permaneça constante. Mas o desenvolvimento da produtividade social aumenta ainda mais a massa de valores de uso produzida, da qual os meios de produção constituem uma parte. E o trabalho adicional, cuja apropriação permite reconverter em capital a riqueza acrescentada, depende não do valor mas da massa dos meios de produção (incluídas as subsistências), nada tendo o operário a ver, no processo de trabalho, com o valor, mas com o valor de uso dos meios de produção.
Quanto à própria acumulação, e à concentração do capital que vai a par, é só um meio material de aumentar a força produtiva. Ora este aumento dos meios de produção implica o aumento da população operária; implica a criação de uma população de operários que corresponda ao excesso de capital e de maneira que, na totalidade, ultrapasse sem cessar as suas necessidades; implica portanto sobrepopulação operária.
Um excedente momentâneo de capital, com relação à população operária que ele faz trabalhar, teria um duplo efeito: por um lado, pela subida de salário provocaria a mitigação das condições dizimadoras e até aniquiladoras da progenitura dos operários e fomentaria os casamentos, fazendo aumentar gradualmente a população operária; por outro lado, o emprego dos métodos criadores de mais-valia relativa (introdução e aperfeiçoamento de máquinas), criando muito mais rapidamente ainda, de maneira artificial, uma sobrepopulação relativa que, por sua vez, constituiria terreno favorável a uma multiplicação rápida da população – porque, em regime de produção capitalista, a miséria faz nascer gente.
Da natureza do processo de acumulação capitalista – simples fase do processo de produção capitalista – resulta muito naturalmente que a massa acrescida de meios de produção destinados a serem convertidos em capital tem sempre à mão uma população operária explorável cujo aumento corresponde ao seu e até o ultrapassa. À medida que progridem os processos de produção e de acumulação, é preciso portanto que cresça a massa de sobretrabalho apropriável e apropriado e, por consequência, a massa absoluta do lucro de que se apropria o capital social. Mas estas mesmas leis que regem a produção e a acumulação fazem aumentar com a sua massa o valor do capital constante, segundo uma progressão crescente mais rápida do que a do capital variável convertido em trabalho vivo. Portanto, são as mesmas leis que provocam para o capital social uma subida absoluta da massa de lucro e uma baixa da taxa de lucro.
Abstrai-se completamente de a mesma grandeza de valor representar uma proliferação de valores de uso e de prazeres que aumenta progressivamente à medida que progride a produção capitalista, com o desenvolvimento correspondente da produtividade do trabalho social, à medida que se multiplicam os ramos de produção e portanto os produtos.
O desenvolvimento da produção e acumulação capitalistas determina processos de trabalho em escala e em dimensões cada vez maiores e, por isso, adiantamentos de capital crescentes em cada estabelecimento particular. Uma crescente concentração de capitais (acompanhada, ao mesmo tempo, embora em menor grau, por um aumento do número de capitalistas) é pois, paralelamente, uma das condições materiais e um dos resultados daquele desenvolvimento. A par destes fenómenos, agindo sobre eles e sofrendo-lhes a acção, produz-se uma expropriação progressiva dos produtores directos ou indirectos. Compreende-se então que os capitalistas individuais comandem exércitos de trabalhadores em crescente aumento (por mais forte que seja para eles a diminuição do capital variável com relação ao capital constante), que aumente a massa de mais-valia (e portanto do lucro) de que eles se apropriam, simultaneamente com a baixa das taxas de lucro e apesar dessa baixa. São precisamente as mesmas causas que concentram exércitos massivos de trabalhadores sob o comando dos capitalistas, que fazem dilatar em proporção crescente a massa do capital fixo utilizado e das matérias-primas e auxiliares com relação à massa do trabalho vivo, igualmente utilizado.
Além disto, basta mencionar que, para uma dada população operária, se a taxa de mais-valia aumenta, quer pelo prolongamento do dia de trabalho, quer pela intensificação deste, quer por uma diminuição de valor do salário, resultante do desenvolvimento da força produtiva do trabalho, a massa da mais-valia (e portanto a massa absoluta do lucro) têm de aumentar necessariamente, apesar da diminuição relativa do capital variável com relação ao capital constante.
Este mesmo desenvolvimento da produtividade do trabalho social, estas mesmas leis que se manifestam na baixa relativa do capital variável, comparado com o capital total, e na acumulação que por isso se encontra acelerada, ao passo que, por outro lado, por um choque de retorno, esta acumulação constitui o ponto de partida de um novo acréscimo de força produtiva e de uma nova baixa relativa do capital variável, este mesmo desenvolvimento (íamos dizendo) traduz-se – pondo de lado flutuações temporárias – pelo aumento crescente da massa total da força de trabalho empregada, pela subida crescente da massa absoluta da mais-valia e portanto do lucro.
Esta lei da dupla face, segundo a qual as mesmas causas provocam a diminuição da taxa de lucro e o aumento da massa absoluta de lucro, baseia-se no facto de, em dadas condições, aumentar a massa de sobretrabalho apropriada (portanto de mais-valia); e de lucro e mais-valia serem grandezas idênticas, considerando o conjunto do capital, ou o capital individual como simples parcela da totalidade do capital.
Consideremos a fracção alíquota do capital sobre a qual calculamos a taxa de lucro, por exemplo 100. Estes 100 representam a composição média do capital total, por exemplo 8oc+20v. Na segunda secção deste Volume já vimos que, nos diversos remos de produção, a taxa de lucro média não era determinada pela composição particular de cada capital, mas pela sua composição social média. A diminuição relativa da parte variável com relação à parte constante (portanto com relação ao capital total 100) provoca a baixa da taxa de lucro, ficando imutável a exploração do trabalho; provoca a baixa da grandeza relativa da mais-valia, isto é, da sua relação para o valor do capital total adiantado, 100.
Mas não é só esta grandeza relativa que baixa. A grandeza da mais-valia ou do lucro, absorvida pelo capital total 100, baixa em valor absoluto. Para uma taxa de mais-valia de 100%, um capital de 60c+40v produzirá mais-valia (portanto lucro) de 40; um capital de 70c+30v, um lucro de 30; com um capital de 80c+20v, o lucro desce para 20. Esta queda aplica-se à massa da mais-valia, e portanto ao lucro, e resulta do facto de o capital total 100 pôr em acção menos trabalho vivo em geral, se o grau de exploração ficar o mesmo, e porá também em acção menos sobretrabalho, produzindo portanto menos mais-valia. Se tomarmos como unidade de medida, para determinar a mais-valia, qualquer fracção alíquota do capital social, portanto do capital de composição orgânica social média – e sempre se faz isto quando se calcula o lucro – então haverá identidade entre a baixa relativa e a baixa absoluta da mais-valia. Nos casos pré-citados, a taxa de lucro baixa de 40% para 30% e 20% porque, de facto, a massa de mais-valia produzida pelo mesmo capital – e por consequência de lucro – desce em valor absoluto de 40 para 30 e para 20. Uma vez dada a grandeza de valor do capital com o qual se relaciona a mais-valia, suponhamos 100, qualquer diminuição da relação da mais-valia para esta grandeza invariável só pode ser uma outra forma de exprimir a baixa da grandeza absoluta da mais-valia e do lucro. Na realidade, trata-se de uma tautologia. Mas que há diminuição, isso resulta, como já demonstrámos, da natureza do desenvolvimento do processo de produção capitalista.
Por outro lado, as mesmas causas que produzem uma diminuição absoluta da mais-valia (e portanto do lucro) com relação a dado capital, e que, por consequência, fazem também baixar a taxa de lucro calculada em percentagem, provocam um acréscimo da massa absoluta da mais-valia (e portanto do lucro) de que se apropria o capital social (isto é, o conjunto dos capitalistas). Como é que esta lei irá então traduzir-se necessariamente, qual a sua única expressão possível, ou ainda, quais são as condições implicadas por esta contradição aparente?
A fracção alíquota 100 do capital social e qualquer fragmento de 100 unidades de um capital de composição orgânica social média, constituem uma dada grandeza; se para elas a diminuição da taxa de lucro coincide com a diminuição da grandeza absoluta deste, é precisamente porque o capital com o qual as relacionam e medem é uma grandeza constante; pelo contrário, a grandeza do capital social total, assim como a do capital que se encontra nas mãos dos capitalistas individuais, é uma grandeza variável que, para permanecer fiel às condições da nossa hipótese, tem que variar necessariamente na razão inversa da diminuição da fracção variável.
