de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Sexta-feira, 28 de Junho de 2013
DISCURSO RADIODIFUNDIDO EM 3 DE JULHO DE 1941

Camaradas! Cidadãos!

Irmãos e irmãs!

Combatentes do nosso exército e na nossa armada!

Dirijo-me a vós meus amigos!

A pérfida agressão militar da Alemanha hitleriana contra a nossa pátria, iniciada em 22 de Junho, continua. Apesar da resistência heróica do Exército Vermelho, e ainda que as divisões de elite do inimigo e as melhores unidades da sua aviação tenham sido já desfeitas e tenham encontrado a morte nos campos de batalha, o inimigo continua a investir, lançando na frente forças novas. As tropas hitlerianas puderam apoderar-se da Lituânia, duma grande parte da Letónia, da parte oeste de Bielorrússia e duma parte da Ucrânia ocidental. A aviação fascista estende a acção dos seus bombardeiros, submetendo a bombardeamento Mourmansk, Orchoa, Moguilev, Smolensk, Kiev, Odessa e Sebastopol. Um grande perigo pesa sobre a nossa Pátria.

Como pôde acontecer que o nosso glorioso Exército Vermelho tenha abandonado às tropas fascistas uma série das nossas cidades e regiões? As tropas fascistas alemãs serão verdadeiramente invencíveis como o proclamam sem cessas e com impaciência os propagandistas fascistas fanfarrões?

Não, evidentemente. A história mostra que jamais existiu ou existem exércitos invencíveis. Dizia-se que o exército de Napoleão era invencível. Mas foi vencido sucessivamente pelas tropas russas, inglesas e alemãs. Durante a primeira guerra imperialista o exército alemão de Guilherme era igualmente considerado como um exército invencível; mas foram-lhe infligidas várias derrotas pelas tropas russas e anglo-francesas e foi finalmente derrotado pelas tropas anglo-francesas. Pode-se dizer o mesmo do actual exército alemão fascista de Hitler. Ele não tinha ainda encontrado séria resistência no continente europeu. Foi somente no nosso território que encontrou uma séria resistência. E se nesta resistência as melhores divisões do exército fascista alemão foram derrotadas pelo nosso Exército Vermelho, é porque o exército fascista hitleriano pode ser igualmente derrotado e sê-lo-á, como foram os exércitos de Napoleão e de Guilherme.

Que uma parte do nosso território se encontre todavia invadida pelas tropas fascistas alemãs, isso explica-se sobretudo pelo facto de que a guerra da Alemanha fascista contra a URSS foi desencadeada em condições vantajosas para as tropas alemãs e desvantajosas para as tropas soviéticas. Com efeito, as tropas da Alemanha, como país provocador fa guerra, tinham sido completamente mobilizadas. Cento e setenta divisões lançadas pela Alemanha contra a URSS e conduzidas até às fronteiras deste país estavam completamente preparadas, esperando apenas o sinal para se porem em marcha. Enquanto que para as tropas soviéticas, era preciso ainda mobilizá-las e conduzi-las até às fronteiras. Coisa muito importante ainda, é que a Alemanha fascista violou pérfida e inopinadamente o pacto de não-agressão, concluído em 1939 por ela com a URSS, sem querer ter em conta que seria olhada pelo mundo inteiro como o agressor. Compreende-se que o nosso país pacífico, que não queria assumir a iniciativa da violação do pacto, não podia conduzir-se nesse caminho da traição.

Podemos interrogar-nos: como pôde suceder que o Governo soviético tenha aceitado concluir um pacto de não-agressão com traiçoeiros dessa natureza e monstros como Hitler e Ribbentrop[1]? Não teria o Governo soviético cometido um erro nessa ocasião? Não, com certeza. O pacto de não-agressão é um pacto de paz entre dois Estados. E foi um pacto desse género que a Alemanha nos propôs em 1939. Podia o Governo soviético recusar essa proposta? Penso que nenhum Estado pacífico pode recusar um acordo de paz com uma potência vizinha, mesmo se à cabeça desta última se encontram monstros e canibais como Hitler e Ribbentrop. Isto, bem entendido, tem uma condição expressa: que o acordo de paz não cause prejuízo, nem directa nem indirectamente, à integridade territorial, à independência e ao respeito do Estado pacífico. Sabemos que o pacto de não-agrassão entre a Alemanha e a URSS era justamente um pacto desse género.

Que ganhamos ao concluir com a Alemanha um pacto de não-agressão? Asseguramos ao nosso país a paz durante o ano e meio e a possibilidade de preparar as nossas forças para a réplica no caso da Alemanha fascista se aventurar a atacar o nosso país não obstante o pacto. Estava aí um certo proveito para nós e uma perda para a Alemanha fascista.

O que é que a Alemanha fascista ganhou e o que perdeu, rompendo perfidamente o pacto e atacando a URSS? Obteve assim uma certa vantagem para as suas tropas durante um pequeno lapso de tempo, mas perdeu sob o ponto de vista político, desmascarando-se aos olhos do mundo como um agressor sangrento. Está fora de dúvida que esta vantagem militar de curta duração apenas é para a Alemanha um episódio, enquanto que essa imensa vantagem política é para a URSS um factor real e duradoiro, chamado a favorecer os sucessos militares decisivos do Exército Vermelho na guerra contra a Alemanha fascista.

Eis a razão pela qual o nosso corajoso exército, toda a nossa corajosa força naval, todos os nossos intrépidos aviadores, todos os povos do nosso país, todos os melhores homens da Europa, da América e da Ásia, enfim, todos os melhores homens da Alemanha, condenam a acção pérfida dos fascistas alemães e simpatizam com o governo soviético, aprovam a conduta do governo soviético e apercebem-se de que a nossa causa é justa, que o inimigo será esmagado e que nós venceremos.

Tendo-nos sido imposta a guerra, o nosso país entrou numa luta de morte com o seu pior e pérfido inimigo, o fascismo alemão. As nossas tropas batem-se heroicamente contra um inimigo abundantemente provido de carros de assalto e de aviões. O Exército e a Armada Vermelhos, superando numerosas dificuldades, batem-se com abnegação por cada parcela do território soviético. As principais forças do Exército Vermelho, dotadas de milhares de carros e de aviões, entram em acção. A valentia dos guerreiros do Exército Vermelho não tem igual. A réplica que nós infligimos ao inimigo acentua-se e desenvolve-se. Ao lado do Exército Vermelho, todo o povo soviético se prepara para a defesa da pátria.

Que é preciso fazer para suprimir o perigo que pesa sobre a nossa pátria e quais as medidas que é preciso tomar para esmagar o inimigo?

Primeiramente é preciso que os nossos homens, os homens soviéticos, compreendam toda a gravidade do perigoo que ameaça o nosso país e renunciem à quietude e à indiferença, ao estado de espírito que é o da construção pacífica, estado de espírito perfeitamente compreensível antes da guerra, mas funesto agora que a guerra mudou radicalmente a situação. O inimigo é cruel, inexorável. Ele tem por objectivo apoderar-se das nossas terras regadas com o nosso suor, apoderar-se do nosso trigo e do nosso petróleo, fruto do nosso trabalho. Ele tem por objectivo restabelecer o poder dos grandes latifundiários, restaurar o czarismo, destruir a cultura e a independência nacionais dos Russos, Ucranianos, Bielorrussos, Moldavos, Georgianos, Arménios, Azerbaidjanianos  e outros povos livres da União Soviética, de os germanizar, de os fazer escravos dos príncipes e barões alemães. Trata-se da liberdade ou da servidão dos povos da União Soviética. É preciso que os homens soviéticos o compreendam e deixem de ficar indiferentes; que se mobilizem e reorganizem todo o seu trabalho dum modo novo, o modo da guerra, que não dêem nenhumas tréguas ao inimigo.

É preciso também que não haja nenhum lugar nas nossas fileiras para os choramingas e os poltrões, os semeadores do pânico e os desertores; que os nossos homens estejam livres de medo na luta e marchem com abnegação na nossa guerra libertadora para a salvação da pátria, contra os dominadores fascistas. O grande Lenine, que criou o nosso Estado, disse que a qualidade essencial dos homens soviéticos deve ser a coragem, a valentia, a ousadia na luta, a vontade de se bater ao lado do povo contra os inimigos da nossa pátria. É preciso que essa excelente qualidade bolchevique se torne a de milhões e milhões de homens do Exército Vermelho, da nossa Armada Vermelha e de todos os povos da União Soviética.

É preciso organizar imediatamente todo o trabalho em pé de guerra, subordinando todas as coisas aos interesses da frente e à organização do esmagamento do inimigo. Os povos da União Soviética vêem agora que o fascismo alemão é inexorável na sua raiva furiosa e no seu ódio contra a nossa pátria que assegura a todos os trabalhadores o trabalho livre e o bem-estar. Os povos da União Soviética devem preparar-se contra o inimigo para a defesa dos seus direitos, da sua terra.

O exército e a Armada Vermelhos, bem como todos os cidadãos da União Soviética, devem defender cada parcela do território soviético, bater-se até à última gota do seu sangue pelas nossas cidades e aldeias, dar provas de coragem, de iniciativa e de espírito de resolução – todas as qualidades próprias do nosso povo.

É-nos necessário organizar uma ajuda múltipla ao nosso Exército Vermelho, fazer com que as suas fileiras engrossem sem cessar, assegurar-lhe o abastecimento necessário, organizar o transporte rápido das tropas e dos materiais de guerra, prestar um amplo socorro aos feridos.

É-nos necessário fortalecer a retaguarda do Exército Vermelho, subordinando a esta tarefa todo o nosso trabalho; assegurar o intenso funcionamento de todos os empreendimentos, fabricar o maior número de espingardas, metralhadoras, canhões, balas, obuses, aviões; organizar a protecção das fábricas, das centrais eléctricas, das comunicações telefónicas e telegráficas,  organizar no próprio local a defesa antiaérea.

É-nos necessário organizar uma luta implacável contra os desorganizadores da retaguarda, os desertores, os semeadores do pânico, os propagadores de boatos de todos os géneros, aniquilar os espiões, os agentes de diversão, os pára-quedistas inimigos, prestando assim uma ajuda rápida aos nossos batalhões de caça. É preciso não esquecer que o inimigo é pérfido, astucioso, esperto na arte de enganar e de espalhar falsos boatos. É preciso ter em conta tudo isto e não se deixar apanhar pela provocação. É preciso citar imediatamente perante o Tribunal Militar, sem consideração às personalidades, todos aqueles que, semeando o pânico e dando provas de cobardia, entravam a obra da defesa.

Em caso de retirada forçada das unidades do Exército Vermelho, é preciso conduzir todo o material circulante dos caminhos de ferro, não deixar ao inimigo uma só locomotiva, nem um só vagão; não deixar ao inimigo um só quilograma de trigo, nem um litro de carburante. Os kolkhosianos devem apanhar todo o seu gado, entregar o seu trigo em depósito aos organismos de Estado, que o encaminharão para as regiões da retaguarda. Todas as matérias de valor, incluindo os metais não ferrosos, o trigo e o carburante que não possam ser evacuados, devem ser completamente destruídos.

Nas regiões ocupadas pelo inimigo, é preciso formar destacamentos de guerrilheiros de cavalaria e infantaria, grupos de destruição para lutar contra as unidades do exército inimigo, para fomentar a guerrilha em todos os sítios, para fazer ir pelos ares as pontes e as estradas, danificar as comunicações telefónicas e telegráficas, incendiar as florestas, os depósitos e os comboios. Nas regiões invadidas é preciso criar condições insuportáveis ao inimigo e a todos os seus colaboradores, persegui-los e destruí-los a cada passo, fazer abortar todas as medidas tomadas pelo inimigo.

Não podemos considerar como uma guerra vulgar a guerra contra a Alemanha fascista. Não é apenas uma guerra que se trava entre dois exércitos. É também a grande guerra de todo o povo soviético contra as tropas fascistas alemãs. Esta guerra do povo para a salvação da pátria, contra os opressores fascistas, não tem apenas por objecto suprimir o perigo que pesa sobre o nosso país, mas ainda ajudar todos os povos da Europa que sofrem sob o jugo do fascismo alemão. Não estaremos sós nesta guerra libertadora. Os nossos fiéis aliados nesta grande guerra são os povos da Europa e da América, incluindo o povo alemão que está dominado pelos chefes hitlerianos. A nossa guerra para a liberdade da nossa pátria fundir-se-á com a luta dos povos da Europa e da América pela sua independência, pelas liberdades democráticas. Esta será a frente única dos povos que lutam pela liberdade contra a escravidão e a ameaça de escravidão por parte dos exércitos fascistas de Hitler. Sendo assim, o discurso histórico pronunciado pelo primeiro-ministro da Grã-Bertanha, M. Churchill, sobre a ajuda a prestar à União Soviética, e a declaração do governo dos Estados Unidos dizendo-se prestes a conceder toda a assistência ao nosso país, não podem suscitar senão um sentimento de reconhecimento no coração dos povos da União Soviética; esse discurso e essa declaração são perfeitamente compreensíveis e significativos.

Camaradas, as nossas forças são incalculáveis. O inimigo presunçoso convencer-se-á disso brevemente. Ao lado do Exército Vermelho erguem-se milhares de operários, de kolkhosianos e de intelectuais pela guerra contra o agressor. Veremos levantarem-se as massas inumeráveis do nosso povo. Desde já, os trabalhadores de Moscovo e de Leninegrado, para apoiar o Exército Vermelho, começaram a organizar uma milícia popular fortalecida por milhares e milhares de homens. Essa milícia popular, é preciso criá-la em cada cidade que corre perigo de uma invasão inimiga; á preciso preparar para a luta todos os trabalhadores, que exporão os seus peitos para defender a sua liberdade, a sua honra e o seu país na nossa guerra contra o fascismo alemão, para a salvação da pátria.

A fim de mobilizar rapidamente todas as forças dos povos da URSS, com vista a organizar a réplica ao inimigo que atacou perfidamente a nossa pátria, foi formado um Conselho de Estado para a Defesa, que detém actualmente a plenitude do poder no país. O Comité de Estado para a Defesa começou o seu trabalho; ele apela a todo o povo a unir-se em torno do Partido de Lenine e de Estaline, em torno do Governo Soviético, para apoiar com abnegação o Exército e a Armada Vermelhos, esmagar o inimigo e alcançar a vitória.

