(anterior)
IV – Notas suplementares
A produtividade do trabalho desenvolve-se muito desigualmente nos diferentes ramos da produção e só existe uma diferença de grau. Mas este desenvolvimento opera-se ainda muitas vezes em direcções opostas; daqui resulta que a massa do lucro médio (igual à mais-valia) será necessariamente muito abaixo do nível que se esperaria, a julgar pelo desenvolvimento da produtividade nos ramos industriais mais avançados. O facto de a força produtiva do trabalho nesses diversos ramos não se desenvolver só em proporções diferentes mas também frequentemente em direcções opostas, não provém apenas da anarquia da concorrência e das particularidades do modo burguês de produção. A produtividade do trabalho está também ligada a condições naturais cujo rendimento diminui muitas vezes na mesma proporção em que aumenta a produtividade – na medida em que ela depende de condições sociais. Daqui, um movimento em sentido contrário das diferentes esferas: aqui progresso, ali regressão. Pensemos por exemplo na influência das estações de que dependa a maioria das matérias-primas, no esgotamento dos bosques, nas minas de carvão e de ferro, etc..
Se a porção circulante do capital constante (como matérias-primas, etc.) aumenta sem cessar quanto à sua massa, em proporção da produtividade do trabalho, não é o caso do capital fixo (imóveis, aparelhagem, instalações da iluminação, de aquecimento, etc.). Se é verdade que a máquina se torna mais cara, em valor absoluto, à medida que aumenta a sua massa física, torna-se relativamente mais barata. Se cinco operários produzirem dez vezes mais mercadorias do que antes, o gasto do capital fixo, não decuplica por certo, devido a esse facto. O valor da porção do capital constante aumenta com o desenvolvimento da produtividade, mas não aumenta – muito longe disso – na mesma proporção. Já temos sublinhado por várias vezes a diferença que existe quanto à relação entre capital constante e capital variável, tal como se exprime com o desenvolvimento da produtividade do trabalho, com referência à mercadoria e ao seu preço.
O valor da mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho total, passado e vivo, que ela absorve. O aumento da produtividade do trabalho reside precisamente nisto: a parte do trabalho vivo é reduzida e a do trabalho passado aumenta, mas de tal modo que a soma total do trabalho contido na mercadoria diminua; por outros termos, o trabalho vivo diminui mais do que aumenta o trabalho passado. O trabalho passado, materializado no valor de uma mercadoria – a porção de capital constante – compõe-se, por um lado, do desgaste do capital constante fixo, e por outro lado, do capital constante circulante: matérias-primas e auxiliares, absorvidas totalmente na mercadoria.
A porção de valor proveniente das matérias-primas e auxiliares, necessariamente que diminui com o aumento da produtividade do trabalho, porque, com relação a estas matérias, a produtividade nota-se justamente com a diminuição do valor delas. Pelo contrário, o que caracteriza precisamente o aumento da força produtiva do trabalho é que a parte fixa do capital constante sofre um aumento muito forte e, por isso, aumenta igualmente a fracção de valor deste, que é transferida para as mercadorias pelo desgaste. Ora, para que um novo método de produção se evidencie no aumento real da produção, é preciso que transfira para a mercadoria uma porção suplementar de valor como desgaste do capital fixo, menor do que a parte de valor que se economiza em razão da diminuição do trabalho vivo; em resumo, é preciso que o novo método reduza o valor da mercadoria. Isto é preciso, escusado será dizer, mesmo que (como se dá em casos isolados), além do suplemento de desgaste do capital fixo, se junte uma porção suplementar de valor pelo aumento ou encarecimento das matérias-primas e auxiliares que entram no valor da mercadoria criada. É preciso que todos estes suplementos de valor sejam mais do que compensados pela redução de valor resultante da diminuição do trabalho vivo.
Entrando na mercadoria esta diminuição da quantidade total de trabalho., parece que é uma característica essencial do aumento de produtividade do trabalho, sejam quais forem as condições sociais de produção. Numa sociedade em que os produtores regulassem a sua produção segundo um plano pré-estabelecido, e até na simples produção mercantil, a produtividade do trabalho deveria ser medida necessariamente por este padrão. Mas que acontece na produção capitalista?
Suponhamos um certo ramo da produção capitalista que produza uma unidade normal da sua mercadoria nas condições seguintes: o desgaste do capital fixo sobe por unidade a 0,5 xelins; entram no fabrico 17,5 xelins de matérias-primas e auxiliares; 2 xelins de salario; com uma taxa de mais-valia de 100%, esta eleva-se a 2 xelins. Valor total 22 xelins. Para simplificar, suponhamos que neste ramo da produção a composição do capital é a composição social média, isto é, que o preço de produção da mercadoria coincide com o seu valor e o lucro do capitalista com a mais-valia. Então o custo de produção da mercadoria é igual a 0,5+17,5+2=20 xelins, a taxa média de lucro é igual a 2:20=10% e o preço de produção de cada unidade de mercadoria é igual ao seu valor de 22 xelins.
Admitamos agora que se inventa uma máquina que reduza a metade o trabalho vivo necessário para cada unidade mas que, pelo contrário, faz triplicar a fracção de valor proveniente do desgaste do capital fixo. O caso apresenta-se então assim: desgaste, 1,5 xelim; matérias-primas e auxiliares, 17,5 xelins como há pouco; salário 1 xelim; mais-valia, 1 xelim; total, 21 xelins. O valor da mercadoria baixou 1 xelim; a nova máquina aumentou nitidamente a produtividade do trabalho. Mas para o capitalista, eis a maneira como o assunto se apresenta: o custo de produção agora é o seguinte: 1,5 xelim de desgaste; 17,5 xelins de matérias-primas e auxiliares; 1 xelim de salário. Total, 20 xelins. Não modificando a nova máquina a taxa de lucro, ele precisa de obter 10% acima do custo de produção, isto é 2 xelins; o preço de produção fica portanto invariável e igual a 22 xelins, mas está 1 xelim acima do seu valor. Para uma sociedade que produza em condições capitalistas, a mercadoria não se tornou mais barata, a nova máquina não representa um aperfeiçoamento; o capitalista não tem nenhum interesse na introdução da nova máquina, tanto mais que, se a adoptasse, tornaria sem valor a actual aparelhagem que ainda não está desgastada e que teria de transformar em ferro-velho, e assim sofreria uma perda positiva; por isso, o capitalista acautela-se e não pratica o que seria, para ele, uma patetice e uma utopia.
Logo, para o capital, a lei do aumento da força produtiva do trabalho não se aplica de forma absoluta. Para o capital, a produtividade é aumentada, não quando se pode realizar uma economia de trabalho vivo em geral, mas só quando se pode realizar, na fracção paga do trabalho vivo, uma economia mais importante do que o acréscimo de trabalho morto materializado no produto que essa modificação implica, como já vimos no cap XV do volume I.
Vemos que o sistema de produção capitalista cai em nova contradição. A sua missão histórica é fazer desdobrar e avançar, radicalmente, em progressão geométrica, a produtividade do trabalho humano. É pois infiel à sua vocação quando põe obstáculos ao desenvolvimento da produtividade. Assim, mais uma vez se prova que o sistema de produção capitalista entrou no seu período senil e que perde cada vez mais as suas faculdades.
Eis o aspecto sob que se apresenta, na concorrência, uma quantidade mínima de capital, depois em subida constante, que o aumento da produtividade torna indispensável para explorar frutiferamente uma empresa industrial autónoma. Desde que por toda a parte se introduziram novas instalações mais custosas do que as precedentes, capitais de menor importância já não encontram colocação em tais explorações. Capitais muito pequenos podem funcionar de maneira autónoma só quando estão no seu início invenções mecânicas. Por outro lado, grandes empresas com uma proporção extremamente elevada de capital constante, como os caminhos de ferro, não dão a taxa de lucro médio mas só uma parte dele sob a forma de dividendo. Caso contrário, a taxa de lucro geral desceria ainda mais. Existe ainda, no caso de grande concentração de capitais, uma possibilidade de emprego directo sob a forma de capital-acções.
Qualquer aumento de capital, incluindo qualquer acumulação, implica apenas diminuição da taxa de lucro se o acréscimo for acompanhado pelas modificações na relação dos componentes orgânicos do capital, como já estudámos. Ora, apesar das perpétuas e quotidianas perturbações no modo de produção, fracções maiores ou menores do capital total continuam, aqui e ali, a acumular durante certos períodos na base de uma dada relação média dos componentes, de modo que o acréscimo destes não arraste modificação orgânica, nem, por consequência, causas de baixa da taxa de lucro. O acréscimo contínuo de capital – e por isso a extensão da produção, que continua na base do antigo método de produção, enquanto paralelemente se introduzem métodos novos – explica porque a taxa de lucro não diminui na mesma proporção em que aumenta o capital social da sociedade.
O aumento do número absoluto de operários não se verifica em todos os ramos de produção e, em qualquer caso, não é uniforme, apesar da diminuição relativa do capital variável investido em salário. Na agricultura, a diminuição do elemento trabalho vivo pode ser absoluta.
De resto, é só no modo de produção capitalista que aumenta absolutamente o número de assalariados, apesar da diminuição relativa dos mesmos; as forças de trabalho ficam em excesso desde que já não seja indispensável fazê-las trabalhar de doze a quinze horas por dia. Um desenvolvimento das forças produtivas que reduzisse o número absoluto de operários, isto é, que permitisse à nação inteira levar a bom cabo em menor lapso de tempo a sua produção total, traria uma revolução, porque colocaria a maioria da população fora do circuito. Por aqui se vê ainda o limite específico da produção capitalista, a qual não é de modo algum a forma absoluta do desenvolvimento das forças produtivas e da criação de riqueza mas, pelo contrário, entra em conflito com eles num certo ponto da sua evolução. Obtemos um aspecto deste conflito nas crises periódicas que resultam de uma parte da população proletária, ora uma, ora outra, se tronar supérflua no seu antigo ramo de actividade. O limite da produção é o tempo excedentário dos operários. O excesso de tempo absoluto de que beneficia a sociedade não interessa de forma alguma; para ela, o desenvolvimento da força produtiva só tem importância quando aumenta o tempo do sobretrabalho da classe proletária e não quando diminui o tempo de trabalho necessário à produção material em geral; deste modo, o sistema de produção move-se em contradições.
Vimos que a acumulação crescente do capital arrasta o acréscimo da sua concentração. É assim que aumenta a potência do capital e das condições sociais da produção tornadas autónomas, e encarnadas pelo capitalista, perante os reais produtores. O capital aparece cada vez mais como um poder social cujo agente é o capitalista. Parece que já não há relação possível entre ele e aquilo que pode criar o trabalho de um indivíduo isolado; o capital aparece como um poder social alienado, tornado autónomo, uma coisa que se opõe à sociedade e que a afronta. A contradição entre o poder social geral e o poder privado dos capitalistas individuais, nas condições sociais de produção, torna-se cada vez mais revoltante e acarreta a supressão desta relação, incluindo ao mesmo tempo a transformação das condições de produção em condições de produção sociais, colectivas, gerais. Esta transformação é provocada pelo desenvolvimento das forças produtivas no sistema de produção capitalista e pela maneira como se realiza este desenvolvimento.
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Nenhum capitalista emprega de bom grado um novo modo de produção, qualquer que seja a proporção em que aumente a produtividade ou a taxa de mais-valia, desde que tal modo reduza a taxa de lucro. Mas qualquer novo modo de produção deste tipo diminui o preço das mercadorias. Na origem, o capitalista vende-as portanto acima do preço de produção, mesmo talvez acima do valor delas, embolsa a diferença entre os custos de produção da mercadoria e o preço de mercado das outras mercadorias, cujos custos de produção são mais elevados. E pode fazê-lo, porque a média do tempo de trabalho social, exigido para produzir as mercadorias, é superior ao tempo de trabalho que exige pelo novo modo de produção. O processo de produção antigo é superior à média dos processos sociais. Mas a concorrência generaliza-o e submete-o à lei geral. Intervém então a baixa da taxa de lucro – talvez de princípio numa esfera de produção, mas, em seguida, haverá igual repartição com os outros sectores – baixa que é portanto independente da vontade dos capitalistas.
Sobre este ponto, ainda é preciso notar que a mesma lei domina também nas esferas da produção cujo produto não entra, directa ou indirectamente, no consumo do operário nem nas condições de produção das suas subsistências, isto é, nas esferas em que a produção das mercadorias a melhor preço nunca pode aumentar a mais-valia relativa, tornando mais barata a força de trabalho. (É verdade que uma redução do preço do capital constante pode aumentar a taxa de lucro, ficando inalterável a exploração do operário). Desde que o novo modo de produção começa a espalhar-se, fornecendo assim a prova efectiva de que as mercadorias podem ser produzidas a melhor preço, os capitalistas que trabalham nas antigas condições de produção são obrigados a vender os produtos abaixo do preço de produção total, porque o valor da mercadoria baixou e o tempo de trabalho requerido para a produção é superior ao tempo de produção social. Em resumo – o fenómeno é um efeito da concorrência –, é preciso adoptar o novo modo de produção, no qual a relação entre o capital variável e o capital constante é menor que no antigo.
Tudo o que tenha por efeito reduzir, pelo emprego da máquina, o preço das mercadorias produzidas, volta sempre a diminuir a quantidade de trabalho absorvida por cada mercadoria e também a fracção de desgaste da aparelhagem, cujo valor entra nesta mercadoria. Quanto mais rápido é o desgaste da aparelhagem, maior é o número de mercadorias sobre o qual se reparte, mais considerável é o trabalho vivo substituído por aquela aparelhagem até ao dia em que tenha de ser renovada. Em ambos os casos, a quantidade e o valor do capital constante fixo aumentam com relação ao capital variável.
«Permanecendo todas as coisas iguais, a capacidade de uma nação para economizar os seus lucros varia com a taxa de lucro: maior, se esta for elevada, menor, se for baixa, mas quando baixa a taxa de lucro produzem-se outras mudanças. Uma taxa de lucro baixa ordinariamente acompanhada por uma rápida taxa de acumulação com relação à população; uma taxa de lucro elevada é acompanhada de uma acumulação mais lenta com relação aos números populacionais» .
Jones sublinha com toda a razão que, apesar da baixa da taxa de lucro, os incitamentos à acumulação e as capacidades para a fazer, multiplicam-se. Primeiro, em razão do aumento da sobrepopulação relativa; segundo, porque o acréscimo da produtividade do trabalho aumenta a massa dos valores de uso, representados pelo mesmo valor de troca; terceiro, porque se multiplicam os ramos de produção; quarto, pelo desenvolvimento do sistema de crédito, das sociedades por acções, etc., e pela facilidade criada para converter dinheiro em capital; quinto, pelo aumento das necessidades e da paixão pelo enriquecimento; sexto, pelo aumento dos investimentos massivos de capital fixo, etc..
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Três factos principais da produção capitalista:
1) Concentração de meios de produção em poucas mãos: deixam de aparecer como propriedade dos operários que os utilizam directamente e transformam-se pelo contrário em potências sociais de produção. Mas, antes disso, aparecem como propriedade privada dos capitalistas, que metem ao bolso todos os frutos resultantes da função;
2) Organização do próprio trabalho como trabalho social: pela cooperação, pela divisão do trabalho e pela sua ligação às ciências naturais (nos dois sentidos, o sistema de produção capitalista faz cessar a propriedade e o trabalho privados, embora sob formas contraditórias);
3) Constituição do mercado mundial.