No primeiro exemplo, sendo a composição do capital 60c+40v, a mais-valia ou lucro é de 40 e a taxa de lucro é de 40%. Admitamos que neste estádio de composição o capital total era de um milhão. A mais-valia total (portanto o lucro total), elevar-se-ia a 400 000. Se mais tarde a composição do capital vier a ser de 80c+20v, para cada fracção de 100, a mais-valia ou lucro será de 20, permanecendo imutável o grau de exploração do trabalho. Mas a mais-valia ou lucro aumenta, como demonstrámos, apesar da baixa da taxa de lucro ou da produção da mais-valia, por fracção de capital de 100. Admitamos portanto que a massa de mais-valia tenha passado de 400 000 para 440 000; isto só foi possível porque, enquanto se estabelecia esta nova composição orgânica, aumentava simultaneamente o capital total, passando para 2 200 000. A massa do capital total posta em movimento elevou-se para 220%, ao passo que a taxa de lucro baixou 50%. Se o capital tivesse simplesmente duplicado, não teria podido produzir, com uma taxa de lucro de 20%, mais do que a massa de mais-valia ou lucro, igual à produzida pelo antigo capital de 1000 000 à taxa de lucro de 40%. Se se tivesse elevado a menos do dobro, teria produzido menos mais-valia ou lucro do que antes o capital de 1000 000; este, na sua composição anterior, passaria de 1000 000 para 1100 000 e assim faria subir a mais-valia de 400 000 para 440 000.
Manifesta-se aqui a mesma lei que já explicámos: à medida que se produz a baixa relativa do capital variável (isto é, à medida que se desenvolve a força produtiva social do trabalho), é precisa uma quantidade cada vez maior de capital total para pôr em acção a mesma quantidade de força de trabalho e absorver a mesma de sobretrabalho. Logo, a possibilidade de um excedente relativo de população operária vai exactamente a par do desenvolvimento da produção capitalista. A causa disto não é uma diminuição mas um aumento da força produtiva do trabalho social; este facto não resulta portanto de uma absoluta desproporção entre o trabalho e os meios de existência ou os meios de produção desses meios, mas de um desequilíbrio gerado, proveniente da forma capitalista de exploração do trabalho, entre o crescimento do capital e a necessidade relativamente decrescente que tem de uma população crescente.
Se a taxa de lucro baixar 50%, será reduzida a metade. Para que a massa de lucro fique a mesma, é preciso que o capital duplique. Diminuindo a taxa de lucro, para que a massa de lucro fique imutável, é preciso que o multiplicador que indica o acréscimo do capital total seja igual ao divisor que indica a baixa da taxa de lucro. Quando a taxa de lucro desce de 40 para 20 é preciso que, inversamente, o capital aumente na proporção de 20 para 40, para que o resultado fique o mesmo. Se a taxa de lucro tivesse descido de 40 para 8, seria preciso que o capital aumentasse de 8 para 40, isto é que quintuplicasse. Um capital de 1000 000 à taxa de 40% produz 400 000 e um capital de 5000 000 a 8% produziria também 400 000: isto para que o resultado ficasse o mesmo; se tivesse de ser mais elevado, seria preciso que o capital aumentasse em proporção maior do que baixava a taxa de lucro.
Por outros termos: para que, em valor absoluto, o elemento variável do capital total não fique só o mesmo mas aumente, embora a sua percentagem como fracção do capital diminua, é preciso que o capital total, proporcionalmente, aumente mais do que baixa a percentagem do capital variável; é preciso que aumente a ponto de ter necessidade, na sua nova composição, para a compra da força de trabalho, não só da antiga parte de capital variável mas de uma quantidade ainda maior. Se a fracção variável de um capital de 100 descer de 40 para 20, é preciso que o capital total se eleve a mais de 200 para poder empregar um capital variável superior a 40.
Mesmo que a massa explorada da população proletária permanecesse constante – aumentando apenas a duração e a intensidade do dia de trabalho – seria preciso que aumentasse a soma do capital utilizado, quanto mais não fosse para empregar a mesma quantidade de trabalho nas antigas condições de exploração, quando se modificasse a composição do capital.
Portanto, à medida que progride o modo de produção capitalista, um mesmo desenvolvimento da produtividade social do trabalho exprime-se, por um lado, na tendência para uma baixa progressiva da taxa de lucro e, por outro lado, num acréscimo constante da massa absoluta da mais-valia ou do lucro de que se apropriam os capitalistas. De modo que, à baixa relativa do capital variável e do lucro, corresponde a uma alta absoluta de um e de outro. Este duplo efeito, já o demonstrámos, só se pode explicar por um acréscimo do capital total cuja progressão é mais rápida que a baixa da taxa de lucro.
Para empregar um capital variável que tenha aumentado absolutamente, no caso de uma composição orgânica mais elevada ou de um aumento relativo mais forte do capital constante, não basta que o capital total aumente proporcionalmente a esta composição mais elevada, é preciso que cresça ainda mais depressa. Daqui resulta o seguinte: à medida que se desenvolve o modo de produção capitalista, uma quantidade de capital cada vez maior é necessária para ocupar a mesma força de trabalho e ainda é preciso mais para uma força de trabalho em aumento. O acréscimo da produtividade do trabalho provoca portanto necessariamente um excedente permanente de população proletária. Se o capital variável só constituir 1/6 do capital total, contra ½ anteriormente, será preciso para ocupar a mesma força de trabalho que o capital triplique; mas se quisermos ocupar o dobro da força de trabalho, será preciso que o capital sextuplique.
Dizer que a massa do lucro é determinada por dois factores – taxa de lucro e massa de capital empregado a essa taxa – é pura tautologia. Por isso, pretender que a massa do lucro pode aumentar, embora a taxa de lucro baixe simultaneamente, é apenas uma forma dessa tautologia, que nada adianta. Porque também é possível que o capital aumente sem que aumente a massa de lucro e até pode aumentar enquanto ela baixa. 100 a 25% dá 25, mas 400 a 5% só dá 20. Mas se as mesmas causas que fazem baixar a taxa de lucro favorecem a acumulação, isto é, a constituição de capital adicional que põe em acção trabalho suplementar e produz um acréscimo de mais-valia; se, por outro lado, a simples baixa da taxa de lucro implica aumento do capital constante e, por isso, do capital total – então todo este processo deixa de ser misterioso. Ver-se-á mais tarde a que falsidades se recorreu para escamotear a possibilidade do acréscimo da massa do lucro, simultaneamente com a diminuição da sua taxa.
Mostrámos que as mesmas causas que produzem uma baixa tendencial da taxa de lucro geral provocam uma acumulação acelerada do capital e, por isso, um acréscimo da grandeza absoluta ou ainda da massa total do sobretrabalho (mais-valia, lucro) de que ele se apropria. Assim como todos os fenómenos se apresentam às avessas na concorrência e, por isso, na consciência dos agentes que nela participam, o mesmo sucede com esta lei – refiro-me à conexão interna e necessária entre duas coisas que na aparência se contradizem. Vê-se bem o exemplo das proporções já expostas que um capitalista, dispondo de um capital considerável, tirará dele uma quantidade de lucro superior à obtida por um pequeno capitalista que parece realizar lucros elevados.
O mais superficial exame dos fenómenos da concorrência mostra que, em certas circunstâncias, o grande capitalista, quando quer conquistar lugar no mercado e afastar os concorrentes de menor importância, por exemplo em períodos de crise, utiliza na prática este sistema: baixa voluntariamente a sua taxa de lucro para afastar as firmas de menor envergadura.
O capital comercial, como veremos mais tarde em pormenor, revela fenómenos que fazem aparecer uma baixa de lucro como consequência da extensão do negócio e portanto do capital. Daremos ulteriormente a formulação verdadeiramente científica deste erro de interpretação. Chega-se a considerações do mesmo género quando se comparam taxas de lucros realizados em ramos particulares, consoante esses negócios são submetidos ao regime da livre concorrência ou do monopólio. A representação que se alberga nos cérebros dos agentes da concorrência, encontramo-la em Roscher quando diz que a baixa da taxa de lucro é «mais inteligente e mais humana». A diminuição da taxa de lucro é uma consequência do aumento do capital e do cálculo dos capitalistas, corolário desse aumento. Sabe-se que a massa de lucro que metem ao bolso é mais elevada do que com uma taxa menor. O raciocínio (excepto em Smith, do qual falaremos mais tarde) assenta numa incapacidade total de compreender a própria natureza da taxa de lucro geral e na representação simplista de que os preços são na realidade determinados pela adição de uma certa quantidade mais ou menos arbitrária de lucro ao verdadeiro valor da mercadoria. Por muito ingénuas que sejam estas noções, nem por isso deixam de ter a sua origem na imagem invertida que dá a concorrência das leis imanentes da produção capitalista.
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A lei segundo a qual a baixa da taxa de lucro, provocada pelo desenvolvimento da força produtiva, é acompanhada de um aumento da massa de lucro, traduz-se também pelo seguinte facto: a baixa do preço das mercadorias produzidas pelo capital é acompanhada de um acréscimo relativo das massas de lucro que elas contêm e cuja venda permite realizar.
O desenvolvimento da força produtiva e a elevação correspondente da composição orgânica do capital permitem fazer funcionar uma quantidade cada vez maior de meios de produção com o auxílio de uma quantidade de trabalho cada vez menos, e qualquer parte alíquota do produto total, qualquer mercadoria considerada à parte, ou ainda qualquer porção determinada da massa total das mercadorias produzidas, absorve menos trabalho vivo e contem menos trabalho materializado, quer no desgaste do capital fixo utilizado, quer nas matérias-primas e auxiliares consumidas.
Toda e qualquer mercadoria contém pois uma soma menor, quer em trabalho materializado em meios de produção, quer em trabalho novamente acrescido durante a produção. Por consequência, baixa o preço de qualquer mercadoria considerada à parte.