Todas as nossas forças para o apoio do nosso heróico Exército Vermelho, da nossa gloriosa Armada Vermelha!

Todas as forças do povo para esmagar o inimigo!

Em frente para a nossa vitória!



[1] Ribbentrop (1893-1946) inscreveu-se no partido nazi em 1932. Foi embaixador em Londres em 1936. Orientou a política expansionista de Hitler, desempenhado um importante papel na aproximação com a Itália. Em 23 de Agosto de 1939 assinou em Moscovo o acordo germano-soviético. Considerado um dos responsáveis pela segunda guerra mundial foi executado após o julgamento de Nuremberga.



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Quinta-feira, 30 de Maio de 2013
O nó ucraniano

Perto do fim de Fevereiro, ainda antes da conclusão da paz com a Alemanha, o Secretariado do povo da República Soviética Ucraniana ´tinha enviado a Brest-Litovsk uma delegação munida de uma declaração, na qual se dizia prestes a assinar o tratado concluído com a coligação alemã pelo velho Rada de Kiev[1].

O representante do comando alemão de Brest, o famoso Hoffmann, não quis receber a delegação do Secretariado do povo, com a qual, declarou, não via utilidade em realizar conversações de paz.

Ao mesmo tempo, os batalhões de choque alemães e austro-húngaros, de acordo com os destacamentos de gaidamaks[2] de Petlioura e de Vinnitchenko invadiram a Ucrânia soviética.

Não a paz, mas a guerra contra a Ucrânia soviética, tal era o sentido da resposta alemã.

Segundo o tratado assinado pelo velho Rada de Kiev, a Ucrânia devia fornecer à Alemanha, antes do fim de Abril, trinta milhões de pouds[3] de trigo, sem falar aqui da «exploração livre de minério» exigida pela Alemanha.

O secretariado do povo da Ucrânia soviética conhecia, sem dúvida alguma, esta estipulação do tratado e sabia no que se comprometia, ao expressar oficialmente o seu consentimento em assinar a paz nas condições de Vinnitchenko.

Apesar disso, o governo alemão, na pessoa de Hoffmann, recusava entrar em conversações de paz com o Secretariado do povo da Ucrânia, reconhecido por todos os sovietes da Ucrânia, urbanos e rurais. Ao tratado de paz com o Secretariado do povo da Ucrânia, reconhecido pelo povo ucraniano e o único capaz de fornecer «a quantidade necessária» de trigo, ele preferia a aliança com os mortos, a aliança com a Rada destruída e expulsada.

Isto significa que a invasão austro-alemã tem por fim não só obter trigo, mas sobretudo derrubar o poder soviético na Ucrânia e restabelecer o antigo regime burguês.

Isto significa que não só se quer extorquir da Ucrânia milhões de pouds de trigo, mas que ainda se quer suprimir todos os direitos dos operários e camponeses ucranianos, roubando-lhes o poder que eles tinham conquistado com o preço do seu sangue, para o transmitir aos grandes proprietários e aos capitalistas.

Os imperialistas da Áustria e da Alemanha trazem na ponta das suas baionetas um jugo novo e humilhante que não é nada melhor que o antigo jugo tatar. Tal é o sentido da invasão que chega do Ocidente.

O povo ucraniano compreendeu-o com evidência e prepara-se febrilmente para ripostar. A formação dum Exército Vermelho camponês, a mobilização da Guarda Vermelha operária, toda uma série de escaramuças vitoriosas contra os opressores «civilizados» após as primeiras manifestações de pânico, a reconquista de Bakhmatch, de Konotop, de Néjine e o recontro de Kiev, o entusiasmo sempre crescente das massas, que contra os opressores – tal é a resposta da Ucrânia popular à invasão dos escravizadores.

A Ucrânia soviética conduz uma guerra patriótica de libertação contra a opressão estrangeira que vem do Ocidente – tal é o sentido dos acontecimentos que se desenrolam na Ucrânia.

Isto significa que cada poud de trigo e cada pedaço de metal deverão ser tomados pelos alemães após aturados esforços, e depois de uma luta encarniçada com o povo ucraniano.

Isto significa que a Ucrânia deve ser formalmente conquistada para que os alemães recebam trigo e para que possam pôr no trono Petlioura-Vinnitchenko.

«A curta expedição», com a qual os alemães calculavam matar dois coelhos com uma cajadada (receber trigo e destruir a Ucrânia soviética), tem todas as probabilidades de se transformar em guerra prolongada dos escravizadores estrangeiros contra os vinte milhões de ucranianos aos quais querem retirar o trigo e a liberdade.

Será necessário acrescentar que os operários e os camponeses ucranianos não regatearão os seus esforços para sustentar uma luta heroica contra os opressores «civilizados»?

Será ainda necessário demonstrar que a guerra nacional começada na Ucrânia tem todas as probabilidades de poder contar com todo o apoio da parte de toda a Rússia soviética?

Que acontecerá se os operários e os soldados alemães, ao longo dessa guerra, compreenderem finalmente que os cabecilhas da Alemanha não são de modo algum guiados pela preocupação da «defesa da pátria alemã», mas obedecem pura e simplesmente aos instintos insaciáveis duma besta farta até rebentar, e depois de o terem compreendido, tirarem daí as conclusões práticas que se impõem? Não é evidente que a Ucrânia se constitui actualmente como um nó fundamental de toda a actualidade internacional, um nó da revolução operária, começada na Rússia e da contra-revolução imperialista que vem do Ocidente?

A besta imperialista farta até rebentar, matando-se contra a Ucrânia Soviética, não é ao que conduz actualmente a lógica inexorável dos acontecimentos? ...

 

Izvestia n.º 47, 14 de Março de 1918



[1] Rada de Kiev ou Rada Central – governo contra-revolucionário da Ucrânia (1917-1918) que colaborou activamente com os ocupantes alemães.

[2] Tropas de guerrilheiros e de cossacos da Ucrânia que operavam contra a dominação polaca (séc. XVIII).

Em 1918-1919 o exército contra-revolucionário da Ucrânia, comandado pelo cossaco Skoropadski, adoptou o mesmo nome, tendo sido esmagado pelo Exército Vermelho.

[3] Medida de peso russa equivalente, aproximadamente a 16 Kg.


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Domingo, 5 de Fevereiro de 2012
O materialismo dialéctico e o materialismo histórico (II)

parte (I)

3.º O materialismo histórico.

Falta esclarecer uma questão: o que devemos entender, do ponto de vista do materialismo histórico, por “estas condições da vida material da soci­edade”, que determinam em última análise, a fisionomia da sociedade, as suas ideias, as suas opiniões, as suas instituições políticas, etc.?

O que são estas “condições de vida material da sociedade”? Quais são os seus traços característicos?

É certo que a noção de “condições da vida material da sociedade” com­preende, antes de mais nada, a natureza que rodeia a sociedade, o meio geográfico que é uma das condições necessárias e permanentes da vida material da sociedade e que, evidentemente, influencia o desenvolvimento da sociedade. Qual é o papel do meio geográfico no desenvolvimento social? Não será o meio geográfico a força principal que determina a fisionomia da sociedade, o carácter do regime social dos homens, a passagem de um regime a outro?

A esta pergunta, o materialismo histórico responde negativamente.

O meio geográfico é incontestavelmente uma das condições permanen­tes e necessárias do desenvolvimento da sociedade e é evidente que influen­cia este desenvolvimento: acelera ou retarda o curso do desenvolvimento social. Mas esta influência não é determinante, pois as transformações e o desenvolvimento da sociedade realizam-se incomparavelmente mais depressa do que as transformações e o desenvolvimento do meio geográfico. Em três mil anos, a Europa viu sucederem-se três regimes sociais diferentes: a comuna primitiva, a escravatura, o regime feudal; e no Leste da Europa, no território da U.R.S.S., houve mesmo quatro. Ora, no mesmo período, as condições geográficas da Europa, ou não mudaram em nada, ou mudaram em tão pouco que os geógrafos se abstêm de falar disso. E isto é aceite assim. Para que se produzam transformações, por pequenas que sejam, no meio geográfico, são necessários milhões de anos, enquanto bastam algu­mas centenas de anos ou cerca de dois mil anos para que se verifiquem transformações muito importantes no regime social dos homens.

Por aqui se vê que o meio geográfico não pode ser a causa principal, a causa determinante do desenvolvimento social, pois o que permanece quase imutável durante dezenas de milhares de anos, não pode ser a causa princi­pal do desenvolvimento daquilo que está sujeito a mudanças radicais no espaço de algumas centenas de anos.

Prossigamos. É certo, em seguida, que também o crescimento e a den­sidade da população, fazem parte da noção de “condições da vida material da sociedade”, pois os homens são um elemento indispensável das condições da vida material da sociedade, e sem um mínimo de homens não se poderia conceber nenhuma vida material da sociedade. Não será o crescimento da população a força principal que determina o carácter do regime social dos homens?

A esta pergunta, o materialismo histórico responde também negativamente.

Com certeza, que o crescimento da população exerce influência sobre o desenvolvimento social, facilita-o ou atrasa-o; mas não pode ser a força prin­cipal do desenvolvimento social e a influência que exerce sobre este não pode ser determinante, pois o crescimento da população, por si só, não nos dá a chave deste problema: por que é que a tal regime social sucede preci­samente tal regime social novo, e não outro? Por que é que à comuna primi­tiva sucede precisamente a escravatura? À escravatura, o regime feudal? Ao regime feudal, o regime burguês, e não qualquer outro regime?

Se o crescimento da população fosse a força determinante do desenvol­vimento social, uma maior densidade da população deveria necessariamente dar origem a um tipo superior do regime social. Mas na realidade, não se verifica isto. A densidade de população na China é quatro vezes mais elevada do que a dos Estados Unidos; contudo, os Estados Unidos estão a um nível mais elevado do que a China do ponto de vista do desenvolvimento social: na China existe ainda um regime semi-feudal, enquanto os Estados Unidos atin­giram, desde há muito tempo, o estado superior do desenvolvimento capita­lista. A densidade da população, na Bélgica, é dezanove vezes mais elevada que a dos Estados Unidos e vinte e seis vezes mais elevada que a da U.R.S.S.; contudo, os Estados Unidos estão a um nível mais elevado que a Bélgica do ponto de vista do desenvolvimento social; e em relação à U.R.S.S., a Bélgica está atrasada de toda uma época histórica: na Bélgica domina o regime capitalista, enquanto a U.R.S.S. já acabou com o capita­lismo; instituiu o regime socialista.

Resulta daí, que o crescimento da população não é, e não pode ser, a força principal do desenvolvimento da sociedade, a força que determina o carácter do regime social, a fisionomia da sociedade.

a) Mas então, qual é pois, no sistema das condições da vida material da sociedade, a força principal que determina a fisionomia da sociedade, o carácter do regime social, o desenvolvimento da sociedade de um regime para outro?

O materialismo histórico considera que esta força é o modo de obtenção dos meios de existência necessários à vida dos homens, o modo de produção dos bens materiais: alimentos, vestuário, calçado, habitação, combustível, instrumentos de produção, etc., necessários para que a sociedade possa viver e desenvolver-se.

Para viver, é preciso dispor de alimentos, vestuário, calçado, uma habi­tação, combustível, etc.; para ter estes bens materiais, é preciso produzi-los, e para os produzir, é necessário dispor dos instrumentos de produção com a ajuda dos quais os homens produzem os alimentos, o vestuário, o calçado, a habitação, o combustível, etc.; é necessário produzir estes instrumentos, é preciso nos servirmos deles.

Os instrumentos de produção com a ajuda dos quais são produzidos os bens materiais, os homens que manejam estes instrumentos de produção e produzem os bens materiais, graças a uma certa experiência da produção e aos hábitos de trabalho, eis os elementos que, tomados em conjunto, constituem as forças produtivas da sociedade.

Mas as forças produtivas não são senão um aspecto da produção, um aspecto do modo de produção, aquele que exprime o comportamento dos homens em relação aos objectos e às forças da natureza de que eles se servem para produzirem os bens materiais. O outro aspecto da produção, o outro aspecto do modo de produção, são as relações entre os homens no processo da produção, as relações de produção existentes entre os homens. Na sua luta com a natureza, que eles exploram para produzir os bens materi­ais, os homens não estão isolados uns dos outros; produzem em comum, em grupos, em associações. É por isso que a produção é sempre, e sejam quais forem as condições, uma produção social. Na produção dos bens materiais, os homens estabelecem entre eles tais ou tais relações de produção. Estas últimas podem ser relações de colaboração e de entreajuda entre homens livres de toda e qualquer exploração; podem ser relações de dominação e submissão; podem ser, enfim, relações de transição de uma forma de rela­ções de produção a outra. Mas qualquer que seja o carácter que reveste as relações de produção, estas são sempre, em qualquer regime, um elemento indispensável da produção, assim como as forças produtivas da sociedade.

Na produção, diz Marx, os homens não actuam só sobre a natureza, mas também uns sobre os outros. Só produzem, colaborando de uma ma­neira determinada e trocando entre eles as suas actividades. Para produzir, entram em determinadas relações uns com os outros, e não é senão nos limites destas relações sociais que se estabelece a sua acção sobre a natu­reza, que se realiza a produção (Trabalho Assalariado e Capital).

Daí resulta que a produção, o modo de produção engloba igualmente as forças produtivas da sociedade, assim como as relações de produção entre os homens, e é assim a encarnação da sua unidade no processo de produção dos bens materiais.

b) A primeira particularidade da produção é a de que nunca se mantém num dado ponto por muito tempo; está sempre a transformar-se e a desenvolver-se; além disso, a mudança do modo de produção, provoca inevitavelmente a mudança de todo o regime social, das ideias sociais, das opiniões e instituições políticas; a mudança do modo de produção provoca a modificação de todo o sistema social e político. Nos diferentes graus do desenvolvimento, os homens servem-se de diferentes meios de produção, ou mais simplesmente, os homens têm um género de vida diferente. Na comuna primitiva existe um modo de produção; na escravatura, existe um outro; no feudalismo, um terceiro, e assim sucessivamente. O regime social de vida dos homens, a sua vida espiritual, as suas opiniões, as suas instituições políticas, diferem segundo esses modos de produção.