A enorme força produtiva que se desenvolve no quadro do modo de produção capitalista e o crescimento dos valores-capital aumentam muito mais depressa do que a população, entram em contradição com a base (em proveito da qual e exerce aquela enorme força produtiva e que relativamente ao acréscimo de riqueza, vai diminuindo cada vez mais) e com as condições de colocação em valor de um capital que se dilata sem cessar. Daqui provêm as crises.
(cap XIV)
Capítulo XV
Desenvolvimento das contradições internas da lei
I – Generalidades
Vimos na quinta secção do 2.º volume que a taxa de lucro dá sempre da taxa de mais-valia uma expressão inferior à que na realidade é. Acabámos de ver que, até mesmo uma taxa de mais-valia em subida, tem tendência para se traduzir por uma taxa de lucro em descida. A taxa de lucro só seria igual à taxa de mais-valia se c=0, isto é, se a totalidade do capital fosse investida em salário. Uma baixa da taxa de lucro só traduz uma baixa da taxa de mais-valia se a relação entre o valor do capital constante e a quantidade de força de trabalho que o põe em acção, permanecesse a mesma, ou se esta última aumentasse com relação ao valor do capital constante.
Sob pretexto de estudar a taxa de lucro, Ricardo só estuda realmente a taxa de mais-valia, e, mesmo assim, admitindo a hipótese de que o dia de trabalho é uma grandeza com intensidade e duração constantes.
Baixa da taxa de lucro e aceleração da acumulação não são mais do que expressões diferentes de um mesmo processo, no sentido em que ambas exprimem o desenvolvimento da produtividade. Por sua vez, a acumulação acelera a baixa da taxa de lucro na medida em que implica a concentração do trabalho em grande escala, donde resulta uma composição mais elevada do capital. Por outro lado, a baixa da taxa de lucro acelera, por sua vez, a concentração do capital e a sua centralização pelo esbulho dos capitalistas menos importantes, pela expropriação do último teimoso dos produtores directos, ao qual ainda restasse algo para expropriar. O que, por outro lado, acelera ainda a acumulação, quanto à massa, embora a taxa da acumulação baixe com a taxa de lucro.
Também, se a taxa da colocação em valor do capital total – a taxa de lucro – é o aguilhão da produção capitalista (como a colocação em valor do capital ´«e o seu único objectivo), a sua baixa afrouxa a constituição de novos capitais autónomos e ameaça o desenvolvimento do processo de produção capitalista, favorece a sobreprodução, a especulação, as crises, a constituição de capital excedentário ao lado de uma população igualmente em excesso. Os economistas como Ricardo, que consideram o modo de produção capitalista como um absoluto, sentem que este modo de produção tem aqui o seu próprio limite e atribuem a respectiva responsabilidade, não à produção, mas à natureza (teoria da renda). O que há de importante no horror que deles se apodera perante a baixa da taxa de lucro, é o sentimento de que, no desenvolvimento das forças produtivas, o modo de produção capitalista encontra um limite que nada tem a ver com a produção de riqueza em si; e este limite revela o carácter puramente histórico e transitório do sistema de produção capitalista. Testemunha esse limite que tal sistema não é um modo absoluto de produção de riqueza e que, pelo contrário, entra em conflito com o desenvolvimento desta, em certa etapa da evolução.
Ricardo e a sua escola só estudam na verdade o lucro industrial, no qual está compreendido o juro. Até mesmo a taxa da renda predial tem tendência para baixar, embora a massa absoluta desta aumente e possa igualmente aumentar com relação ao lucro industrial .
Consideremos o capital social total C; seja p1 o lucro industrial que subsiste depois da dedução do juro e da renda predial, i o juro e r a renda predial. Teremos então
Pl/C=p/C=(p1+i+r)/C=p1/C+i/C+r/C
Embora no desenvolvimento da produção capitalista aumente sempre pl (soma total da mais-valia), também pl/C diminui sempre constantemente, porque C aumenta ainda mais depressa que pl. Não há nenhuma contradição no facto de p1, i e r poderem, cada um por sua parte, aumentar sem cessar, enquanto também pl/C=p/C e p1/C, i/C, r/C diminuem sempre, cada um por sua parte, ou no facto de p1 aumentar com relação a i, ou r com relação a p1, ou ainda com relação a p1 e i. Quando aumente a mais-valia total ou lucro pl=p, mas que simultaneamente baixe a taxa de lucro, pl/C=p/C, a relação de grandeza dos elementos p1, i e r, na qual pl=p se decompõe, pode variar ad libitum nos limites fixados pela soma total pl, sem que a grandeza de pl ou de pl/C seja por isso afectada.
A variação recíproca de p1, i e r só é uma simples diferença na repartição de pl entre diferentes rubricas. Donde, pode acontecer que p1/C, i/C ou r/C – taxa de lucro industrial individual, taxa de juro, relação entre a renda e o capital total – aumentem um com relação ao outro, embora baixe pl/C, a taxa de lucro geral. A única condição é que a soma dos três permaneça igual a pl/C. Se a taxa de lucro desce de 50% para 25% quando, por exemplo, a composição do capital (sendo a taxa de mais-valia de 100%) passe de 50c+50v para 75c+25v, no primeiro caso um capital de 1000 dará um lucro de 500, e no segundo caso um capital de 4000 dará um lucro de 1000: pl ou p duplicaram mas p’ baixou metade; e se nos primeiros 50%, 20 fossem de lucro, 10 de juros e 20 de renda, p1/C subiria então para 20%, i/C para 10% e r/C para 20%. Se a relação permanecesse a mesma quando da transformação dos 50% para 25%, teríamos p1/C =10%, i/C=5% e r/C=10%. Se, pelo contrário, p1/C descesse para 8% e i/C para 4%, r/C passaria a 13%. A grandeza relativa de r teria aumentado com relação a p1 e i, e contudo p’ teria ficado o mesmo. Nestas duas hipóteses, a soma p1, i e r, sendo produzida por meio de um capital quatro vezes maior, teria aumentado.
De resto, a hipótese de Ricardo, segundo a qual, na origem, o lucro industrial (mais o juro) absorve toda a mais-valia, é falsa, no conceito e na História. Antes pelo contrário, só o progresso da produção capitalista:
1.º - dá aos capitalistas, industriais e comerciantes, todo o lucro em primeira mão para uma distribuição ulterior;
2.º - reduz a renda ao excedente do lucro. É sobre esta base capitalista que se desenvolve depois a renda, que é uma parte do lucro (isto é, da mais-valia considerada como produto do capital total), mas não é a parte específica do produto que o capitalista embolsa.
Supondo que existem os necessários meios de produção, isto é, uma acumulação suficiente de capital, a criação de mais-valia só tem como limite a população operária se for dada a taxa de mais-valia (quer dizer, o grau de exploração do trabalho); e, se for dada a população operária, só tem como limite o grau de exploração do trabalho.
O processo de produção capitalista consiste essencialmente em produzir mais-valia que se manifesta pelo sobreproduto ou parte alíquota das mercadorias produzidas que materializa o trabalho não pago. É preciso não esquecer que a produção de mais-valia (e a reconversão de uma parte desta em capital – ou acumulação – constitui uma parte integrante desta produção de mais-valia) é o objectivo imediato e o motivo determinante da produção capitalista. Nunca devemos apresentá-la como ela não é, como produção que tenha por objectivo imediato o gozo ou a criação de meios de gozo para o capitalista; isto equivaleria a abstrairmos por completo do carácter específico que se manifesta em toda a sua estrutura interna.
A aquisição de mais-valia constitui o processo de produção imediato que só tem os já citados limites. Produz-se mais-valia logo que a quantidade de sobretrabalho que se pode tirar do operário fica materializada em mercadorias. Mas com esta produção de mais-valia acabou apenas o primeiro acto do processo imediato de produção capitalista. O capital absorveu uma determinada quantidade de trabalho não pago. À medida que se desenvolve o processo traduzido pela baixa da taxa de lucro, a massa de mais-valia assim produzida dilata-se desmesuradamente. Inicia-se então o segundo acto do processo. A massa total de mercadorias, o produto total, bem assim a porção que substitui o capital constante e o capital variável e a porção que representa a mais-valia, têm de ser vendidos. Se esta venda não se realizar, se for apenas parcial, ou se for feita apenas a preços inferiores aos da produção, decerto que o operário é explorado, mas o capitalista não obtém resultados da sua exploração, como pretendia; nessa exploração, o capitalista pode realizar apenas parcialmente a mais-valia ou, na ausência de realização, arrisca-se a perder uma parte ou a totalidade do seu capital.
As condições da exploração imediata e as da sua realização não são idênticas. Não diferem apenas pelo tempo e pelo lugar; nem teoricamente estão ligadas. Umas só têm por limite a força produtiva da sociedade e as outras as proporções respectivas dos diversos ramos de produção e a capacidade de consumo da sociedade, a qual não é determinada pela força produtiva absoluta nem pela capacidade absoluta de consumo, mas pela capacidade de consumo baseada nas relações antagónicas de distribuição, que reduz o consumo da grande massa da sociedade a um mínimo susceptível de variar só dentro de limites mais ou menos acanhados; além disso, é limitada pela tendência para a acumulação, para a dilatação do capital, para a produção de mais-valia em escala aumentada.
Na produção capitalista, não podemos esquecer as constantes perturbações dos próprios métodos de produção, a depreciação do capital existente provocada por essas perturbações, a luta geral da concorrência, a necessidade de aperfeiçoar a produção e estender a sua escala, simplesmente para se manter e sob pena de desaparecer. É preciso pois que o mercado se alargue sem cessar, de modo que as suas conexões internas e as condições que o regulam tomem cada vez mais o aspecto de leis naturais independentes dos produtores e cada vez mais escapem ao «controlo» destes. Esta contradição interna procura uma solução na extensão do campo externo da produção. Mas quanto mais se desenvolve a força produtiva, mais ela entra em conflito com a base acanhada sobre a qual estão assentes as relações de consumo. Perante esta base cheia de contradições, não é por forma nenhuma contraditório que um excesso de capital se alie a uma sobrepopulação crescente. Porque, se é verdade que o emparelhamento destes dois factores pode aumentar a massa de mais-valia, por isso mesmo aumenta a contradição entre as condições em que esta mais-valia é produzida e aquela em que é realizada.
Sendo dada uma determinada taxa de lucro, a massa de lucro depende sempre da grandeza do capital adiantado. Por sua vez, a acumulação é determinada pela fracção daquela massa que é reconvertida em capital. Ora essa fracção, porque é igual ao lucro menos o rendimento consumido pelos capitalistas, não depende apenas do valor da massa, mas também do barateamento das mercadorias que ela permite ao capitalista comprar: mercadorias que entram no seu consumo, ou no seu rendimento, ou no seu capital constante. (Supomos que é conhecido o salário).
A massa de capital que o operário põe em acção e cujo valor conserva pelo seu trabalho, fazendo-a reaparecer no produto, é absolutamente distinta do valor que ele junta a esse produto. Se a massa do capital é de 1000 e o trabalho acrescido é de 100, o capital reproduzido será de 1100. Se a massa é igual a 100 e o trabalho acrescido é igual a 20, o capital reproduzido será igual a 120. A taxa de lucro é no primeiro caso 10% e no segundo 20%. E ainda pode tirar-se maior acumulação de 100 do que de 20. É assim que o rio do capital continua a rolar as suas ondas (abstraindo da depreciação proveniente do acréscimo da força produtiva), por outros termos, a sua acumulação continua em função da potência que já possui e não do nível da taxa de lucro. Pode ter-se uma taxa de lucro elevada, se a sua base for uma taxa elevada de mais-valia, se o dia de trabalho for muito longo, embora o trabalho seja improdutivo; tal taxa é ainda possível, se as necessidades dos trabalhadores forem muito modestas e, por isso, o salário médio muito baixo, embora o trabalho seja improdutivo. Ao baixo nível dos salários corresponderá uma ausência de energia do operário. Então, o capital acumula-se lentamente apesar da elevada taxa de lucro. A população estagna e o tempo de trabalho que custa o produto é considerável, embora o salário pago ao operário seja reduzido. A taxa de lucro baixa, não porque o operário seja menos explorado, mas porque, relativamente ao capital empregado, se utilizará, de maneira geral, menos trabalho.
Se, como já demonstrámos, uma taxa de lucro decrescente coincide com um acréscimo da massa de lucro, o capitalista apropria-se da maior porção do produto anual do trabalho sob a rubrica capital (para substituir o capital consumido) e de uma porção relativamente menor sob a rubrica lucro. Daqui partem as ilusões imaginativas do cura Chalmers: quanto mais fraca for a massa do produto anual que os capitalistas gastam como capital, tanto maiores serão os lucros que eles engolem; e então a Igreja vem em auxílio deles para se ocupar do consumo, ou até da capitalização de uma grande parte do sobreproduto produzido. O cura confunde a causa com o efeito.
A massa de lucro aumenta com a grandeza do capital investido, mesmo que a taxa seja menos elevada. Este facto provoca uma concentração do capital (porque as condições de produção determinam então o emprego de capitais massivos); condiciona a centralização do capital, isto é, a absorção dos pequenos capitalistas pelos grandes, a descapitalização dos primeiros; ocasiona a separação entre as condições de trabalho e os produtores, a cuja categoria pertencem ainda os pequenos capitalistas, porque nestes desempenha ainda um papel o seu próprio trabalho. O trabalho do capitalista, em geral, está na razão inversa da grandeza do seu capital, isto é, do grau em que é capitalista; a separação das condições de trabalho, por um lado, e produtores, pelo outro, constitui o conceito de capital que, inaugurado pela acumulação primitiva, aparece depois como processo ininterrupto na acumulação e na concentração do capital, e depois traduz-se finalmente pela centralização em poucas mãos de capitais já existentes e pela descapitalização (é uma nova forma de expropriação) de grande número de capitalistas.
Este processo não tardaria a levar a produção capitalista à catástrofe se, ao lado desta força centrípeta, tendências contrárias não tivessem sem cessar um efeito descentralizador.
II – Conflito entre a extensão da produção e a colocação em valor
O desenvolvimento da produtividade social do trabalho manifesta-se de duas maneiras:
1) Pela grandeza das forças produtivas já criadas, no volume das condições de produção – quer se trate do valor delas quer da sua qualidade – em que se dá a nova produção e na grandeza absoluta do capital produtivo já acumulado;
2) Pela pequenez relativa da fracção de capital desembolsada em salário, com relação ao capital total, isto é, pela quantidade relativamente mínima de trabalho vivo exigido para reproduzir e colocar em valor, um determinado capital, em vista de uma produção de massa, o que supõe ao mesmo tempo a concentração de capital.
Se nos referirmos à força de trabalho empregada, o desenvolvimento da força produtiva manifesta-se ainda de duas maneiras:
— pelo alongamento do sobretrabalho, isto é, pela redução do tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho;
— pela diminuição da quantidade de força de trabalho (número de operários) que é, afinal de contas, empregada para pôr em acção um dado capital.
Não só estes dois movimentos se desenrolam paralelamente, como se condicionam reciprocamente; estes dois fenómenos são a expressão da mesma lei, e, contudo, actuam sobre a taxa de lucro em sentido oposto. A massa total do lucro é igual à massa total da mais-valia; a taxa de lucro pl/C é igual a (mais-valia)/(capital total adiantado).
Mas a mais-valia, como soma total, é determinada:
a) pela sua taxa;
b) pela massa do trabalho utilizado ao mesmo tempo a essa taxa ou, o que dá na mesma, pela grandeza do capital variável. Por um lado, um dos factores cresce: a taxa de mais-valia; por outro, diminui (relativa ou absolutamente) o outro segundo factor: o número de operários.