No entanto, a massa de lucro contida em qualquer mercadoria pode aumentar, se a taxa da mais-valia absoluta ou relativa se eleva; contém menos trabalho novamente acrescido, mas a fracção de trabalho que não é paga aumenta com relação à que é paga. Mas isto só se dá dentro de certos limites. Com o desenvolvimento da produção, a soma de trabalho vivo, novamente acrescido a cada mercadoria, diminui absolutamente e esta baixa toma proporções tão consideráveis que faz baixar também, em valor absoluto, a massa de trabalho não pago contida na mercadoria, seja qual for o seu aumento com relação à fracção paga.
A massa de lucro por mercadoria reduz-se consideravelmente com o desenvolvimento da força produtiva do trabalho, apesar do aumento da taxa da mais-valia; e, como também sucede para a taxa de lucro, essa diminuição é apenas atenuada pela baixa de preço dos elementos do capital constante e pelas outras circunstâncias expostas na primeira secção deste Volume, que fazem subir a taxa de lucro para uma dada taxa de mais-valia ou mesmo que se verifique uma baixa desta.
Dizer que baixa o preço das mercadorias isoladas, cuja soma constitui o produto total do capital, quer dizer que uma dada quantidade de trabalho realiza-se em maior quantidade de mercadorias, portanto cada mercadoria contém menos trabalho que antes. O mesmo se dá quando aumenta o preço de um dos elementos do capital constante, como a matéria-prima, etc.. Com excepção de casos isolados (por exemplo, quando a produtividade do trabalho provoca uma baixa uniforme de todos os elementos do capital constante e variável), vamos dar as razões por que a taxa de lucro baixa, apesar da subida da taxa de mais-valia:
1) porque mesmo uma parte não paga maior, da quantidade total menor de trabalho recentemente adicionado, é menor do que uma alíquota menor porção não paga do antigo valor maior;
2) porque a composição superior do capital traduz-se da seguinte maneira: em qualquer mercadoria a porção de valor que representa, no fim de contas, trabalho novamente acrescentado, baixa com relação à porção que representa matéria-prima, matéria auxiliar e desgaste de capital fixo. Esta modificação da relação entre diferentes componentes do preço da matéria isolada – diminuição da fracção do preço que representa trabalho vivo novamente acrescentado e aumento dos elementos que exprimem trabalho materializado anteriormente – é, no preço da mercadoria, a expressão da baixa do capital variável relativamente ao capital constante.
Assim como esta diminuição é absoluta para uma dada unidade do capital, digamos 100, assim também o é para qualquer mercadoria tomada à parte, como fracção alíquota do capital reproduzido. Mas se a taxa de lucro for calculada simplesmente sobre os elementos do preço das mercadorias isoladas, apresenta-se de forma diferente à realidade. E isto pela seguinte razão:
A taxa de lucro é calculada sobre o capital total utilizado, mas durante um determinado tempo, por exemplo um ano. A relação entre a mais-valia (ou o lucro obtido e realizado durante um ano) e o capital total, calculado em percentagem, é a taxa de lucro. Esta não é necessariamente igual a outra taxa de lucro para cujo cálculo se tivesse tomado como base não o ano mas o período de rotação do capital: é só quando este capital efectua uma rotação num ano que os dois resultados coincidem.
Por outro lado, o lucro obtido no decorrer de um ano é apenas a soma dos lucros obtidos sobre as mercadorias produzidas e vendidas nesse ano. Se calcularmos o lucro com relação ao custo de produção de mercadorias, obteremos uma taxa de lucro p/pr (p é o lucro realizado no decorrer do ano e pr a soma dos custos de produção das mercadorias produzidas e vendidas no mesmo período). Torna-se evidente que esta taxa de lucro p/pr não pode coincidir com a taxa real de lucro p/C, massa de lucro dividida pelo capital total, a não ser que pr=C, isto é, que o capital efectue exactamente a rotação no ano.
Consideremos um capital industrial em três estados diferentes:
I. O capital de 8000 libras produz e vende por ano 5000 mercadorias a 30 xelins cada uma. Efectua portanto uma rotação anual de 7500 libras. Na mercadoria faz um lucro de 10 xelins por unidade, ou seja 2500 libras por ano. Em cada unidade de mercadoria há pois 20 xelins de adiantamento de capital e 10 xelins de lucro; a taxa de lucro por unidade é portanto 10/20=50%. Na soma das 7500 libras que efectuaram a rotação, há 5000 libras de capital adiantado e 2500 de lucro. A taxa de lucro com relação à soma em rotação p/pr também é igual a 50%. Pelo contrário, calculada sobre o capital total, a taxa de lucro é p/C=2500/8000=31,25%.
II. Admitamos que o capital passa para 10 000 libras e que devido a maior produtividade, é capaz de produzir por ano 10 000 mercadorias ao custo de produção de 20 xelins por unidade, as quais se vendem, com o lucro de 4, a 24 xelins cada unidade. O preço do produto anual será portanto de 12 000 libras, das quais 10 000 de capital adiantado e 2000 de lucro; p/pr é por unidade 4/20 e a rotação anual é de 2000:10 000=20%, valor igual nos dois casos. E como o capital total é igual à soma dos custos de produção, isto é, 10 000 libras, a taxa de lucro real é também desta vez, igual a 20%.
III. Suponhamos que, aumentando a força produtiva do trabalho, o capital se eleva a 15 000 libras e que produz agora 30 000 mercadorias ao custo de produção de 13 xelins por unidade, que são vendidas com o lucro de 2 xelins, a 15 xelins por unidade. A rotação anual é pois de 30 000X15 xelins=22 500 libras, 19500 das quais de capital adiantado e 3000 de lucro. Neste caso p/pr=2/13=3000/19500=15 5/13%. Pelo contrário, p/C é igual a 3000:15 000=20%.
Vemos portanto que só no caso II – valor-capital em rotação igual ao capital total – a taxa de lucro calculada por mercadoria isolada ou pela soma em rotação, é a mesma que a taxa de lucro calculada sobre o capital total. No caso I – soma em rotação inferior ao capital total – a taxa de lucro calculada sobre o custo de produção da mercadoria é mais elevada; no caso III – capital total inferior à soma em rotação – a taxa de lucro é mais baixa que a taxa de lucro real, calculada sobre o capital total. Geralmente, na prática comercial, não se calcula com exactidão a rotação. Admite-se que o capital efectuou uma rotação desde que a soma dos preços das mercadorias atinge a do capital total empregado. Mas o capital só pode ter realizado uma rotação completa quando a soma dos custos de produção das mercadorias realizadas iguala a soma do capital total.
Uma vez mais se verifica quão importante é, na produção capitalista, não estudar em si, isoladamente, como simples mercadoria, a mercadoria tomada à parte ou o produto-mercadoria de qualquer período, mas considera-las como produto do capital adiantado e com relação ao capital total que produz esta mercadoria.
Embora seja preciso calcular a taxa de lucro, comparando a massa da mais-valia produzida e realizada, não só com a porção consumida de capital que reaparece nas mercadorias, mas também com a porção não consumida de capital acrescida à consumida, sendo a não consumida utilizada e continuando a desempenhar a sua função na produção – a massa do lucro, por sua vez, só pode ser igual à massa de lucro (ou de mais-valia) contida nas próprias mercadorias e que será realizada pela sua venda.
Se a produtividade da indústria aumenta, o preço da mercadoria diminui, porque contém menos trabalho pago e não pago. Admitamos que o mesmo trabalho produz o triplo de produto; caberá portanto menos 2/3 de trabalho a cada produto considerado isoladamente. E como o lucro só pode constituir uma parte da quantidade de trabalho contida na mercadoria isolada, é consequência que diminua a massa do lucro por mercadoria; e isto acontece dentro de certos limites, mesmo que a taxa de mais-valia aumente.
Em caso algum, a massa de lucro relacionada com o produto total fica abaixo da massa de lucro primitiva, desde que o capital empregue a mesma quantidade anterior de operários e no mesmo grau de exploração. (Pode produzir-se o mesmo se se empregarem menos operários elevando o grau de exploração). A massa de lucro por produto diminui na mesma proporção em que aumenta o número de produtos. A massa do lucro permanece a mesma; simplesmente reparte-se de outro modo na soma das mercadorias; mas este facto nada altera quanto à distribuição, entre operários e capitalistas, da quantidade de valor criado pelo trabalho novamente acrescido.
Se se empregar a mesma quantidade de trabalho, a massa de lucro só pode aumentar quando aumentar o sobretrabalho não pago; ou (permanecendo o mesmo grau de exploração) quando for maior o número de operários; ou ainda, quando estes dois factores se conjugarem. Em todos estes casos – que, segundo a nossa hipótese, supõem que o capital constante aumenta com relação ao capital variável e que aumenta a grandeza do capital total utilizado – a mercadoria isolada contém menor quantidade de lucro e a taxa de lucro baixa. Uma quantidade de trabalho adicional traduz-se por maior quantidade de mercadorias. O preço de cada mercadoria diminui.