Ao modo de produção da sociedade correspondem, essencialmente, a própria sociedade, as suas ideias e teorias, as suas opiniões e instituições políticas.

Ou mais simplesmente: tal tipo de vida, tal tipo de pensamento.

Isto quer dizer que a história do desenvolvimento da sociedade é, antes de mais, a história do desenvolvimento da produção, a história dos modos de produção que se sucedem ao longo dos séculos, a história do desenvolvi­mento das forças produtivas e das relações de produção entre os homens.

Assim, a história do desenvolvimento social é, ao mesmo tempo, a história dos produtores dos bens materiais, a história das massas laboriosas que são as forças fundamentais do processo de produção e produzem os bens materiais necessários à existência da sociedade.

Logo, a ciência histórica, se quer ser uma verdadeira ciência, não pode reduzir a história do desenvolvimento social, aos actos dos reis e dos chefes dos exércitos, aos actos dos “conquistadores” e dos “dominadores” de Estados; a ciência histórica deve, antes de mais, ocupar-se da história dos produtores dos bens materiais, da história das massas laboriosas, da história dos povos.

Portanto, a chave que permite descobrir as leis da história da sociedade, deve ser procurada não no cérebro dos homens, não nas opiniões e ideias da sociedade, mas no modo de produção praticado pela sociedade, em cada dado período da história, no económico da sociedade.

Por isso, a tarefa primordial da ciência histórica é o estudo e a descoberta das leis da produção, das leis do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, das leis do desenvolvimento económico da sociedade.

Deste modo, o partido do proletariado, se quer ser um verdadeiro partido, deve, antes de mais, adquirir a ciência das leis do desenvolvimento da produção, das leis do desenvolvimento económico da sociedade.

Portanto, para não se enganar em política, o partido do proletariado deve, no estabelecimento do seu programa, assim como na sua actividade prática, e antes de tudo, inspirar-se nas leis do desenvolvimento da produção, nas leis do desenvolvimento económico da sociedade.

c) A segunda particularidade da produção é a de que as transformações e o seu desenvolvimento começam sempre pela transformação e pelo desen­volvimento das forças produtivas e, antes de mais nada, pela transformação e desenvolvimento dos instrumentos de produção. As forças produtivas são, por consequência, o elemento mais móvel e mais revolucionário da produção. Em primeiro lugar modificam-se e desenvolvem-se as forças produtivas da sociedade; a seguir, em função e em conformidade com estas modificações, modificam-se as relações de produção entre os homens, as suas relações económicas. Isto não significa, contudo, que as relações de produção não influam no desenvolvimento das forças produtivas, e que estas últimas não dependam das primeiras. As relações de produção, cujo desenvolvimento depende do das forças produtivas, actuam, por sua vez, sobre o desenvolvi­mento, das forças produtivas, acelerando-as ou retardando-as. Além disso, importa salientar que as relações de produção não poderiam retardar, por muito tempo, o crescimento das forças produtivas e manterem-se em contra­dição com este desenvolvimento, pois as forças produtivas só podem desen­volver-se completamente se as relações de produção correspondem ao ca­rácter, ao estado das forças produtivas e dão livre curso ao desenvolvimento destas últimas. É por esta razão que, qualquer que seja o atraso das relações de produção em relação ao desenvolvimento das forças produtivas, devem, mais cedo ou mais tarde, acabar por corresponder – é o que se verifica efec­tivamente – ao nível do desenvolvimento das forças produtivas, ao carácter destas forças produtivas. Caso contrário, a unidade das forças produtivas e das relações de produção, no sistema da produção, seria seriamente com­prometida e dar-se-ia uma ruptura no conjunto da produção, uma crise da produção, a destruição das forças produtivas.

As crises económicas nos países capitalistas – onde a propriedade privada capitalista dos meios de produção está em flagrante contradição com o carácter social do processo de produção, com o carácter das forças produtivas  –  são um exemplo do desacordo entre as relações de produção e o carácter das forças produtivas, um exemplo do conflito que as instiga à luta. As crises económicas que conduzem à destruição das forças produtivas são o resultado deste desacordo; além disso, este próprio desacordo é a base económica da revolução social chamada a destruir as relações de produção actuais e a criar novas relações adequadas ao carácter das forças produtivas.

Pelo contrário, a economia socialista na U.R.S.S., onde a propriedade social dos meios de produção está em perfeito acordo com o carácter social do processo de produção, e onde, por conseguinte, nem há crises económicas, nem destruição das forças produtivas, é um exemplo do acordo perfeito entre as relações de produção e o carácter das forças produtivas.

Por isso, as forças produtivas não são apenas o elemento mais móvel e mais revolucionário da produção. São também o elemento determinante do desenvolvimento da produção.

Tais são as forças produtivas, tais devem ser as relações de produção.

Se o estado das forças produtivas indica quais os instrumentos de produção com os quais os homens produzem os bens materiais que lhes são necessários, o estado das relações de produção mostra na posse de quem se encontram os meios de produção (a terra, as florestas, a água, o subsolo, as matérias-primas, os instrumentos de produção, as construções de exploração, os meios de transporte e de comunicação, etc.); à disposição de quem se encontram os meios de produção, à disposição de toda a sociedade, ou à disposição de determinados indivíduos, de grupos ou de classes que se servem deles para explorar outros indivíduos, grupos ou classes.

Eis aqui o quadro esquemático do desenvolvimento das forças produti­vas desde os tempos mais recuados, até aos nossos dias: transição dos utensílios de pedra aos de metal (machado de ferro, arado com relha de ferro, etc.) e, a seguir, passagem à cultura das plantas, à agricultura); novo aperfei­çoamento dos utensílios de metal para trabalhar os materiais, aparecimento da forja a sopro e da olaria e, a seguir, desenvolvimento das profissões manuais, separação destas e da agricultura, desenvolvimento das profissões manuais independentes e depois manufactura; transição dos instrumentos de produção artesanal à máquina e transformação da produção artesanal-ma­nufacturada em indústria mecanizada; transição do sistema de máquinas e aparecimento da grande indústria mecanizada moderna: tal é o quadro de conjunto, muito incompleto, do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade ao longo da história da humanidade. Daqui resulta que o desen­volvimento e aperfeiçoamento dos instrumentos de produção foram realiza­dos pelos homens, que têm uma relação com a produção, e não indepen­dentemente dos homens. Assim, ao mesmo tempo que se transformam e desenvolvem os instrumentos de produção, os homens – elemento essencial das forças produtivas – igualmente se transformam e desenvolvem; a sua experiência de produção, os seus hábitos de trabalho, a sua capacidade para manejar os instrumentos de produção transformam-se e desenvolvem-se.

Foi de acordo com estas transformações e com este desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, ao longo da história, que mudaram e se desenvolveram as relações de produção entre os homens, as suas relações económicas.

A história conhece cinco tipos fundamentais de relações de produção: a comuna primitiva, a escravatura, o regime feudal, o regime capitalista e o regime socialista.

No regime da comuna primitiva, a propriedade colectiva dos meios de produção forma a base das relações de produção, o que corresponde, no essencial, ao carácter das forças produtivas neste período. Os utensílios de pedra, assim como o arco e as flechas aparecidos mais tarde, não permitiam aos homens lutar isoladamente contra as forças da natureza e os animais de rapina. Para colher os frutos nas florestas, para pescar, para construir qual­quer habitação, os homens eram obrigados a trabalhar em comum se não queriam morrer de fome ou tornarem-se vítimas dos animais ferozes ou de tribos vizinhas. O trabalho em comum conduziu à propriedade comum dos meios de produção e dos produtos. Nesta altura, ainda não se tem a noção da propriedade privada dos meios de produção, salvo a propriedade indivi­dual de alguns instrumentos de produção, que são simultaneamente armas de defesa contra os animais de rapina. Aqui não há exploração, nem classes.

No regime de escravatura, é a propriedade do dono dos escravos sobre os meios de produção e sobre o trabalhador – o escravo, que ele pode vender, comprar, matar como se fosse gado – que forma a base de relação de produção. Estas relações de produção correspondem, no essencial, ao estado das forças produtivas, neste período. Em lugar dos utensílios de pedra os homens dispõem agora de instrumentos de metal; em lugar de uma economia reduzida a uma caça primitiva e miserável, que ignora a criação de animais e a agricultura, aparece a criação de animais, a agricultura, as profissões manuais, a divisão do trabalho entre estes diferentes ramos da produção; vê-se aparecer a possibilidade de troca de produtos entre indivíduos e grupos, a possibilidade de uma acumulação de riquezas nas mãos de um pequeno número de homens, a acumulação real dos meios de produção nas mãos de uma minoria, a possibilidade da minoria submeter a maioria e a transformação dos membros da maioria em escravos. Aqui, já não há trabalho comum e livre de todos os membros da sociedade no processo da produção; aqui, predomina o trabalho forçado dos escravos, explorados por patrões ociosos. É por isso que já não há propriedade comum dos meios de produção, nem de produtos. Foi substituída pela propriedade privada. Aqui, o dono dos escravos é o primeiro e o principal proprietário, o proprietário absoluto.

Ricos e pobres, exploradores e explorados, pessoas que têm todos os direitos e pessoas que não têm direito nenhum, uma dura luta de classes entre uns e outros: tal é o quadro do regime da escravatura.

No regime feudal, é a posse do senhor feudal sobre os meios de produção e a sua posse limitada sobre o trabalhador – o servo que o senhor feudal já não pode matar, mas pode vender e comprar – que formam a base das relações de produção. A propriedade feudal coexiste com a posse individual do camponês e do artesão, dos instrumentos de produção e sobre a sua economia privada, baseada no seu trabalho pessoal. Estas relações de produção correspondem, no essencial, ao estado das forças produtivas neste período. Aperfeiçoamento da fundição e do tratamento do ferro, emprego generalizado da charrua e do trabalho de tecelagem, desenvolvimento contínuo da agricultura, da jardinagem, da indústria vinícola, fabrico do azeite, aparecimento das manufacturas ao lado das oficinas de artesãos: tais são os traços característicos do estado das forças produtivas.

As novas forças produtivas exigem que o trabalhador dê provas de uma certa iniciativa na produção, de gosto pela obra, de interesse no trabalho. É por essa razão que o senhor feudal, renunciando a um escravo, que não tem interesse no trabalho, é absolutamente desprovido de iniciativa, prefere tratar com um servo que possui a sua própria exploração, os seus instrumentos de produção e que tem algum interesse no trabalho, interesse indispensável para que cultive a terra e pague da sua recolha, ao senhor feudal, uma renda em produtos agrícolas.

Aqui, a propriedade privada continua a evoluir. A exploração é quase tão dura como na escravatura; apenas está camuflada. A luta de classes entre os exploradores e os explorados é a característica essencial do regime feudal.

No regime capitalista, é a propriedade capitalista dos meios de produção que forma a base das relações de produção: a posse dos produtores, dos trabalhadores assalariados, já não existe; o capitalista não pode matá-los nem vendê-los, pois eles estão libertos de qualquer dependência pessoal; mas estão privados dos meios de produção e, para não morrerem de fome, são forçados a vender a sua força de trabalho ao capitalista e a suportar o jugo da exploração. Ao lado da propriedade capitalista dos meios de produção, existe, largamente propagada nos primeiros tempos, a propriedade privada do camponês e do artesão libertos da servidão, sobre os meios de produção, propriedade baseada no trabalho pessoal. As oficinas de artesãos e as manufacturas deram lugar a enormes fábricas apetrechadas com máquinas. Os domínios dos senhores, que eram cultivados com os instrumentos primitivos dos camponeses, deram lugar a poderosas explorações capitalistas geridas na base da ciência agronómica e providas de máquinas agrícolas.

As novas forças produtivas exigem que os trabalhadores sejam mais cultos e mais inteligentes do que os servos ignorantes e embrutecidos; que sejam capazes de compreender a máquina e saibam manejá-la convenientemente. Também os capitalistas preferem tratar com trabalhadores assalariados, libertos dos entraves da servidão, suficientemente cultos para operar convenientemente as máquinas.

Mas para ter desenvolvido as forças produtivas em proporções gigan­tescas, o capitalismo gerou contradições insolúveis. Ao produzir quantidades cada vez maiores de mercadorias e reduzindo os preços, o capitalismo acentua a concorrência, arruína os pequenos e médios proprietários, redu-los ao estado de proletários e diminui o seu poder de compra; resulta que se torna impossível o escoamento das mercadorias fabricadas. Ao expandir a produção e agrupar, nas enormes fábricas, milhões de operários, o capita­lismo dá um carácter social ao processo de produção e com isso mina a sua própria base; pois o carácter social do processo de produção exige a proprie­dade social dos meios de produção; ora, a propriedade dos meios de produ­ção mantém-se como uma propriedade privada, capitalista, incompatível com o carácter social do processo de produção.

São as contradições irreconciliáveis entre o carácter das forças produtivas e as relações de produção que se manifestam nas crises periódicas de superprodução; os capitalistas, na falta de compradores solváveis, por causa da ruína das massas de que eles são os verdadeiros responsáveis, são obrigados a queimar géneros de consumo, destruir mercadorias já fabricadas, interromper a produção, destruir as forças produtivas, e, apesar disso, milhões de homens estão desempregados e têm fome, não porque faltem mercadorias, mas porque produziram demasiado.

Isso significa, que as relações de produção capitalistas já não correspondem ao estado das forças produtivas da sociedade, e entraram em contradição insolúvel com estas.

Isso significa que o capitalismo necessita de uma revolução para substituir a actual propriedade capitalista dos meios de produção, pela propriedade socialista.

Isso significa que a característica essencial do regime capitalista é uma luta de classes, das mais agudas, entre exploradores e explorados.

No regime socialista que, até este momento, só está estabelecido na U.R.S.S., é a propriedade social dos meios de produção que forma a base das relações de produção. Aqui, já não há exploradores nem explorados. Os produtos são repartidos mediante o trabalho fornecido por cada um e segundo o princípio: “Quem não trabalha, não come”. As relações entre os homens, no processo de produção, são relações de colaboração fraterna e de entreajuda socialista dos trabalhadores libertos da exploração. As relações de produção estão perfeitamente adequadas ao estado das forças produtivas, pois o carácter social do processo de produção está alicerçado na propriedade social dos meios de produção.