Na medida em que o desenvolvimento das forças produtivas reduz a parte paga do trabalho utilizado, aumenta a mais-valia, porque lhe aumenta a taxa; contudo, na medida em que reduz a massa total de trabalho utilizada por um dado capital, diminui o valor do factor pelo qual se multiplica a taxa de mais-valia para obter a sua massa. Dois operários, trabalhando doze horas por dia, não podem fornecer a mesma quantidade de mais-valia que vinte e quatro a trabalharem só duas horas, mesmo que pudessem viver do ar e não tivessem necessidade de trabalhar para eles. A este respeito, a compensação da redução do número de operários pelo acréscimo do grau de exploração depara com certos limites que não pode transpor; portanto, se pode entravar a baixa da taxa de lucro, não pode fazer que ela cesse.
Por consequência, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a taxa de lucro diminui, ao passo que a sua massa aumenta à medida que aumenta a massa de capital empregado. Uma vez dada a taxa, o aumento absoluto na massa de capital depende da sua grandeza presente. Mas, por outro lado, a proporção do seu crescimento, ou seja, a taxa do seu incremento, depende da taxa de lucro. O aumento da força produtiva (que, por sua vez, como já mencionámos, vai sempre a par de uma depreciação do capital existente) não pode aumentar directamente a grandeza do valor do capital, a não ser que, elevando a taxa de lucro, aumente o elemento de valor do produto anual que se reconverte em capital. Quando se trate da força produtiva do trabalho, este resultado não pode produzir-se (porque esta força produtiva nada tem a ver com o valor do capital existente) a não ser que provoque uma elevação da mais-valia relativa ou então uma redução do valor do capital constante e que as mercadorias sejam produzidas a preço menos elevado quando entram na reprodução da força de trabalho ou nos elementos do capital constante.
Ora, estas duas consequências acarretam uma desvalorização do capital existente e vão a par da redução do capital variável com relação ao capital constante; arrastam a baixa da taxa de lucro e afrouxam-na.
Ainda, na medida em que um acréscimo da taxa de lucro provoca um acréscimo na procura de trabalho, influi no aumento da população operária e portanto na matéria cuja exploração é a única a dar ao capital a sua verdadeira natureza de capital.
Mas o desenvolvimento da força produtiva do trabalho contribui indirectamente para o aumento do valor-capital existente quando multiplica a massa e a diversidade dos valores de uso que representam o próprio valor de troca e constituem o substrato material do capital, os seus elementos concretos, os objectos materiais que compõem directamente o capital constante e, pelo menos indirectamente, o capital variável. Com o mesmo capital e o mesmo trabalho, criam-se mais objectos susceptíveis de serem convertidos em capital, abstraindo do seu valor de troca; objectos que podem servir para absorver trabalho adicional (sobretrabalho adicional) e para criar capital adicional. A massa de trabalho que o capital pode comandar, não depende do seu valor próprio mas da massa de matérias-primas e auxiliares, da aparelhagem mecânica e de outros elementos do capital fixo, das substâncias que o compõem, seja qual for o valor dos componentes. Quando aumenta a quantidade do trabalho empregado (sobretrabalho), também aumentam o valor do capital reproduzido e o valor suplementar acrescentado de novo.
Mas é preciso não nos contentarmos, como Ricardo, com o estudo destas duas fases, incluídas no processo de acumulação, na sua coexistência pacífica, eles encerram uma contradição que se manifesta em tendências e fenómenos contraditórios. Os factores antagónicos actuam simultaneamente uns sobre os outros. Simultaneamente com as tendências para uma multiplicação real da população operária e cuja origem está no aumento da fracção do produto total social que faz função de capital, actuam os factores que criam uma sobrepopulação somente relativa. Ao mesmo tempo que baixa a taxa de lucro, a massa dos capitais aumenta; paralelamente, produz-se uma depreciação do capital existente que sustém aquela baixa e imprime um movimento mais rápido à acumulação de valor-capital. A par do desenvolvimento da força produtiva, eleva-se a composição orgânica do capital: há uma diminuição relativa da fracção variável com relação à fracção constante.
Estas diversas influências têm tendência para se exercerem, ora simultaneamente no espaço, ora sucessivamente no tempo; periodicamente, o conflito dos factores antagónicos manifesta-se por crises. Estas são sempre soluções violentas e momentâneas das contradições existentes, violentas erupções que restabelecem por instantes o equilíbrio perturbado.
Para lhe darmos uma expressão geral, eis no que consiste a contradição: o sistema de produção capitalista indica uma tendência para um desenvolvimento absoluto das forças produtivas, sem considerar o valor e a mais-valia oculta por este valor, nem tão-pouco as relações sociais em cujo quadro se dá a produção; por outro lado, o sistema tem por fim a conservação do valor-capital existente e a sua colocação em valor no máximo grau (isto é, um acréscimo incessantemente acelerado deste valor). O carácter específico do sistema baseia-se no valor-capital existente, considerado como um meio de pôr em valor no máximo grau aquele valor-capital. Os métodos pelos quais a produção capitalista atinge o seu objectivo implicam: diminuição da taxa de lucro, depreciação do capital existente, desenvolvimento das forças produtivas do trabalho à custa das que já foram produzidas.
A depreciação periódica do capital existente, que é um meio imanente no modo de produção capitalista para fazer parar a baixa da taxa de lucro e acelerar a acumulação de valor-capital pela formação de novo capital, perturba as condições em que se realizam os processos de circulação e de reprodução do capital e é por isso acompanhada de bruscas interrupções e de crises do processo de produção.
A baixa relativa do capital variável com relação ao capital constante vai a par do desenvolvimento das forças produtivas, estimula o aumento da população proletária, criando constantemente uma sobrepopulação artificial. A acumulação do capital, sob o ponto de vista do seu valor, é afrouxada pela baixa da taxa de lucro, que apressa ainda a acumulação do valor de uso, enquanto este, por sua vez, acelera o curso da acumulação quanto ao seu valor.
A produção capitalista tende incessantemente para ultrapassar estes limites que lhe são próprios mas só o consegue empregando meios que, de novo, e em escala mais imponente, erguem diante dela as mesmas barreiras.
A verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital: o capital e a sua colocação em valor aparecem, por si mesmos, como ponto de partida e como ponto final, motor e fim da produção. A produção é só produção de capital e não inversamente. Os meios de produção não são simples meios de dar forma, alargando-a sem cessar, ao processo da vida em benefício da sociedade dos produtores. Os limites que servem de quadro intransponível à conservação e à colocação em valor do valor-capital assentam na expropriação e no empobrecimento da grande massa dos produtores; entram portanto incessantemente em contradição com os métodos de produção que o capital tem necessariamente de empregar para o seu próprio objectivo e que tendem a promover um acréscimo ilimitado da produção, um desenvolvimento incondicionado das forças produtivas sociais do trabalho, a fazer da produção uma finalidade em si mesma. O meio – desenvolvimento incondicionado da produtividade social – entra perpetuamente em conflito com aquele fim de colocação em valor do capital existente. Portanto, se o modo da produção capitalista é um meio histórico de desenvolver a força produtiva material e de criar o correspondente mercado mundial, representa ao mesmo tempo uma permanente contradição entre essa histórica tarefa e as relações sociais de produção que lhe correspondem.
III – Excedente de capital acompanhado de população excedentária
Com a baixa da taxa de lucro, aumenta o mínimo de capital que o capitalista deve ter em mão para empregar produtivamente o trabalho; o mínimo requerido para explorar o trabalho em geral e para que o tempo de trabalho utilizado seja o necessário à produção das mercadorias e não ultrapasse a média do socialmente necessário para as produzir; ao mesmo tempo aumenta a concentração, porque, para além de certos limites, um grande capital com fraca taxa de lucro acumula mais depressa que um pequeno capital com taxa elevada.
A concentração crescente provoca, por seu lado, a certo nível, uma nova queda da taxa de lucro. A massa dos pequenos capitais espalhados é assim obrigada a seguir o caminho da aventura: especulação, dilatação abusiva do crédito, jogo de acções, crises. O que se chama pletora de capital respeita à sobreabundância de capital, para o qual a queda da taxa de lucro não é compensada pela sua massa, e à sobreabundância que, sob forma de crédito, põe esse capital incapaz de exercer uma acção em seu próprio proveito, à disposição dos que dirigem os grandes sectores comerciais ou industriais. Esta pletora de capital nasce das mesmas condições que provocam uma sobrepopulação relativa, é um fenómeno que vem completar esta, embora os dois factos se situem em polos opostos: capital sem emprego de um lado, população proletária desempregada do outro.
Sobreprodução de capital, não de mercadorias – embora a sobreprodução de capital implique sempre sobreprodução de mercadorias – significa, portanto, simplesmente sobreacumulação de capital. Para compreender esta sobreacumulação (mais adiante se encontrará o estudo pormenorizado) basta supor que é absoluta. Quando é que a sobreprodução de capital pode ser absoluta? É a sobreprodução que não interessa só a este ou àquele sector de produção, ou a alguns sectores importantes, mas que é absoluta, até mesmo no seu volume, e que, por isso, engloba todos os sectores da produção.
Há sobreprodução absoluta de capital quando o capital adicional destinado à produção capitalista é igual a zero. Ora o objectivo da produção capitalista é a colocação em valor do capital, é a apropriação de sobretrabalho, a produção de mais-valia, de lucro. Desde que o capital tenha aumentado com relação à população proletária em proporções tais que nem o tempo de trabalho absoluto que esta população fornece pode ser prolongado, nem o tempo de sobretrabalho relativo pode ser extenso (o que de toda a maneira, seria impossível em situações de grande procura de trabalho porque os salários teriam tendência para subir); desde que o capital acrescido só produzisse uma quantidade de mais-valia, quando muito igual, ou até menor, do que antes do seu aumento – haveria sobreprodução absoluta de capital; isto é, o capital aumentado C+∆C não produziria mais lucro, ou até produziria menos do que o capital C antes de receber o aumento ∆C. nos dois casos, produzir-se-ia uma forte e brusca baixa da taxa geral de lucro, mas desta vez em virtude de uma mudança na composição do capital que não seria devida ao desenvolvimento da força produtiva mas a uma alta do valor-dinheiro do capital variável (em razão da alta dos salários) e à diminuição correspondente na relação entre o sobretrabalho e o trabalho necessário.
Na prática, os factos apresentam-se assim: uma porção do capital fica, total ou parcialmente, ocioso (porque para poder colocar-se em valor, ser-lhe-ia preciso antes expulsar algum do capital já em função); outra porção, sob pressão do capital desocupado ou semi-ocupado, é posta em valor a uma taxa de lucro pouco elevada. Nesta operação, pouco importa que uma fracção do capital adicional venha a tomar o lugar do antigo capital e que este venha ocupar o lugar de capital adicional. Teremos sempre, de um lado, a antiga soma de capital, do outro, a soma adicional. A queda da taxa de lucro é acompanhada, desta vez, de uma baixa absoluta da massa de lucro, dado que, na nossa hipótese, a massa utilizada da força de trabalho não pode ser aumentada, nem elevada a taxa de mais-valia, de modo que também a massa da mais-valia não pode ser aumentada. E a massa reduzida do lucro teria de ser calculado sobre o aumento da capital total. Mas, mesmo supondo que o capital empregado continua a ser colocado à antiga taxa e que a massa de lucro permanece a mesma, esta calcula-se com relação a um capital total aumentado, o que implica também uma baixa da taxa de lucro.
Se um capital de 1000 dá um lucro de 100 e, depois de passar a 1500 continua a render 100, no segundo caso 1000 só rendem 66⅔. A colocação em valor do antigo capital diminui em valor absoluto. O capital de 1000 não rende mais, nas novas condições, do que anteriormente um capital de 666⅔.
Mas é evidente que esta depreciação efectiva do antigo capital não se pode ter dado sem luta, que o capital adicional ∆C não pode desempenhar sem luta a função de capital. A taxa de lucro não baixa por causa de uma concorrência proveniente da sobreprodução de capital; é antes o inverso: é porque a diminuição da taxa de lucro e a sobreprodução de capital provêm das mesmas circunstâncias, que se estabelece agora a luta concorrencial. A parte de ∆C que se encontra nas mãos dos primeiros capitalistas em função, é deixada por estes, mais ou menos tempo ociosa, para não desvalorizarem eles próprios o seu primitivo capital e não reduzirem o seu campo de actividade no domínio da produção; ou então é utilizada para fazer suportar aos intrusos, e, de modo geral, aos concorrentes, mesmo que a custo de uma perda momentânea, o deixar ocioso capital adicional.
A porção de ∆C que se encontra em novas mãos procura ocupar lugar à custa do antigo capital, e em parte consegue-o, reduzindo à inactividade uma fracção desse antigo capital, obrigando-a a dar-lhe a antiga posição para tomar o lugar do capital adicional, parcialmente em função, ou até completamente inactivo.
Em qualquer caso, tem de haver uma colocação na inactividade duma parte do antigo capital, que deixará de actuar na sua qualidade de capital, na medida que deve funcionar e colocar-se em valor como capital. É a concorrência que decide qual a porção que esta colocação em inactividade afecta particularmente. Enquanto tudo corre bem, a concorrência, como já vimos na igual repartição da taxa geral de lucro, desempenha praticamente o papel de uma amiga da classe capitalista: reparte o despojo comum proporcionalmente à quota de cada um. Mas quando não se trata já de partilhar os benefícios mas as perdas, cada um procura, tanto quanto possível, reduzir a sua quota-parte e pô-la às costas do vizinho. Para a classe capitalista, é inevitável a perda. Mas saber qual a parte que cada indivíduo irá suportar, se terá mesmo de suportar a sua parte, é assunto de força e de esperteza e a concorrência transforma-se num combate de fraternais inimigos. A oposição entre o interesse de cada capitalista individual e o interesse da classe capitalista aparece à luz, como antes a identidade dos interesses se impunha praticamente pela concorrência.
Como é que se resolve então este conflito e como restabelecer as condições correspondentes ao movimento «são» da produção capitalista? O simples enunciado do conflito contém já a maneira de o resolver. A solução obriga a uma colocação na inactividade e até a uma destruição parcial, de capital (o equivalente a todo o capital adicional ∆C ou, pelo menos, a uma fracção deste). Contudo, como resulta da exposição do conflito, esta perda não se reparte uniformemente entre os capitais particulares; é a concorrência que opera a divisão. E nesta luta a perda reparte-se muito desigualmente e sob as mais diversas formas, consoante as vantagens particulares de cada um e as posições de que se apossou: um capital ficará na inactividade, outro completamente destruído, um terceiro só sofrerá uma perda relativa, outro ainda só conhecerá uma depreciação passageira, etc., etc.
Mas, em qualquer caso, o equilíbrio restabelece-se pela colocação em inactividade e até destruição de capital, fenómenos estes que podem revestir uma amplitude maior ou menos, estendendo-se até em parte à substância material do capital. Assim, uma parte dos meios de produção – capital fixo e circulante – deixa de estar em função, já não actua como capital; ou fecha uma parte das empresas em curso de instalação. Sem dúvida que o tempo ataca e deteriora todos os meios de produção (com excepção da terra) mas aqui, a par da interrupção da função, produz-se uma destruição efectiva de meios de produção muito mais considerável; o efeito principal será os meios de produção deixarem de actuar nessa qualidade por um tempo mais ou menos longo.