Teoricamente, quando baixa o preço das mercadorias, por causa do aumento da produtividade (e portanto da multiplicação simultânea das mercadorias obtidas a menor preço), a taxa de lucro pode ficar a mesma se, por exemplo, aquele aumento exerce uma acção simultânea e uniforme sobre todos os componentes das mercadorias, de modo que o preço total diminui na proporção em que aumenta a produtividade e, por outro lado, a relação recíproca dos diversos componentes do preço da mercadoria permanece a mesma. A taxa de lucro pode também elevar-se se a subida da taxa da mais-valia vai a par de uma importante diminuição do valor dos elementos do capital constante e, em particular, do capital fixo.
Na realidade, como já vimos, a taxa de lucro baixa com o decorrer do tempo. Em caso nenhum, a queda do preço da mercadoria permite, por si só, tirar uma conclusão quanto à taxa de lucro. Tudo depende da grandeza da soma total do capital empregado na produção da mercadoria. Suponhamos por exemplo que um metro de tecido baixa de 3 para 1 xelim e 2/3; se soubermos que, antes da baixa, havia 1 xelim 2/3 de capital constante, 2/3 de salário, 2/3 de lucro e, depois da baixa, 1 xelim de capital constante, 1/3 de salário, e 1/3 de lucro, nem por isso se fica a saber se a taxa de lucro continuou a mesma ou não. Isso depende de uma incógnita: é preciso saber se aumentou o capital total adiantado e quanto, e quantos metros a mais foram produzidos num determinado lapso de tempo.
Resulta da natureza do modo de produção capitalista que, quando a produtividade do trabalho aumenta, o preço de qualquer mercadoria considerada à parte ou de determinada quantidade de mercadoria diminui, o volume de mercadorias aumenta, a massa de lucro por mercadoria e a taxa de lucro com relação à soma das mercadorias diminuem, ao passo que aumenta a massa de lucro calculada sobre a soma total das mercadorias. Estes fenómenos manifestam-se superficialmente da maneira seguinte: baixa da massa de lucro por mercadoria, baixa do preço desta, acréscimo da massa de lucro calculada sobre o volume total aumentado das mercadorias. Destes factos deduz-se facilmente a ideia de que o capitalista reduz, porque esse é o seu prazer, a parte de lucro por mercadoria, mas desforra-se produzindo maior número de mercadorias. Esta concepção assenta na ideia do lucro na venda (profit upon alienation) que deriva do conceito do capital comercial.
Já vimos no Volume I, na quarta e sétima secções, que o acréscimo da massa de mercadorias e a produção mais barata da mercadoria isolada – resultados do aumento da produtividade do trabalho – não afectam directamente, apesar da baixa de preço, a relação entre o trabalho pago e o não pago na mercadoria (quando as mercadorias em causa não são um elemento determinante do preço da força de trabalho).
Na concorrência tudo se apresenta sob um falso aspecto, às avessas, e é por isso que ao capitalista lhe parece que:
1.º - diminui o lucro em cada mercadoria, baixando o preço desta, mas que faz um lucro mais elevado porque vende maior massa de mercadorias;
2.º - fixa o preço da mercadoria e determina o preço do produto total por multiplicação, quando a operação primitiva é uma divisão e a multiplicação só aparece em segundo lugar e só pode ser exacta sob condição de supor aquela divisão.
Na realidade, o economista vulgar só traduz em linguagem de aparência teórica, as representações bizarras do capitalista prisioneiro da concorrência; tenta generalizá-las e esforça-se por inventar provas sobre a correcção de tais ideias.
Mas, de facto, a baixa dos preços das mercadorias e a alta da soma de lucro, realizado sobre uma quantidade maior de mercadorias produzidas a custo mais barato, são apenas outra manifestação da lei da baixa da taxa de lucro que vai a par com o aumento da massa de lucro.
Não é ocasião para estudar agora até que ponto o abaixamento da taxa de lucro pode coincidir com a alta dos preços, assim como o ponto já examinado quando do estudo da mais-valia relativa. O capitalista que emprega métodos de produção mais aperfeiçoados, mas ainda não generalizados, vende abaixo do preço de mercado mas acima do seu preço pessoal de produção. Assim, a taxa de lucro aumenta para ele até que a concorrência compense esta vantagem; depois vem um período de equilíbrio durante o qual se produz o segundo fenómeno, o acréscimo do capital investido; consoante o grau desse acréscimo, o capitalista será então capaz de ocupar em novas condições uma parte dos operários que ocupava antes (até talvez a sua totalidade, ou ainda mais) e obter o mesmo lucro ou superior.
(Cap XIV)
Segundo parece, uma paragem passageira aconteceu na campanha do Loire. Esta acalmia proporciona-nos o vagar de confrontar os comunicados e as datas e de retirar destes materiais contraditórios e confusos uma exposição de acontecimentos reais, tão lúcida quanto possível nas circunstâncias actuais.
O exército do Loire iniciou a sua actividade, na qualidade de formação independente, em 15 de Novembro, data em que d’Aurelles de Paladines, comandava até então os 15º e 16º destacamento, foi promovido a chefe do novo exército. Não sabemos dizer quais as outras tropas que compunham ainda nessa época essa formação: esse exército recebia de facto contínuos reforços, pelo menos até ao fim de Novembro. Nessa altura compunha-se nominalmente pelos seguintes destacamentos: 15º (Pallières), 16º (Chanzy), 17º (Sonis), 18º (Bourbaki), 19º (Barral, segundo dados de origem prussiana) e 20º (Crouzat). Entre estes destacamentos o 19º nunca foi citado nas comunicações, tanto francesas como prussianas; não se poderia portanto supor que ele tivesse tomado parte nos combates. Para além destes destacamentos, havia ainda perto de Mans e no campo vizinho de Conlie o 21º destacamento (Jaurès) e o exército de Bretenha que, depois da demissão de Kératry, tinha sido igualmente confiado a Jaurès. Podemos acrescentar que no norte existe o 22º destacamento sob o comando de general Faidherbe, com Lille como base operacional. Não citamos na nossa enumeração o destacamento de cavalaria do general Michel, unido ao exército do Loire. Este destacamento, se bem que considerado muito numeroso, não pode ser classificado, em consequência da sua formação recente e dos seus elementos rudes, se não na cavalaria voluntária ou de amadores.
Este exército era constituído por elementos muito heterogéneos: desde os velhos soldados chamados novamente para as armas até aos recrutas inexperientes e aos voluntários que têm aversão a toda a disciplina; desde os sólidos batalhões como os Zuavos do papa até aos bandos que de batalhão não têm senão o nome. Se bem que tenha sido introduzida uma certa disciplina, o exército mostrava sempre no seu conjunto a impressão da extrema pressa que presidira à sua formação. «Se este exército tivesse ainda disposto de quatro semanas para a sua preparação, ter-se-ia tornado um adversário formidável», afirmavam os oficiais alemães que o tinham conhecido no campo de batalha. Descontando todos os recrutas inexperientes que não eram se não obstáculos, podemos considerar que os destacamentos de d’Aurelle (sem contar o 19º) contavam aproximadamente de 120 000 a 130 000 homens, dignos do nome de combatentes. As tropas concentradas perto de Mans podiam fornecer ainda 40 000 homens.
Estas forças tinham contra eles o exército do príncipe Frederico Carlos, que incluía as tropas do grão-duque de Mecklembourg; sabemos agora pelo capitão Hozier que provavelmente todas estas forças contavam no total menos de 90 000 homens. Mas graças à sua experiência militar, à sua organização e à direcção experimentada dos comandantes, estes 90 000 homens podiam travar combate com o dobro das tropas de categoria daquelas que se lhes opunham. Desta maneira as possibilidades eram quase iguais e, deste modo, prestava a maior honra ao povo francês que do nada formara em três meses um novo exército.