É isto que faz com que a produção socialista na U.R.S.S. ignore as crises periódicas de superprodução e todos os outros absurdos que daí resultam.

É isto que faz com que aqui as forças produtivas se desenvolvam com um ritmo acelerado pois as relações de produção que Lhes são convenientes dão livre curso a este desenvolvimento.

Tal é o quadro do desenvolvimento das relações de produção entre os homens, ao longo da história da humanidade.

Tal é a dependência do desenvolvimento das relações de produção em relação ao desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, e, antes de mais, em relação ao desenvolvimento dos instrumentos de produção, dependência que faz com que as transformações e o desenvolvimento das forças produtivas dêm lugar, mais cedo ou mais tarde, a uma transformação e a um desenvolvimento correspondentes das relações de produção.

O emprego e a criação dos meios de trabalho[1], apesar de se encontrarem em embrião em algumas espécies animais, caracterizam eminentemente o trabalho humano. Também Franklin dá esta definição de homem: o homem é um animal que fabrica utensílios [a toolmaking animal]. Os restos dos antigos meios de trabalho têm, para o estudo das formas económicas das sociedades desaparecidas, a mesma importância que a estrutura dos ossos fósseis para o conhecimento da organização das raças extintas. Aquilo que distingue uma época económica de outra, é menos aquilo que se fabrica, do que como é fabricado... Os meios de trabalho são a escala do desenvolvimento do trabalhador, e os expositores das relações sociais, nas quais ele trabalha. (K. Marx: O Capital).

E mais adiante:

As relações sociais estão intimamente ligadas às forças produtivas. Ao adquirir novas forças produtivas, os homens mudam o seu modo de produção e ao mudar o modo de produção, a maneira de ganhar a vida, mudam todas as suas relações sociais. A azenha dar-vos-á a sociedade com o suserano[2]; o moinho a vapor, a sociedade com o capitalismo industrial (K. Marx: Miséria da Filosofia, resposta à Filosofia da Miséria, de M. Proudhon).

Há um movimento contínuo de crescimento nas forças produtivas, de destruição nas relações sociais, de formação nas ideias; não há nada mais imutável que a abstracção do movimento. (Ibidem).

Definindo o materialismo histórico, formulado no Manifesto do Partido Comunista, diz Engels:

...A produção económica e a estrutura social, que dela necessariamente resulta constituem, em cada época histórica, a base da história política e intelectual dessa época;... portanto, (desde a dissolução do regime primitivo propriedade comum da terra) toda a história foi uma história de luta de classes, de lutas entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dominadas e classes dominantes, nas diferentes fases do seu desenvolvimento social;... actualmente esta luta atingiu uma etapa em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não pode já libertar-se da classe que a explora e oprime, sem libertar ao mesmo tempo e para sempre, toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classes... (F. Engels: prefácio à edição alemã de 1883 do Manifesto do Partido Comunista).

d) A terceira particularidade da produção é a de que as novas forças produtivas e as relações de produção que lhes correspondem não aparecem fora do antigo regime e depois do seu desaparecimento; aparecem no próprio seio do velho regime; não são o efeito de uma acção consciente, premeditada pelos homens. Surgem espontâneas e independentes da vontade dos homens, por duas razões:

Em primeiro lugar, porque os homens não são livres na escolha do modo de produção; cada nova geração, na sua entrada na vida, encontra forças produtivas e relações de produção já estabelecidas, criadas pelo trabalho das gerações precedentes; também cada nova geração é obrigada a aceitar, de início, tudo o que encontra estabelecido no domínio da produção e a adaptar-se para poder produzir bens materiais.

Em segundo lugar, porque ao aperfeiçoar este ou aquele instrumento de produção, este ou aquele elemento das forças produtivas, os homens não têm consciência dos resultados sociais, aos quais devem conduzir estes aperfeiçoamentos; não o compreendem e não pensam nisso; não pensam senão nos seus interesses quotidianos, em tornar o seu trabalho mais fácil e em obter uma vantagem imediata e tangível.

Quando alguns membros da comuna primitiva começaram, pouco a pouco, e às apalpadelas, a passar dos utensílios de pedra aos utensílios de ferro, ignoravam evidentemente os resultados sociais a que levaria esta inovação; não pensavam nisso; não tinham consciência, não compreendiam que a adopção dos utensílios de metal significava uma revolução na produção, que essa revolução levaria finalmente ao regime de escravatura. O que eles queriam, era, simplesmente, tornar o trabalho mais fácil e obter uma vantagem imediata e palpável; a sua actividade consciente limitava-se ao quadro estreito desta vantagem pessoal, quotidiana.

Quando, no regime feudal, a jovem burguesia da Europa começou a construir, ao lado das pequenas oficinas de artesãos, grandes fábricas, fa­zendo assim progredir as forças produtivas da sociedade, ignorava evidente­mente as consequências sociais que resultariam dessa inovação; não pensava nisso; não tinha consciência, não compreendia que esta “pequena” inovação levaria a um reagrupamento das forças sociais, que deveria termi­nar com uma revolução contra o poder real do qual apreciava tanto a bene­volência, assim como contra a nobreza na qual muitos dos melhores repre­sentantes desta burguesia sonhavam entrar; o que queria era simplesmente diminuir o custo da produção das mercadorias, lançar uma maior quantidade de mercadorias nos mercados da Ásia e nos da América, que acabava de ser descoberta, e conseguir maiores lucros; a sua actividade consciente limitava- -se ao quadro estreito destes interesses práticos, quotidianos.

Quando os capitalistas russos, de acordo com os capitalistas estrangeiros, implantaram altivamente na Rússia a grande indústria mecanizada moderna, sem tocar no czarismo e lançando os camponeses como repasto aos grandes latifundiários, ignoravam evidentemente as consequências sociais que resultariam desse considerável crescimento das forças produtivas, não pensavam nisso; não tinham consciência, não compreendiam que este considerável salto das forças produtivas da sociedade daria origem a um reagrupamento das forças sociais, que permitiria ao proletariado associar-se ao campesinato e fazer triunfar a revolução capitalista. O que eles queriam, era simplesmente expandir até ao extremo a produção industrial, tornarem-se senhores de um imenso mercado interior, monopolizar a produção e extrair, da economia nacional, o maior lucro possível; a sua actividade consciente não ia além dos seus interesses quotidianos, puramente práticos.

Marx disse a este respeito:

Na produção social da sua existência[3], os homens entram em determinadas relações necessárias, independentes (sublinhado pelo autor.) da sua vontade; estas relações de produção correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. (Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política).

Isto não significa, contudo, que a mudança das relações de produção e a passagem das antigas relações de produção às novas, se efectuem uniformemente, sem sacudidelas nem conflitos. Pelo contrário, esta passagem opera-se habitualmente com o derrube revolucionário das antigas relações de produção e com o estabelecimento de novas relações. Até um certo momento, o desenvolvimento das forças produtivas e as transformações, no domínio das relações de produção, efectuam-se espontaneamente, sem depender da vontade dos homens. Mas só assim até um certo momento, até ao momento em que as forças produtivas, que já surgiram e se desenvolvem, estiverem suficientemente maduras. Quando as novas forças produtivas atingem a maturidade, as relações de produção existentes e as classes dominantes que as personificam, transformam-se numa barreira “intransponível”, que só pode ser afastada do caminho pela actividade consciente de novas classes, pela acção violenta destas classes, pela revolução. É então que aparece de uma maneira impressionante o papel imenso das novas ideias sociais, das novas instituições políticas, do novo poder político, chamados a suprimir pela força as antigas relações de produção. O conflito entre as novas forças produtivas e as antigas relações de produção, as novas necessidades económicas da sociedade dão origem a novas ideias sociais; estas novas ideias organizam e mobilizam as massas, estas unem-se a um novo exército político, criam um novo poder revolucionário e servem-se dele para suprimir pela força a antiga ordem de coisas no domínio das relações de produção, para instituir um novo regime. O processo espontâneo de desenvolvimento dá o lugar à actividade consciente dos homens; o desenvolvimento pacífico, a uma agitação violenta; a evolução, à revolução. O proletariado, diz Marx, na sua luta contra a burguesia organiza-se forçosamente em classe e ...”na luta contra a burguesia, o proletariado converte-se em classe dominante e, como classe dominante, destrói pela violência as antigas relações de produção” (K. Marx e F. Engels: O Manifesto do Partido Comunista).

E mais adiante:

O proletariado servir-se-á da sua supremacia política para arrancar pouco a pouco à burguesia todo o capital, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, quer dizer, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar com a maior rapidez possível a quantidade das forças produtivas. (Ibidem). A força é a parteira de toda a velha sociedade em actividade. (O Capital. livro primeiro).

No histórico prefácio da sua célebre obra Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), Marx dá uma definição genial da própria essência do materialismo histórico:

Na produção social da sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade; estas relações de produção correspondem a um dado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e intelectual, em geral. Não é a consciência dos homens que determina a sua existência; é, pelo contrário, a existência social que determina a sua consciência.

Em determinado grau do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não passa da sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais actuavam até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações passam a ser um entrave para estas forças. Então inicia-se uma época de revoluções sociais. A mudança da base económica transforma, mais ou menos lenta ou rapidamente, toda a formidável superestrutura. Quando se estuda essas transformações, é preciso distinguir sempre a mudança material – constatada com uma precisão própria das ciências naturais – das condições económicas da produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas, nas quais os homens concebem este conflito e o combatem. Assim como não se pode julgar um indivíduo pela ideia que ele tem de si próprio, também não se pode julgar uma tal época de transformações pela sua consciência; mas é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que opõe as forças produtivas da sociedade e as relações de produção. Uma formação social nunca morre antes de se terem desenvolvido todas as forças produtivas, às quais pode dar livre curso; nunca aparecem novas relações de produção, superiores às antigas, antes de terem morrido as suas condições materiais no seio da velha sociedade. É por esta razão que nunca se põem, à Humanidade, problemas que ela não possa resolver; pois, por pouco que considerem as coisas, reconhecer-se-á sempre que o problema em si não surge senão quando existem ou pelo menos estão em formação, as condições naturais para a sua solução.

Eis o que ensina o materialismo marxista aplicado à vida social, à história da sociedade.

Tais são as características fundamentais do materialismo dialéctico e histórico.



[1] Por “meios de trabalho”, Marx entende principalmente os instrumentos de produção. J.Estaline

[2]  O senhor feudal. J. Estaline

[3] Isto é, na produção dos bens materiais necessários à vida dos homens. J. Estaline



publicado por portopctp às 22:11
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O materialismo dialéctico e o materialismo histórico (I)

O materialismo dialéctico é a teoria geral do Partido marxista-leninista. O materialismo dialéctico é assim chamado, porque a sua maneira de considerar os fenómenos da natureza, o seu método de investigação e de conhecimento é dialéctico e a sua interpretação, a sua concepção dos fenó­menos da natureza, a sua teoria é materialista.

O materialismo histórico estende os princípios do materialismo dialéctico ao estudo da vida social; aplica estes princípios aos fenómenos da vida social, ao estudo da história da sociedade.

Ao definir o seu método dialéctico, Marx e Engels se referem habitual­mente a Hegel, como o filósofo que enunciou as características fundamentais da dialéctica. Contudo, isso não significa que a dialéctica de Marx e Engels seja idên­tica à de Hegel, pois Marx e Engels só tomaram da dialéctica de Hegel, o seu “núcleo racional”; rejeitaram dela a sua parte idealista e desenvolveram a dialéctica, imprimindo-lhe um carácter científico moderno.

O meu método dialéctico, diz Marx, não só difere na sua base do método hegeliano mas é mesmo exactamente oposto. Para Hegel, o movimento do pensamento, que ele personifica sob o nome de Ideia, é o criador da realidade, a qual não é senão a forma fenomenal da Ideia. Para mim, pelo contrário, o movimento do pensamento é a reflexão do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem. (O Capital).

Ao definir o seu materialismo, Marx e Engels referem-se habitualmente a Feuerbach, como o filósofo que reintegrou o materialismo no seu devido lugar. Contudo, isso não significa que o materialismo de Marx e Engels seja idêntico ao de Feuerbach. Com efeito, Marx e Engels apenas tomaram, ao materialismo de Feuerbach, o seu “núcleo central”; desenvolveram-no numa teoria filosófica científica do materialismo e rejeitaram dele as sobreposições idealistas, éticas e religiosas. Sabe-se que Feuerbach, apesar de ser basicamente materialista, se ergueu contra a denominação de materialismo. Engels disse, várias vezes, que Feuerbach “continua, apesar da sua base” (materialista) “prisioneiro dos entraves idealistas tradicionais”, que o “verdadeiro idealismo de Feuerbach aparece logo que chegamos à sua filoso­fia da religião e à sua ética”. (Friedrich Engels: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

Dialéctica vem da palavra grega dialektiké que significa conversar, de­bater. Na antiguidade entendia-se por dialéctica a arte de chegar à verdade, descobrindo e superando as contradições contidas no raciocínio do adversá­rio. Certos filósofos da antiguidade pensavam que a descoberta das contra­dições no pensamento e o choque das opiniões contrárias eram o melhor meio de descobrir a verdade. Este modo dialéctico de pensamento, estendido a seguir aos fenómenos da natureza, tornou-se o método dialéctico do conhecimento da natureza; segundo este método, os fenómenos da natureza estão eternamente em movimento e em transformação e o desenvolvimento da natureza é o resul­tado do desenvolvimento das contradições da natureza, o resultado da acção recíproca das forças contrárias da natureza.

Pela sua essência, a dialéctica é completamente oposta à metafísica.

1.º O Método Dialéctico Marxista é caracterizado pelos seguintes traços fundamentais

a) Ao contrário da metafísica, a dialéctica olha a natureza não como uma acumulação acidental de objectos, de fenómenos separados uns dos outros, isolados e independentes uns dos outros, mas como um todo unido, coerente, em que os objectos, os fenómenos, estão ligados organicamente entre eles, dependem um dos outros e condicionam-se reciprocamente.

