de Marx, Engels, Lenine, Estaline, Mao Tsé-tung e outros autores

Domingo, 2 de Janeiro de 2011
Imperialismo, estádio supremo do capitalismo - Cap IX - Crítica do Imperialismo

Entendemos a crítica do imperialismo, no sentido amplo da palavra, como a atitude das diferentes classes da sociedade perante a política do imperialismo, de acordo com a ideologia geral das mesmas.

As proporções gigantescas do capital financeiro, concentrado em poucas mãos, que deu origem a uma rede extraordinariamente vasta e densa de relações e vínculos que, por um lado, subordinou ao seu poder a massa dos capitalistas e pequenos e médios empresários até ao mais insignificante deles e, por outro lado, exacerbou a luta contra outros grupos nacional-estatais de financeiros pela partilha do mundo e pelo domínio sobre outros países, originando a passagem em bloco de todas as classes possuidoras para o lado do imperialismo. O sinal do nosso tempo é o entusiasmo "geral" pelas perspectivas do imperialismo, a sua defesa furiosa, o seu embelezamento por todos os meios. A ideologia imperialista penetra mesmo no seio da classe operária, que não está separada das outras classes por uma muralha da China. Se os chefes daquilo a que agora chamam Partido "Social-Democrata" da Alemanha foram justamente qualificados de "social-imperialistas", isto é, de socialistas de palavra e imperialistas de facto, Hobson assinalava já em 1902 a existência de "imperialistas fabianos" na Inglaterra, pertencentes à oportunista "Sociedade Fabiana".

Os cientistas e os publicistas burgueses defendem geralmente o imperialismo de uma forma um tanto encoberta, ocultando a dominação absoluta do imperialismo e as suas raízes profundas, procurando colocar em primeiro plano as particularidades e os pormenores secundários, esforçando-se por desviar a atenção do essencial por meio de projectos de "reformas" completamente desprovidos de seriedade, tais como o controlo policial dos trusts ou dos bancos, etc. São menos frequentes as manifestações dos imperialistas cínicos, declarados, que têm o mérito de reconhecer o absurdo da ideia de reformar as características fundamentais do imperialismo.

Apresentaremos um exemplo. Os imperialistas alemães esforçam-se por seguir de perto, em Arquivo da Economia Mundial, os movimentos de libertação nacional das colónias, e particularmente, como é natural, das não alemãs. Assinalam a efervescência e os protestos na Índia, o movimento no Natal (África do Sul), na Índia Holandesa, etc. Um deles, num apontamento a propósito de uma publicação inglesa que informava sobre a conferência de nações e raças submetidas, que se realizou de 28 a 30 de Junho de 1910, e na qual participaram representantes de diversos povos da Ásia, África e Europa que se encontram sob dominação estrangeira, exprime-se assim ao comentar os discursos ali proferidos: "Há que lutar contra o imperialismo, dizem-nos; os Estados dominantes devem reconhecer o direito à independência dos povos submetidos; um tribunal internacional deve velar pelo cumprimento dos tratados concluídos entre as grandes potências e os povos fracos. A conferência não vai além destes votos piedosos. Não vemos o menor indício de compreensão da verdade de que o imperialismo está indissoluvelmente ligado ao capitalismo na sua forma actual e que por isso(!!) a luta directa contra o imperialismo está condenada ao fracasso, a não ser que se limite a protestos contra alguns excessos particularmente odiosos [1] Como a regulamentação reformista das bases do imperialismo é um engano, um "voto piedoso", como os elementos burgueses das nações oprimidas não vão "mais além" para diante, os burgueses da nação opressora vão "mais além" para trás, para o servilismo em relação ao imperialismo encoberto com pretensões "científicas". Bela "lógica"!

O essencial na crítica do imperialismo consiste em saber se é possível modificar por meio de reformas as bases do imperialismo, se há que seguir para diante, agudizando e aprofundando ainda mais as contradições que o imperialismo gera, ou se há que retroceder, atenuando essas contradições. Como as particularidades políticas do imperialismo são a reacção em toda a linha e a intensificação da opressão nacional – consequência da opressão pela oligarquia financeira e da supressão da livre concorrência –, a oposição democrática pequeno-burguesa ao imperialismo aparece em quase todos os países imperialistas em princípios do século XX. E a ruptura com o marxismo, por parte de Kautsky e da vasta corrente internacional do kautskismo, consiste precisamente em que Kautsky, além de não se preocupar e de não saber enfrentar essa oposição pequeno-burguesa, reformista, fundamentalmente reaccionária do ponto de vista económico, praticamente se fundiu com ela.

Nos Estados Unidos, a guerra imperialista de 1898 contra a Espanha provocou a oposição dos "anti-imperialistas", os últimos moicanos da democracia burguesa, que qualificavam essa guerra de "criminosa", consideravam anticonstitucional a anexação de terras alheias, denunciavam como "um engano dos chauvinistas" a atitude para com Aguinaldo, o chefe dos indígenas filipinos (depois de lhe prometerem a liberdade do seu país, desembarcaram tropas americanas e anexaram as Filipinas), e citavam as palavras de Lincoln: "Quando o branco se governa a si mesmo, isto é autogoverno; quando se governa a si mesmo e, ao mesmo tempo, governa outros, isto já não é autogoverno, é despotismo.[2] Mas enquanto toda essa crítica tinha medo de reconhecer os vínculos indissolúveis existentes entre o imperialismo e os trusts, e por conseguinte entre o imperialismo e os fundamentos do capitalismo, enquanto receava unir-se às forças geradas pelo grande capitalismo e pelo seu desenvolvimento, não era mais do que um "voto piedoso".