A destruição principal, com mais grave carácter, afecta os valores-capital, o capital na sua qualidade de valor. A porção de valor-capital que existe simplesmente sob forma de título, respeitante a futuras mais-valias ou lucros (os simples títulos de crédito que respeitam à produção sob diversas formas), fica desvalorizada logo que baixem as receitas sobre as quais é calculada. Uma parte do ouro e da prata em espécie fica congelada, já não faz o ofício de capital. Uma parte das mercadorias que se encontram no mercado só pode realizar o seu processo de circulação e de reprodução graças a uma depreciação do capital que representa. Também os elementos do capital fixo ficam mais ou menos depreciados. Acrescente-se que o processo de reprodução é condicionado por determinadas relações de preço fixadas antecipadamente, pelo que a queda geral dos preços bloqueia-o e perturba-o. Este bloqueamento e esta perturbação paralisam a função de meio de pagamento do dinheiro que assenta nessas relações de preço fixadas antecipadamente e que se desenvolve ao mesmo tempo que o capital; compromissos em cadeia de obrigações de pagamento a prazos determinados são quebrados em mil lugares; tudo isto é agravado pela desorganização correspondente do sistema de crédito que se desenvolveu com o capital, levando assim a crises agudas e violentas, a súbitas e brutais desvalorizações, a um real bloqueamento e perturbação do processo de reprodução, arrastando uma efectiva diminuição desta.
Ao mesmo tempo há ainda outros factores que podem entrar em jogo. A estagnação da produção lança no desemprego uma parte da classe proletária e, assim, os empregados são-no em condições tais que têm de consentir numa diminuição de salário, até mesmo abaixo da média; o que para o capital tem o mesmo efeito que a elevação da mais-valia relativa ou absoluta mantendo o salário médio. Este resultado será mais forte do que fora, numa era de prosperidade, o favorecimento de casamentos entre operários e a redução da dizimação da sua progenitura. Estes factos – seja qual for o resultante crescimento da população – não implicam necessariamente o aumento da população que realmente trabalha. Mas, quanto à relação entre operários e capital, dá o mesmo resultado como se o número de operários verdadeiramente em função tivesse aumentado. Por outro lado a baixa de preços e a concorrência estimulam o capitalista, incitando-o a elevar o valor individual do seu produto acima da média, graças ao emprego de novas máquinas, de novos métodos aperfeiçoados de trabalho, de novas combinações; incitam, por outras palavras, a aumentar a produtividade de uma dada quantidade de trabalho, a baixar a proporção do capital variável com relação ao capital constante e, assim, a libertar operários; em suma, a criar uma superpopulação artificial. Mas a depreciação dos elementos do capital constante intervém provocando um aumento da taxa de lucro, porque a massa desse capital aumenta em relação à massa de capital variável, pese embora o seu valor tenha caído. A estagnação da produção prepara a sua expansão ulterior, dentro dos limites capitalistas.
E assim o ciclo flui novamente. Uma parte do capital, desvalorizado por ter deixado de funcionar, recupera o seu antigo valor. E o mesmo círculo vicioso continua, mas com condições de produção avançadas, um mercado mais vasto, e aumento das forças produtivas.
Mesmo na hipótese extrema que temos emitido, esse absoluto excesso de sobreprodução de capital não é sobreprodução absoluta em tudo, não é sobreprodução absoluta de meios de produção. É apenas sobreprodução de insumos de produção quando funcionam como capital e, portanto, implicando a auto-expansão da sua massa com a colocação em valor daquele valor para criar um valor adicional.
Mas há realmente sobreposição quando o capital se torna incapaz de explorar o trabalho no desejado grau pelo desenvolvimento «são e normal» do processo de produção capitalista, de maneira a fazer aumentar pelo menos a massa de lucro à medida que aumenta a massa do capital empregado; esta exploração exclui a possibilidade de ver a taxa de lucro baixar na mesma proporção em que aumenta o capital ou até de a ver baixar mais depressa do que aumenta o capital.
Sobreprodução de capital não significa mais do que sobreprodução de meios de produção – meios de trabalho e subsistências – que podem exercer a função de capital, isto é, susceptíveis de serem utilizados para explorar o trabalho num dado grau de exploração. Pelo contrário, se o grau de exploração desce abaixo de certo limite, esta queda provoca perturbações e paragens de produção capitalista, crises, destruição de capital. Não há contradição no facto de a sobreprodução de capital ser acompanhada de uma sobrepopulação relativa, maior ou menor. As mesmas circunstâncias que aumentam a força produtiva do trabalho, multiplicam a massa dos produtos-mercadorias, alargam os mercados, aceleram a acumulação do capital em massa e em valor, baixam a taxa de lucro, dão origem a uma sobrepopulação relativa e engendram-na em permanência; os operários supranumerários não são empregados pelo capital em excesso devido ao fraco grau de exploração do trabalho em que unicamente podem empregá-los, ou, pelo menos, devido à fraca taxa de lucro que eles fornecem para um dado grau de exploração.
A exportação de capitais não quer dizer que haja absoluta impossibilidade de os empregar dentro do país. Exportam-nos porque obtêm no estrangeiro uma taxa de lucro mais elevada. Mas esses capitais constituem um excedente absoluto de capital para a população operária empregada e, mais geralmente, para o país de que se trate; esses capitais existem ao lado da população em excedente relativo e este exemplo mostra como os dois fenómenos podem coexistir e condicionar-se reciprocamente.
Por outro lado, a baixa da taxa de lucro, ligada à acumulação, suscita necessariamente a luta concorrencial. A compensação da baixa de taxa de lucro pelo aumento da massa de lucro só é válida para o capital total da sociedade e para os grandes capitalistas já em boa posição. O novo capital adicional, que funciona de maneira autónoma, não encontra compensações deste género: precisa primeiramente de as conquistar, e assim, é a baixa da taxa de lucro que suscita a concorrência entre os capitais, e não o inverso. É verdade que esta luta é acompanhada de passageiras subidas de salário e de um novo abaixamento momentâneo da taxa de lucro daí resultante.
O mesmo fenómeno manifesta-se na sobreprodução de mercadorias, na saturação do mercado. Sendo objectivo do capital a produção de lucro e não a satisfação de necessidades, atingindo o capital este objectivo por métodos que adaptam a massa da sua produção à escala de produção, e não inversamente, sem dúvida que deve haver discordância entre as restritas dimensões do consumo na base capitalista e uma produção que incessantemente tenda a transpor essa barreira. De resto, sabe-se que o capital se compõe de mercadorias, e, por isso, a sobreprodução de capital inclui a das mercadorias.
Por este facto torna-se ridículo que os economistas neguem toda e qualquer sobreprodução de mercadorias mas reconheçam a sobreprodução de capital. Dizendo-se que não há sobreprodução geral mas desproporção no interior dos diferentes ramos de produção, isto equivale a dizer que, no quadro da produção capitalista, a proporcionalidade dos diversos sectores de produção aparece proveniente da sua desproporcionalidade por um processo constante: a interdependência do conjunto da produção impõe-se aos agentes produtores como uma lei cega e não como uma lei que a razão associada dos produtores tenha compreendido e por isso dominado, o que lhes teria permitido submeter o processo de produção ao seu «controlo» colectivo. Mais ainda: com esta tese, exige-se que países onde o sistema de produção capitalista não está desenvolvido, mantenham o seu consumo e a sua produção a nível que convenha aos países de produção capitalista.
Dizer que a sobreprodução só é relativa está perfeitamente dentro da verdade; mas qualquer modo de produção capitalista é apenas e precisamente um modo relativo de produção, cujos limites, por não serem absolutos, têm na sua própria base um valor absoluto. Caso contrário, não seria possível que a procura das mesmas mercadorias, cuja carência é sentida pela massa do povo, fosse insuficiente, e que precisassem de obter essa procura no estrangeiro, em mercados longínquos, para poderem pagar aos operários nacionais a quantidade média de subsistências indispensáveis. O sistema capitalista, com as suas interdependências internas, é o único em que o produto em excesso adquire uma tal forma que o seu possuidor só o pode dar ao consumo quando se reconverte para ele em capital.
Dizer que os capitalistas só têm que trocar e consumir entre eles as suas mercadorias, é esquecer todo o carácter da produção capitalista, onde se trata de pôr o capital em valor e não de o consumir.
Em resumo, todas as objecções feitas aos fenómenos palpáveis da sobreprodução (que quase não se preocupam com estas objecções) tendem a afirmar que os limites da produção capitalista não são limites da produção propriamente dita e não podem por isso, constituir limites para um modo específico de produção como é a capitalista. Pois justamente, a contradição do modo de produção capitalista reside na sua tendência para o desenvolvimento absoluto das forças produtivas que entram incessantemente em conflito com as condições específicas da produção, nas quais se move o capital, e que são as únicas em que ele se pode mover.
Não se produz excesso de subsistências proporcionalmente à população existente. Pelo contrário. Produz-se pouquíssimo para satisfazer decentemente e humanamente a massa da população. Não se produzem demasiados meios de produção que empreguem a fracção populacional apta para o trabalho. Pelo contrário: em primeiro lugar, produz-se uma enorme fracção de população que efectivamente não é capaz de trabalhar, que pelas condições em que vive só tem como recurso explorar o trabalho alheio ou está reduzida a trabalhos que só podem ser considerados como tais no quadro dum modo de produção miserável; em segundo lugar, não se produzem bastantes meios de produção que permitam a toda a população apta para o trabalho exercer a sua actividade nas mais produtivas condições, e isto para permitir reduzir o tempo de trabalho absoluto, graças à massa e eficácia do capital constante empregado durante o tempo de trabalho.
Mas produzem-se periodicamente demasiados meios de trabalho e de subsistências para poder fazê-los funcionar como meios de exploração dos operários e uma dada taxa de lucro. Produzem-se demasiadas mercadorias para poder realizar e reconverter em capital novo o valor e a mais-valia que elas ocultam nas condições de distribuição e de consumo, peculiares da produção capitalista.
Não se produz riqueza a mais. Mas produz-se periodicamente demasiada riqueza sob formas capitalistas contraditórias.
O limite do modo de produção capitalista verifica-se pelos seguintes factos:
1) pela baixa da taxa de lucro, o desenvolvimento da força produtiva do trabalho faz aparecer uma lei que, em certo momento, entra em oposição absoluta com o próprio desenvolvimento daquela produtividade. Por esse facto, o conflito é constantemente dominado por crises.
2) Pela apropriação de trabalho não pago e pela relação entre este e o trabalho materializado em geral, ou, falando em linguagem capitalista, pelo lucro e relação entre este e o capital utilizado (portanto, um certo nível de taxa de lucro) – é que se decide da extensão e do limite da produção, em vez de ser pela relação entre a produção e as necessidades sociais, isto é, pelas necessidades de seres humanos socialmente evoluídos.
É por isso que surgem limites imediatamente, num certo grau da produção, a qual, se assim não fosse, pareceria desde logo insuficiente. Ela paralisa, não por imposição da satisfação das necessidades, mas onde a produção e a realização do lucro comandam esta paralisação.
Se a taxa se lucro diminui, produz-se, por um lado, uma tensão do capital, com o fim de permitir ao capitalista baixar, por métodos adrede escolhidos, o valor das suas mercadorias, abaixo do seu médio valor social e realizar um lucro extra por um certo preço de mercado; por outro lado, desenvolve-se a especulação; o que a favorece é que toda a gente se lança em tentativas apaixonadas para encontrar novos métodos de produção, para realizar novos investimentos de capitais, para tentar novas aventuras e assegurar o sobrelucro, independente da média geral e muito mais elevado do que ela.
A taxa de lucro, isto é, o acréscimo relativo de capital, é sobretudo importante para as novas aglomerações de capital que se formam por si próprias. E se a formação de capital se tornasse num monopólio exclusivo de pequeno número de grandes capitais chegados à maturidade, pelos quais a massa do lucro prevalecesse sobre a sua taxa, o fogo vivificante da produção apagar-se-ia definitivamente. Esta entraria em inactividade. A taxa de lucro é a força motriz da produção capitalista e por essa via se produz tudo o que é possível produzir: com lucro e quanto maior, melhor. Daqui provém a angústia dos economistas a respeito da baixa da taxa de lucro. Que a simples possibilidade desta baixa possa fazer estremecer Ricardo, mostra simplesmente que compreensão profunda tinha das condições da produção capitalista. Acusam-no de estudar esta produção sem se preocupar com «homens», e só considerar o desenvolvimento das forças produtivas – sejam quais forem os sacrifícios de homens e de valores-capital que sejam pagos por esses progressos.
É justamente o que há de importante em Ricardo. O desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social é a tarefa histórica e a justificação do capital. Ricardo criou precisamente, e sem o saber, as condições materiais dum modo superior de produção. O que inquieta Ricardo é que a taxa de lucro – aguilhão da produção capitalista e, ao mesmo tempo, condição e motor da acumulação – está ameaçada pelo próprio desenvolvimento da produção. Aqui o essencial é a relação quantitativa. De facto, tudo isto assenta numa razão mais profunda de que Ricardo tem uma simples e mera intuição. No plano puramente económico, isto é, sob o ponto de vista do burguês, no quadro da razão capitalista, sob o ponto de vista da própria produção capitalista, vêem-se aqui os limites desta, a sua relatividade, vê-se que ela não é um sistema absoluto de produção, mas um simples modo histórico, que corresponde a certa época de desenvolvimento restrito das condições materiais de produção.
(a seguir)
A Liga dos Comunistas, associação operária internacional que, nas circunstâncias de então, só podia evidentemente ser secreta, encarregou os abaixo-assinados, no Congresso que teve lugar em Londres em Novembro de 1847, de redigir um programa detalhado, simultaneamente teórico e prático, do Partido e destinado à publicação. Tal é a origem deste Manifesto, cujo manuscrito foi enviado para Londres, para ser impresso, algumas semanas antes da Revolução de Fevereiro. Publicado primeiro em Alemão, houve nesta língua pelo menos doze edições diferentes na Alemanha, na Inglaterra e na América do Norte. Traduzido em inglês por Miss Helen Macfarlane, apareceu em 1850, em Londres, no Red Republican, e, em 1871, teve na América, pelo menos, três traduções inglesas. Apareceu em francês, pela primeira vez, em Paris, pouco tempo antes da insurreição de Junho de 1848, e, recentemente, em Le Socialiste, de Nova Iorque. Actualmente, prepara-se uma nova tradução. Fez-se em Londres uma edição em polaco, pouco tempo depois da primeira edição. Apareceu em russo, em Genebra, na década de 60. Foi também traduzido em dinamarquês pouco depois da sua publicação original.
Ainda que as circunstâncias tenham mudado muito nos últimos vinte e cinco anos, os princípios gerais expostos neste Manifesto conservam ainda hoje, no seu conjunto, toda a sua exactidão. Alguns pontos deveriam ser retocados. O próprio Manifesto explica que a aplicação dos princípios dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias históricas existentes, e que, portanto, não se deve atribuir demasiada importância às medidas revolucionárias enumeradas no final do capítulo II. Esta passagem, actualmente, teria de ser redigida de maneira diferente, em mais do que um aspecto. Dados os imensos progressos da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e os progressos paralelos levados a cabo pela classe operária na sua organização em partido, dadas as experiências práticas, primeiro na Revolução de Fevereiro, depois, e sobretudo, na Comuna de Paris, que, durante dois meses e pela primeira vez, pôs nas mãos do proletariado o poder político, este programa envelheceu em alguns dos seus pontos. A Comuna demonstrou, nomeadamente, que a «classe operária não pode contentar-se com tomar tal qual a máquina estatal e fazê-la funcionar por sua própria conta». (Ver o «Manifesto do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores», em A Guerra Civil em França, onde esta ideia está mais amplamente desenvolvida). Além disso, é evidente que a crítica da literatura socialista apresenta uma lacuna em relação ao momento actual, uma vez que só chega a 1847. E, de igual modo, se as observações sobre a posição dos comunistas face aos diferentes partidos da oposição (capítulo IV) são ainda hoje exactas nos seus princípios, na sua aplicação elas envelheceram, porque a situação política se modificou completamente e a evolução histórica fez desaparecer a maior parte dos partidos que ali se enumeram.