A campanha começa do lado dos franceses com o ataque contra von der Tann em Coulmiers e pela tomada de Orleães em 9 de Novembro. Em seguida o duque de Mecklembourg dirigiu-se em socorro de von der Tann, e as manobras de d’Aurelle em direcção de Dreux obrigam o duque de Mecklembourg a lançar todas as suas tropas nesta direcção e a marchar sobre Mans. Durante esta marcha as tropas irregulares francesas inquietaram os alemães como nunca o tinham feito no decorrer desta guerra. A população opunha a mais decidida resistência; os franco-atiradores atacavam as alas do inimigo; mas as tropas regulares restringiam-se a demonstrações e não aceitavam o combate. As cartas dos correspondentes alemães que acompanhavam o exército do duque de Macklembourg, o seu furor e a sua indignação contra estes malditos franceses, que aplicam obstinadamente na guerra os processos mais cómodos para eles e os menos cómodos para o adversário, são a melhor prova de que esta curta campanha nas proximidades de Mans foi magnificamente conduzida pelas forças defensivas. Os franceses obrigaram o duque de Mecklembourg a uma verdadeira caça aos patos selvagens, isto é, a perseguir um exército invisível e levaram-no assim até 25 milhas perto de Mans. Depois de ter avançado tanto, não ousou ir mais longe e voltou para o Sul. É provável que o plano inicial consistia evidentemente em infligir um terrível golpe no exército de Mans e em marchar em seguida para o Sul sobre Blois e contornar a ala esquerda do exército do Loire, enquanto que Frederico Carlos, chegado entretanto, tê-lo-ia atacado pela frente e por trás. Mas este plano malogrou-se como muitos outros posteriores. Abandonado o duque de Mecklembourg à sua sorte, d’Aurelle marchou contra Frederico Carlos, e em 24 de Novembro atacou diante de Ladon e Maizières o 10.º destacamento prussiano, e em 28, perto de Beaunela-Rolande, uma grande formação prussiana. É evidente que aqui d’Aurelle utilizou mal as suas tropas. Se bem que fosse a sua primeira tentativa para penetrar através do exército prussiano e abrir pela força caminho para Paris, ele não tinha sob o seu comando senão uma pequena parte das suas forças. Conseguiu apenas inspirara ao inimigo o respeito pelas suas tropas. Retirou-se para as posições fortificadas diante de Orleães e concentrou aí todas as suas tropas dispondo-as pela ordem seguinte, da direita para a esquerda: o 18.º destacamento na extrema-direita, em seguida os 20.º e 15.º, todos a Este do caminho de ferro Paris-Orleães; a Oeste desta linha o 16.º, e na extrema-esquerda o 17.º. se estas tropas tivessem sido concentradas a tempo, teriam podido, sem possibilidade de dúvidas, bater o exército de Frederico Carlos que contava então menos de 50 000 homens. Mas no momento em que d’Aurelle fortificava solidamente as suas posições, o duque de Mecklembourg dirigia-se novamente para o Sul e unia-se com a ala direita do exército do seu primo que assumiu a partir de então o comando. Os 40 000 soldados do duque de Mecklemboug participavam assim na ofensiva contra d’Aurelle, enquanto que o exército francês do Mans, satisfeito com a glória «de ter repelido» o inimigo ficava tranquilamente nos seus quartéis a cerca de 60 milhas do lugar onde se decidia a sorte da campanha.
Foi recebida em seguida a notícia inteiramente inesperada da saída de Trochu, em 30 de Novembro. Era preciso fazer um novo esforço para o suster. Em 1 de Dezembro d’Aurelle iniciou uma ofensiva geral contra os prussianos, mas era demasiado tarde. Enquanto que os alemães lhe opunham todas as suas tropas, o seu 18.º destacamento, na extrema-direita, parece ter sido enviado numa falsa direcção e nunca ter tomado parte nas acções militares. Desta maneira d’Aurelle não pôde combater senão com quatro destacamentos. Isto significa que as suas forças reais não tinham provavelmente senão uma muito ligeira superioridade numérica sobre os efectivos inimigos. Foi batido e, parece, julgou-se derrotado antes mesmo de o ser na realidade. É assim que se explica a indecisão de que fez prova logo que, depois de ter dado em 3 de Dezembro à tarde ordem para retirar e atravessar o Loire, anulou-a na manhã seguinte e decidiu defender Orleães. Sabe-se onde isto conduz: ordem, contra-ordem, desordem. Como a ofensiva prussiana estava concentrada junto da sua ala esquerda e do seu centro, é de crer que os dois destacamentos da ala direita, devido às ordens contraditórias que tinham recebido, perderam a linha de retirada para Orleães e atravessaram o rio, o 20.º destacamento em Jargeau e o 18.º ainda mais a Este, em Sully. Uma pequena fracção deste destacamento encontrou-se provavelmente ainda mais afastada para Este, porque foi sinalizada em 7 de Dezembro em Nevoy, próximo de Gien, pelo 3.º destacamento prussiano que a perseguiu em direcção a Briare, sempre sobre a margem direita do rio. Orleães caiu em 4 de Dezembro à tarde nas mãos dos alemães que organizaram imediatamente a perseguição às tropas francesas. Enquanto que o 3.º destacamento alemão devia subir pela margem direita do Loire, o 10.º foi enviado a Vierzon e as tropas do duque de Mecklemboug dirigiam-se sobre a margem direita, para Blois. Antes de alcançar esta cidade, os alemães foram encontrados diante de Beaugency por uma pequena parte do exército do Mans, que finalmente se uniu com as tropas de Chanzy e opôs uma resistência firme e em parte eficaz. Mas esta resistência foi logo despedaçada porque o 9.º destacamento prussiano marchava pela margem esquerda do rio para Blois, onde cortaria a Chanzy a via de retirada para Tours. Este movimento de contorno atingia o seu objectivo. Chanzy escapou ao perigo mas Blois caiu nas mãos do inimigo. O degelo e as fortes chuvadas tinham desfeito as estradas, o que fez parar a perseguição ulterior.
O príncipe Frederico Carlos telegrafou para o quartel-general a informar que o exército do Loire tinha dispersado completamente em várias direcções, que o seu centro se afundara e que tinha deixado de existir como exército. Tudo isto soa bem, mas está muito longe da realidade. Mesmo depois das notícias alemãs, está fora de dúvida que as 77 peças formadas diante de Orleães eram todos canhões da marinha, abandonadas nas trincheiras. É possível que o número de prisioneiros se eleve a 10 000 e, se se juntar os feridos, a 14 000, e que eles estejam na maioria muito desmoralizados. Mas o estado dos bávaros que, em 5 de Dezembro, seguiam a estrada de Artenay para Chartres, inteiramente desorganizados, sem armas nem sacos, não era nada melhor. Durante a perseguição, em 5 de Dezembro e posteriormente, não foi efectuado qualquer saque. Se o exército foi batido não se compreende que uma cavalaria tão numerosa e tão activa como a cavalaria prussiana não tenha capturado um grande número de soldados deste exército. O menos que se pode dizer, é que há uma extraordinária falta de exactidão. O degelo não serve de desculpa: ele começou em 9 de Dezembro, e, por conseguinte, houve para a perseguição activa quatro ou cinco dias durante os quais os caminhos e os campos gelados estavam num estado plenamente favorável. O que fez para a ofensiva prussiana, não foi o degelo mas o facto das suas forças reduzidas de 90 000 para 60 000 homens, em consequência das perdas e da necessidade de deixar tropas para o serviço da guarnição, estarem quase exaustas. Os prussianos tinham quase atingido o limite para além do qual se tornava imprudente perseguir um inimigo mesmo batido. As incursões em grande escala na direcção do Sul são possíveis, mas não é nada provável que se proceda à ocupação de novos territórios. O exército do Loire está agora dividido em dois exércitos, um sob as ordens de Bourbaki e outro sobre as oredens de Chanzy. Estes dois exércitos terão bastante tempo e espaço para se reorganizarem e completarem os seus efectivos com batalhões novamente formados. Depois da sua separação em dois, o exército do Loire deixou de existir como tal; mas é na actual campanha o primeiro exército francês que não fez figura inglória. Ouviremos provavelmente falar dos dois exércitos que lhe sucederam.
Entretanto a Prússia manifesta indícios de exaustão. Chama-se para as armas os milicianos até aos quarenta anos e mais, enquanto que por lei estes homens estão livres do serviço militar logo que completem trinta e dois anos. As reservas instruídas do país estão esgotadas. Anuncia-se que novas recrutas, cujo número aproximado seria de 90 000 homens para a Alemanha do Norte, chegarão em Janeiro a França. Feitas as contas, isto formaria talvez mais ou menos os 150 000 homens de que tanto se fala mas que não se vê ainda; e quando eles chegarem realmente, a sua aparição modificará essencialmente o carácter do exército. O esgotamento das forças, causado pela actual campanha, é enorme e ir-se-á agravando sem parar. Quer-se a prova? O tom melancólico das cartas enviadas pelo exército e as listas das perdas fornecem-no-la. Estas listas revelam que as perdas principais não são sofridas nos grandes combates, mas nas pequenas escaramuças que custam a vida a um, dois, cinco homens. Com o tempo, o mais forte exército, corroído pelas vagas da guerra do povo, desagrega-se e vai-se dissolvendo, e o que é de uma particular importância, sem nenhuma divisão visível da parte contrária. Enquanto Paris resistir, a situação dos franceses melhorará cada dia e a impaciência com que se espera em Versalhes a rendição de Paris é a melhor prova que esta cidade pode ainda ser perigosa para os seus sitiantes.
Publicado na Pall Mall Gazette, n.º 1824, Sábado, 17 de Dezembro de 1870
A última derrota do exército francês do Loire e a retirada de Ducrot para lá do Marne (supondo que esta retirada tenha tido o carácter decisivo que se lhe atribuía no Sábado) fixam definitivamente o destino da primeira operação combinada empreendida para libertar Paris. Ela falhou completamente e o povo recomeça a perguntar se esta nova série de insucessos não demonstraria a incapacidade dos franceses em prosseguir com êxito a resistência e se não seria melhor cessar imediatamente o jogo, entregar Paris assinar a cedência da Alsácia e da Lorena.