Tal é também a posição fundamental de Hobson na sua crítica ao imperialismo. Hobson antecipou-se a Kautsky ao erguer-se contra a inevitabilidade do imperialismo, e ao invocar a necessidade de "elevar a capacidade de consumo" da população (sob o regime capitalista!). Mantêm uma posição pequeno-burguesa na crítica do imperialismo, da omnipotência dos bancos, da oligarquia financeira, etc.: Agahd, A. Lansburgh e L. Eschwege, que citamos repetidas vezes, e, entre os escritores franceses, Victor Bérard, autor de uma obra superficial que apareceu em 1900 com o título “A Inglaterra e o Imperialismo”. Todos eles, sem qualquer pretensão de marxismo, opõem ao imperialismo a livre concorrência e a democracia, condenam a aventura do caminho-de-ferro de Bagdade, que conduz a conflitos e à guerra, manifestam o "voto piedoso" de viver em paz, etc.; assim o faz mesmo A. Neymarck, cuja especialidade é a estatística das emissões internacionais, que, calculando as centenas de milhares de milhões de francos de valores "internacionais", exclamava em 1912: "Como é possível supor que a paz possa ser posta em perigo... arriscar-se, dada a existência de números tão consideráveis, a provocar a guerra. [3]

Nos economistas burgueses essa ingenuidade nada tem de surpreendente: tanto mais que lhes convém parecerem tão ingénuos e falar, a sério, da paz sob o imperialismo. Mas que resta a Kautsky de marxismo quando, em 1914, 1915 e 1916, adopta essa mesma posição burguesa reformista e afirma que "toda a gente está de acordo" (imperialistas, pseudo-socialistas e social-pacifistas) no que se refere à paz? Em vez de analisar e pôr a descoberto, em toda a sua profundidade, as contradições do imperialismo, não vemos mais que o desejo piedoso-reformista de as evitar, de as ignorar.

Eis aqui uma pequena amostra da crítica económica que Kautsky faz do imperialismo. Toma os dados sobre o movimento de exportação e importação entre a Inglaterra e o Egipto em 1872 e 1912: acontece que essa exportação e importação aumentou menos do que a exportação e importação gerais da Inglaterra. E Kautsky infere: "Não temos fundamento algum para supor que, sem a ocupação militar do Egipto, o comércio com ele teria crescido menos, sob a influência do simples peso dos factores económicos". "A melhor maneira de o capital realizar a sua tendência para a expansão" "não é por meio dos métodos violentos do imperialismo, mas pela democracia pacífica [4].

Este raciocínio de Kautsky repetido em todos os tons pelo seu escudeiro russo (e encobridor russo dos social-chauvinistas), Sr. Spectator, é a base da crítica kautskista do imperialismo, e por isso devemos deter-nos nele mais pormenorizadamente. Comecemos por citar Hilferding, cujas conclusões Kautsky declarou muitas vezes, por exemplo em Abril de 1915, serem "aceites unanimemente por todos os teóricos socialistas".

"Não compete ao proletariado – diz Hilferding – opor à política capitalista mais progressiva a política passada da época do livre-câmbio e da atitude hostil para com o Estado. A resposta do proletariado à política económica do capital financeiro, ao imperialismo, não pode ser o livre-câmbio, mas apenas o socialismo. O objectivo da política proletária não pode ser actualmente a restauração "da livre concorrência – que se converteu agora num ideal reaccionário –, mas unicamente a destruição completa da concorrência mediante a supressão do capitalismo.[5]

Kautsky rompeu com o marxismo ao defender, para a época do capital financeiro, um "ideal reaccionário", a "democracia pacífica", o "simples peso dos factores económicos", pois este ideal arrasta objectivamente para trás, do capitalismo monopolista para o capitalismo não monopolista, e é um engano reformista.

O comércio com o Egipto (ou com outra colónia ou semicolónia) "teria crescido" mais sem a ocupação militar, sem o imperialismo, sem o capital financeiro. Que significa isto? Que o capitalismo se desenvolveria mais rapidamente se a livre concorrência não conhecesse a limitação que lhe impõem os monopólios em geral, as "relações" ou o jugo (isto também é monopólio) do capital financeiro e a posse monopolista das colónias por parte de alguns países?

Os raciocínios de Kautsky não podem ter outro sentido, e este "sentido" é um sem sentido. Admitamos que sim, que a livre concorrência, sem monopólios de nenhuma espécie, poderia desenvolver o capitalismo e o comércio mais rapidamente. Mas quanto mais rápido é o desenvolvimento do comércio do capitalismo, mais intensa é a concentração da produção e do capital que gera o monopólio. E os monopólios nasceram já, precisamente da livre concorrência! Mesmo se os monopólios refrearam actualmente o seu desenvolvimento, isto não é, apesar de tudo, um argumento a favor da livre concorrência, que se tornou impossível depois de ter gerado os monopólios.

Por mais voltas que se dê aos raciocínios de Kautsky, não se encontrará neles mais do que reaccionarismo e reformismo burguês.

Se corrigirmos esse raciocínio, e dissermos, como o faz Spectator, que o comércio das colónias inglesas com a metrópole progride, na actualidade, mais lentamente do que com outros países, nem isto salva Kautsky, pois a Inglaterra é batida também pelo monopólio, também pelo imperialismo, mas de outros países (os Estados Unidos, a Alemanha). Sabe-se que os cartéis conduziram ao estabelecimento de direitos aduaneiros proteccionistas de um tipo novo, original: protegem-se (como o fez notar já Engels no tomo III de O Capital) precisamente os produtos susceptíveis de ser exportados. É também conhecido o sistema, próprio dos cartéis e do capital financeiro, de "exportação a preço ínfimo", o dumping, como dizem os ingleses: no interior do país, o cartel vende os seus produtos a um preço monopolista elevado, e no estrangeiro coloca-os a um preço baixíssimo, com o objectivo de arruinar o concorrente, ampliar ao máximo a sua própria produção, etc. Se a Alemanha desenvolve o seu comércio com as colónias inglesas mais rapidamente do que a Inglaterra, isso demonstra apenas que o imperialismo alemão é mais fresco, mais forte, mais bem organizado do que o inglês, superior a este, mas não demonstra, longe disso, a "superioridade" do livre-câmbio, porque não é o livre-câmbio que luta contra o proteccionismo e contra a dependência colonial, mas um imperialismo que luta contra outro, um monopólio contra outro, um capital financeiro contra outro. A superioridade do imperialismo alemão sobre o inglês é mais forte do que a muralha das fronteiras coloniais ou dos direitos alfandegários proteccionistas: tirar daí um "argumento" a favor do livre-câmbio e da "democracia pacífica " equivale a dizer banalidades, a esquecer os traços e as propriedades fundamentais do imperialismo, a substituir o marxismo pelo reformismo filisteu.