No entanto, o Manifesto é um documento histórico que já não temos direito a modificar. Uma edição posterior será talvez precedida de uma introdução que poderá preencher a lacuna entre 1847 e os nossos dias; a actual reimpressão foi tão inesperada para nós, que não tivemos tempo de escrevê-la.
Karl Marx, Friedrich Engels.
Londres, 24 de Junho de 1872
Um espectro ameaça a Europa: o espectro do comunismo. Todas as forças da velha Europa se uniram numa Santa Aliança para acossar esse espectro: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os polícias alemães.
Que partido da oposição não foi acusado de comunista pelos seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou, tanto aos representantes mais avançados da oposição como aos seus inimigos reaccionários, o epíteto infamante de comunista?
Deste facto resulta um duplo ensinamento:
Que o comunismo já é reconhecido como uma força por todas as potências da Europa.
Que já é hora de os comunistas exporem, à face do mundo inteiro, as suas concepções, os seus fins e as suas aspirações; de oporem à lenda do espectro comunista um manifesto do próprio Partido.
Com este fim, reuniram-se em Londres comunistas de diversas nacionalidades e redigiram o seguinte Manifesto, que será publicado em inglês, francês, alemão, italiano, flamengo e dinamarquês.
A história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes.
Homens livres e escravos, patrícios e plebeus, senhores e servos, mestres e oficiais, numa palavra: opressores e oprimidos, em oposição constante, travaram uma guerra ininterrupta, ora aberta, ora dissimilada, uma guerra que acabava sempre pela transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes beligerantes.
Nas primeiras épocas históricas, constatamos, quase por toda a parte, uma organização completa da sociedade em classes distintas, uma escala gradual de condições sociais: na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus e escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres, oficiais e servos, e, além disso, em quase todas estas classes encontramos graduações especiais.
A sociedade burguesa moderna, que saiu das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Apenas substituiu as velhas classes, as velhas condições de opressão, as velhas formas de luta por outras novas.
Entretanto, o carácter distintivo da nossa época, da época da burguesia, é o de ter simplificado os antagonismos de classes. A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado.
Dos servos da Idade Média nasceram os vilãos livres das primeiras cidades; deste estrato urbano saíram os primeiros elementos da burguesia.
A descoberta da América e a circum-navegação da África ofereceram à burguesia em ascensão um novo campo de actividade. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio colonial, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral imprimiram ao comércio, à navegação e à indústria um impulso até então desconhecido e aceleraram com isso o desenvolvimento do elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.
O antigo modo de exploração feudal ou corporativo da indústria já não podia satisfazer a procura, que crescia com a abertura de novos mercados. A manufactura tomou o seu lugar. A média burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações deu lugar à divisão do trabalho no seio da mesma oficina.
Mas os mercados cresciam sem cessar: a procura crescia sempre. A própria manufactura torna-se insuficiente. O vapor e a máquina revolucionaram então a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufactura; a média burguesia deu o lugar aos milionários da indústria, aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, aos burgueses modernos.
A grande indústria criou o mercado mundial, preparado pela descoberta da América. O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento da navegação e de todos os meios de transporte terrestres. Este desenvolvimento influiu por sua vez na extensão da indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a navegação e os caminhos de ferro se desenvolviam, a burguesia crescia, decuplicando os seus capitais e relegando para segundo plano todas as classes legadas pela Idade Média.
A burguesia moderna, como vimos, é ela mesma o produto de um longo desenvolvimento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca.
Cada etapa da evolução percorrida pela burguesia era acompanhada pelo correspondente progresso político. Estrato oprimido pelo despotismo feudal; associação armada e autónoma na comuna : nuns sítios, república urbana independente, noutros, terceiro estado tributário da monarquia; depois, durante o período da manufactura, contrapeso da nobreza nas monarquias feudais ou absolutas e, em geral, pedra angular das grandes monarquias, a burguesia, depois do estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou finalmente e hegemonia exclusiva do poder político no Estado representativo moderno. O governo do Estado moderno não é mais do que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa.
A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que conquistou o poder, a burguesia destruiu todas as patriarcais e idílicas relações feudais. Todos os laços complexos e variados que unem o homem feudal aos seus «superiores naturais», esmagou-os sem piedade para não deixar subsistir outro vínculo entre os homens que o frio interesse, as duras exigências do «a contado». Afogou o sagrado êxtase do fervor religioso, o entusiasmo cavalheiresco e o sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas liberdades tão afectuosamente conquistadas por uma liberdade única e impiedosa: a liberdade de comércio. Numa palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, estabeleceu uma exploração aberta, descarada, directa e brutal.
A burguesia despojou da sua auréola todas as actividades que até aí passavam por veneráveis e dignas de piedoso respeito. Converteu o médico, o jurista, o padre, o poeta, o sábio em assalariados ao seu serviço.
A burguesia rasgou o véu do emocionante sentimentalismo que encobria as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro.
A burguesia revelou como a manifestação de forças na Idade Média, tão admirada pela reacção, tinha o seu complemento natural na preguiça mais sórdida. Foi ela que, pela primeira vez, demonstrou o que pode realizar a actividade humana; criou maravilhas que ultrapassam de longe as pirâmides do Egipto, os aquedutos romanos, as catedrais góticas, realizou expedições que deixaram na sombra as invasões e as cruzadas.
A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e, por conseguinte, as relações de produção, isto é, o conjunto das relações sociais. A conservação do antigo modo de produção era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. Uma revolução contínua na produção, uma incessante comoção de todo o sistema social, uma agitação e uma insegurança constantes distinguem a época burguesa de todas as anteriores. Todas as relações sociais estancadas e ferrugentas, com o seu cortejo de concepções e de ideias antigas e veneradas, dissolvem-se; as que as substituem envelhecem antes de se terem podido ossificar. Tudo o que tinha solidez e permanência esfuma-se; tudo o que era sagrado é profanado, e os homens, finalmente, vêem-se forçados a encarar as suas condições de existência e as suas relações recíprocas com olhos desiludidos.
Impelida pela necessidade de dar cada vez maior saída aos seus produtos, a burguesia invade o mundo inteiro. Necessita implantar-se por toda a parte, explorar por toda a parte, estabelecer relações por toda a parte.
Pela exploração do mercado mundial, a burguesia deu um carácter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. Para grande desespero dos reaccionários, retirou à indústria a sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram e estão continuamente a ser destruídas. São suplantadas por novas indústrias, cuja adopção se torna uma questão de vida ou de morte para todas as nações civilizadas, indústrias que já não empregam matérias-primas indígenas, mas matérias-primas vindas das mais longínquas regiões do mundo, e cujos produtos se consomem não só no próprio país, mas em todas as partes do globo. Em vez das antigas necessidades, satisfeitas com produtos nacionais, surgem necessidades novas, que reclamam para a sua satisfação produtos das regiões e climas mais longínquos. Em vez do antigo isolamento das regiões e nações que se bastavam a si mesmas, estabelece-se um intercâmbio universal, uma interdependência universal das nações. E isto refere-se tanto à produção material, como à produção intelectual. A produção intelectual de uma nação converte-se em propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se de dia para dia mais impossíveis; e da multiplicidade das literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal.
Em virtude do rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e do constante progresso dos meios de comunicação, a burguesia arrasta na corrente da civilização todas as nações, até as mais bárbaras. Os baixos preços das suas mercadorias constituem a artilharia pesada que derruba todas as muralhas da China e faz capitular os bárbaros mais fanaticamente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, força todas as nações a adoptar o modo burguês de produção; força-as a introduzir a chamada civilização, quer dizer, a tornar-se burguesas. Numa palavra: forja um mundo à sua imagem e semelhança.
A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou cidades enormes; aumentou prodigiosamente a população das cidades em comparação com a do campo, subtraindo uma grande parte da população ao embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que submeteu o campo à cidade, os países bárbaros e semi-bárbaros aos países civilizados, submeteu os povos de camponeses aos povos de burgueses, o Oriente ao Ocidente.
A burguesia suprime cada vez mais o fraccionamento dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade num pequeno número de mãos. A consequência fatal destas mudanças foi a centralização política. Províncias independentes, ligadas entre si quase unicamente por laços federais, com interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas numa só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe e uma só linha alfandegária.
A burguesia, com a sua dominação de classe, que conta apenas com um século de existência, criou forças produtivas mais abundantes e mais grandiosas que todas as gerações passadas tomadas em conjunto. A domesticação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, os caminhos de ferro, os telégrafos eléctricos, o arroteamento de continentes inteiros, a regularização dos rios, populações inteiras brotando da terra – qual dos séculos passados pôde sequer suspeitar que semelhantes forças produtivas dormitassem no seio do trabalho social?
Vimos, pois, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se formou a burguesia, foram criados no interior da sociedade feudal. Ao alcançar um certo grau de desenvolvimento, estes meios de produção e de troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava, toda a organização feudal da agricultura e da indústria manufactureira, numa palavra, as relações feudais de propriedade, deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno desenvolvimento. Travavam a produção em vez de a fazer progredir, transformaram-se em outras tantas cadeias. Era preciso quebrar essas cadeias e elas foram quebradas.
Em seu lugar estabeleceu-se a livre concorrência, com uma constituição social e política apropriada, com a supremacia económica e política da bur-guesia.
Hoje, produz-se diante dos nossos olhos um movimento análogo. As re-lações burguesas de produção e de troca, as relações burguesas de propri-edade, toda esta sociedade burguesa moderna, que fez surgir tão poderosos meios de produção e de troca, assemelha-se ao mago que já não é capaz de dominar as potências infernais que desencadeou. Desde há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é mais do que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as actuais relações de produção, contra as relações de produção que condicionam a existência da burguesia e a sua dominação. Basta mencionar as crises comerciais que, com o seu retorno periódico ameaçam, cada vez mais, a existência de toda a sociedade burguesa. Cada crise destrói regularmente não só uma parte considerável dos produtos já criados, mas ainda uma grande parte das próprias forças produtivas já existentes. Durante as crises, abate-se sobre a sociedade uma epidemia que, em qualquer época anterior, pareceria absurda – a epidemia da superprodução. A sociedade encontra-se subitamente retrotraída a um estado de barbárie momentânea: dir-se-ia que a fome, que uma guerra devastadora mundial a privaram de todos os seus meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquilados. E tudo isto, porquê? Porque a sociedade possui demasiada civilização, demasiados meios de vida, demasiada indústria, demasiado comércio. As forças produtivas de que dispõe não servem já o desenvolvimento da civilização burguesa e das relações de produção burguesas; pelo contrário, tornaram-se demasiado poderosas para estas relações, que constituem um obstáculo ao seu desenvolvimento; e todas as vezes que as forças produtivas sociais vencem este obstáculo, precipitam na desordem toda a sociedade burguesa e ameaçam a existência da propriedade burguesa. As relações burguesas tornaram-se demasiado estreitas para conter as riquezas criadas no seu seio. Como é que a burguesia vence estas crises? Por um lado, destruindo pela violência uma grande quantidade de forças produtivas, por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. A que conduz isto? A preparar crises mais gerais e mais violentas e a diminuir os meios de preveni-las.
As armas de que a burguesia se serviu para derrubar o feudalismo voltaram-se agora contra a própria burguesia.
Mas a burguesia não forjou apenas as armas que a levarão à morte; produziu também os homens que empunharão essas armas: os operários modernos, os proletários.
À medida que cresce a burguesia, quer dizer, o Capital, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos operários modernos, que não vivem senão na condição de encontrarem trabalho e que só o encontram se o seu trabalho aumentar o capital. Estes operários, obrigados a vender-se dia a dia, são uma mercadoria, um artigo de comércio como qualquer outro, sujeito, portanto, a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.
O emprego crescente das máquinas e a divisão do trabalho, fazendo perder ao trabalho do proletário todo o carácter de autonomia, fizeram, consequentemente, que ele perdesse todo o atractivo para o operário. Este converte-se num simples apêndice da máquina e só se lhe exige as operações mais simples, mais monótonas e de mais fácil aprendizagem. Portanto, o que custa o operário reduz-se pouco mais ou menos ao custo dos meios de subsistência indispensáveis para viver e perpetuar a sua descendência. Mas o preço do trabalho, como o de toda a mercadoria, é igual ao seu custo de produção. Por conseguinte, quanto mais fastidioso é o trabalho, mais baixos são os salários. Mais ainda, quanto mais se desenvolvem a maquinaria e a divisão do trabalho, mais aumenta a quantidade de trabalho, quer mediante o prolongamento da jornada de trabalho, quer pelo aumento do trabalho exigido num tempo determinado, pela aceleração das cadências das máquinas, etc.
A indústria moderna transformou a pequena oficina do mestre-artesão patriarcal na grande fábrica do capitalista industrial. Massas de operários, comprimidos na fábrica, estão organizados de forma militar. Soldados rasos da indústria, estão colocados sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e sargentos. Eles não são apenas os escravos da classe burguesa, do Estado burguês, como ainda, diariamente, a todas as horas, os escravos da máquina, do contramestre, e sobretudo, do próprio burguês fabricante. E este despotismo é tanto mais mesquinho, odioso e exasperante, quanto maior é a franqueza com que proclama que tem como único fim o lucro.
Quanto menos habilidade e força requer o trabalho manual, que dizer, quanto maior é o desenvolvimento da indústria moderna, maior é a proporção em que o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças. No que respeita à classe operária, as diferenças de idade e sexo perdem toda a significação social. Não há senão instrumentos de trabalho, cujo custo varia segundo a idade e o sexo.
Uma vez que o operário sofreu a exploração do fabricante e que lhe foi pago o seu salário, converte-se em vítima doutros membros da burguesia: o proprietário, o retalhista, o prestamista, etc.
Pequenos industriais, pequenos comerciantes e rendeiros, artesãos e camponeses, todo o escalão inferior das classes médias de outrora, caem nas fileiras do proletariado; uns, porque os seus pequenos capitais não lhes permitem empregar os processos da grande indústria e sucumbem na sua concorrência com os grandes capitalistas; outros, porque a sua habilidade técnica se vê depreciada pelos novos métodos de produção. De modo que o proletariado se recruta entre todas as camadas da população.
O proletariado passa por diferentes etapas de desenvolvimento. A sua luta contra a burguesia começa com a sua própria existência.
A princípio, a luta é entabulada por operários isolados, depois, por operários de uma mesma fábrica, mais tarde, pelos operários do mesmo ramo da indústria, numa mesma localidade, contra o burguês que os explora directamente. Não se contentam com dirigir os seus ataques contra as relações burguesas de produção, e dirigem-se contra os próprios instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, incendeiam as fábricas, tentam reconquistar pela força a posição perdida do artesão da Idade Média.