O facto é que se perdeu totalmente qualquer recordação de uma guerra verdadeira. As guerras da Crimeia, da Itália e da Prússia contra a Áustria não eram todas senão guerras inteiramente de acordo com as guerras de governos que assinavam a paz logo que os seus mecanismos militares se avariavam ou se desgastavam. Da verdadeira guerra, daquela em que participa a própria nação, não a temos visto em toda a Europa já há algumas gerações. Vimo-la no Cáucaso, na Argélia, onde a luta durou mais de vinte anos, quase sem interrupção; poderíamos vê-la na Turquia, se a Turquia tivesse recebido dos seus aliados a autorização para se defender à sua maneira com os seus próprios meios. Com efeito os nossos acordos não deixam senão aos bárbaros o direito de autodefesa autêntica; consideramos que os Estados civilizados devem combater de acordo com o cerimonial e que não é próprio de uma verdadeira nação cometer a indelicadeza de continuar a luta após a nação oficial ser obrigada a render-se.
Ora, actualmente, os franceses tornam-se culpados desta indelicadeza. A despeito dos prussianos, que se consideram os melhores conhecedores da etiqueta militar, há três meses que os franceses continuam a lutar de verdade, depois do exército francês ter retirado oficialmente do campo de batalha; eles fizeram mesmo o que o seu exército oficial não teria podido fazer nunca durante esta campanha. Obtiveram um grande e muitos pequenos sucessos; apreenderam ao inimigo canhões, comboios de navios e prisioneiros. É verdade que acabam de sofrer vários reveses graves; mas estes reveses nada são em comparação com a sorte que estava normalmente destinada ao seu exército oficial em cada recontro com o mesmo inimigo. É verdade que a sua primeira tentativa para romper o cerco de Paris por meio de uma ofensiva combinada do interior e do exterior resultou num assinalável desaire. Mas resultará daí necessariamente que não lhes restam mais possibilidades de êxito para uma segunda tentativa?
Os dois exércitos franceses, o de Paris e o do Loire, lutaram bem, segundo o testemunho dos próprios alemães. Foram derrotados, é verdade, por forças numericamente inferiores, mas o que era de esperar por parte de tropas jovens, recentemente organizadas e obrigadas a defrontar veteranos. Segundo o correspondente do Daily News, que aí se encontrava, os seus movimentos tácticos debaixo de fogo eram rápidos e seguros; podia notar-se uma falta de precisão, esta falta foi comum a muitos exércitos franceses vitoriosos. Não há possibilidade de engano: estes exércitos demonstraram que eram verdadeiros exércitos, aos quais os seus inimigos guardavam o devido respeito. Sem dúvida alguma que são formados com os mais heterogéneos elementos. Existem batalhões de linha com um número variável de soldados antigos; existem unidades de valor militar variado, desde o batalhão bem treinado e armado, com bons quadros de oficiais, atá ao batalhão de novos recrutas sem a mais elementar preparação militar e desconhecendo o manejo das armas; existem franco-atiradores de todas as categorias: os bons, os maus e os médios; é provável que a maior parte deles pertençam a esta última categoria. Mas em todo ocaso existe um núcleo de bons batalhões de combate, à volta dos quais os outros se podem agrupar. Eles que participem em combates isolados apenas durante um mês, evitando as derrotas esmagadoras, e tornar-se-ão todos excelentes soldados. Com uma melhor estratégia, poderiam mesmo alcançar êxitos presentemente, e a única estratégia que se impõe de momento é adiar qualquer batalha decisiva, o que, em nossa opinião pode ser atingido.
Mas as tropas concentradas em Mans e próximo de Loire estão longe de representar toda a força armada da França. Existem ainda pelo menos 200 000 a 300 000 homens em vias de organização nos pontos mais afastados da retaguarda. Cada dia que passa, a sua capacidade combativa melhora. Durante um certo tempo pelo menos, por dia deve fornecer para a frente uma quantidade cada vez maior de novos soldados. Atrás deles muitos homens estão prontos a substituí-los nos campos de instrução. Os armamentos e as munições chegam diariamente em grandes quantidades. Graças ás fábricas modernas de canhões e de armas, graças ao telégrafo, aos barcos a vapor, ao domínio no mar, não há que temer a penúria sobre este aspecto. Basta pois um mês para que se produza igualmente uma grande mudança na capacidade combativa destes homens. Se eles pudessem ter dois meses à sua disposição, constituiriam um exército capaz de comprometer seriamente o repouso de Moltke.
Atrás destas forças mais ou menos regulares encontra-se um numeroso Lundstrum, a massa do povo, encurralado pelos Prussianos nesta guerra defensiva que, segundo as palavras do pai de rei Guilherme, sanciona todos os meios. Quando «Fritz» (1) avançava de Metz para Reims, de Reims para Sedan e de lá para Paris, não se falava de levantamento do povo. As derrotas dos exércitos imperiais eram aceites com uma espécie de entorpecimento; vinte anos de regime imperial tinham lançado as massas numa submissão obtusa e passiva à direcção oficial. Aqui e ali encontravam-se camponeses que tinham participado em verdadeiros combates, como o de Bazeilles, mas eram excepções. Ora, logo que os prussianos se instalaram à volta de Paris e submeteram as localidades vizinhas ao sistema ao sistema humilhante das requisições, praticado sem piedade alguma, logo que eles se puseram a fuzilar os franco-atiradores e a incendiar as aldeias onde estes últimos tinham encontrado auxílio, quando enfim recusaram as propostas de paz dos franceses e declararam a sua intenção de empreender uma guerra de conquista, tudo mudou. Por todo o lado à sua volta, eclodiu um guerra de guerrilhas provocada pelas suas próprias brutalidades, e agora basta entrar-lhes num novo distrito para suscitar por todo o lado um levantamento em massa. Leiam nos jornais a reportagem sobre o avanço dos exércitos de Mecklembourg e do príncipe Frederico-Carlos e compreendereis imediatamente a influência extraordinária que exerce sobre os movimentos destes exércitos esta invencível insurreição do povo que ora se apaga ora reaparece, mas que embaraça sempre. Mesmo a cavalaria numerosa, à qual os franceses não têm quase nada com que se opor, é neutralizada em larga escala por esta hostilidade geral, activa e passiva, da população.
Examinemos agora a situação dos prussianos: das divisões, dispostas em redor de Paris, não poderão certamente retirar nenhuma, porque Trochu ficará em condições de repetir todos os dias as suas saídas em massa. Quanto ás divisões de Manteuffeul na Normandia e na Picardia, terão ainda para nais algum tempo de despachar muito trabalho; além disso poderão ser solicitadas algures. As duas divisões e meia de Werder não podem fazer para lá de Dijon senão incursões e isto continuará assim pelo menos enquanto Belford não capitular. Não se pode retirar um único soldado das unidades encarregadas de guardar a comprida e estreita linha de comunicação formada pelo caminho de ferro de Nancy-Paris. O 7º regimento tem bastante que fazer, encarregado que está de fornecer guarnições ás fortalezas da lorena e de continuar o cerco a Longwy e a Montmédy. Para as operações de campo contra a França central e meridional, não restam senão onze divisões de infantaria de Frederico-Carlos e do duque de Mecklembourg, seguramente não mais de 150 000 homens, incluindo a cavalaria.
Desta maneira os prussianos empregavam cerca de 4 divisões para ocupar a Alsácia e a Lorena, para guardar duas compridas linhas de comunicação até Paris e Dijon e para atacar Paris. E no entanto eles não controlam directamente talvez mesmo um oitavo e, indirectamente, seguramente não mais de um quarto do território francês. Para todo o resto do país não dispõem senão de 15 divisões, das quais 4 se encontram debaixo do comando de Manteuffel. O seu avanço eventual dependerá inteiramente da energia da resistência popular que eles possam encontrar. Mas como todas as suas comunicações passam por Versalhes-não tendo a campanha de Frederico-Carlos aberto a nova linha por Troyes-e como estas comunicações atravessam em pleno centro o país rebelde, as tropas em questão deveram dispersar as suas forças numa larga frente, deixar na retaguarda destacamentos para guardar as estradas e para manter a população submissa. Elas atingirão assim rapidamente o limite em que as suas forças diminuirão ao ponte de serem contrabalançadas pelas forças francesas opositoras e neste caso as possibilidades de êxito são de novo favoráveis aos franceses. Ou melhor ainda estes exércitos alemães deverão operar em grandes colunas móveis, percorrendo o país de lés a lés, sem o ocupar definitivamente. Neste caso as tropas regulares francesas poderiam, recuando à sua frente durante algum tempo, encontrar em seguida bastantes ocasiões oportunas para os atacar de flanco e à retaguarda.
Alguns destacamentos móveis, como os que Blucher enviava em 1813 para contornar as alas dos franceses, seriam muito úteis se fossem empregados para destruírem a linha de comunicação dos alemães. Esta linha é vulnerável em quase toda a sua extensão, de Paris a Nancy. Alguns destacamentos, cada um composto por um por dois esquadrões de cavalaria e por um certo número de atiradores especiais, atacam esta linha, destroem a via, os túneis e as pontes, surpreendem os comboios, etc., e poderiam forçar a chamar a cavalaria alemã de frente tal com ela é particularmente perigosa. Os franceses, é verdade, não possuem quase nada do verdadeiro «ímpeto do hussardo».