É interessante notar que mesmo o economista burguês A. Lansburgh, que critica o imperialismo de uma maneira tão filistina como Kautsky, abordou mais cientificamente do que ele a ordenação dos dados da estatística comercial. Lansburgh não comparou um país tomado ao acaso, e precisamente uma colónia, com os restantes países, mas as exportações de um país Imperialista: 1) para os países que dependem financeiramente dele, que receberam empréstimos, e 2) para os países financeiramente independentes. O resultado obtido é o que a seguir apresentamos:

 

Exportações da Alemanha (Em milhões de marcos)

Para os países financeiramente dependentes da Alemanha

Países

1889

1908

Aumento em Percentagem

Roménia

48,2

70,8

+47%

Portugal

19,0

32,8

+73%

Argentina

60,7

147,0

+143%

Brasil

48,7

84,5

+73%

Chile

28,3

52,4

+85%

Turquia

29,9

64,0

+114%

Total

234,8

451,5

+92%

 

Para os países financeiramente independentes da Alemanha

Países

1889

1908

Aumento em Percentagem

Grã-Bretanha

651,8

997,4

+53%

França

210,2

437,9

+108%

Bélgica

137,2

322,8

+135%

Suíça

177,4

401,1

+127%

Austrália

21,2

64,5

+205%

Índias Holandesas

88,8

40,7

+363%

Total

1206,6

2264,4

+87%

 

Lansburgh não fez a soma, e por isso, coisa estranha, não se deu conta de que, se estes números provam alguma coisa, é só contra ele, pois a exportação para os países financeiramente dependentes cresceu, apesar de tudo, mais rapidamente, embora não de maneira muito considerável, do que a exportação para os países financeiramente independentes (sublinhamos o nosso "se" porque a estatística de Lansburgh está muito longe de ser completa).

Referindo-se à relação entre a exportação e os empréstimos, Lansburgh diz:

"Em 1890-1891, foi acordado o empréstimo romeno por intermédio dos bancos alemães, que nos anos anteriores adiantaram já dinheiro por conta do mesmo. O empréstimo serviu principalmente para aquisição de material ferroviário que se recebia da Alemanha. Em 1891, a exportação alemã para a Roménia foi de 55 milhões de marcos. No ano seguinte desceu para 39,4 e, com intervalos, até 25,4 milhões em 1900. Só nestes últimos anos, graças a outros dois novos empréstimos, foi restabelecido o nível de 1891.

"A exportação alemã para Portugal aumentou, em consequência dos empréstimos de 1888 e 1889, para 21,1 milhões de marcos (1890); depois, nos dois anos seguintes, desceu para 16,2 e 7,4 milhões, e só alcançou o seu antigo nível em 1903.

"São ainda mais expressivos os dados do comércio germano-argentino. Em consequência dos empréstimos de 1888 e 1890, a exportação alemã para a Argentina atingiu em 1889 o montante de 60,7 milhões de marcos. Dois anos mais tarde era de apenas 18,6 milhões, isto é, menos de um terço. Só em 1901 é atingido e ultrapassado o nível de 1889, o que se deve aos novos empréstimos do Estado e municipais, à entrega de dinheiro para a construção de fábricas de electricidade e a outras operações de crédito.

"A exportação para o Chile aumentou, em consequência do empréstimo de 1889, para 45,2 milhões de marcos (1892), descendo um ano depois para 22,5 milhões. Após novo empréstimo, concedido por intermédio dos bancos alemães em 1906, a exportação subiu para 84,7 milhões de marcos (1907), descendo de novo para 52,4 milhões em 1908.[6]

Lansburgh deduz destes factos uma divertida moral filistina: como é inconsistente e desigual a exportação ligada aos empréstimos, como é mau exportar capitais para o estrangeiro em vez de fomentar a indústria nacional de forma "natural" e "harmónica", como ficam "caras", para Krupp, as gratificações de milhões e milhões que acompanham a concessão dos empréstimos estrangeiros, etc. Mas os factos falam com clareza: o aumento da exportação está relacionado precisamente com as fraudulentas maquinações do capital financeiro, que não se preocupa com a moral burguesa e esfola o boi duas vezes: primeiro o lucro do empréstimo, e depois o lucro desse mesmo empréstimo investido na aquisição de artigos da Krupp ou material ferroviário do sindicato do aço, etc.

Repetimos que estamos longe de considerar perfeita a estatística de Lansburgh, mas era indispensável reproduzi-la, porque é mais científica do que a de Kautsky e de Spectator, já que Lansburgh indica uma maneira acertada de abordar o problema. Para raciocinar sobre a significação do capital financeiro no que se refere à exportação, etc., é indispensável saber destacá-la de maneira especial e unicamente na sua relação com as maquinações dos financeiros, de maneira especial e unicamente na sua relação com a venda dos produtos dos cartéis, etc. Limitar-se a comparar simplesmente as colónias em geral com as não colónias, um imperialismo com outro, uma semicolónia ou colónia (Egipto) com todos os restantes países, significa deixar de lado e escamotear precisamente a essência da questão.

A crítica teórica do imperialismo que Kautsky faz não tem nada de comum com o marxismo; apenas serve como ponto de partida para preconizar a paz e a unidade com os oportunistas e os social-chauvinistas, porque deixa de lado e oculta precisamente as contradições mais profundas e fundamentais do imperialismo: as contradições entre os monopólios e a livre concorrência que existe paralelamente a eles, entre as "operações" gigantescas (e os lucros gigantescos) do capital financeiro e o comércio honesto no mercado livre, entre os cartéis e trusts, por um lado, e a indústria não cartelizada por outro, etc.

Tem absolutamente o mesmo carácter reaccionário a famosa teoria do "ultra-imperialismo" inventada por Kautsky. Comparemos os seus raciocínios sobre este tema em 1915 com os de Hobson em 1902:

Kautsky: "...Não poderá a política imperialista actual ser suplantada por outra nova, ultra-imperialista, que em vez da luta dos capitais financeiros entre si, estabelecesse a exploração comum de todo o mundo pelo capital financeiro unido internacionalmente? Tal nova fase do capitalismo, em todo o caso, é concebível. A inexistência de premissas suficientes não permite resolver se é realizável ou não.[7]

Hobson: "O cristianismo consolidado num número limitado de grandes impérios federais, cada um deles com colónias não civilizadas e países dependentes, parece a muitos a evolução mais legítima das tendências actuais, uma evolução que, além disso, permitiria alimentar as maiores esperanças numa paz permanente sobre a base sólida do inter-imperialismo.