É por esta razão, que o método dialéctico considera que nenhum fenó­meno da natureza pode ser compreendido se for considerado isoladamente, fora dos fenómenos que o rodeiam; pois qualquer fenómeno, em qualquer domí­nio da natureza, pode ser convertido numa coisa sem sentido, se for conside­rado fora das condições que o rodeiam, se for separado destas condi­ções; pelo contrário, qualquer fenómeno pode ser compreendido e justificado, se for considerado sob o ângulo da sua ligação indissolúvel com os fenóme­nos que o rodeiam, se for considerado tal como é condicionado pelos fenómenos que o cercam.

b) Ao contrário da metafísica, a dialéctica olha a natureza, não como um es­tado de repouso e de imobilidade, de estagnação e de imutabilidade, mas como um estado de movimento e transformação perpétuos, de renovação e desenvolvimento incessantes, em que sempre nasce e se desenvolve qualquer coisa, se desagrega e desaparece qualquer coisa.

É por esta razão que o método dialéctico exige que os fenómenos sejam considerados não só do ponto de vista das suas relações e condicionamentos recíprocos, mas também do ponto de vista do seu movimento, da sua trans­formação, do seu desenvolvimento, do ponto de vista do seu aparecimento e do seu desaparecimento.

Para o método dialéctico, o que importa, antes de mais, não é o que parece estável num dado momento, mas o que começa já a decair; o que importa, antes de tudo, é o que nasce e se desenvolve mesmo se, num dado mo­mento, a coisa parece instável, pois, segundo o método dialéctico, nada é menos vulnerável do que aquilo que nasce e se desenvolve.

Toda a natureza, diz Engels, das partículas mais Ínfimas aos corpos maiores, do grão de areia ao Sol, do protiste[1] ao homem, está empe­nhada num processo eterno de aparecimento e de desaparecimento, num fluxo incessante, num movimento e numa transformação perpétuos (Dialéctica da Natureza, F. Engels).

É por esta razão, diz Engels, que a dialéctica “observa as coisas e o seu reflexo mental principalmente nas suas relações recíprocas, no seu encadeamento, no seu movimento, no seu aparecimento e desaparecimento”. (Anti-Dühring, F. Engels).

c) Contrariamente à metafísica, a dialéctica considera o processo de desen­volvimento, não como um simples processo de crescimento, em que as mudanças quantitativas não têm como resultado mudanças qualitativas, mas como um desenvolvimento que passa das mudanças quantitativas e latentes a mudanças evidentes e radicais, a mudanças qualitativas; em que as mudanças qualitativas não são graduais, mas rápidas, bruscas e se verificam por saltos, de um estado a outro; estas mudanças não são contingentes, mas necessárias; são o resultado da acumulação de mudanças quantitativas insensíveis e graduais.

É por esta razão que o método dialéctico considera que o processo de desenvolvimento deve ser entendido não como um movimento circular, não como uma simples repetição do caminho percorrido, mas como um movi­mento progressivo, ascendente, como a passagem do estado qualitativo antigo, a um novo estado qualitativo, como um desenvolvimento que vai do simples ao complexo, do inferior ao superior.

A natureza, diz Engels, é o banco de ensaios da dialéctica e é necessá­rio dizer que as ciências modernas da natureza forneceram, para esta prova, materiais que são extremamente ricos e que aumentam de dia a dia, assim provando que a natureza, em última instância, comporta-se dialecticamente e não metafisicamente, que não se move num círculo eternamente idêntico que se repetiria perpetuamente, mas que conhece uma história real. A propósito disto convém, antes de mais, mencionar Darwin que infligiu um rude golpe à concepção metafísica da natureza, ao demonstrar que todo o mundo orgâ­nico, tal como existe hoje, as plantas e os animais e portanto também o ho­mem, é o produto de um processo de desenvolvimento que já dura há milhões de anos (Ibidem).

Engels mostra que no desenvolvimento dialéctico, as mudanças quanti­tativas se convertem em mudanças qualitativas:

Em física... toda a transformação é uma passagem da quantidade à qualidade, o efeito da mudança quantitativa da quantidade de movimento – seja de que forma for – inerente ao corpo ou comunicado ao corpo. Assim, a temperatura da água é, em princípio, indiferente ao seu estado lí­quido; mas se se aumenta ou diminui a temperatura da água, chega um momento em que o seu estado de coesão se modifica e a água se transforma em vapor e em gelo respectivamente... É assim que é necessária uma corrente de uma certa intensidade para tornar luminoso um fio de platina; é assim que qual­quer metal tem a sua tempera­tura de fusão; é assim que qualquer líquido, a uma dada pressão, tem o seu ponto determinado de congelação e de ebuli­ção, na medida em que os nos­sos meios nos permitam obter as temperaturas necessárias; enfim, é assim que, para cada gás, há um ponto crítico no qual se pode transformar em líquido, em determinadas condições de pressão e arrefecimento... As constantes, como se diz em física[2], não são, na maior parte dos casos, mais do que pontos nodais em que a adição ou subtracção de movimento (mudança quantitativa) provoca uma mudança qualitativa num corpo, em que, por consequência, a quantidade se transforma em qualidade. (Dialéctica da Natureza).

E a propósito da química:

Pode-se dizer que a química é a ciência das trans­formações qualitativas dos corpos, devidas a transformações quantitativas. O próprio Hegel já o sabia… Tomemos o oxigénio: se se reúnem numa molécula três átomos em lugar de dois, como normalmente, obtém-se um corpo novo, o ozono, que se distingue nitidamente do oxigénio ordinário, pelo seu cheiro e pelas suas reacções. E que dizer das diferentes combinações do oxigénio com o azoto ou com o enxofre, de onde, de cada uma delas, resulta um corpo qualitativa­mente diferente de todos os outros? (Ibidem)

Enfim, Engels critica Dühring que censura Hegel atribuindo-lhe sub-repti­cia­mente a sua célebre tese, segundo a qual a passagem do reino do mundo insensível ao da sensação, do reino do mundo inorgânico ao da vida orgâ­nica, é um salto para um novo estado:

É com efeito a linha nodal hegeliana das relações de medida, em que uma adição ou uma subtracção puramente quantitativas produzem em certos pontos nodais, um salto qualitativo, como é o caso, por exemplo, da água aquecida ou arrefecida, para a qual o ponto de ebulição e o ponto de conge­lação são os nós em que se verifica, à pressão normal, o salto para um novo estado de agregação; em que, por consequência, a quantidade se transforma em qualidade (Anti-Dühring).

d) Ao contrário da metafísica, a dialéctica parte do princípio que os objectos e os fenómenos da natureza encerram contradições internas, pois todos eles têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro, todos eles têm elementos que desaparecem ou que se desenvolvem; a luta destes con­trários, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que se desagrega e o que se desenvolve, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.

É por esta razão que o método dialéctico considera que o processo de de­senvolvimento do inferior ao superior não se efectua no plano de uma evolu­ção harmoniosa dos fenómenos, mas no de evidência das contradições ine­rentes aos objectos, aos fenómenos, no plano de uma luta das tendências contrárias que se operam na base destas contradições.

A dialéctica, no verdadeiro sentido da palavra, é, diz Lenine, o estudo das contradições na própria essência das coisas (Cadernos de filosofia).

E mais adiante:

O desenvolvimento é a luta dos contrários. (Questões da dialéctica)

São estes, em resumo, os traços fundamentais do método dialéctico marxista.

Não é difícil compreender qual a considerável importância que toma a exten­são dos princípios do método dialéctico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade, qual a considerável importância que toma a aplicação destes princípios à história da sociedade, à actividade prática do partido do proletariado.

Se é verdade que não há, no mundo, fenómenos isolados, se é verdade que todos os fenómenos estão ligados entre si e se condicionam reciproca­mente, é claro que qualquer regime social e qualquer movimento social na história devem ser julgados, não do ponto de vista da “justiça eterna” ou de qualquer outra ideia preconcebida, como o fazem frequentemente os historia­dores, mas do ponto de vista das condições que deram origem a este regime e a este movimento e com as quais estão ligados.

O regime de escravatura, nas condições actuais, seria um contra-senso, um absurdo contra a natureza. Mas o regime de escravatura nas condições do regime da comunidade primi­tiva em decomposição é um fenómeno perfeitamente compreensível e lógico, pois significa um passo em frente em relação à comunidade primitiva.

Reivindicar a instituição da república democrática burguesa nas condi­ções do czarismo e da sociedade burguesa, por exemplo na Rússia de 1905, era perfeitamente compreensível, justo e revolucionário, pois a república burguesa significava, então, um passo em frente. Mas reivindicar a instituição da república democrática burguesa, nas condi­ções actuais da U.R.S.S., seria um contra-senso, seria contra-revolucionário, pois a república burguesa em comparação à república soviética é um passo atrás.

Tudo depende das condições, do lugar e da época.

É evidente que sem esta concepção histórica dos fenómenos sociais, a exis­tência e o desenvolvimento da ciência histórica são impossíveis; só uma tal concepção evita que a ciência histórica se torne um caos de contingências e um montão de erros absurdos.

Prossigamos. Se é verdade que o mundo se move e se desenvolve perpetuamente, se é verdade que o desaparecimento do velho e o nascimento do novo constituem uma lei do desenvolvimento, é claro que não há regimes sociais “imutáveis”, “princípios eternos” de propriedade privada e de exploração; que não há “ideias eternas” de submissão dos camponeses aos grandes latifundiários, dos operá­rios aos capitalistas.

Por consequência, o regime capitalista pode ser substituído pelo regime soci­alista, do mesmo modo que o regime capitalista substituiu, na devida altura, o regime feudal.

Consequentemente, é preciso basear a acção, não nas camadas sociais que não se desenvolvem mais, mesmo que representem no momento a força dominante, mas nas camadas sociais que se desenvolvem e que têm o futuro, mesmo que não representem no momento a força dominante.

Em 1880-1890, na época da luta dos marxistas contra os populistas, o pro­le­tariado da Rússia era uma ínfima minoria em relação à massa dos cam­pone­ses individuais, que formava a imensa maioria da população. Mas o proletariado desenvolvia-se enquanto classe, ao passo que o campe­sinato desagregava-se enquanto classe. E foi justamente porque o proletariado se desenvolvia como classe, que os marxistas basearam nele a sua acção. No que não se enganaram, pois sabe-se que o proletariado, que era uma força pouco importante, se tornou a seguir uma força histórica e política de primeira ordem.

Assim, para não nos enganarmos em política, é necessário olhar para a frente e não para trás.

Prossigamos. Se é verdade que a passagem das mudanças quantitativas lentas a mudan­ças qualitativas bruscas e rápidas é uma lei do desenvolvimento, é claro que as revoluções realizadas pelas classes oprimi­das constituem um fenómeno absolutamente natural, inevitável.

Consequentemente, a passagem do capitalismo ao socialismo e a liber­tação da classe operária do jugo capitalista podem ser efectuadas, não por trans­formações lentas, não por reformas, mas somente por uma mudança qualita­tiva do regime capitalista, pela revolução.

Assim, para não nos enganarmos em política, é preciso sermos revolu­cioná­rios e não reformistas.

Prossigamos. Se é verdade que o desenvolvimento se faz pelo apareci­mento das contradições internas, pelo conflito das forças contrárias, na base destas contradições, conflito destinado a ultrapassá-las, é claro que a luta de classes do proletariado é um fenómeno perfeitamente natural, inevitável.

Assim, não devem ocultar-se as contradições do regime capitalista, mas fazê-las aparecer e expô-las, não abafar a luta de classes, mas levá-la até ao fim.

Portanto, para não nos enganarmos em política, é preciso seguir uma política proletária de classe, intransigente, e não uma política reformista de harmonia com os interesses do proletariado e da burguesia, não uma política concilia­dora de “integração” do capitalismo no socialismo.

Eis o que é o método dialéctico marxista aplicado à vida social, à história da sociedade.

Por sua vez, o materialismo filosófico marxista pela sua raiz, o exacto oposto do idealismo filosófico.

2.º O Materialismo Filosófico Marxista é caracterizado pelos seguintes traços fundamentais:

a) Ao contrário do idealismo, que considera o mundo como a incarnação da “ideia absoluta”, do “espírito universal”, da “consciência”, o materialismo filo­sófico de Marx parte do princípio de que o mundo, pela sua natureza, é mate­rial, que os múltiplos fenómenos do universo são os diferentes aspectos da matéria em movimento; que as relações e o condicionamento recíproco dos fenómenos, estabelecidos pelo método dialéctico, constituem as leis necessá­rias ao desenvolvimento da matéria em movimento; que o mundo se desen­volve segundo as leis do movimento da matéria e não tem necessidade de qualquer “espírito universal”.

A concepção materialista do mundo, diz Engels, significa simplesmente a concepção da natureza tal como ela é e sem nenhuma adição estranha.

A propósito da concepção materialista do filósofo da antiguidade He­ráclito, para quem “o mundo é uno, não foi criado por nenhum deus nem por nenhum homem, foi, é e será uma chama eternamente viva, que se vivifica e amortece segundo leis determinadas”, escreve Lenine: “Excelente exposição dos princípios do materia­lismo dialéctico” (Lenine: Cadernos de filosofia).

b) Ao contrário do idealismo, para quem só a nossa consciência existe real­mente, para quem o mundo material, o ser, a natureza, só existe na nossa consciência, nas nossas sensações, representações, conceitos, o materia­lismo filosófico marxista parte do princípio que a matéria, a natureza, o ser, é uma realidade objectiva existindo fora e independentemente da consciência; que a matéria é um facto primordial; pois é a origem das sensações, das representações, da consciência, enquanto a consciência é um dado secundá­rio, derivado, pois é o reflexo da matéria, o reflexo do ser; que o pensamento é um produto da matéria, quando esta atingiu, no seu desenvolvimento, um alto grau de perfeição; mais precisamente, o pensamento é o produto do cérebro e o cérebro é o órgão do pensamento; não se poderia, portanto, separar o pensamento da matéria sob pena de cair num erro grosseiro.

A questão da relação do pensamento ao ser, do espírito à natureza, diz Engels, é a questão suprema de toda a filosofia… Os filósofos dividiam-se em dois campos importantes, segundo a resposta que davam a esta questão. Os que afirmavam a anterioridade do espírito em relação à natureza... formavam o campo do idealismo. Os outros, os que consideravam a natureza como anterior, pertenciam às diferentes escolas do materialismo. (Ludwig Feuer­bach e o fim da filosofia clássica alemã).