Tudo isto, bem entendido, na hipótese de Paris se continuar a aguentar bem. Até ao momento do presente, exceptuando a fome, nada há que possa forçar a capital a render-se. O Daily News inseriu no seu número de ontem o comunicado de um dos seus correspondentes que se encontra em Paris. Ele dissipa, se é verídico, todas as apreensões. Existem ainda na capital 25 000 cavalos fora os que pertencem ao exército de Paris. Se se avaliar o peso médio de cada um 500 kg, isso equivale a 6 250 g de carne por habitante ou seja um pouco mais de 100 g por dia durante dois meses. Juntemos a isto o pão e o vinho ad libitum (2), assim como uma importante quantidade de salgados e de outros víveres, e é claro que Paris pode perfeitamente aguentar-se até ao começo de Fevereiro. Isso daria à França dois meses que tem agora para ela mais importância do que dois anos em tempo de paz. Supondo uma direcção mais ou menos inteligente e enérgica tanto no centro como na província, os franceses poderiam nessa altura libertar Paris e ao mesmo tempo desocupar a França.
Mas se Paris cai? Teremos de examinar esta eventualidade, quando ela se tornar mais provável. De qualquer forma, a França passou sem paris durante mais de dois meses e pode continuar a luta sem ela. Evidentemente que a queda de Paris poderia desmoralizar os franceses e minar o espírito de resistência, mas os revesses dos últimos setes dias poderiam desde já produzir esse efeito. Contudo nenhum destes acontecimentos deve produzir necessariamente tais consequências. Se os franceses fortificarem algumas posições boas de manobras como Nevers, situada na confluência do Loire e do Allier, se construírem fortes avançados em redor de Lyon para a tornar assim tão sólida como Paris, a guerra pode continuar mesmo depois da queda de Paris, mas o momento para se falar disso ainda não chegou.
Por consequência, cometemos a ousadia de declarar que se o espírito de resistência do povo não enfraqueceu, a posição dos franceses mesmo depois das últimas derrotas permanece ainda muito forte. Enquanto a França possuir o domínio no mar para se reabastecer em armas e uma quantidade suficiente de homens para a guerra, e como desenvolveu um trabalho de organização durante tês meses os primeiros e mais difíceis com a perspectiva de ter ainda um mês de espera, senão dois, e tudo isto num momento que os prussianos deixam já transparecer indícios de esgotamento, seria uma traição evidente capitular. E quem é que sabe o que pode acontecer, as complicações que podem surgir na Europa, durante este intervalo de tempo? Custe o que custar, os franceses devem continuar a luta.
Publicado in Pall Mall Gazette, nº 1816, quinta-feira, 8 de Dezembro de 1870.
Ontem chamávamos a atenção para o facto de que a seguir à capitulação de Sedan, as perspectivas da França tinham melhorado sensivelmente. A própria que da de Metz que liberta cerca de 150 000 soldados alemães actualmente já não é a fulminante catástrofe que parecia ser a princípio. Se voltamos hoje a abordar esta questão, é para melhor demonstrar através de alguns detalhes de ordem militar a justeza deste ponto de vista.
A deslocação dos exércitos alemães em 24 de Novembro, tanto quanto é possível estabelecê-la, apresentava-se assim:
Investida de Paris: 3.º exército (os 2.º, 5.º, 6.º corpos do exército, o 2.º corpo bávaro, a 21.ª divisão, uma divisão de Wurtemberg e uma divisão da guarda da Landwehr) e 4.º exército (os 4.º e 12.º corpos, mais um corpo da guarda), no total 17 divisões.
Exército de observação cobrindo a investida: ao Norte, primeiro exército (1.º e 8.º corpos); a Oeste e Sudoeste, o exército do duque de Mecklemburgo (17.ª e 22.ª divisões e 1.º corpo bávaro); no Sul o 2.º exército (os 3.º, 9.º e 19.º corpos e uma divisão da Landwehr, uma parte da qual foi cruelmente maltratada por Ricciotti Garibaldi em Châtillon); no total 15 divisões.
Forças com destino especial: no Sueste da França, o 14.º corpo (Werder, composto por duas divisões e meia) e o 15.º corpo; em Metz e em Thionville, 7.º corpo; na linha de comunicação, pelo menos uma divisão e meia da Landwehr; ao todo, 8 divisões pelo menos.
Sobre estas 40 divisões de infantaria, as 17 primeiras estão presentemente diante de Paris. Da imobilidade das 8 últimas divisões pode-se concluir que elas chegam exactamente para a missão que lhes foi confiada. Apenas sobram para as missões militares 15 divisões formando 3 exércitos de observação e não representando com a cavalaria e a artilharia senão uma força global de cerca de 200 000 combatentes no máximo.
Ora, até 9 de novembro, parecia que não existiam obstáculos tão sérios que pudessem impedir esta massa de homens de invadir a maior parte das regiões centrais e mesmo o Sul da França. E se presentemente o exército do Loire nos inspira mais respeito do que, confessamos, anteriormente, isso não é devido apenas ao facto de d’Aurelle se ter mostrado capaz de comandar bem as suas tropas. São sobretudo as medidas enérgicas, tomadas por Moltke contra a marcha antecipada do exército do Loire sobre Paris, que fazem com que este exército apareça sob um aspecto absolutamente diferente. Moltke não só julgou necessário concentrar prestes a agir contra ele, mesmo arriscando-se a levantar de facto o cerco a Paris, uma grande parte das forças mantendo o cerco ao Sul da capital, mas também alterou bruscamente a direcção do movimento dos dois exércitos vindos de Metz, de maneira a aproximá-los mais de Paris e a concentrar todas as tropas alemãs em redor desta cidade. Presentemente soubemos que foram tomadas medidas para cercar de barreiras defensivas o depósito de armamentos. Seja qual for a opinião de algumas pessoas, Moltke vê manifestamente o exército do Loire não como um amontoado de pessoas armadas, mas como um verdadeiro exército sério e temível.
A incerteza que anteriormente reinava em relação ao carácter deste exército era devida em grande parte às comunicações dos correspondentes ingleses presentes em Tours. Não havia manifestamente entre eles nenhum homem de guerra capaz de se aperceber dos traços característicos que distinguem um exército de uma multidão de pessoas armadas. Todos os dias se recebiam as mais contraditórias informações em relação à disciplina, aos progressos da instrução, aos efectivos, ao armamento, ao equipamento, à artilharia, ao transporte, em poucas palavras em relação a todos os dados essenciais susceptíveis de servir de base para se formar uma opinião. Conhecemos todas as enormes dificuldades que foi preciso ultrapassar para formar este novo exército: a falta de oficiais, de armamentos, de cavalos, de material de toda a espécie e sobretudo a falta de tempo. As informações que nos chegavam diziam respeito a maior parte a estas dificuldades e era assim que o exército do Loire era geralmente subestimado pelas pessoas cujas simpatias não ofuscam o julgamento.
Presentemente estes correspondentes são unânimes em elogiar este exército. Eles acham que ele possui melhores oficiais, que está mais bem disciplinado do que aqueles que pereceram em Sedan e em Metz. Sem dúvida, isso é verdade até certo ponto. O moral que anima este exército é manifestamente superior em muito ao que foi constatado nos exércitos bonapartistas. Sente-se a resolução em cumprir o seu dever para com a pátria, em agir de acordo, em se submeter às ordens dadas acerca deste ponto. Em seguida este exército voltou a aprender algumas coisas muito importantes que o exército de Luís Napoleão tinha esquecido por completo: o serviço de guarda, a arte de cobrir os flancos e a retaguarda contra os ataques imprevistos, de operara o reconhecimento do inimigo, de surpreender inesperadamente os seus destacamentos, de obter informações e de fazer prisioneiros. O correspondente do Times junto do duque de Mecklembourg dá provas disto. Presentemente são os prussianos que já não chegam a saber onde se encontra o inimigo e devem agir por cálculo: anteriormente acontecia precisamente o contrário. O exército que aprendeu isto, aprendeu muito. Todavia não devemos esquecer que o exército do Loire, do mesmo modo que os seus irmãos, os exércitos do Norte e do Oeste, deve ainda mostrar a sua bravura numa grande batalha contra um exército igual em número. Mas no fim de contas ele permite ter esperança, e algumas circunstâncias levam a crer que seria menos seriamente afectado por uma grave derrota do que os jovens exércitos colocados neste caso.