Kautsky qualifica de ultra-imperialismo ou super-imperialismo aquilo que Hobson qualificava, treze anos antes, de inter-imperialismo. Se exceptuarmos a formação de uma nova e sapientíssima palavra mediante a substituição de um prefixo latino por outro, o progresso do pensamento "científico" em Kautsky reduz-se à pretensão de fazer passar por marxismo aquilo que Hobson descreve, em essência, como manifestação hipócrita dos padres ingleses. Depois da guerra anglo-boer era natural que esta respeitável casta dedicasse os seus maiores esforços a consolar os filisteus e operários ingleses, que tinham sofrido um bom número de mortos nas batalhas sul-africanas e tiveram de pagar impostos elevados para garantirem maiores lucros aos financeiros ingleses. E que melhor poderia consolá-los do que a ideia de que o imperialismo não era assim tão mau, que se encontrava muito próximo do inter ou ultra-imperialismo, capaz de assegurar a paz permanente! Quaisquer que fossem as boas intenções dos padres ingleses ou do melífluo Kautsky, o sentido objectivo, isto é, o verdadeiro sentido social da sua “teoria” é um e só um: a consolação arqui-reaccionária das massas com a esperança na possibilidade de uma paz permanente sob o capitalismo, desviando a atenção das agudas contradições e dos agudos problemas da actualidade, para a dirigir para as falsas perspectivas de um pretenso novo o ultra-imperialismo futuro. Para além do engano das massas, a teoria "marxista" de Kautsky nada mais contém.

Com efeito, basta comparar com clareza os factos notórios, indiscutíveis, para nos convencermos até que ponto são falsas as perspectivas que Kautsky se esforça por inculcar nos operários alemães (e nos de todos os países). Tomemos o exemplo da Índia, da Indochina e da China. É sabido que essas três colónias e semicolónias, com uma população de 600 a 700 milhões de habitantes, se encontram submetidas à exploração do capital financeiro de várias potências imperialistas: a Inglaterra, a França, o Japão, os Estados Unidos, etc. Suponhamos que esses países imperialistas formam alianças, uma contra outra, com o objectivo de defender ou alargar as suas possessões, os seus interesses e as suas esferas de influência nos referidos países asiáticos. Essas alianças serão alianças "inter-imperialistas" ou "ultra-imperialistas". Suponhamos que todas as potências imperialistas constituem uma aliança para a partilha "pacífica" desses países asiáticos: essa será uma aliança do "capital financeiro unido internacionalmente". Na história do século XX encontramos casos concretos de alianças desse tipo: tais são, por exemplo, as relações entre as potências no que se refere à China. E será "concebível", perguntamos, pressupondo a manutenção do capitalismo (e é precisamente esta condição que Kautsky apresenta), que as referidas alianças não sejam efémeras, que excluam as fricções, os conflitos e a luta em todas as formas imagináveis?

Basta formular claramente a pergunta para que seja impossível dar-lhe uma resposta que não seja negativa, pois sob o capitalismo não se concebe outro fundamento para a partilha das esferas de influência, dos interesses, das colónias, etc., além da força de quem participa na divisão, a força económica geral, financeira, militar, etc. E a força dos que participam na divisão não se modifica de forma idêntica, visto que sob o capitalismo é impossível o desenvolvimento igual das diferentes empresas, trusts, ramos industriais e países. Há meio século, a Alemanha era uma absoluta insignificância comparando a sua força capitalista com a da Inglaterra de então; o mesmo se pode dizer do Japão se o compararmos com a Rússia. Será "concebível" que dentro de dez ou vinte anos permaneça invariável a correlação de forças entre as potências imperialistas? E absolutamente inconcebível.

Por isso, as alianças "inter-imperialistas" ou “ultra-imperialistas”, no mundo real capitalista, e não na vulgar fantasia filistina dos padres ingleses ou do "marxista" alemão Kautsky – seja qual for a sua forma: uma coligação imperialista contra outra coligação imperialista, ou uma aliança geral de todas as potências imperialistas –, só podem ser, inevitavelmente, "tréguas" entre guerras. As alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mutuamente, gerando urna sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais. E o sapientíssimo Kautsky, para tranquilizar os operários e os reconciliar com os social-chauvinistas que se passaram para a burguesia, separa os elos de uma única e mesma cadeia, separa a actual aliança pacífica (que é ultra-imperialista e mesmo ultra-ultra-imperialista) de todas as potências, criada para a "pacificação" da China (recordai o esmagamento da insurreição dos boxers), do conflito não pacífico de amanhã, que preparará para depois de amanhã outra aliança "pacífica" geral para a partilha, suponhamos, da Turquia, etc., etc. Em vez da ligação viva entre os períodos de paz imperialista e de guerras imperialistas, Kautsky oferece aos operários uma abstracção morta, a fim de os reconciliar com os seus chefes mortos.

O americano Hill indica no prefácio à sua História da Diplomacia no Desenvolvimento Internacional da Europa os seguintes períodos da história contemporânea da diplomacia: 1) era da revolução; 2) movimento constitucional; 3) era do "imperialismo comercial[8] dos nossos dias. Outro escritor divide a história da "política mundial" da Grã-Bretanha a partir de 1870 em quatro períodos: 1) primeiro período asiático (luta contra o movimento da Rússia na Ásia Central em direcção à Índia); 2) período africano (de 1885 a 1902 aproximadamente): luta contra a França pela partilha da África (incidente de Fachoda em 1898, a ponto de dar origem à guerra com a França); 3) segundo período asiático (tratado com o Japão contra a Rússia); 4) período "europeu", dirigido principalmente contra a Alemanha. [9] "As escaramuças políticas dos destacamentos de vanguarda travam-se no terreno financeiro", escrevia em 1905 Riesser, "personalidade" do mundo bancário, indicando como o capital financeiro francês preparou, com as suas operações na Itália, a aliança política desses países, como se desenvolvia a luta entre a Alemanha e a Inglaterra pela Pérsia, a luta entre todos os capitais europeus para ficarem com empréstimos chineses, etc. Tal é a realidade viva das alianças "ultra-imperialistas" pacíficas, ligadas indissoluvelmente aos conflitos simplesmente imperialistas.

A atenuação que Kautsky faz das contradições mais profundas do imperialismo, e que se transforma inevitavelmente num embelezamento do imperialismo, deixa também marcas na crítica que este escritor faz às propriedades políticas do imperialismo. O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reacção em toda a linha, seja qual for o regime político; a exacerbação extrema das contradições também nesta esfera: tal é o resultado desta tendência. Intensifica-se também particularmente a opressão nacional e a tendência para as anexações, isto é, para a violação da independência nacional (pois a anexação não é senão a violação do direito das nações à autodeterminação). Hilferding faz notar acertadamente a relação entre o imperialismo e a intensificação da opressão nacional: "No que se refere aos países recentemente descobertos – diz –, o capital importado intensifica as contradições e provoca contra os intrusos uma crescente resistência dos povos, cuja consciência nacional desperta; esta resistência pode transformar-se facilmente em medidas perigosas contra o capital estrangeiro. Revolucionam-se completamente as velhas relações sociais, destrói-se o isolamento agrário milenar das ‘nações à margem da história’, que se vêem arrastadas para o torvelinho capitalista. O próprio capitalismo proporciona pouco a pouco, aos submetidos, meios e processos adequados de emancipação. E as referidas nações formulam o objectivo que noutros tempos foi o mais elevado entre as nações europeias: a criação de um Estado nacional único como instrumento de liberdade económica e cultural. Este movimento pela independência ameaça o capital europeu nas suas zonas de exploração mais preciosas, que prometem as perspectivas mais brilhantes, e o capital europeu só pode manter a dominação aumentando continuamente as suas forças militares. [10]