E mais adiante:

O mundo material, perceptível pelos sentidos, ao qual nós próprios pertencemos, é a única realidade... A nossa consciência e o nosso pensa­mento, por mais transcendentes que pareçam não são mais do que um pro­duto de um órgão material, corporal, o cérebro. A matéria não é um produto do espírito, mas o próprio espírito, não é senão o produto superior da matéria (Ibidem).

A propósito do problema da matéria e do pensamento, escreve Marx:

Não se poderia separar o pensamento da matéria pensante. Esta maté­ria é o substrato de todas as transformações que se operam. (A Sagrada Família).

Na sua definição do materialismo filosófico marxista, Lenine exprime-se nestes termos:

O materialismo aceita, de um modo geral, que o ser real objectivo (a matéria) é independente da consciência, das sensações, da experiência… A consciên­cia... não é senão o reflexo do ser, no melhor dos casos um reflexo aproxi­madamente exacto (completo, de uma precisão ideal) (Materialismo e Empiri­ocriticismo).

E mais adiante:

A matéria é o que, actuando sobre os nossos órgãos dos sentidos, pro­duz as sensações; a matéria é uma realidade objectiva que nos é dada nas sensações... A matéria, a natureza, o ser, o físico, é o primeiro dado, en­quanto o espírito, a consciência, as sensações, são o dado secundário (Ibidem).

O quadro do mundo é um quadro que mostra que a matéria se move e como a “matéria pensa”. (Ibidem).

O cérebro é órgão do pensamento. (Ibidem).

c) Ao contrário do idealismo, que contesta a possibilidade de conhecer o mundo e as suas leis; que não crê no valor dos nossos conhecimentos; que não reconhece a verdade objectiva e considera que o mundo está cheio de “coisas em si” que jamais poderão ser conhecidas da ciência, o materialismo filosófico marxista parte do princípio de que o mundo e as suas leis são per­feitamente conhecíveis, de que o nosso conhecimento das leis da natureza, verificado pela experiência, pela prática, é um conhecimento válido, que tem o significado de uma verdade objectiva; de que não há, de forma alguma, no mundo, coisas que não podem ser conhecidas, mas unicamente coisas ainda desconhecidas, as quais serão descobertas e conhecidas pela ciência e pela prática.

Engels critica a tese de Kant e dos outros idealistas, segundo a qual o mundo e as “coisas em si” não se podem conhecer e defende a tese materia­lista bem conhecida, segundo a qual os nossos conhecimentos são válidos. Escreve a este respeito:

A refutação mais contundente deste capricho filosófico, como aliás de todos os outros, é a prática, principalmente a experiência e a indústria. Se podemos provar a justeza da nossa concepção de um fenómeno natural criando-o nós próprios, fazendo-o surgir do seu próprio meio, e se, além disso, o colocamos ao serviço dos nossos objectivos, acaba-se a incompre­ensível “coisa em si” de Kant. As substâncias químicas produzidas nos orga­nismos vegetais e animais con­sideraram-se “coisas em si” até ao momento em que a química orgânica os começou a preparar um após outro; por isso, a “coisa em si” tornou-se para nós uma coisa, como por exemplo, a matéria corante da ruiva-dos-tintureiros, a alizarina, que já não extraímos das raízes da ruiva-dos-tintureiros, cultivada nos campos, mas que tiramos, mais eco­nómica e simplesmente, do alcatrão da hulha. O sistema solar de Copérnico foi, durante trezentos anos, uma hipótese em que se poderia apostar cem, mil, dois mil contra um – apesar de tudo, era uma hipótese; mas quando Leverrier, com o auxílio dos números obtidos graças a este sistema, calculou não só a necessidade da existência de um planeta desconhecido, mas também a localização deste no espaço celeste, e quando Galle o descobriu a seguir, o sistema de Copérnico foi verificado (Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã).

Lenine acusa de fideísmo Bogdanov, Bazarov, Iouchkévitch e outros partidários de Mach; defende a tese materialista bem conhecida, segundo a qual os nossos conhecimentos científicos das leis da natureza são válidos e as leis científicas são verdades objectivas; diz acerca disto:

O fideísmo contemporâneo nunca repudia a ciência; só repudia as “pre­tensões excessivas”, por exemplo, a pretensão de descobrir a verdade objec­tiva. Se existe uma verdade objectiva (como pensam os materialistas), se as ciências da natureza ao reflectirem o mundo exterior na “experiência” humana, são as únicas capazes de nos darem a verdade objectiva, qualquer fideísmo deve ser absolutamente rejeitado. (Materialismo e Empiriocriticismo).

Tais são, em resumo, as características distintivas do materialismo filosófico marxista.

Concebe-se facilmente a importância considerável que toma a extensão dos princípios do materialismo filosófico ao estudo da vida social, ao estudo da história da sociedade; compreende-se a importância considerável da aplica­ção destes princípios à história da sociedade, à actividade prática do partido do proletariado.

Se é verdade que a ligação dos fenómenos da natureza e o seu condi­ciona­mento recíproco são leis necessárias ao desenvolvimento da natureza, resulta que a ligação e o condicionamento recíproco dos fenómenos da vida social, também eles, não são contingências, mas leis necessárias ao desen­volvimento social.

Consequentemente, a vida social, a história da sociedade deixa de ser uma acumulação de “contingências”, pois a história da sociedade torna-se um desenvolvimento necessário da sociedade e o estudo da história social passa a constituir uma ciência.

Deste modo, a actividade prática do partido do proletariado deve ser baseada, não nos desejos louváveis das “individualidades de elite”, nas exigências da “razão”, da “moral universal”, etc., mas nas leis do desenvolvi­mento social, no estudo destas leis.

Prossigamos. Se é verdade que o mundo é conhecível e que o nosso conhe­cimento das leis do desenvolvimento da natureza é um conhecimento válido que tem o significado de uma verdade objectiva, resulta que a vida social, que o desenvolvimento social é igualmente conhecível e que os dados da ciência acerca destas leis do desenvolvimento social, são dados válidos que têm o significado de verdades objectivas.

Assim, a ciência da história da sociedade, apesar de toda a complexi­dade dos fenómenos da vida social, pode tornar-se uma ciência tão exacta como, por exemplo, a biologia, e capaz de fazer servir as leis do desenvolvi­mento social às aplicações práticas.

Portanto, o partido do proletariado, na sua actividade prática, não deve inspi­rar-se em qualquer motivo fortuito, mas nas leis do desenvolvimento social e nas conclusões práticas que resultam destas leis.

Por isso, o socialismo, que outrora era o sonho de um futuro melhor para a humanidade, tornou-se uma ciência. Então, a ligação entre a ciência e a acti­vidade prática, entre a teoria e a prática, a sua unidade, deve tornar-se a estrela condutora do partido do proletariado.

Prossigamos. Se é verdade que a natureza, o ser, o mundo material são o primeiro dado, enquanto a consciência, o pensamento são o segundo dado, derivado do primeiro; se é verdade que o mundo material é uma realidade objectiva, que existe independentemente da consciência dos homens, en­quanto a consciência é um reflexo desta realidade objectiva, resulta daí que a vida material da sociedade, o seu ser, é igualmente o primeiro dado, enquanto a vida espiritual é um segundo dado, igualmente derivado do pri­meiro; que a vida material da sociedade é uma realidade objectiva, que existe independentemente da vontade do homem, enquanto a vida espiritual da sociedade é um reflexo desta realidade objectiva, um reflexo do ser.

Portanto, é necessário procurar a fonte da vida espiritual da sociedade, a origem das ideias sociais, das teorias sociais, das opiniões políticas, das instituições políticas, não nas próprias ideias, teorias, opiniões e instituições políticas, mas sim nas condições da vida material da sociedade, no ser social, cujas ideias, teorias, opiniões, etc., são o reflexo.

Por consequência, se nos diferentes períodos da história da sociedade se observam diferentes ideias e teorias sociais, diferentes opiniões e institui­ções políticas, se encontramos no regime de escravatura tais ideias e teorias soci­ais, tais opiniões e instituições políticas, enquanto no feudalismo encon­tramos outras, e no capitalismo ainda outras, isso explica-se não pela “natu­reza”, nem pelas “propriedades” das próprias ideias, teorias, opiniões e insti­tuições políti­cas, mas pelas diversas condições da vida material da sociedade, nos dife­rentes períodos do desenvolvimento social.

O ser da sociedade, as condições da vida material da sociedade, eis o que determina as suas ideias, as suas teorias, as suas opiniões políticas, as suas instituições políticas.

A este respeito, escreveu Marx:

Não é a consciência dos homens que determina a sua existência. É, pelo contrário, a sua experiência social que determina a sua consciência (Contribuição para a crítica da economia política, prefácio).

Assim, para não se enganar em política, para não se entregar a sonhos va­zios, o partido do proletariado deve basear a sua acção, não nos abstractos “princípios da razão humana”, mas nas condições concretas da vida material da sociedade, força decisiva do desenvolvimento social; não nos desejos louváveis dos “grandes homens”, mas nas necessidades reais do desenvol­vimento da vida material da sociedade.

A fraqueza dos utópicos, compreendendo os populistas, os anarquistas, os socialistas-revolucionários, explica-se, entre outras coisas, pelo facto de não reconhecerem o papel primordial das condições da vida material da socie­dade, no desenvolvimento da própria sociedade; caídos no idealismo, basea­vam a sua actividade prática, não nas necessidades do desenvolvi­mento da vida material da sociedade, mas, independente e a despeito destas necessi­dades, em “planos ideais” e “projectos universais” desligados da vida real da sociedade.

O que dá a força e a vitalidade ao marxismo-leninismo é o facto de ele se apoiar, na sua actividade prática, precisamente nas necessidades do desen­volvimento da vida material da sociedade, sem jamais se desligar da vida real desta.

Do que disse Marx, não resulta, contudo, que as ideias e as teorias so­ciais, as opiniões e as instituições políticas não tenham influência na vida social; que não exerçam uma acção sobre a existência social, sobre o desen­volvi­mento das condições materiais da vida social. Até aqui falámos apenas da origem das ideias e das teorias sociais, das opi­niões e das instituições políticas, do seu aparecimento; dissemos que a vida espiritual da sociedade é um reflexo das condições da sua vida material. Mas a importância destas ideias e teorias sociais, destas opiniões e institui­ções políticas, do seu papel na história, o materialismo histórico, longe de negá-los, sublinha, pelo contrá­rio, o seu papel e a sua importância considerá­veis na vida social, na história da sociedade.

As ideias e as teorias sociais diferem. Há velhas ideias e teorias, que ti­veram o seu lugar na devida altura e que hoje servem os interesses das for­ças decadentes da sociedade. A importância que têm, é a de deter o desen­volvimento da sociedade, o seu progresso. Há ideias e teorias novas, de vanguarda, que servem os interesses das for­ças de vanguarda da sociedade. A sua importância resulta do facto de elas facilitarem o desenvolvimento da sociedade, o seu progresso; e, mais ainda, adquirem tanto mais importância quanto reflectem mais fielmente as necessidades do desenvolvimento da vida material da sociedade.

As novas ideias e teorias sociais só surgiram quando o desenvolvimento da vida material da sociedade colocou, diante desta, novas tarefas. Mas, uma vez surgidas, tornam-se uma força da maior importância que faci­lita a execu­ção das novas tarefas, postas pelo desenvolvimento da vida mate­rial da soci­edade; facilitam o progresso da sociedade. É então que aparece toda a im­portância do papel organizador, mobilizador e transformador das ideias e teorias novas, das opiniões e instituições políticas novas. Na verdade, se surgem novas ideias e teorias sociais, é precisamente porque são necessá­rias à sociedade, porque sem a sua acção organizadora, mobili­zadora e transformadora, é impossível a solução dos problemas prementes que acar­reta o desenvolvimento da vida material da sociedade. Suscitadas pelas no­vas tarefas, postas pelo desenvolvimento da vida material da sociedade, as ideias e teorias sociais novas abrem para si um caminho, tornam-se o patri­mónio das massas populares que mobilizam e organizam contra as forças retrógradas da sociedade, facilitando com isso o derrube destas forças que impedem o desenvolvimento da vida material da socie­dade.

É assim que, suscitadas pelas tarefas prementes do desenvolvimento da vida material da sociedade, do desenvolvimento da existência social, as pró­prias ideias e teorias sociais, as instituições políticas, influenciam, a seguir, a exis­tência social, a vida material da sociedade, criando as condições neces­sárias para alcançar as soluções dos problemas prementes da vida material da sociedade e tornar possível o seu desenvolvimento posterior.

Marx disse acerca disto:

A teoria adquire uma força material logo que penetra nas massas (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel).

Por consequência, para ter a possibilidade de influenciar as condições da vida material da sociedade e para acelerar o seu desenvolvimento, o seu melhoramento, o partido do proletariado deve apoiar-se numa teoria social, numa ideia social que traduza completamente as necessidades do desenvol­vimento da vida material da sociedade e seja capaz, portanto, de pôr em mo­vimento as grandes massas populares, capaz de as mobilizar e de as or­ganizar no grande exército do partido do proletariado, pronto para varrer as forças reaccionárias e abrir o caminho às forças avançadas da sociedade...

A fraqueza dos “economistas” e dos mencheviques explica-se, entre outras coisas, pelo facto de que não reconheciam o papel mobilizador, orga­nizador e transformador da teoria de vanguarda, da ideia da vanguarda; caídos no ma­terialismo vulgar, reduziam quase a zero este papel; é por isso que condena­vam o partido a permanecer passivo, a vegetar.

O que dá a força e a vitalidade ao marxismo-leninismo é o facto de ele se apoiar numa teoria de vanguarda, que reflecte perfeitamente as necessi­dades do desenvolvimento da vida material da sociedade, de colocar a teoria no lugar elevado que lhe cabe, e considerar como seu dever a utilização com­pleta da sua força mobilizadora, organizadora e transformadora.

É assim que o materialismo histórico resolve o problema das relações entre o ser social e a consciência social, entre as condições do desenvolvi­mento da vida material e o desenvolvimento da vida espiritual da sociedade.

parte (II)

[1] Célula viva primitiva, J. Estaline

[2] pontos de passagem de um estado a outro, J. Estaline



publicado por portopctp às 22:01
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Quarta-feira, 14 de Abril de 2010
Anarquismo ou Socialismo? (Intróito e I Parte)

[1] A luta de classes é o eixo da actual vida social. Durante essa luta, cada classe inspira-se na sua própria ideologia. A burguesia tem a sua: é o chamado liberalismo. O proletariado também tem a sua ideologia: é, como o sabemos, o socialismo.