É um facto que as ferocidades e as crueldades dos prussianos, em vez de esmagar a resistência do povo, redobraram-na de energia, ao ponto dos próprios prussianos, ao que parece, terem compreendido o seu erro: presentemente já não ouvimos falar de aldeias incendiadas, nem de massacres de camponeses. Mas esta conduta feroz já produziu o seu efeito e a guerrilha toma cada dia uma extensão maior. Quando lemos no Times uma informação sobre o avanço do duque de Mecklembourg em direcção a Le Mans, de onde ressalta que o inimigo não se vê, que nenhum exército regular opõe resistência, que apenas as alas estão expostas aos ataques de cavaleiros e de franco-atiradores, que as informações são deficientes acerca da disposição das tropas francesas e que as tropas prussianas marcham compactas, por meio de grandes destacamentos, recordamo-nos involuntariamente das expedições de Napoleão em Espanha ou das tropas de Bazaine no México. Desde que o espírito da resistência popular desperte, não se vai longe mesmo com exércitos de 200 000 homens quando se trata de ocupar um país inimigo. Eles atingem bem depressa o limite para além do qual os seus destacamentos se tornam mais fracos do que as forças defensivas. É da energia da resistência do povo que depende a rapidez com a qual este limite será atingido. Assim, mesmo um exército batido encontrará rapidamente um seguro refúgio contra a perseguição do inimigo, conquanto a população deste país se levante, o que pode acontecer actualmente em França. E se a população das regiões ocupadas pelo inimigo se levantar ou se apenas as linhas de comunicação do inimigo forem ininterruptamente interceptadas, o limite para além do qual a invasão se torna impotente, então será ainda mais rapidamente atingido. Não nos admiraríamos absolutamente nada, por exemplo, que o duque de Mecklembourg se reconhecesse demasiado avançado, a menos que não receba uma poderosa ajuda do príncipe Frederico Carlos. Actualmente tudo depende, evidentemente, de Paris. Se Paris dispuser ainda de um mês (e as informações acerca do estado das provisões no interior da cidade não excluem de modo nenhum esta possibilidade), a França poderá ainda criar um exército combatente bastante forte para, com a ajuda da resistência popular, fazer levantar o cerco por meio de um ataque vitorioso contra as linhas de comunicação dos prussianos. Aparentemente, o mecanismo da organização do exército funciona bastante bem em França neste momento. Existem mais homens que o necessário; graças aos recursos da indústria contemporânea e à rapidez dos modernos meios de comunicação, os armamentos chegam em quantidades inesperadas; só da América foram recebidas 400 000 espingardas; os materiais de artilharia são fabricados em França com uma rapidez nunca vista até hoje. Encontram-se mesmo oficiais ou formam-se de uma maneira ou de outra. Em suma, o esforço sem precedentes feito pela França a seguir a Sedan para reorganizar a sua defesa nacional, para garantir a vitória não necessita senão de uma coisa – o tempo. Se Pais aguentar ainda, nem que seja um mês, isso contribuirá grandemente para o sucesso. Se, pelo contrário Paris não dispuser de provisões para este período de tempo Trochu poderia tentar penetrara na linha da ofensiva com as forças que se encontrarão apropriadas para esta operação. Ora actualmente seria demasiado ousado afirmar que ele não pudesse triunfar. Em caso de o seu empreendimento ser coroado de sucesso, os alemães necessitariam ainda, para garantir a tranquilidade em Paris, de uma guarnição completa de pelo menos 3 corpos do exército prussiano, se bem que Trochu tivesse libertado um maior número de franceses do que a rendição de Paris alemães. O que os franceses fizeram defendendo Paris, os alemães jamais o poderiam ter feito tomando esta fortaleza e defendendo-a contra sitiantes franceses. Seriam necessários tantos homens para abafar a resistência popular no seio da cidade, quantos para ocupar as muralhas a repelir os ataques do exterior. Por consequência a queda de Paris, pode, mas não deve necessariamente acarretar a derrota da França.
O momento não é nada propício para levantar hipóteses acerca da probabilidade desta ou daquela eventualidade militar. Conhecemos apenas superficialmente um único facto: os efectivos dos exércitos prussianos. Quanto aos efectivos e à capacidade combativa real das tropas francesas não temos a este respeito senão escassas informações. Ainda mais, existem actualmente em acção factores morais que escapam a qualquer cálculo e de que podemos apenas dizer que são todos favoráveis à França e desfavoráveis à Alemanha. Uma coisa parece incontestável: hoje mais do que nunca a seguir à queda de Sedan as forças em luta tendem a equilibrar-se, e um reforço relativamente fraco dos franceses em tropas instruídas poderia assegurar definitivamente este equilíbrio.
Publicado no Pall Mall Gazette, n.º 1806, Sábado, 26 de Novembro de 1870
O socialismo moderno é, em primeiro lugar e pelo seu conteúdo, o fruto do reflexo na inteligência, por um lado, dos antagonismos de classe imperantes na sociedade moderna entre possuidores e desapossados, capitalistas e operários assalariados, e, por outro, da anarquia que reina na produção. Na teoria, porém, o socialismo começa por se apresentar inicialmente como uma continuação, mais desenvolvida e mais consequente, dos princípios proclamados pelos grandes pensadores franceses do século XVIII. Como qualquer nova teoria, embora com raiz nos factos materiais económicos, teve de ligar-se, ao nascer, às ideias básicas pré-existentes.
As concepções dos utópicos dominaram durante muito tempo as ideias socialistas do século XIX, e em parte ainda as dominam hoje. Rendiam-lhes homenagem, até há muito pouco tempo, todos os socialistas franceses e Ingleses e a eles se deve também o incipiente comunismo alemão, incluindo o de Weitling. Para todos eles, o socialismo é a expressão da verdade absoluta, da razão e da justiça, e basta revelá-lo para, graças à sua virtude, ele conquistar o mundo. E, como a verdade absoluta não está sujeita a condições de espaço e de tempo nem ao desenvolvimento histórico da humanidade, só o acaso pode decidir quando e onde essa descoberta se revelará. Acrescente-se a isso que a verdade absoluta, a razão e a justiça variam com os fundadores de cada escola; e como o carácter específico da verdade absoluta, da razão e da justiça está condicionado, por sua vez, em cada um deles, pela inteligência pessoal, condições de vida, estado de cultura e disciplina mental, resulta que, nesse conflito de verdades absolutas, a única solução é que elas se vão acomodando umas às outras. Assim, era inevitável que surgisse uma espécie de socialismo eclético e medíocre, como o que, com efeito, continua imperando ainda nas cabeças da maior parte dos operários socialistas da França e da Inglaterra: uma mistura extraordinariamente variada e cheia de matizes, composta de desabafos críticos, princípios económicos e das imagens sociais do futuro menos discutíveis dos diversos fundadores de seitas, mistura tanto mais fácil de compor quanto mais os ingredientes individuais iam perdendo, na torrente da discussão, os seus contornos subtis e agudos, como as pedras limadas pela corrente de um rio. Para converter o socialismo em ciência era necessário, antes de tudo, situá-lo no terreno da realidade.
Entretanto, junto à filosofia francesa do século XVIII, e por trás dela, surgira a moderna filosofia alemã, cujo ponto culminante foi Hegel. O seu principal mérito foi restaurar a dialéctica como forma suprema de pensamento. Os antigos filósofos gregos eram todos dialécticos inatos, espontâneos, e a cabeça mais universal de todos eles - Aristóteles - chegara já a estudar as formas mais substanciais do pensamento dialéctico. Em troca, a nova filosofia, embora tendo um ou outro brilhante defensor da dialéctica (como por exemplo, Descartes e Spinoza) caía cada vez mais, sob a influência principalmente dos ingleses, na chamada maneira metafísica de pensar, que também dominou quase totalmente entre os franceses do século XVIII, ao menos nas suas obras especificamente filosóficas. Fora do campo estritamente filosófico, eles criaram também obras-primas de dialéctica; bastará citar O Sobrinho de Rameau, de Diderot, e o estudo de Rousseau sobre a origem da desigualdade entre os homens. Resumiremos aqui, sucintamente, os traços essenciais de ambos os métodos discursivos.
A concepção materialista da história parte da tese de que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam pela história, a distribuição dos produtos, e juntamente com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas de classe, é determinada pelo que a sociedade produz, como produz e pelo modo de trocar os seus produtos. Por conseguinte, as causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens nem na ideia que eles façam da verdade eterna ou da justiça absoluta, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca; devem ser procuradas não na filosofia, mas na economia da época que se analisa. Quando se revela à compreensão dos homens que as instituições sociais vigentes são irracionais e injustas, que a razão se converteu em insensatez e a bênção em praga [1], isso não é mais que um indício de que nos métodos de produção e nas formas de distribuição se operaram silenciosamente transformações com as quais já não concorda a ordem social, talhada segundo o padrão das condições económicas anteriores. Isto significa, ao mesmo tempo, que nas novas relações de produção existem forçosamente - em estado mais ou menos desenvolvido - os meios necessários para eliminar os males descobertos. E esses meios não devem ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é que tem de descobri-los nos factos materiais da produção, tal qual eles existem na realidade.
Realizar esse acto, que libertará o mundo, é a missão histórica do proletariado moderno. E o socialismo científico, expressão teórica do movimento proletário, destina-se a pesquisar as condições históricas e, com isso, a própria natureza desse acto, infundindo assim à classe chamada a fazer essa revolução, à classe hoje oprimida, a consciência das condições e da natureza da sua própria acção.
1814
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2 200 milhões de £
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44 000 milhões de marcos
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1865
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6 100 milhões de £
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122 000 milhões de marcos
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1875
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8 500 milhões de £
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170 000 milhões de marcos.
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manifesto do partido comunista
mensagem do comité central à liga dos co
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para uma linha política revolucionária
pensar agir e viver como revolucionários
reorganizar o partido revolucionário do
sobre o que aconteceu com o rei de portu