Nesta etapa, os operários formam uma camada disseminada por todo o país e desagregada pela concorrência. Se acontece que os operários se apoiam pela acção de massa, esta acção não é ainda consequência da sua própria unidade, mas da unidade da burguesia que, para alcançar os seus próprios fins políticos, tem de pôr em movimento todo o proletariado – e ainda possui, provisoriamente, o poder de o fazer. Durante esta fase, os proletários não combatem, portanto, contra os seus próprios inimigos, mas contra os inimigos dos seus próprios inimigos, quer dizer, contra os vestígios da monarquia absoluta, os proprietários de terras, os burgueses não-industriais e os pequenos burgueses. Todo o movimento histórico se concentra, deste modo, nas mãos da burguesia; toda a vitória alcançada nestas condições é uma vitória da burguesia.
Mas a indústria, no seu desenvolvimento, não só aumenta o número dos proletários, como os concentra em massas consideráveis; a força dos proletários aumenta e eles adquirem uma maior consciência dessa força. Os interesses e as condições de existência dos proletários igualam-se cada vez mais à medida que a máquina apaga as diferenças no trabalho e reduz o salário, quase em toda a parte, a um nível igualmente baixo. Como resultado da crescente concorrência dos burgueses entre si e das crises comerciais que daí resultam, os salários tornam-se cada vez mais instáveis; o constante e acelerado aperfeiçoamento da máquina coloca o operário numa situação cada vez mais precária; as colisões individuais entre o operário e o burguês tomam cada vez mais o carácter de colisões entre duas classes. Os operários começam por formar coalizões contra os burgueses para a defesa dos seus salários. Chegam a formar associações permanentes para assegurar os meios necessários, na perspectiva de eventuais rebeliões. Aqui e além, a luta rebenta, sob a forma de sublevações.
Por vezes, os operários triunfam; mas é um triunfo efémero. O verdadeiro resultado das suas lutas é menos o sucesso imediato do que a união crescente dos trabalhadores. Esta união é favorecida pelo crescimento dos meios de comunicação que são criados pela grande indústria e que permitem aos operários de localidades diferentes contactarem entre si. Ora, basta esse contacto para que as numerosas lutas locais, que por toda a parte revestem o mesmo carácter, se centralizem numa luta nacional, numa luta de classes. Mas toda a luta de classes é uma luta política, e a união que os burgueses da Idade Média demoraram séculos a estabelecer através dos seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizaram-na em poucos anos graças aos caminhos de ferro.
Esta organização do proletariado em classe, e portanto em partido político, é sem cessar socavada pela concorrência entre os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais firme, mais potente. Aproveita as divisões intestinas da burguesia para obrigar a reconhecer por lei alguns interesses da classe operária: por exemplo o bill da jornada de dez horas na Inglaterra.
Em geral, as colisões que se produzem na velha sociedade favorecem de diversas maneiras o desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive num estado de guerra permanente: primeiro, contra a aristocracia, depois, contra aquelas fracções da mesma burguesia cujos interesses entram em contradição com o progresso da indústria, e sempre, finalmente, contra a burguesia de todos os países estrangeiros. Em todas estas lutas, vê-se forçada a apelar para o proletariado, a reclamar a sua ajuda e arrastá-lo assim para o movimento político. Deste modo, a burguesia proporciona aos proletários os elementos da sua própria educação, isto é, armas contra ela própria.
Além disso, como acabamos de ver, o progresso da indústria precipita nas fileiras do proletariado camadas inteiras da classe dominante, ou, pelo menos, ameaça-as nas suas condições de existência. Também elas trazem ao proletariado numerosos elementos de educação.
Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de desintegração da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um carácter tão violento e tão patente que uma pequena fracção da classe dominante renega esta e adere à classe revolucionária, à classe que tem nas mãos o porvir. E assim como, outrora, uma parte da no-breza passou para a burguesia, nos nossos dias, um sector da burguesia passa para o proletariado, particularmente esse sector dos ideólogos burgueses que atingiram a compreensão teórica do conjunto do movimento histórico.
De todas as classes que, na hora actual, se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes periclitam e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é o seu produto mais autêntico.
As classes médias – o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês – todas combatem a burguesia porque ela é uma ameaça para a sua existência como classes médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reaccionárias, já que pretendem fazer andar para trás a roda da história. São revolucionárias unicamente quando têm diante de si a perspectiva da sua passagem iminente ao proletariado: então, elas defendem os seus interesses futuros e não os seus interesses actuais; abandonam o seu próprio ponto de vista para adoptar o do proletariado.
O lúmpen-proletariado, esse produto passivo da putrefacção das camadas mais baixas da velha sociedade, pode por vezes ser arrastado para o movimento por uma revolução proletária; no entanto, as suas condições de vida dispô-lo-ão antes a vender-se à reacção para servir as suas manobras.
As condições de existência da velha sociedade estão já abolidas nas condições de existência do proletariado. O proletariado não tem propriedade; as suas relações com a mulher e com os filhos não têm nada de comum com as da família burguesa; o trabalho industrial moderno, a sujeição do operário ao capital, tanto na Inglaterra como em França, na América do Norte como na Alemanha, despoja o proletariado de todo o carácter nacional. As leis, a moral, a religião são para os seus olhos outros tantos preconceitos burgueses, por detrás dos quais se escondem outros tantos interesses burgueses.
Todas as classes que, no passado, se apoderaram do poder tentavam consolidar a sua situação adquirida submetendo a sociedade às condições do seu modo de apropriação. Os proletários não podem conquistar as forças produtivas sociais, senão abolindo o seu próprio modo de apropriação em vigor e, por conseguinte, todo o modo de apropriação existente até aos nossos dias. Os proletários não têm nada a salvaguardar; têm que destruir tudo o que até agora vem garantindo e assegurando a propriedade privada existente.
Todos os movimentos históricos foram até agora realizados por minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento, independente, da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, camada inferior da sociedade actual, não pode levantar-se, não pode revoltar-se sem fazer saltar toda a superestrutura das camadas que constituem a sociedade oficial.
A luta do proletariado contra a burguesia, ainda que não seja, pelo seu conteúdo, uma luta nacional, reveste, no entanto, inicialmente essa forma. É evidente que o proletariado de cada país tem de acabar, antes de mais, com a sua própria burguesia.
Ao esboçar em traços gerais as fases do desenvolvimento do proletariado, descrevemos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que se desenvolve no seio da sociedade existente, até ao momento em que esta guerra se transforma numa revolução aberta e o proletariado, derrubando pela violência a burguesia, implanta a sua dominação.
Como vimos, todas as sociedades anteriores assentavam no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas, para oprimir uma classe, é preciso poder garantir-lhe condições de existência que lhe permitam, pelo menos, viver na servidão. O servo, em pleno regime de servidão, conseguiu tornar-se membro da comuna, do mesmo modo que o pequeno- -burguês conseguiu elevar-se à categoria de burguês, sob o jugo do absolutismo feudal. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce sempre mais e mais, abaixo mesmo das condições de vida da sua própria classe. O trabalhador cai na miséria, e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. É portanto manifesto que a burguesia é incapaz de continuar a desempenhar por mais tempo o seu papel de classe dominante da sociedade e de impor a esta, como lei reguladora, as condições de existência da sua classe. Já não é capaz de reinar, porque não pode assegurar ao escravo a existência, nem sequer dentro dos limites da escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair até ao ponto de ter que o manter, em vez de ter que ser mantida por ele. A sociedade já não pode viver sob a sua dominação, o que equivale a dizer que a existência da burguesia já não é compatível com a da sociedade.
A condição essencial da existência e da dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do Capital. A condição de existência do Capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado assenta exclusivamente na concorrência dos operários entre si. O progresso da indústria, de que a burguesia, incapaz de se lhe opor, é o agente involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultante da concorrência, pela sua união revolucionária mediante a associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria mina sob os pés da burguesia as bases sobre as quais ela estabeleceu o seu sistema de produção e de apropriação. A burguesia produz, antes de mais, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
Qual é a posição dos comunistas em relação ao conjunto dos proletários?
Os comunistas não formam um partido distinto, oposto aos outros partidos operários.
Não têm interesses alguns que não sejam os interesses do conjunto do proletariado.
Não proclamam princípios especiais sobre os quais queiram modelar o movimento operário.
Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dois pontos: 1. Nas diferentes lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem valer os interesses independentes da nacionalidade e comuns a todo o proletariado; 2. Nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam sempre os interesses do movimento no seu conjunto.
Praticamente, os comunistas são, pois, o sector mais resoluto dos partidos operários de todos os países, o sector que estimula todos os outros; teoricamente, têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma clara compreensão das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário.
O objectivo imediato dos comunistas é o mesmo que o de todos os outros partidos proletários: constituição dos proletários em classe, derrubamento da dominação burguesa, conquista do poder político pelo proletariado.
As concepções teóricas dos comunistas não se baseiam de modo algum em ideias e princípios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo.
Elas não são mais do que a expressão geral das condições reais de uma luta de classes existente, de um movimento histórico que se desenvolve diante dos nossos olhos. A abolição das relações de propriedade até aqui existentes não é uma característica peculiar e exclusiva do comunismo.
Todas as relações de propriedade sofreram constantes mudanças históricas, contínuas transformações históricas.
A Revolução Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito da propriedade burguesa.
O que caracteriza o comunismo não é abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa.
Ora, a propriedade privada de hoje, a propriedade burguesa, é a última e a mais acabada expressão do modo de produção e de apropriação baseado nos antagonismos de classes, na exploração de uns pelos outros.
Neste sentido, os comunistas podem resumir a sua teoria a esta fórmula única: abolição da propriedade privada.
Têm-nos censurado, a nós, comunistas, por querer abolir a propriedade pessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivíduo, essa propriedade que declaram ser a base de toda a liberdade, de toda a actividade, de toda a independência individual. A propriedade bem adquirida, fruto do trabalho, do esforço pessoal!
Referis-vos, por acaso, à propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, a essa forma de propriedade que precede a propriedade burguesa?
Não precisamos de aboli-la: o progresso da indústria aboliu-a e continua a aboli-la diariamente.
Ou referis-vos talvez à propriedade privada moderna, à propriedade burguesa?
Mas, será que o trabalho assalariado, o trabalho do proletário, cria propriedade para o proletário? De maneira alguma. Ele cria o capital, quer dizer, a propriedade que explora o trabalho assalariado e que só pode acrescentar-se na condição de produzir mais e mais trabalho assalariado, a fim de o explorar de novo. Na sua forma actual, a propriedade move-se no antagonismo entre o capital e o trabalho assalariado. Examinemos os dois termos deste antagonismo.
Ser capitalista significa ocupar não só uma posição meramente pessoal na produção, mas também uma posição social. O capital é um produto colectivo: só pode ser posto em movimento pela actividade conjunta de muitos indivíduos, e mesmo, em última análise, pela actividade conjunta de todos os membros da sociedade.
O capital não é, pois, uma força pessoal; é uma força social.
Em consequência, se o capital se transforma em propriedade colectiva, pertencente a todos os membros da sociedade, não é a propriedade pessoal que se transforma em propriedade social. Só terá mudado o formato social da propriedade. Esta perderá o seu carácter de classe.
Examinemos o trabalho assalariado.
O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo de salário, quer dizer, a soma dos meios de subsistência indispensáveis ao operário para manter a sua vida, como operário. Por conseguinte, aquilo de que o operário se apropria pela sua actividade é o estritamente necessário para reproduzir a sua vida, reduzida à sua mais simples expressão. Não queremos de maneira nenhuma abolir esta apropriação pessoal dos produtos do trabalho, indispensável à mera reprodução da vida humana, essa apropriação que não deixa nenhum lucro líquido que confira um poder sobre o trabalho de outrem. O que queremos suprimir é o carácter miserável desta apropriação, que faz com que o operário não viva senão para acrescentar o capital e tão só na medida em que o interesse da classe dominante exige que viva.
Na sociedade burguesa, o trabalho vivo não é mais do que um meio para aumentar o trabalho acumulado. Na sociedade comunista, o trabalho acumulado não é mais do que um meio de ampliar, enriquecer e tornar mais fácil a existência dos trabalhadores.
Deste modo, na sociedade burguesa, o passado domina o presente; na sociedade comunista é o presente que domina o passado. Na sociedade burguesa, o capital é independente e tem personalidade, enquanto que o indivíduo que trabalha não tem independência, nem personalidade.
E é a abolição de semelhante estado de coisas o que a burguesia considera como a abolição da personalidade e da liberdade! E com razão. Pois trata-se efectivamente de abolir a personalidade burguesa, a independência burguesa e a liberdade burguesa.
Por liberdade, nas condições actuais da produção burguesa, entende-se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender.
Mas se o tráfico desaparece, a liberdade de traficar desaparece também. De resto, todas as grandes palavras sobre a liberdade de comércio, do mesmo modo que as fanfarronadas liberais da nossa burguesia, só têm sentido quando aplicadas ao tráfico entravado e ao burguês subjugado da Idade Média; mas não têm nenhum sentido quando se trata da abolição, pelo comunismo, do tráfico, das relações de produção burguesas e da própria burguesia.
Ficais horrorizados por querermos abolir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade actual a propriedade privada está abolida para nove décimos dos seus membros. É precisamente porque não existe para esses nove décimos que ela existe para vós. Reprovai-nos, pois, o querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir na condição da imensa maioria da sociedade ser privada de qualquer propriedade.
Numa palavra, acusais-nos de querer abolir a vossa propriedade. Na verdade, é isso que queremos.
Segundo vós, a partir do momento em que o trabalho não pode ser convertido em capital, em dinheiro, em renda da terra, numa palavra, em poder social susceptível de ser monopolizado, quer dizer, a partir do momento em que a propriedade pessoal não pode transformar-se em propriedade burguesa, a partir desse momento a personalidade fica suprimida.
Confessais, pois, que por personalidade só entendeis o burguês, o proprietário burguês. E essa personalidade deve, certamente, ser suprimida.
O comunismo não tira a ninguém a faculdade de se apropriar dos produtos sociais; ele não tira mais do que o poder de subjugar o trabalho alheio por meio desta apropriação.
Objectou-se ainda que, com a abolição da propriedade privada cessaria toda a actividade e uma preguiça geral se apoderaria do mundo.
Se assim fosse, já há muito tempo que a sociedade burguesa teria sucumbido à ociosidade, visto que, nesta sociedade, os que trabalham não ganham e os que ganham não trabalham. Toda a objecção se reduz a esta tautologia. Onde não há capital, não há trabalho assalariado.
Todas as objecções dirigidas contra o modo comunista de apropriação e de produção dos elementos materiais foram igualmente feitas em relação à apropriação e à produção dos produtos do trabalho intelectual. Do mesmo modo que, para o burguês, o desaparecimento da propriedade de classe equivale ao desaparecimento de toda a produção, o desaparecimento da cultura de classe significa para ele o desaparecimento de toda a cultura.
A cultura, cuja perda deplora, não é mais, para a imensa maioria dos homens, do que o adestramento que os transforma em máquinas.
Mas é inútil procurar discutir connosco enquanto aplicardes à abolição da propriedade burguesa o critério das vossas noções burguesas de liberdade, cultura, direito, etc. As vossas ideias são, em si mesmas, produto das relações de produção e de propriedade burguesas, assim como o vosso direito não é mais do que a vontade da vossa classe erigida em lei; vontade cujo conteúdo está determinado pelas condições materiais de existência da vossa classe.