Não se pode considerar o liberalismo como qualquer coisa de uno e indivisível; comporta diversas tendências segundo as diversas categorias da burguesia.

O socialismo também não é uno e indivisível: também ele comporta diversas tendências.

Não nos ocuparemos aqui da análise do liberalismo: mais vale deixá-la para outra ocasião. Queremos simplesmente mostrar ao leitor o que é o socialismo e as suas correntes. A nosso ver é isso que o interessará mais.

O socialismo comporta três correntes principais: o reformismo, o anarquismo e o marxismo.

O reformismo (Bernstein e outros), que considera o socialismo simplesmente como um objectivo afastado e nada mais; que, na prática, nega a revolução socialista e procura instaurar o socialismo pela via pacífica; o reformismo que prega, não a luta de classes, mas a colaboração entre classes, ― esse reformismo desagrega-se diariamente; perde cada vez mais todas as aparências de socialismo e, em nossa opinião, é inútil analisá-lo aqui, nestes artigos, para definirmos o socialismo.

Coisa completamente distinta ao considerarmos o marxismo e o anarquismo: ambos são hoje reconhecidos como correntes socialistas; trava-se entre os dois uma dura batalha, ambos querendo aparecer aos olhos do proletariado como doutrinas autenticamente socialistas, e sem dúvida que a análise e a comparação destas duas tendências terão para o leitor muito maior interesse.

Não somos daqueles que, ao simples ouvir da palavra "anarquismo", voltam as costas com desprezo e dizem com fastio: "tenho mais que fazer do que ocupar-me dele; nem sequer vale a pena falarmos nisso!". Consideramos que tal "crítica" fácil é indigna e inútil.

Também não somos daqueles que se consolam com a ideia de que os anarquistas "não contam com o apoio das massas e que, por conseguinte, não são tão perigosos como isso." A questão não está em saber atrás de quem segue hoje a maior ou menor "massa"; trata-se da essência da doutrina. Se a "doutrina" dos anarquistas exprime a verdade, então acabará por vencer e reunirá as massas à sua volta. Mas se é inconsistente e se repousa sobre uma base incorrecta, não subsistirá por muito tempo e permanecerá suspensa no vazio. É, portanto, a inconsistência do anarquismo que se deve demonstrar.

Há quem julgue que o marxismo e o anarquismo têm os mesmos princípios; que, entre ambos, as únicas divergências são tácticas, de tal modo que, segundo essa opinião, é impossível contrapor uma corrente à outra.

Mas isso é um grave erro.

Consideramos os anarquistas como verdadeiros inimigos do marxismo. Por conseguinte, reconhecemos, também, que é precisa uma verdadeira luta contra verdadeiros inimigos. Por isso, é preciso examinar a "doutrina" dos anarquistas de uma ponta à outra e analisá-la em todos os seus aspectos.

A verdade é que o marxismo e o anarquismo repousam sobre princípios completamente divergentes, embora ambos se apresentem à luta arvorando a bandeira socialista. A pedra angular do anarquismo é o indivíduo, cuja libertação é, a seu ver, a condição principal da libertação das massas, da colectividade. Segundo o anarquismo, a libertação das massas é impossível, enquanto o indivíduo não se tiver libertado; consequentemente, tem por palavra de ordem: "tudo pelo indivíduo''. Em oposição, a pedra angular do marxismo são as massas, cuja libertação é, no seu ver, a condição principal para a libertação do indivíduo. Isto significa, segundo o marxismo, que a libertação do indivíduo é impossível enquanto as massas não o forem; consequentemente, tem por palavra de ordem: "tudo pelas massas".

Fica claro que estamos perante dois princípios que se negam mutuamente, e não de simples divergências tácticas.

A finalidade de nossos artigos é confrontar esses dois princípios opostos, comparar o marxismo com o anarquismo e esclarecer, dessa forma, as suas qualidades e os seus defeitos. Nesse sentido parece-nos útil dar a conhecer ao leitor o plano destes artigos.

Primeiramente caracterizaremos o marxismo, referindo, de passagem, os pontos de vista dos anarquistas sobre o marxismo e, depois, passaremos à crítica do anarquismo propriamente dito. A saber: exporemos o método dialéctico, os pontos de vista dos anarquistas sobre esse método e a nossa crítica; a teoria materialista, os pontos de vista dos anarquistas e a nossa crítica (aqui trataremos, também, da revolução socialista, da ditadura socialista, do programa mínimo e, em geral, da táctica); a filosofia dos anarquistas e a nossa crítica; o socialismo dos anarquistas e a nossa crítica; a táctica e a organização dos anarquistas; finalizando, apresentaremos as nossas conclusões.

Procuraremos demonstrar que os anarquistas, como defensores de um socialismo de pequenas comunidades, não são autênticos socialistas.

Procuraremos, igualmente, demonstrar que os anarquistas, na medida em que negam a ditadura do proletariado, também não são autênticos revolucionários.

Ponhamos, pois, mãos à obra.

I - O Método Dialéctico

 "No universo tudo se transforma... A vida transforma-se, as forças produtivas crescem, as antigas relações sociais desmoronam-se..." Karl Marx

 

O marxismo não é apenas a teoria do socialismo, é uma concepção integral do mundo, um sistema filosófico do qual decorre, logicamente, o socialismo proletário de Marx. Esse sistema filosófico tem o nome de materialismo dialéctico.

Assim, para expor o marxismo é necessário expor o materialismo dialéctico.

Por que se chama esse sistema de materialista dialéctico?

Porque o seu método é dialéctico e a sua teoria materialista.

O que é o método dialéctico?

Diz-se que a vida social se encontra em estado de incessante movimento e desenvolvimento. Está certo: não se pode considerar a vida como algo imutável e estático; a vida nunca pára num dado nível, encontra-se em movimento eterno, num processo eterno de destruição e criação. É por isso que existe sempre na vida um novo e um velho, algo que cresce e algo que morre, o elemento revolucionário e o elemento contra-revolucionário.

O método dialéctico afirma que é preciso encarar a vida tal como ela é na realidade. Já vimos que a vida se encontra em movimento perpétuo; portanto, devemos considerar a vida no seu movimento e perguntar: para onde vai a vida? Já vimos que a vida apresenta um quadro de incessante destruição e criação; assim, o nosso dever é considerar a vida na sua destruição e na sua criação e colocar a questão: o que é que se destrói e o que é que se cria na vida?

Na vida, o que nasce e cresce dia a dia é invencível; não se pode deter o seu avanço incessante. Isto é, se, por exemplo, o proletariado nasce como classe e cresce a diariamente, por fraco e pouco numeroso que seja hoje, acabará por vencer, não obstante a situação presente. Por quê? Porque cresce, porque se fortalece e avança. Em contrapartida, o que na existência envelhece e caminha para a sepultura, há-de sofrer inevitavelmente a derrota, mesmo que hoje represente uma força gigantesca. Quer dizer que se, por exemplo, a burguesia perde paulatina e progressivamente terreno, por mais forte e numerosa que seja hoje, não conseguirá evitar a derrota. Porquê? Porque, como classe, desagrega-se, enfraquece, envelhece e converte-se numa carga inútil para a existência da vida.

Disso deriva, precisamente, a conhecida tese dialéctica: tudo o que realmente existe, isto é, tudo o que cresce diariamente, é racional: e tudo o que se desagrega diariamente, é irracional, e, portanto, não escapará à derrota.

Por exemplo: no período de 1880 a 1890 surgiu uma grande discussão entre os intelectuais revolucionários russos. Os populistas sustentavam que a força principal capaz de se encarregar da "libertação da Rússia" era a pequena burguesia dos campos e da cidade. Porquê? perguntavam os marxistas. Porque – respondiam os populistas – a pequena burguesia dos campos e da cidade forma hoje a maioria e, além disso, é pobre e vive na miséria.

Os marxistas replicavam: é certo que a pequena burguesia do campo e da cidade constitui hoje a maioria, e, realmente, é pobre; mas será essa a questão? A pequena burguesia já há muito tempo que é a maioria mas, até agora, nunca manifestou, a não ser com a ajuda do proletariado, qualquer iniciativa na luta pela "liberdade". Porquê? Porque a pequena burguesia, enquanto classe, não cresce; pelo contrário, desagrega-se diariamente, dividindo-se em burguesia e proletariado. Por outro lado, naturalmente, não é a pobreza que tem, no caso, a importância decisiva: os "vagabundos" são ainda mais pobres que a pequena burguesia mas ninguém defenderá que possam encarregar-se da "libertação da Rússia''.

Como se vê, não se trata de saber que classe constitui hoje a maioria ou que classe é mais pobre, mas sim de saber qual a classe que se fortalece e qual aquela que se desagrega.

E como o proletariado é a única classe que cresce e se fortalece incessantemente, que impulsiona a vida social e agrupa à sua volta todos os elementos revolucionários, o nosso dever é reconhecê-lo como força principal do movimento actual, juntarmo-nos às suas fileiras e fazer das suas aspirações progressistas as nossas próprias aspirações.

Era assim que os marxistas respondiam.

Evidentemente, os marxistas encaravam a vida de um modo dialéctico, enquanto os populistas raciocinavam de um modo metafísico e concebiam a vida social como qualquer coisa imóvel.

Eis como o método dialéctico considera o desenvolvimento da vida.

Mas há movimento e movimento. Houve movimento na vida social durante as "jornadas de Dezembro", quando o proletariado, erguendo a cabeça, assaltou os depósitos de armas e empreendeu o ataque contra a reacção. Mas, também, temos de chamar movimento social ao movimento dos anos anteriores, quando o proletariado, em condições de evolução "pacífica", se limitava a desencadear uma greve aqui e outra acolá e a criar pequenos sindicatos.

É claro que o movimento assume formas diferentes.

Pois bem, o método dialéctico afirma que o movimento assume duas formas: a forma evolutiva e a forma revolucionária.

O movimento é evolutivo, quando os elementos progressistas, no processo espontâneo do seu trabalho quotidiano, introduzem, na velha ordem das coisas, mudanças pequenas, quantitativas.

O movimento é revolucionário, quando os elementos progressistas se unem, se compenetram de uma ideia comum e se lançam contra o campo inimigo, para extirpar a velha ordem de coisas e introduzir, na vida, mudanças qualitativas, instaurar uma nova ordem de coisas.

A evolução prepara a revolução e cria-lhe um terreno favorável; a revolução coroa a evolução e abre caminho para prosseguir uma nova evolução.

Processos semelhantes ocorrem igualmente na vida da natureza. A história da ciência mostra que o método dialéctico é um método autenticamente científico: começando na astronomia e acabando na sociologia, em toda a parte se confirma a ideia de que, no mundo, nada é eterno, tudo muda, tudo se desenvolve. Por conseguinte, tudo na natureza deve ser encarado do ponto de vista do movimento, do desenvolvimento. E isso significa que o espírito da dialéctica penetra toda a ciência contemporânea.

Quanto às formas do movimento, no que se refere ao facto de que, segundo a dialéctica, as pequenas mudanças quantitativas, levam, no fim de contas, às grandes mudanças qualitativas, essa lei também vigora, com igual intensidade, na história da natureza. A "tabela periódica dos elementos", de Mendeléiev, mostra claramente e com grande evidência como, na história da natureza, as mudanças qualitativas surgem das mudanças quantitativas. É testemunho disso, na biologia, a teoria do neo-lamarckismo, à qual o neo-darwinismo cede lugar.

Nem precisamos referir outros factos, exaustivamente esclarecidos que foram por F. Engels, no Anti-Dühring.

Tal é o conteúdo do método dialéctico.

 

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Como consideram os anarquistas o método dialéctico?

É sabido de todos que Hegel foi o fundador do método dialéctico. Marx depurou e melhorou esse método. Naturalmente que essa circunstância também é conhecida pelos anarquistas. Sabem que Hegel era conservador, e aproveitam a oportunidade para atacar fortemente Hegel de ser partidário da "restauração", "demonstrando", com paixão, que "Hegel é o filósofo da restauração..., que exalta o constitucionalismo burocrático na sua forma absoluta, que a ideia geral da sua filosofia da História está subordinada e serve à tendência filosófica da época da restauração", etc.

O mesmo "demonstra" o conhecido anarquista Kropotkine nas suas obras (ver, por exemplo, a sua Ciência e Anarquismo, em russo).

E com Kropotkine fazem coro, em uníssono, todos os Kropotkineianos, começando em Tcherkezichvili e acabando em Ch. G. (ver os números de Nobati).

E nesse ponto estão certos, ninguém os contesta; pelo contrário: todos concordamos em que Hegel não era revolucionário. Marx e Engels, pessoalmente, foram os primeiros a demonstrar na Crítica da Crítica Crítica que as concepções históricas de Hegel se opõem radicalmente à soberania do povo. Mas, apesar disso, os anarquistas "demonstram" e insistem em "demonstrar" todos os dias que Hegel foi um partidário da "restauração". Porque o fazem? Provavelmente para desacreditar Hegel e dar a entender ao leitor que sendo Hegel "reaccionário" o seu método também não pode deixar de ser "detestável" e anti-científico.

É deste modo que os anarquistas julgam poder refutar o método dialéctico.

Afirmamos nós que, dessa maneira, só demonstram a própria ignorância. Pascais e Leibnitz não eram revolucionários, mas o método matemático que descobriram é hoje reconhecido como um método científico. Mayer e Helmholtz não eram revolucionários, mas as suas descobertas no domínio da física servem de base à ciência. Nem Lamarck nem Darwin foram revolucionários, mas foi o seu método evolucionista que pôs de pé a biologia... Por que razão não se pode reconhecer o facto de que, apesar do seu conservadorismo, Hegel tenha conseguido elaborar um método científico, denominado dialéctico?

Não; desse modo os anarquistas só conseguem demonstrar a sua própria ignorância.