A isto há que acrescentar que, não só nos países recentemente descobertos mas também nos velhos, o imperialismo conduz às anexações, à intensificação da opressão nacional, e, por conseguinte, intensifica também a resistência. Ao negar que o imperialismo intensifica a reacção política, Kautsky deixa na sombra o que se refere à impossibilidade da unidade com os oportunistas na época do imperialismo, questão que adquiriu particular importância vital. Ao opor-se às anexações, dá aos seus argumentos a forma mais inofensiva e mais aceitável para os oportunistas. Kautsky dirige-se directamente ao leitor alemão, e, contudo, oculta precisamente o mais essencial e mais actual, por exemplo que a Alsácia-Lorena é uma anexação da Alemanha. Para apreciar esta aberração mental de Kautsky, tomemos um exemplo. Suponhamos que um japonês condena a anexação das Filipinas pelos Americanos. Pode-se perguntar: serão muitos os que atribuem isto à oposição feita às anexações em geral, e não ao desejo do Japão de anexar ele próprio as Filipinas? E não será de admitir que a "luta" do japonês contra as anexações só pode ser sincera, e politicamente honesta, no caso de se erguer também contra a anexação da Coreia pelo Japão, de reivindicar a liberdade da Coreia de se separar do Japão?

Tanto a análise teórica como a crítica económica e política que Kautsky faz do imperialismo encontram-se totalmente impregnadas de um espírito absolutamente incompatível com o marxismo, de um espírito que oculta e lima as contradições mais essenciais, impregnadas da tendência para manter a todo o custo a unidade em desintegração com o oportunismo no movimento operário europeu.



[1]Weltwirtschftlisches Archiv, BD. II, S. 193.

[2] J. Patouiller, L’impériliasme américan, Dijon, 1904, p. 272.

[3] Bulletin de l’Institut Internacional de Statistique, t. XIX, livre II, p. 225.

[4] Kautsky, Nationalstaat, imperialistischer Staat und Staataenbund, Nürnberg, 1915, S. 72, 70.

[5] O Capital Financeiro, p. 567.

[6] Die Bank, 1909, 2, S. 819 e segs.

[7] Neue Zeit, 30 de abril de 1915, S. 144.

[8] David Jayne Hill, A History of the Diplomacy in the international development of Europe, vol. I, p. X.

[9] Schilder, Ob. Cit., p.178.

[10] O Capital financeiro, p. 487.



publicado por portopctp às 17:23
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Terça-feira, 16 de Novembro de 2010
Imperialismo, estádio supremo do capitalismo - Cap VI - A partilha do mundo entre as grandes potências

No seu livro sobre o "desenvolvimento territorial das colónias europeias"[1], o geógrafo A. Supan dá o seguinte resumo desse desenvolvimento nos fins do século XIX:

 

PERCENTAGEM DE TERRITÓRIO PERTENCENTE ÀS POTÊNCIAS COLONIAIS EUROPEIAS E AOS ESTADOS UNIDOS


1876

1900

Diferenças

Em África

10,8%

90,4%

79,6%

Na Polinésia

56,8%

98,9%

42,1%

Na Ásia

51,5%

56,6%

5,1%

Na Austrália

100%

100%

--

Na América

27,5%

27,2%

0,3%

 

"O traço característico deste período – conclui o autor – é, por conseguinte, a partilha da África e da Polinésia." Como nem na Ásia nem na América existem terras desocupadas, isto é, que não pertençam a nenhum Estado, há que ampliar a conclusão de Supan e dizer que o traço característico do período que nos ocupa é a partilha definitiva do planeta, definitiva não no sentido de ser impossível reparti-lo de novo "pelo contrário, novas partilhas são possíveis e inevitáveis", mas no sentido de que a política colonial dos países capitalistas já completou a conquista de todas as terras não ocupadas que havia no nosso planeta. Pela primeira vez, o mundo encontra-se já repartido, de tal modo que, no futuro, só se poderão efectuar novas partilhas, ou seja, a passagem de territórios de um "proprietário" para outro, e não a passagem de um território sem proprietário para um "dono".

Vivemos, por conseguinte, numa época peculiar da política colonial mundial, que se encontra intimamente relacionada com a "fase mais recente de desenvolvimento do capitalismo", com o capital financeiro. Por isso é necessário determo-nos mais pormenorizadamente acima de tudo nos dados concretos, para formarmos uma ideia o mais precisa possível da diferença existente entre esta época e as anteriores, assim como da situação actual. Em primeiro lugar surgem duas questões concretas: verifica-se uma acentuação da política colonial, uma exacerbação da luta pelas colónias, precisamente na época do capital financeiro? Como precisamente se encontra repartido o mundo, na actualidade, deste ponto de vista?

O escritor americano Morris, no seu livro sobre a história da colonização[2], procura reunir os dados sobre a extensão das possessões coloniais da Inglaterra, França e Alemanha nos diferentes períodos do século XIX. Eis, brevemente expostos, os resultados obtidos.

 

DIMENSÃO DAS POSSESSÕES COLONIAIS


Inglaterra

França

Alemanha

Anos

Superfície
(em milhões de milhas quadradas)

População
(em milhões)

Superfície
(em milhões de milhas quadradas)

População
(em milhões)

Superfície
(em milhões de milhas quadradas)

População
(em milhões)

1815-1830

?

126,4

0,02

0,5

--

--

1860

2,5

145,1

0,2

3,4

--

--

1880

7,7

267,9

3,4

7,5

--

--

1899

9,3

309,0

7,5

56,4

1,0

14,7

 

Para a Inglaterra, o período de enorme intensificação das conquistas coloniais corresponde aos anos de 1860 a 1890 e muito considerável durante os últimos vinte anos do século XIX. Para a França e para a Alemanha corresponde exactamente a esses vinte anos. Vimos acima que o período de desenvolvimento máximo do capitalismo pré-monopolista, o capitalismo em que predomina a livre concorrência, vai de 1860 a 1870. Agora vemos que é exactamente depois desse período que começa o enorme "ascenso" de conquistas coloniais, que se exacerba até um grau extraordinário a luta pela partilha territorial do mundo. É indubitável, por conseguinte, que a passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, ao capital financeiro, se encontra relacionada com a exacerbação da luta pela partilha do mundo.