A concepção interesseira que vos fez erigir em leis eternas da Natureza e da Razão as relações sociais emanadas do vosso transitório modo de produção e de propriedade – relações históricas que surgem e desaparecem no curso da produção – partilhais-a com todas as classes dominantes hoje desaparecidas. O que concebeis para a propriedade antiga, o que concebeis para a propriedade feudal, não vos atreveis a admiti-lo para a propriedade burguesa.
Querer abolir a família! Até os mais radicais se indignam perante este infame desígnio dos comunistas.
Em que base assenta a família actual, a família burguesa? No capital, no lucro privado. A família, plenamente desenvolvida, não existe, a não ser para a burguesia; mas ela tem por corolário a supressão forçada de toda a família para o proletariado e a prostituição pública.
A família burguesa desaparece naturalmente ao deixar de existir o seu corolário, e uma e outro desaparecem com o desaparecimento do capitalismo.
Reprovais-nos o querer abolir a exploração dos filhos pelos pais? Confessamos esse crime.
Mas dizeis que destruímos os vínculos mais íntimos, substituindo a educação em família pela educação social.
E a vossa educação, não está também determinada pela sociedade, pelas condições sociais em que educais os vossos filhos, pela intervenção directa ou indirecta da sociedade através da escola, etc.? Os comunistas não inventaram esta ingerência da sociedade na educação, eles não fazem mais do que mudar o seu carácter e arrancar a educação à influência da classe dominante.
As declamações burguesas sobre a família e a educação, sobre os doces laços que unem os filhos aos pais, tornam-se cada vez mais repugnantes à medida que a grande indústria destrói todos os vínculos de família para o proletário e transforma as crianças em simples artigos de comércio, em simples instrumentos de trabalho.
Mas vós, os comunistas, quereis estabelecer a comunidade das mulheres! – grita-nos, em coro, toda a burguesia.
Para o burguês, a sua mulher não é mais do que um instrumento de produção. Ouve dizer que os instrumentos de produção devem ser utilizados em comum, e, naturalmente, não pode deixar de pensar que as mulheres partilharão a sorte comum da socialização.
Não suspeita que se trata precisamente de arrancar a mulher ao seu papel actual de simples instrumento de produção. Nada mais grotesco, aliás, do que o horror ultramoral que inspira aos nossos burgueses a pretensa comunidade oficial das mulheres que atribuem aos comunistas. Os comunistas não têm necessidade de introduzir a comunidade das mulheres: ela existiu quase sempre.
Os nossos burgueses, não satisfeitos de ter à sua disposição as mulheres e as filhas dos proletários, sem falar da prostituição oficial, encontram um prazer singular em encornar-se mutuamente.
O matrimónio burguês é, na realidade, a comunidade das esposas. Quando muito, poder-se-ia acusar os comunistas de quererem substituir uma comunidade de mulheres hipocritamente dissimulada, por uma comunidade franca e oficial. É evidente, de resto, que, com a abolição das relações de produção actuais desaparecerá a comunidade das mulheres que delas deriva, quer dizer, a prostituição oficial e não-oficial.
Acusam-se também os comunistas de querer abolir a pátria, a nacionalidade.
Os operários não têm pátria. Não se lhes pode tirar aquilo que não possuem. Mas, como o proletariado tem, em primeiro lugar, de conquistar o poder político, elevar-se à condição de classe nacional, constituir-se em nação, é ainda nacional, posto que, de maneira nenhuma, no sentido burguês.
O isolamento nacional e os antagonismos entre os povos desaparecem de dia para dia com o desenvolvimento da burguesia, a liberdade de comércio e o mercado mundial, com a uniformidade da produção industrial e as condições de existência que lhe correspondem.
O proletariado no poder fá-los-á desaparecer ainda mais depressa. A acção comum do proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições da sua emancipação.
Aboli a exploração do homem pelo homem, e abolireis a exploração de uma nação por outra nação.
Ao mesmo tempo que o antagonismo das classes no interior das nações desaparece, desaparecerá a hostilidade das nações entre si.
Quanto às acusações lançadas, dum modo geral, contra o comunismo, partindo de pontos de vista religiosos, filosóficos e ideológicos, não merecem um exame aprofundado.
Será necessária uma grande perspicácia para compreender que as ideias, as concepções e as noções dos homens, numa palavra, a sua consciência, mudam com toda a mudança sobrevinda nas suas condições de vida, nas suas relações sociais, na sua existência social?
Que demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As ideias dominantes em qualquer época nunca passaram das ideias da classe dominante.
Quando se fala de ideias que revolucionam toda uma sociedade, exprime-se apenas o facto de que no seio da velha sociedade se formaram os elementos de uma sociedade nova, e de que a dissolução das velhas ideias marcha a par da dissolução das antigas condições de existência.
Quando o mundo antigo estava no seu declínio, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã. Quando, no século XVIII, as ideias cristãs foram vencidas pelas ideias do iluminismo, a sociedade feudal travava uma luta de morte contra a burguesia, então revolucionária. As ideias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não fizeram mais do que reflectir o reinado da livre concorrência no domínio da consciência.
«Sem dúvida – dir-se-á – as ideias religiosas, morais, filosóficas, políticas, jurídicas, etc., modificaram-se no decurso do processo histórico. Mas a religião, a moral, a filosofia, a política, o direito mantiveram-se sempre através dessas transformações. Existem, além disso, verdades eternas, tais como a liberdade, a justiça, etc., que são comuns a todos regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir estas verdades eternas, quer abolir a religião e a moral, em vez de dar-lhes uma forma nova, e isso contradiz todo o processo histórico anterior.»
A que se reduz esta acusação? A história de todas as sociedades que existiram até hoje era feita de antagonismos de classes, de antagonismos que revestem formas diversas nas diferentes épocas.
Mas que qualquer que tenha sido a forma destes antagonismos, a exploração de uma parte da sociedade pela outra é um facto comum a todos os séculos anteriores. Por conseguinte, não é de espantar que a consciência social de todos os séculos, a despeito de toda a variedade e de toda a diversidade, se tenha movido sempre dentro de certas formas comuns, dentro de umas formas – formas de consciência – que só desaparecerão completamente com o desaparecimento definitivo dos antagonismos de classes.
A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações de propriedade tradicionais, portanto, não há nada de estranho em que no decurso do seu desenvolvimento rompa da maneira mais radical com as ideias tradicionais.
Mas, deixemos as objecções feitas pela burguesia ao comunismo.
Como já vimos mais acima, o primeiro passo da revolução operária é a elevação do proletariado a classe dominante, a conquista da democracia.
O proletariado servir-se-á da sua supremacia política para arrancar pouco a pouco à burguesia todo o capital, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, quer dizer, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar com a maior rapidez possível a quantidade das forças produtivas.
Isto, naturalmente, não poderá fazer-se, de início, senão por uma violação despótica de direito de propriedade e das relações burguesas de produção, quer dizer, pela adopção de medidas que do ponto de vista económico, parecem insuficientes e insustentáveis, mas que, no decurso do movimento ultrapassar-se-ão a si mesmas e serão indispensáveis como meio de transformar radicalmente todo o modo de produção.
Estas medidas, naturalmente, serão muito diferentes nos diversos países.
No entanto, nos países mais avançados poderão ser postas em prática quase em toda a parte as seguintes medidas:
Uma vez que no curso do desenvolvimento tiverem desaparecido os antagonismos de classes e se tiver concentrado toda a produção nas mãos de indivíduos associados, o poder público perderá o seu carácter político. O poder político, para falar com propriedade, é a violência organizada de uma classe para a opressão de outra. Se, na luta contra a burguesia, o proletariado se converte em classe dominante e, como classe dominante, destrói pela violência as antigas relações de produção, suprime, ao mesmo tempo que estas relações de produção, as condições para a existência do antagonismo das classes e as classes em geral, e, portanto, a sua própria dominação como classe.
Em substituição da antiga sociedade burguesa, com as suas classes e os seus antagonismos de classes, surgirá uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um será a condição do livre desenvolvimento de todos.
O SOCIALISMO REACCIONÁRIO
O socialismo feudal
Pela sua posição histórica, as aristocracias francesa e inglesa foram chamadas a escrever libelos contra a moderna sociedade burguesa. Na revolução francesa de Julho de 1830 e no movimento inglês pela Reforma, haviam sucumbido uma vez mais sob os golpes dessa odiada arrivista. Daí em diante, não podia falar-se sequer de uma luta política séria. Só lhes restava a luta literária. Ora, mesmo no terreno literário, a velha fraseologia da época da Restauração tinha-se tornado inaplicável. Para criar simpatias era necessário que a aristocracia aparentasse não ter em conta os seus próprios interesses e que formulasse o seu auto de acusação contra a burguesia no exclusivo interesse da classe operária explorada. Tinha, assim, a satisfação de compor canções satíricas contra o seu novo amo e de musicar-lhe ao ouvido profecias mais ou menos sinistras.
Assim nasceu o socialismo feudal, mistura de jeremiadas e de pasquins, de ecos do passado e de ameaças sobre o futuro. Se algumas vezes a sua crítica amarga, mordaz e engenhosa feriu a burguesia no seu coração, a sua incapacidade absoluta de compreender a marcha da história moderna acabou sempre por cobri-lo de ridículo.
À guisa de bandeira, estes senhores arvoraram a sacola do mendigo, a fim de atrair o povo. Mas cada vez que o povo acorria, apercebia-se dos velhos brasões feudais com que ornamentavam o traseiro e dispersava no meio de grandes e irreverentes gargalhadas.
Uma parte dos legitimistas franceses e a «Jovem Inglaterra» deram ao mundo este espectáculo.
Quando os campeões do feudalismo demonstram que o seu modo de exploração era distinto do da burguesia, esquecem uma coisa: é que o feudalismo explorava em condições e circunstâncias completamente diferentes e hoje antiquadas. Quando fazem notar que sob a sua dominação não existia o proletariado moderno, esquecem que a burguesia moderna é precisamente um produto inevitável do seu regime social.
Aliás, disfarçam tão pouco o carácter reaccionário da sua crítica, que a principal acusação que apresentam contra a burguesia é precisamente ter criado sob o seu regime uma classe que fará ir pelos ares toda a antiga ordem social.
O que reprovam à burguesia não é tanto o ter feito surgir um proletariado em geral, mas o ter feito surgir um proletariado revolucionário.
Por isso, na luta política, tomam parte activa em todas as medidas de violência contra a classe operária. E na sua vida quotidiana, apesar da sua fraseologia pomposa, acomodam-se muito bem a recolher as maçãs de ouro caídas da árvore da indústria e a trocar a honra, o amor e a fidelidade pelo comércio de lãs, de açúcar, de beterraba e de aguardente.
Do mesmo modo que o padre e o senhor feudal andaram sempre de mãos dadas, também o socialismo clerical caminha lado a lado com o socialismo feudal.
Nada mais fácil do que dar um verniz socialista ao ascetismo cristão. Acaso o cristianismo não se levantou também contra a propriedade privada, o matrimónio e o Estado? Não pregou, em seu lugar, a caridade e a pobreza, o celibato e a mortificação da carne, a vida monástica e a igreja? O socialismo cristão não é mais do que a água benta com que o padre consagra o despeito da aristocracia.
O socialismo pequeno-burguês
A aristocracia feudal não é a única classe arruinada pela burguesia, e não é a única classe cujas condições de existência desfalecem e se vão ex-tinguindo na sociedade burguesa moderna. Os pequenos burgueses e os pequenos camponeses da Idade Média foram os precursores da burguesia moderna. Nos países em que a indústria e o comércio são menos desenvol-vidos esta classe continua a vegetar ao lado da burguesia florescente.
Nos países onde se desenvolveu a civilização moderna, formou-se uma nova classe de pequenos burgueses que oscila entre o proletariado e a burguesia; fracção complementar da sociedade burguesa, ela reconstitui-se sem cessar; mas, devido à concorrência, os indivíduos que a compõem vêem-se continuamente precipitados nas fileiras do proletariado, e, com o desenvolvimento progressivo da grande indústria, vêem aproximar-se o momento em que desaparecerão por completo como fracção independente da sociedade moderna, e serão substituídos no comércio, na manufactura e na agricultura por contramestres e empregados.
Em países como a França, onde os camponeses formam bastante mais de metade da população, é natural que os escritores que defendiam a causa do proletariado contra a burguesia, aplicassem à sua crítica do regime burguês critérios pequeno-burgueses e de pequenos camponeses, e defendessem a classe operária do ponto de vista da pequena burguesia. Assim se formou o socialismo pequeno-burguês. Sismondi é o mais alto expoente desta literatura, não só em França, mas também na Inglaterra.
Este socialismo analisou com muita sagacidade as contradições inerentes às modernas relações de produção. Pôs a nu as hipócritas apologias dos economistas. Demonstrou de forma irrefutável os efeitos destruidores da maquinaria e da divisão do trabalho, a concentração dos capitais e da propriedade da terra, a superprodução, as crises, a inevitável ruína dos pequenos burgueses e dos camponeses, a miséria do proletariado, a anarquia da produção, a escandalosa desigualdade na distribuição das riquezas, a exterminadora guerra industrial das nações entre si, a dissolução dos velhos costumes, das antigas relações familiares, das velhas nacionalidades.
Todavia, o conteúdo positivo desse socialismo consiste no seu desejo ardente de restabelecer os antigos meios de produção e de troca, e, com eles, as antigas relações de propriedade e toda a sociedade antiga, ou em querer à força encaixar os modernos meios de produção e de troca no quadro estreito das antigas relações de propriedade que já foram destruídas, e fatalmente destruídas, por aqueles. Quer num caso, quer noutro, este socialismo é simultaneamente reaccionário e utópico.
Para a manufactura, o regime corporativo; para a agricultura, o regime patriarcal: eis a sua última palavra.
No seu ulterior desenvolvimento, esta escola caiu no marasmo cobarde que segue a embriaguez.
O socialismo alemão ou socialismo «verdadeiro»
A literatura socialista e comunista de França, que nasceu sob o jugo de uma burguesia dominante e é a expressão literária da revolta contra esta dominação, foi introduzida na Alemanha no momento em que a burguesia começava a sua luta contra o absolutismo feudal.
Filósofos, semifilósofos e diletantes alemães lançaram-se avidamente sobre esta literatura, mas esqueceram que, com a importação da literatura francesa para a Alemanha não foram importadas, ao mesmo tempo, as condições sociais de França. Nas condições alemãs, a literatura francesa perdeu toda a sua significação prática imediata e tomou um carácter puramente literário. Não devia parecer mais do que uma especulação ociosa sobre a sociedade verdadeira, sobre a realização da essência humana. Deste modo, para os filósofos alemães do século XVIII, as reivindicações da primeira Revolução Francesa não eram mais do que as reivindicações da «razão prática» em geral, e as manifestações da vontade da burguesia revolucionária de França não exprimiam aos seus olhos mais do que as leis da vontade pura, da vontade tal como deve ser, da vontade verdadeiramente humana.
Todo o trabalho dos literatos alemães reduziu-se unicamente a pôr as novas ideias francesas de acordo com a sua velha consciência filosófica ou, mais exactamente, a assimilar as ideias francesas partindo do seu ponto de vista filosófico.
E assimilaram-nas como se assimila em geral uma língua estrangeira: pela tradução.
É sabido como os monges nos manuscritos recobriam as obras clássicas da antiguidade pagã com absurdas lendas dos santos católicos. Os literatos alemães procederam inversamente em relação à literatura profana francesa. Deslizaram os seus absurdos filosóficos sob o original francês. Por exemplo, sob a crítica francesa das funções do dinheiro, escreviam «alienação da essência humana», sob a crítica francesa do Estado burguês, escreviam «abolição do reino do universal abstracto», e assim sucessivamente.