Prossigamos. Na opinião dos anarquistas "a dialéctica é metafísica" e, como "querem emancipar a ciência da metafísica e a filosofia da teologia", encontram aí a razão precisa para repelirem o método dialéctico (ver Nobati[2] , nº. 3 e 9, Ch. G.; ver, também, Ciência e Anarquismo, de Kropotkine).

Ah! Estes anarquistas! Como diz o ditado: "paga o justo pelo pecador." A dialéctica amadureceu na luta contra a metafísica e, nessa luta, cobriu-se de glória; mas, na opinião dos anarquistas, a dialéctica é metafísica!

A dialéctica afirma que nada é eterno no mundo, que tudo é transitório e mutável: muda a natureza, muda a sociedade, mudam os usos e costumes, mudam os conceitos de justiça, e até a própria verdade muda; é por isso mesmo que a dialéctica considera tudo de um modo crítico, é por isso mesmo que nega a verdade eterna e, por conseguinte, nega também os abstractos "princípios dogmáticos imutáveis que, uma vez descobertos, basta decorá-los'' (ver F. Engels, Ludwig Feüerbach).

A metafísica, por sua vez, afirma justamente o contrário. Para ela o mundo é qualquer coisa de eterno e imutável (ver F. Engels, Anti-Dühring), o mundo foi determinado de uma vez para sempre por alguém ou alguma coisa. É por isso que os metafísicos têm sempre na boca a "justiça eterna" e a "verdade imutável".

Proudhon, o "pai" dos anarquistas, dizia que no mundo existe uma justiça imanente estabelecida de uma vez para sempre, que deve ser colocada na base da sociedade futura. Essa a razão pela qual Proudhon era chamado metafísico. Marx combateu Proudhon usando o método dialéctico; demonstrou que, uma vez que tudo muda no mundo, é inevitável que a "justiça" também mude; por conseguinte, a "justiça imanente" é um delírio metafísico (ver K. Marx, Miséria da Filosofia). Mas os discípulos georgianos do metafísico Proudhon não se cansam de repetir: "a dialéctica de Marx é metafísica!"

A metafísica reconhece diferentes dogmas nebulosos, como, por exemplo, o "incognoscível", a "coisa em si", e, no fim de contas, degenera numa teologia oca. Ao contrário de Proudhon e Spencer, Engels combateu esses dogmas com o método dialéctico (ver Ludwig Feüerbach). Mas os anarquistas – discípulos de Proudhon e Spencer – dizem-nos que Proudhon e Spencer são sábios e que Marx e Engels são metafísicos!

Das duas, uma: ou os anarquistas andam a brincar ou não sabem o que dizem.

Em todo o caso, uma coisa é certa: os anarquistas confundem o sistema metafísico de Hegel com o seu método dialéctico.

Nem é necessário dizer que o sistema filosófico de Hegel, que se apoia na ideia imutável, é metafísico do princípio ao fim. Mas, também, é evidente que o método dialéctico de Hegel, que nega toda a ideia imutável, é científico e revolucionário do princípio ao fim.

É por isso que Karl Marx ao mesmo tempo que submetia o sistema metafísico de Hegel a uma crítica arrasadora, exaltava o seu método dialéctico, que, nas palavras de Marx, "não se curva diante de nada e é, pela sua essência, crítico e revolucionário" (ver O Capital, t. I, Posfácio).

É por isso que Engels vê uma grande diferença entre o método de Hegel e seu sistema:

"Quem der primazia ao sistema de Hegel, pode ser bastante conservador em ambos os terrenos; quem, pelo contrário, considere como primordial o método dialéctico, pode figurar, tanto na religião como na política, na oposição mais extrema." (ver Ludwig Feüerbach). 

Os anarquistas não vêem essa diferença e proclamam sem reflectir que "a dialéctica é metafísica".

Prossigamos. Os anarquistas dizem que o método dialéctico é "uma amálgama de argúcias", "um método de sofismas", "um salto mortal da lógica" (ver o Nobati, nº. 8, Ch. G.), um método "por meio do qual se demonstram com igual facilidade a verdade e a mentira'' (ver Nobati, nº. 4, de V. Tcherkezichvili).

Assim, segundo a opinião dos anarquistas, o método dialéctico prova de igual forma a verdade e a mentira.

À primeira vista, pode parecer que a acusação lançada pelos anarquistas tenha algum fundamento. Ouça-se, por exemplo, o que diz Engels de quem segue o método metafísico:

"... diz: “sim, sim; não, não; o que passar disso pertence ao diabo”. Para ele, ou uma coisa existe, ou não existe: uma coisa não pode ser ao mesmo tempo ela própria e outra coisa diferente. O positivo e o negativo excluem-se reciprocamente em absoluto..." (ver Anti-Dühring, Introdução).

Como?! – gritam os anarquistas. É possível, por acaso, que um mesmo objecto seja ao mesmo tempo bom e mau?! Eis, claramente, um "sofisma" um "jogo de palavras" que significa apenas que "quereis demonstrar com a mesma facilidade a verdade e a mentira"!...

Entremos, então, no fundo da questão.

Hoje reivindicamos uma república democrática. Podemos dizer que a república democrática é boa em todos os sentidos ou que é totalmente má? Não, não podemos. Porquê? Porque a república democrática só é boa num aspecto, ao destruir a ordem feudal, mas em troca é má noutro aspecto, ao fortalecer a ordem burguesa. É precisamente por isso que afirmamos: é na medida em que destrói a ordem feudal que a república democrática é boa e lutamos por ela; e é na medida em que fortalece a ordem burguesa, que a república democrática é má e lutamos contra ela.

Daqui se conclui que uma só e mesma república democrática é ao mesmo tempo "boa" e "má", simultaneamente "sim" e "não".

O mesmo se pode dizer da jornada de trabalho de 8 horas, pois ao mesmo tempo que é "boa" no que fortalece o proletariado, é "má" no que reforça o sistema do trabalho assalariado.

Eram precisamente factos desta índole que Engels tinha em vista, quando caracterizava o método dialéctico com as palavras acima citadas.

Mas os anarquistas não compreendem. E uma ideia completamente clara como esta é, para eles, um "sofisma" nebuloso.

Naturalmente, os anarquistas são livres de perceber ou não estes factos; até podem não reparar na areia de uma costa arenosa: estão no seu direito. Mas, então, deixem em paz o método dialéctico, o qual, ao contrário do anarquismo, não olha a vida com os olhos fechados, sente o pulsar da vida e afirma abertamente: na medida em que a vida muda e está em movimento, cada fenómeno vital comporta duas tendências, uma positiva e outra negativa, das quais devemos defender a primeira e repelir a segunda.

Prossigamos. Para os nossos anarquistas, "o desenvolvimento dialéctico é um desenvolvimento catastrófico, pelo qual, primeiro se destrói totalmente o passado e, depois, se consolida o futuro de maneira completamente à parte,... Os cataclismos de Cuvier eram engendrados por causas desconhecidas, mas as catástrofes de Marx e Engels são engendradas pela dialéctica" (ver Nobati, nº. 8, Ch. G.).

Noutro sítio o mesmo autor escreve: "O marxismo baseia-se no darwinismo, com o qual mantém uma atitude acrítica (ver Nobati, n.º 6).

Prestemos atenção!

Cuvier nega a evolução darwiniana, admitindo somente os cataclismos; ora, um cataclismo é uma explosão inesperada, "engendrada por causas desconhecidas". Os anarquistas defendem que os marxistas apoiam Cuvier e, por conseguinte, rejeitam o darwinismo.

Darwin nega os cataclismos de Cuvier e reconhece somente a evolução gradual. Mas eis que estes mesmos anarquistas afirmam que " o marxismo se baseia no darwinismo, com o qual mantém uma atitude acrítica ", isto é: os marxistas negam os cataclismos de Cuvier.

Numa palavra, os anarquistas acusam os marxistas de seguirem Cuvier e, ao mesmo tempo, atiram-lhes à cara que seguem Darwin e não Cuvier.

Ei-la, a anarquia! Fornece a lenha para a sua própria fogueira! É claro que o Ch. G. do número 8 do Nobati esqueceu o que dizia o Ch. G. do número 6.

Qual dos dois tem razão? O do número 8 ou o do número 6?

Vejamos os factos. Diz Marx:

"Num certo estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade... Abre-se, assim, uma época de revolução social". Mas "nenhuma formação social desaparece sem que se tenham desenvolvido todas as forças produtivas que pode comportar..."(ver K. Marx, Contribuição à Crítica da Economia Política, Prefácio).

Se aplicarmos esta tese de Marx à actual vida social, conclui-se que entre as forças produtivas modernas, que têm um carácter social, e a forma de apropriação dos produtos, que tem um carácter privado, existe um conflito fundamental que deve conduzir à revolução socialista, (ver F. Engels, Anti-Dühring, cap. II da terceira parte).

Como se vê, segundo Marx e Engels, não são as "causas desconhecidas" de Cuvier, que geram a revolução, mas causas sociais completamente determinadas e vitais, chamadas "desenvolvimento das forças produtivas".

Como se vê, segundo Marx e Engels, a revolução produz-se quando as forças produtivas estão suficientemente maduras, e não de modo inesperado, como pensava Cuvier.

É evidente que nada existe de comum entre os cataclismos de Cuvier e o método dialéctico de Marx.

Por outro lado, o darwinismo rejeita não só os cataclismos de Cuvier, como também a compreensão dialéctica do desenvolvimento, o que implica rejeitar a revolução, enquanto que, do ponto de vista do método dialéctico, a evolução e a revolução, as mudanças quantitativas e qualitativas, são duas formas necessárias de um único e mesmo movimento.

É evidente que também não se pode afirmar que "o marxismo... mantém perante o darwinismo uma atitude acrítica".

Daqui se conclui que o Nobati se engana nos dois casos, no n.º 6 e no n.º 8.

Por fim, os anarquistas acusam-nos de que "a dialéctica... não dá possibilidade de sair ou irromper de si próprio, nem de saltar para além de si mesmo" (ver Nobati, nº. 8, Ch. G.).

Isso, senhores anarquistas, é a verdade nua e crua; neste ponto, respeitáveis contraditores, tendes toda a razão: realmente, o método dialéctico não permite, de modo nenhum, tal possibilidade. E porquê? Porque "sair ou irromper de si próprio, e saltar para além de si mesmo" são assuntos para cabras montesas, enquanto que o método dialéctico foi criado para as pessoas.

Eis o segredo!...

Tais são, em suma, as opiniões dos anarquistas sobre o método dialéctico.

É evidente que os anarquistas não compreendem o método dialéctico de Marx e Engels; inventaram uma dialéctica própria e é contra esta que combatem com tanta tenacidade.

Só nos resta rir diante deste espectáculo, porque não se pode deixar de rir quando se vê alguém a lutar contra a sua própria fantasia, a refutar as próprias elucubrações e, ao mesmo tempo, a afirmar com convicção que está a arrasar o adversário.

(a seguir)



[1] Nos fins de 1905 e nos começos de 1906, na Geórgia, um grupo de anarquistas dirigido por um partidário de Kropotkine, o famoso anarquista V. Tcherkezichvili e os seus adeptos Mikhako Tsérétéli (Baton), Chalva Goguélia (Ch. G.) etc., lançou uma furiosa campanha contra os social-democratas. O grupo editava vários jornais em Tiflis: o Nobati, o Moucha, etc. Os anarquistas não tinham qualquer apoio no proletariado, mas obtiveram algum sucesso entre os elementos marginais e pequeno-burgueses. Estaline levantou-se contra eles numa série de artigos com o título genérico: Anarquismo ou Socialismo? Os quatro primeiros artigos apareceram no Akhali Tskhovréba em Junho-Julho de 1906. A publicação dos outros artigos foi interrompida, pois o jornal foi proibido. Em Dezembro de 1906 e Janeiro de 1907, os artigos que tinham aparecido no Akhali Tskhovréba foram reimpressos no Akhali Droéba, mas sob uma forma ligeiramente modificada. A redacção do jornal fez preceder estes artigos da seguinte nota: “Nos últimos tempos, o sindicato dos empregados pediu-nos que publicássemos artigos sobre o anarquismo, o socialismo e outras questões análogas (ver o Akhali Droéba, n.º 3). Este desejo foi igualmente expresso por outros camaradas. Acedemos com prazer a estes pedidos. No que respeita a estes artigos, devemos lembrar que parte deles já apareceram na imprensa da Geórgia (por razões independentes do desejo do autor estes artigos não puderam ser terminados). Contudo, parece-nos útil publicá-los integralmente e pedimos ao autor que lhes desse um estilo ao alcance de todos, o que este fez com prazer”. Foi assim que apareceram duas variantes das quatro primeiras partes de Anarquismo ou Socialismo? O seguimento deste estudo foi publicado no Tchvéni Tskhovéba em Fevereiro de 1907 e no Dro em Abril de 1907. A primeira versão dos artigos Anarquismo ou Socialismo? Publicada no Akhali Tskhovréba vem em anexo no 1.º tomo das obras de J. Estaline.

Akhali Tskhovréba (Vida Nova), diário bolchevique, surgido em Tiflis de 20 de Junho a 14 de Julho de 1906, sob a direcção de Estaline. Os colaboradores permanentes da Akhali Tskhovréba eram M. Davitachvili, G. Telia, G. Kikodzé e outros. Só foram publicados vinte números.

Akhali Droéba (Tempo Novo), semanário legal dos sindicatos, surgido em Tiflis de 14 de Novembro de 1906 a 8 de Janeiro de 1907, sob a direcção de J. Estaline, M. Tskhakaia e M. Davitachvili. Proibido por ordem do governador de Tiflis.

Tchvéni Tskhovéba (A Nossa Vida), diário bolchevique, surgido legalmente em Tiflis a partir de 18 de Fevereiro de 1907, sob a direcção de Estaline. Só foram publicados 13 números. A 6 de Março de 1907 o jornal foi proibido por “tendência extremista”.

Dro (O Tempo), diário bolchevique, surgido em Tiflis, depois da proibição da Tchvéni Tskhovéba, de 11 de Março a 15 de Abril de 1907, sob a direcção de Estaline. Faziam igualmente parte da redacção do jornal M. Tskhakaia e M. Davitachvili. Foram publicados 31 números.

[2] Nobati (O Apelo), jornal semanário dos anarquistas de Geórgia, surgido em Tiflis em 1906.


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publicado por portopctp às 23:02
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