Hobson destaca no seu livro sobre o imperialismo os anos que vão de 1884 a 1900 como um período de intensa "expansão" (aumento territorial) dos principais Estados europeus. Segundo os seus cálculos, a Inglaterra adquiriu durante esse período 3.700.000 milhas quadradas com uma população de 57 milhões de habitantes; a França, 3.600.000 milhas quadradas com 36,5 milhões de habitantes; a Alemanha, 1000.000 de milhas quadradas com 14,7 milhões de habitantes; a Bélgica, 900.000 milhas quadradas com 30 milhões de habitantes; Portugal, 800.000 milhas quadradas com 9 milhões de habitantes. Em fins do século XIX, sobretudo a partir da década de 1880, todos os Estados capitalistas se esforçaram por adquirir colónias, o que constitui um facto universalmente conhecido da história da diplomacia e da política externa.

Na época de maior florescimento da livre concorrência na Inglaterra, entre 1840 e 1860, os dirigentes políticos burgueses deste país eram adversários da política colonial, e consideravam útil e inevitável a emancipação das colónias e a sua separação completa da Inglaterra. M. Beer diz, num artigo publicado em 1898 sobre o "imperialismo inglês contemporâneo"[3], que em 1852 um estadista britânico como Disraeli, tão favorável em geral ao imperialismo, declarava que "as colónias são uma mó que trazemos atada ao pescoço". Em contrapartida, em fins do século XIX os heróis do dia na Inglaterra eram Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, que preconizavam abertamente o imperialismo e aplicavam uma política imperialista com o maior cinismo!

Não deixa de ter interesse assinalar que esses dirigentes políticos da burguesia inglesa viam já então claramente a ligação existente entre as raízes puramente económicas, por assim dizer, do imperialismo moderno e as suas raízes sociais e políticas. Chamberlain preconizava o imperialismo como uma "política justa, prudente e económica", assinalando sobretudo a concorrência com que choca agora a Inglaterra no mercado mundial por parte da Alemanha, da América e da Bélgica. A salvação está no monopólio, diziam os capitalistas, ao fundar cartéis, sindicatos, trusts. A salvação está no monopólio, repetiam os chefes políticos da burguesia, apressando-se a apoderar-se das partes do mundo ainda não repartidas. E Cecil Rhodes, segundo conta um seu amigo íntimo, o jornalista Stead, dizia-lhe em 1895, a propósito das suas ideias imperialistas: "Ontem estive no East-End londrino (bairro operário) e assisti a uma assembleia de desempregados. Ao ouvir ali discursos exaltados cuja nota dominante era: pão!, pão!, e ao reflectir, de regresso a casa, sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo... A ideia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos apoderar-nos de novos territórios; para eles enviaremos o excedente de população e neles encontraremos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O império, sempre o tenho dito, é uma questão de estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas."[4]

Assim falava em 1895 Cecil Rhodes, milionário, rei da finança e principal responsável da guerra anglo-boer. Esta defesa do imperialismo é simplesmente um pouco grosseira, cínica, mas, no fundo, não se diferencia da "teoria" dos senhores Máslov, Südekum, Potréssov, David, do fundador do marxismo russo, etc. etc. Cecil Rhodes era um social-chauvinista um pouco mais honesto.

Para dar um panorama o mais exacto possível da partilha territorial do globo e das mudanças havidas, sob este aspecto, durante os últimos decénios, utilizaremos os resumos que Supan fornece na obra mencionada sobre as possessões coloniais de todas as potências do mundo. O autor compara os anos 1876 e 1900; nós tomaremos o ano de 1876 – ponto de referência muito acertadamente escolhido, já que se pode considerar, em termos gerais, ser precisamente então que termina o desenvolvimento do capitalismo da Europa ocidental na sua fase pré-monopolista – e o ano de 1914, substituindo os números de Supan pelos mais recentes de Hübner, que extraímos das suas Tábuas Geográfico-Estatísticas. Supart estuda só as colónias; nós consideramos útil (para que o quadro da partilha do mundo seja completo) acrescentar uns breves dados sobre os países não coloniais e as semicolónias, entre as quais incluímos a Pérsia, a China e a Turquia: o primeiro destes países transformou-se já quase completamente em colónia; o segundo e o terceiro estão a caminho de se converterem.

Como resultado, obteremos o seguinte:

 

POSSESSÕES COLONIAIS DAS GRANDES POTÊNCIAS

(Em milhões de quilómetros quadrados e em milhões de habitantes)

 

 

 

Colónias

Metrópoles

Total

1876

1914

1914

1914

Km2

Hab.

Km2

Hab

Km2

Hab

Km2

Hab

Inglaterra

22,5

251,9

33,5

393,5

0,3

46,5

33,8

440,0

Rússia

17,0

15,9

17,4

33,2

5,4

136,2

22,8

169,4

França

0,9

6,0

10,6

55,5

0,5

9,6

11,1

95,1

Alemanha

--

--

2,9

12,3

0,5

64,9

3,4

77,2

Estados Unidos

--

--

0,3

9,7

9,4

97,0

9,7

106,7

Japão

--

--

0,3

19,2

0,4

53,0

0,7

72,2

Total para as 6 grandes potências

40,4

273,8

65,0

523,4

16,5

437,2

81,5

960,6

Colónias de outras potências (Bélgica, Holanda, etc)







9,9

45,3

Outros países







14,5

361,2

Total na Terra







133,9

1.657,0

 