A esta interpolação da sua fraseologia filosófica na crítica francesa deram o nome de «filosofia da acção», «socialismo verdadeiro», «ciência alemã do socialismo», «fundamentação filosófica do socialismo», etc.
Desta maneira, foi completamente castrada a literatura socialista e comunista francesa. E, como nas mãos dos alemães deixava de ser a expressão da luta de uma classe contra outra, os alemães imaginaram que se tinham elevado muito acima da «estreiteza francesa» e felicitaram-se por ter defendido, em vez das verdadeiras necessidades, a necessidade da verdade, em vez dos interesses do proletariado, os interesses da essência humana, do homem em geral, do homem que não pertence a nenhuma classe nem a nenhuma realidade e que só existe no céu brumoso da fantasia filosófica.
Este socialismo alemão, que tomava tão solenemente a sério os seus torpes exercícios de escola e que os lançava aos quatro ventos com tanto estrépito charlatanesco, foi perdendo a pouco e pouco a sua inocência pedantesca.
A luta da burguesia alemã, e principalmente da burguesia prussiana, contra os senhores feudais e a monarquia absoluta, numa palavra, o movimento liberal, adquiria um carácter mais sério.
Deste modo, o «verdadeiro» socialismo teve a tão desejada ocasião de contrapor ao movimento político as reivindicações socialistas, de fulminar os anátemas tradicionais contra o liberalismo, contra o regime representativo, contra a concorrência burguesa, contra a liberdade burguesa de imprensa, contra o direito burguês, contra a liberdade e a igualdade burguesas e de pregar às massas populares que elas não tinham nada a ganhar, mas que, pelo contrário, perderiam tudo, neste movimento burguês. O socialismo alemão esqueceu, muito a propósito, que a crítica francesa, da qual era um simples eco insípido, pressupunha a sociedade burguesa moderna, com as correspondentes condições materiais de existência e uma Constituição política apropriada, isto é, precisamente as premissas que, na Alemanha, se tratava ainda de conquistar.
Para os governos absolutos da Alemanha, com o seu séquito de padres, de pedagogos, de fidalgos rústicos e de burocratas, este socialismo converteu-se no espantalho desejado, contra a burguesia que se levantava, ameaçadora.
Juntou a sua hipocrisia adocicada às chicotadas e aos tiros com que estes mesmos governos responderam às rebeliões dos operários alemães.
Se o «verdadeiro» socialismo se converteu deste modo numa arma nas mãos dos governos contra a burguesia alemã, representava além disso, directamente, um interesse reaccionário, o interesse do pequeno burguês alemão. A classe dos pequenos burgueses, legada pelo século XVI, e desde então renascendo sem cessar sob diversas formas, constitui para a Alemanha a verdadeira base social do regime estabelecido.
Mantê-la é manter na Alemanha o regime estabelecido. A supremacia industrial e política da grande burguesia ameaça esta pequena burguesia de morte certa, devido, por um lado, à concentração dos capitais, e, por outro, ao desenvolvimento de um proletariado revolucionário. Pareceu à pequena burguesia que o «verdadeiro» socialismo podia matar os dois coelhos com uma só cajadada. E este propagou-se como uma epidemia.
Tecido com os fios de aranha da especulação, bordado com as finas flores da sua retórica, impregnado dum quente orvalho sentimental, essa roupagem fantástica com que os socialistas alemães vestiram o esqueleto das suas «verdades eternas» não fez mais do que activar o escoamento da sua mercadoria, junto de semelhante público.
Por seu lado, o socialismo alemão compreendeu cada vez melhor que estava destinado a ser representante pomposo desta pequena burguesia.
Proclamou que a nação alemã era a nação modelo e o filistino alemão o homem modelo. A todas as infâmias deste homem modelo, deu-lhes um sentido oculto, um sentido superior e socialista, contrário à realidade. Foi consequente até ao fim, manifestando-se de um modo directo contra a tendência «brutalmente destrutiva» do comunismo e declarando que planava imparcialmente por cima de todas as lutas de classes. Salvo muito raras excepções, todas as obras pretensamente socialistas e comunistas que circulam na Alemanha pertencem a esta imunda e enervante literatura.
O SOCIALISMO CONSERVADOR OU BURGUÊS
Uma parte da burguesia procura remediar as anomalias sociais, a fim de consolidar a sociedade burguesa.
A esta categoria pertencem os economistas, os filantropos, os humanitários, os que procuram melhorar a sorte das classes trabalhadoras, organizar a beneficência, proteger os animais, fundar sociedades de temperança, em suma, os reformadores de gabinete de todos os géneros e feitios. E chegou-se até a elaborar este socialismo burguês em sistemas completos.
Citemos, como exemplo, a Filosofia da Miséria, de Proudhon.
Os socialistas burgueses querem perpetuar as condições de vida da sociedade moderna, mas sem as lutas e os perigos que dela fatalmente derivam. Querem a sociedade actual, mas expurgada dos elementos que a revolucionam e dissolvem. Querem a burguesia sem o proletariado. A burguesia, como é natural, concebe o mundo em que domina como o melhor dos mundos. O socialismo burguês elabora num sistema mais ou menos completo esta representação consoladora. Quando convida o proletariado a realizar os seus sistemas e a entrar na nova Jerusalém, não faz mais, no fundo, do que induzi-lo a continuar na sociedade actual, mas desembaraçando-se da concepção odiosa que sobre ela formou.
Outra forma de socialismo, menos sistemática, mas mais prática, tenta afastar os operários de todo o movimento revolucionário, demonstrando-lhe que não é esta ou aquela mudança política que poderá beneficiá-los, mas apenas uma transformação das condições materiais de vida, das relações económicas. Reparai que, por transformação das condições materiais de vida, este socialismo não entende, de maneira alguma, a abolição das relações de produção burguesas – a qual só é possível pela revolução –, mas unicamente reformas administrativas realizadas sobre a base das mesmas relações de produção burguesas, e que, portanto, não mudam em nada as relações entre o Capital e o Trabalho Assalariado, servindo unicamente, no melhor dos casos, para diminuir à burguesia os gastos que requer a sua dominação e para aligeirar o orçamento do Estado.
O socialismo burguês não atinge a sua expressão adequada senão quando se converte numa simples figura retórica.
Livre-câmbio, no interesse da classe operária! Tarifas alfandegárias, no interesse da classe operária! Prisões celulares, no interesse da classe operária! Eis a última palavra do socialismo burguês, a única que disse com seriedade.
Porque o socialismo burguês resume-se precisamente nesta afirmação: os burgueses são burgueses – no interesse da classe operária.
O SOCIALISMO E O COMUNISMO
CRÍTICO-UTÓPICOS
Não se trata aqui da literatura que, em todas as grandes revoluções modernas, formulou as reivindicações do proletariado (os escritos de Babeuf, etc.).
As primeiras tentativas directas do proletariado para fazer prevalecer os seus próprios interesses de classe, realizadas em tempos de efervescência geral, no período do derrubamento da sociedade feudal, fracassaram necessariamente, tanto devido ao débil desenvolvimento do próprio proletariado, como pela ausência das condições materiais da sua emancipação, condições que só podem resultar da época burguesa. A literatura revolucionária que acompanhava estes primeiros movimentos do proletariado era, pelo seu conteúdo, forçosamente, reaccionária. Preconizava um ascetismo geral e um igualitarismo grosseiro.
Os sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos, os sistemas de Saint-Simon, de Fourier, de Owen, etc., fazem o seu aparecimento no primeiro período da luta entre o proletariado e a burguesia, período descrito anteriormente (ver «Burgueses e Proletários»).
Os inventores destes sistemas, por certo, dão-se conta do antagonismo das classes, assim como da acção de elementos destruidores dentro da própria sociedade dominante. Mas não vêem do lado do proletariado, nenhuma iniciativa histórica, nenhum movimento político que lhe seja próprio.
Como o desenvolvimento do antagonismo de classes vai a par com o desenvolvimento da indústria, tão pouco podem encontrar as condições materiais da emancipação do proletariado, e lançam-se à procura de uma ciência social, de umas leis que permitam criar essas condições.
Em vez da acção social, têm que pôr a acção do seu próprio engenho; em vez das condições históricas da emancipação, condições fantásticas; em vez da organização gradual e espontânea do proletariado em classe, uma organização social por eles inventada. Para eles, a história futura do mundo reduz-se à propaganda e execução prática dos seus planos sociais.
Na confecção destes planos têm consciência, por certo, de defender antes de tudo os interesses da classe operária, porque ela é a classe que mais sofre. Para eles, o proletariado não existe, a não ser sob este aspecto da classe que mais sofre.
Mas a forma rudimentar da luta de classes, assim como a sua própria posição social, leva-os a considerar-se muito acima de todo o antagonismo de classes. Desejam melhorar as condições materiais de vida de todos os membros da sociedade, mesmo dos mais privilegiados. Por isso, não cessam de apelar para toda a sociedade, indiscriminadamente, e dirigem-se mesmo, de preferência, à classe dominante. Porque, na verdade, basta compreender o seu sistema para reconhecer que é o melhor de todos os planos possíveis da melhor de todas as sociedades possíveis.
Repudiam, por isso, toda a acção política e, sobretudo, toda a acção revolucionária; propõem-se alcançar o seu objectivo por meios pacíficos, tentando abrir caminho ao novo evangelho social pela força do exemplo, por meio de pequenas experiências que, naturalmente, fracassam sempre.
A pintura fantasista da sociedade futura, que surge numa época em que o proletariado, ainda muito pouco desenvolvido, encara a sua própria situação de uma maneira também fantasista, corresponde às primeiras aspirações instintivas dos operários no sentido de uma transformação completa da sociedade.
Mas estas obras socialistas e comunistas encerram também elementos críticos. Atacam todas as bases da sociedade existente. E deste modo forneceram, no seu tempo, materiais de grande valor para o esclarecimento dos operários. As suas teses positivas referentes à sociedade futura, tais como a supressão do antagonismo entre a cidade e o campo, a abolição da família, do lucro privado e do trabalho assalariado, a proclamação da harmonia social e a transformação do Estado numa simples administração da produção; todas estas teses não fazem mais do que enunciar o desaparecimento do antagonismo das classes, antagonismo que começa tão somente a esboçar-se e do qual os inventores de sistemas não conhecem ainda senão as primeiras formas indistintas e confusas. Assim, estas teses têm ainda um sentido puramente utópico.
A importância do socialismo e do comunismo crítico-utópico está na razão inversa do desenvolvimento histórico. À medida que a luta de classes se acentua e toma formas mais definidas, o esforço fantástico de abstrair-se dela, essa fantástica oposição que se lhe faz, perdem todo o valor prático, toda a justificação teórica. É por isso que, se em muitos aspectos os autores destes sistemas eram revolucionários, as seitas formadas pelos seus discípulos são sempre reaccionárias, pois se aferram às velhas concepções dos seus mestres, apesar do ulterior desenvolvimento histórico do proletariado. Procuram, pois, e nisso são consequentes, embotar a luta de classes e conciliar os antagonismos. Continuam a sonhar com a realização experimental das suas utopias sociais – estabelecimento de falanstérios isolados, criação de home-colonies, fundação de uma pequena Icária, edição in-12 da nova Jerusalém . E para a construção de todos estes castelos no ar vêem-se forçados a apelar para o coração e a bolsa dos filantropos burgueses. Pouco a pouco, vão caindo na categoria dos socialistas reaccionários ou conservadores descritos mais acima e só se distinguem deles por um pedantismo mais sistemático e uma fé mais supersticiosa e fanática na eficácia milagrosa da sua ciência social.
Por isso, opõem-se obstinadamente a todo o movimento político da classe operária, não podendo semelhante acção provir, a seu ver, senão de uma cega falta de fé no novo evangelho.
Os owenistas, em Inglaterra, reagem contra os cartistas, e os fourieristas, em França, contra os reformistas.
Depois do que dissemos no capítulo II, a posição dos comunistas em relação aos partidos operários já constituídos explica-se por si mesma, e, portanto, a sua posição em relação aos cartistas na Inglaterra e aos reformadores agrários na América do Norte.
Os comunistas lutam pelos interesses e objectivos imediatos da classe operária; mas ao mesmo tempo, representam e defendem também, dentro do movimento actual, o porvir desse movimento. Em França, os comunistas aliam-se ao Partido Democrático-Socialista contra a burguesia conservadora e radical, reservando-se, contudo, o direito de criticar a fraseologia e as ilusões legadas pela tradição revolucionária.
Na Suíça, apoiam os radicais, sem desconhecer que este partido se compõe de elementos contraditórios, uma metade de democratas-socialistas, na acepção francesa do termo, outra metade de burgueses radicais.
Na Polónia, os comunistas apoiam o partido que vê na revolução agrária a condição da liberdade nacional, quer dizer, o partido que fez, em 1846, a insurreição de Cracóvia.
Na Alemanha, o Partido Comunista luta de acordo com a burguesia, todas as vezes que a burguesia actua revolucionariamente contra a monarquia absoluta, a propriedade feudal da terra e a pequena burguesia reaccionária.
Porém, em nenhum momento, este partido se esquece de despertar nos operários a mais clara consciência do antagonismo violento que existe entre a burguesia e o proletariado, a fim de que os operários alemães saibam converter de imediato as condições políticas e sociais, criadas pelo regime burguês, noutras tantas armas contra a burguesia, a fim de que, logo que sejam destruídas as classes reaccionárias da Alemanha, comece imediatamente a luta contra a própria burguesia.
É sobretudo para a Alemanha que se volta a atenção dos comunistas, porque a Alemanha se encontra na véspera de uma revolução burguesa, porque ela levará a cabo esta revolução nas condições mais avançadas da civilização europeia e com um proletariado infinitamente mais desenvolvido do que a Inglaterra no século XVII e a França no século XVIII, e porque, por conseguinte, a revolução burguesa alemã não poderá deixar de ser o prelúdio imediato de uma revolução proletária.
Em suma, os comunistas apoiam em todos os países todo o movimento revolucionário contra a ordem social e política existente.
Em todos estes movimentos põem à frente a questão da propriedade, qualquer que seja a forma mais ou menos desenvolvida que revista, como a questão fundamental do movimento.
Finalmente, os comunistas trabalham para a união e o acordo entre os partidos democráticos de todos os países.
Os comunistas consideram indigno dissimular as suas ideias e propósitos. Proclamam abertamente que os seus objectivos só podem ser alcançados derrubando pela violência toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam ante a ideia de uma Revolução Comunista! Os proletários não têm nada a perder com ela, além das suas cadeias. Têm, em troca, um mundo a ganhar.
PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!
"esquerdismo" - a doença infantil do com
a catastrofe iminente e os meios de a co
a classe operária e o neo-malthusianismo
as possibilidades de êxito da guerra
as tarefas dos destacamentos do exército
carta ao comité de combate junto do comi
chile: lição para os revolucionários de
discurso radiodifundido em 3 de julho de
do socialismo utópico ao socialismo cien
editorial do bandeira vermelha nº1
imperialismo - estádio supremo do capita
jornadas sangrentas em moscovo
karl marx (breve esboço biográfico...
manifesto do partido comunista
mensagem do comité central à liga dos co
o exército revolucionário e o governo re
o materialismo dialéctico e o materialis
os ensinamentos da insurreição de moscov
para uma linha política revolucionária
pensar agir e viver como revolucionários
reorganizar o partido revolucionário do
sobre o que aconteceu com o rei de portu