Vê-se claramente como em fins do século XIX e princípios do século XX tinha já "terminado" a partilha do mundo. As possessões coloniais aumentaram em proporções gigantescas depois de 1876: em mais de uma vez e meia, de 40 para 65 milhões de quilómetros quadrados, para as seis potências mais importantes; o aumento é de 25 milhões de quilómetros quadrados, uma vez e meia mais do que a superfície das metrópoles (16,5 milhões). Três potências não possuíam colónias em 1876 e uma quarta, a França, quase não as tinha. No ano de 1914 essas quatro potências tinham adquirido colónias com uma superfície de 14,1 milhões de quilómetros quadrados, isto é, cerca de uma vez e meia mais do que a superfície da Europa, com uma população de quase 100 milhões de habitantes. A desigualdade na expansão colonial é muito grande. Se compararmos, por exemplo, a França, a Alemanha e o Japão, que não são muito diferentes quanto à superfície e ao número de habitantes, verificamos que o primeiro desses países adquiriu quase três vezes mais colónias (do ponto de vista da superfície) que o segundo e o terceiro juntos. Mas pela importância do capital financeiro, a França, em princípio do período considerado, era talvez também várias vezes mais rica do que a Alemanha e o Japão juntos. A extensão das possessões coloniais não depende só das condições puramente económicas, mas também, na base destas, das condições geográficas, etc. etc. Por vigoroso que tenha sido, durante os últimos decénios, o nivelamento do mundo, a igualização das condições económicas e de vida dos diferentes países sob a pressão da grande indústria, da troca e do capital financeiro, a diferença continua a ser, no entanto, respeitável, e entre os seis países indicados encontramos, por um lado, países capitalistas jovens, que progrediram com uma rapidez extraordinária (a América, a Alemanha e o Japão); por outro lado, há países capitalistas velhos que, durante os últimos anos, progrediram muito mais lentamente do que os anteriores (a França e a Inglaterra); em terceiro lugar figura um país, o mais atrasado do ponto de vista económico (a Rússia), no qual o imperialismo capitalista moderno se encontra envolvido, por assim dizer, numa rede particularmente densa de relações pré-capitalistas.

Ao lado das possessões coloniais das grandes potências colocamos as colónias menos importantes dos Estados pequenos, que são, por assim dizer, o objectivo imediato da "nova partilha" das colónias, partilha possível e provável. A maior parte desses Estados pequenos conserva as suas colónias unicamente graças ao facto de existirem interesses opostos, fricções, etc., entre as grandes potências que dificultam um acordo para a partilha do saque. Quanto aos Estados "semicoloniais", dão-nos um exemplo das formas de transição que encontramos em todas as esferas da natureza e da sociedade. O capital financeiro é uma força tão considerável, pode dizer-se tão decisiva, em todas as relações económicas e internacionais que é capaz de subordinar, e subordina realmente, mesmo os Estados que gozam da independência política mais completa, como veremos seguidamente. Mas, compreende-se, a subordinação mais lucrativa e "cómoda" para o capital financeiro é uma subordinação tal que traz consigo a perda da independência política dos países e dos povos submetidos. Os países semicoloniais são típicos, neste sentido, como "caso intermédio". Compreende-se, pois, que a luta por esses países semidependentes se tenha forçosamente exacerbado, principalmente na época do capital financeiro, quando o resto do mundo se encontrava já repartido.

A política colonial e o imperialismo existiam já antes da fase mais recente do capitalismo e até antes do capitalismo. Roma, baseada na escravatura, manteve uma política colonial e exerceu o imperialismo. Mas as considerações "gerais" sobre o imperialismo, que esquecem ou relegam para segundo, plano as diferenças radicais entre as formações económico-sociais, degeneram inevitavelmente em trivialidades ocas ou em jactâncias, tais como a de comparar "a grande Roma com a Grã-Bretanha"[5]. Mesmo a política colonial capitalista das fases anteriores do capitalismo é essencialmente diferente da política colonial do capital financeiro.

A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes patrões. Estes monopólios adquirem a máxima solidez quando reúnem nas suas mãos todas as fontes de matérias-primas, e já vimos com que ardor as associações internacionais de capitalistas se esforçam por retirar ao adversário toda a possibilidade de concorrência, por adquirir, por exemplo, as terras que contêm minério de ferro, os jazigos de petróleo, etc. A posse de colónias é a única coisa que garante de maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta com o adversário, mesmo quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio do Estado. Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colónias.

"Pode-se arriscar a afirmação – escreve Schilder –, que a alguns parecerá paradoxal, de que o crescimento da população urbana e industrial, num futuro mais ou menos próximo, pode encontrar mais obstáculos na insuficiência de matérias-primas para a indústria do que na de produtos alimentares." É assim que, por exemplo, se acentua a escassez de madeira, que vai encarecendo cada vez mais, de peles e de matérias-primas para a indústria têxtil. "As associações de industriais tentam estabelecer o equilíbrio entre a agricultura e a indústria no quadro de toda a economia mundial; como exemplo pode citar-se a união internacional das associações de fabricantes de tecidos de algodão, que reúne alguns dos países industriais mais importantes, fundada em 1904, e a união europeia de associações de fabricantes de tecidos de linho, constituída em 1910 à imagem da anterior."[6]

Claro que os reformistas burgueses, e entre eles sobretudo os kautskistas actuais, procuram atenuar a importância desses factos, afirmando que as matérias-primas "poderiam ser" adquiridas no mercado livre sem uma política colonial "cara e perigosa", que a oferta de matérias-primas "poderia ser" aumentada em proporções gigantescas como "simples" melhoramento das condições da agricultura em geral. Mas essas afirmações convertem-se numa apologia do imperialismo, no seu embelezamento, pois baseiam-se no esquecimento da particularidade principal do capitalismo contemporâneo: os monopólios. O mercado livre passa cada vez mais para o domínio da história, os sindicatos e trusts monopolistas vão-no reduzindo de dia para dia, e o "simples" melhoramento das condições da agricultura traduz-se no melhoramento da situação das massas, na elevação dos salários e na diminuição dos lucros. Onde existem, a não ser na fantasia dos reformistas melífluos, trusts capazes de se preocuparem com a situação das massas, e não com a conquista de colónias?

Para o capital financeiro não são apenas as fontes de matérias-primas já descobertas que têm importância, mas também as possíveis, pois a técnica avança, nos nossos dias, com uma rapidez incrível, e as terras hoje não aproveitáveis podem tornar-se amanhã terras úteis, se forem descobertos novos métodos (para cujo efeito um banco importante pode enviar uma expedição especial de engenheiros, agrónomos, etc.), se forem investidos grandes capitais. O mesmo acontece com a exploração de riquezas minerais, com os novos métodos de elaboração e utilização de tais ou tais matérias-primas, etc. etc. Daí a tendência inevitável do capital financeiro para ampliar o seu território económico e até o seu território em geral. Do mesmo modo que os trusts capitalizam os seus bens atribuindo-lhes o dobro ou o triplo do seu valor, tomando em consideração os lucros "possíveis" no futuro (e não os lucros presentes) e tendo em conta os resultados ulteriores do monopólio, o capital financeiro manifesta a tendência geral para se apoderar das maiores extensões possíveis de território, seja ele qual for, encontre-se onde se encontrar, por qualquer meio, pensando nas fontes possíveis de matérias-primas e temendo ficar para trás na luta furiosa para alcançar as últimas parcelas do mundo ainda não repartidas ou por conseguir uma nova partilha das já repartidas.

Os capitalistas ingleses procuram por todos os meios ampliar a produção de algodão na sua colónia, o Egipto (em 1904, dos 2.300.0000 hectares de terra cultivada no Egipto, 600.000, isto é, mais da quarta parte, eram já destinados a algodão); os russos fazem o mesmo no Turquestão, que é uma colónia sua. Deste modo, é-lhes mais fácil vencer os seus concorrentes estrangeiros, é-lhes mais fácil monopolizar as fontes de matérias-primas, criar um trust têxtil mais económico e mais lucrativo, com produção "combinada", que concentre numa só mão todas as fases da produção e da transformação do algodão.

Os interesses da exportação de capitais levam do mesmo modo à conquista de colónias, pois no mercado colonial é mais fácil (e por vezes só nele é possível), utilizando meios monopolistas, suprimir o concorrente, garantir encomendas, consolidar as "relações" necessárias, etc.

A superestrutura extra-económica que se ergue sobre a base do capital financeiro, a política e a ideologia deste, reforçam a tendência para as conquistas coloniais. "O capital financeiro não quer a liberdade, mas a dominação" – diz com razão Hilferding. E um escritor burguês da França, como se ampliasse e completasse as ideias de Cecil Rhodes que citamos acima[7], afirma que é necessário juntar as causas de ordem social às causas económicas da política colonial contemporânea: "em consequência das crescentes dificuldades da vida, que não atingem só as multidões operárias, mas também as classes médias, em todos os países de velha civilização estão a acumular-se 'impaciência', rancores e ódios que ameaçam a paz pública; energias desviadas do seu meio social, que é preciso captar para as empregar fora do país, se não quisermos que expludam no interior” [8].

Ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências pela partilha económica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de dependência estatal. Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que possuem colónias e as colónias –, mas também as formas variadas de países dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática. Uma destas formas, a semicolónia, indicamo-la já anteriormente. Modelo de outra forma é, por exemplo, a Argentina.

"A América do Sul, e sobretudo a Argentina – diz Schulze-Gaevernitz no seu livro sobre o imperialismo britânico –, encontra-se em tal dependência financeira relativamente a Londres que quase a devemos qualificar de colónia comercial inglesa."[9] Segundo Schilder, os capitais investidos pela Inglaterra na Argentina, de acordo com os dados fornecidos em 1909 pelo cônsul austro-húngaro em Buenos Aires, ascendiam a 8750 milhões de francos. Não é difícil imaginar as fortes relações que isto assegura ao capital financeiro – e à sua fiei "amiga", a diplomacia – da Inglaterra com a burguesia da Argentina, com os círculos dirigentes de toda a sua vida económica e política.

O exemplo de Portugal mostra-nos uma forma um pouco diferente de dependência financeira e diplomática, ainda que conservando a independência política. Portugal é um Estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão de Espanha (1701-1714), que está sob o protectorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições na luta contra os seus adversários: a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a exportação de mercadorias e, sobretudo, para a exportação de capitais para Portugal e suas colónias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc. etc.[10]. Este género de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalista tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a "partilha do mundo", passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial.

Para terminar com o que diz respeito à partilha do mundo devemos notar ainda o seguinte. Não só as publicações americanas depois da guerra hispano-americana, e as inglesas depois da guerra anglo-boer, apresentaram o assunto de um modo completamente aberto e definido em fins do século XIX e princípios do século XX; não só as publicações alemãs, que seguiam "de maneira mais zelosa" o desenvolvimento do "imperialismo britânico", têm vindo a apreciar sistematicamente este facto. Também as publicações burguesas de França apresentaram a questão de modo suficientemente claro e amplo, na medida em que isso é possível de um ponto de vista burguês. Referimo-nos ao historiador Driault, autor de Problemas Políticos e Sociais de Fins do Século XIX, que diz o seguinte, no capítulo sobre "As grandes potências e a partilha do mundo": "Nestes últimos anos, todos os territórios livres do globo, com excepção da China, foram ocupados pelas potências da Europa ou pela América do Norte. Produziram-se já, com base nisto, alguns conflitos e deslocações de influência, precursoras de transformações mais terríveis num futuro próximo. Porque é preciso andar depressa: as nações que não se abasteceram correm o risco de não o estarem nunca e de não tornarem parte na exploração gigantesca do globo, que será um dos factos mais essenciais do próximo século (isto é, do século XX). Eis porque toda a Europa e a América se viram recentemente presas da febre de expansão colonial, do 'imperialismo', que é a característica mais notável dos fins do século XIX." E o autor acrescenta: "Com essa partilha do mundo, com essa corrida furiosa atrás das riquezas e dos grandes mercados da Terra, a força relativa dos impérios criados neste século XIX não tem já qualquer proporção com o lugar que ocupam na Europa as nações que os criaram. As potências predominantes na Europa, que são os árbitros dos seus destinos, não predominam igualmente no mundo. E como o poderio colonial, esperança de riquezas ainda não calculadas, se repercutirá evidentemente na força relativa dos Estados europeus, a questão colonial – o 'imperialismo', se assim preferirmos chamar-lhe –, que modificou já as condições políticas da própria Europa, modificá-las-á cada vez mais.[11]



[1] A. Supan, Die territoriale Entwick1ung der europãischen KoIoníen, 1906, S. 254.

[2] Henry C. Morrís, The History of Colonization, N. Y., 1900, vol. II p. 88; I, 419; II, 304.

[3] Die Neue Zeit, XVI, 1, 1898, S. 302.

[4] Ibidem, S. 304.

[5] C. P. Lucas, Greater Rome and Greater Britain, Oxf., 1912; ou Earl of Cromer, Ancient and Modern Imperialism, L., 1910.

[6] Schilder, Ob. cit., pp. 38-42.

[7] Ver p, 634 da presente edição. (N. Ed.)

[8] Wahl, La France aux colonies, cit. por Henri Russier, Le Partage de l’Océanie, P., 1905, p. 165.

[9] Schulze-Gaevernitz, Britischer Imperialismus und englischer Freihandel zu Beginn des 20-tem Jahrbunderts, Lpz., 1906, S. 318. 0 mesmo diz Sartorius von Waltershausen, Das volkswirtschaftliche System der Kapitalangage im Auslande, Berlin, 1907, S. 46.

[10] Schilder, Ob. cit., t. I, pp. 160-161.

[11] J. E. Driault, Problèmes politiques et sociaux, P., 1900, p. 299.



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