O preço dos alimentos tem subido quase continuamente, enquanto o preço de bens manufacturados e de luxo tem quase continuamente caído. Observe-se o sector agrícola: os produtos mais indispensáveis, como a carne, o trigo, etc., aumentaram de preço, enquanto os preços do algodão, do açúcar, do café, etc. estão em queda numa proporção surpreendente. E mesmo entre os comestíveis, são os de luxo, como as alcachofras, os espargos, etc., que hoje são relativamente mais baratos do que os de primeira necessidade. Actualmente, o supérfluo é mais fácil de produzir do que o necessário. Finalmente, nas diferentes épocas históricos, as relações recíprocas de preços são não só diferentes, mas também opostas. Em toda a Idade Média, os produtos agrícolas foram relativamente mais baratos do que os produtos manufacturados mas, nos tempos modernos, eles estão na razão inversa. Isto significa que a utilidade dos produtos agrícolas tem diminuído desde a Idade Média?
A utilização de produtos é determinada pelas condições sociais em que os consumidores se encontram colocados, e essas condições baseiam-se no antagonismo entre classes.
O algodão, a batata e a aguardente são produtos do uso mais comum. As batatas geraram a escrófula; o algodão tem, em grande medida, expulsado o linho e a lã, embora a lã e o linho sejam, em muitos casos, de maior utilidade, ainda que apenas do ponto de vista da higiene; e, finalmente, a aguardente têm ganho vantagem sobre a cerveja e o vinho, embora o seu uso alimentar seja geralmente reconhecido como venenoso. Durante um século inteiro, os governos lutaram em vão contra o ópio europeu; a economia prevaleceu, e ditou as suas ordens ao consumo.
Por que são, então, o algodão, a batata e a aguardente eixos da sociedade burguesa? Porque é necessária menos quantidade de trabalho para produzi-los e, consequentemente, são mais baratos. Por que o preço mínimo determina o consumo máximo? Acaso é por causa da utilidade absoluta desses produtos, da sua utilidade intrínseca, que correspondem, da maneira mais útil, às necessidades do operário como homem, e não do homem como operário? Não: é porque, numa sociedade fundada na miséria, os produtos mais miseráveis têm a prerrogativa fatal de servirem ao uso da grande maioria.
Dizer que as coisas mais baratas têm maior utilidade porque são as mais usadas, é o mesmo que dizer que o amplo uso da aguardente, por causa de seu baixo custo de produção, é a prova mais conclusiva da sua utilidade; significa dizer ao proletário que a batata é mais saudável que a carne; significa aceitar o presente estado de coisas; é, em suma, glorificar, como o Sr. Proudhon, uma sociedade sem compreendê-la.
Numa sociedade futura, na qual o antagonismo entre classes tenha cessado, onde não existam sequer classes, o uso deixará de ser determinado pelo tempo de produção que é o mínimo, mas o tempo dedicado à produção de cada artigo será determinada pelo grau de sua utilidade social.
Voltando à tese do Sr. Proudhon: no momento em que o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo deixa de ser a expressão do seu grau de utilidade, o seu valor de troca, determinado de antemão pelo tempo de trabalho incorporado no mesmo, torna-se bastante útil para regular a verdadeira relação entre a oferta e a procura, isto é, a relação de proporcionalidade, no sentido que o Sr. Proudhon agora lhe atribui.
Não é a venda de um determinado produto ao preço do custo de produção que constitui a "relação de proporcionalidade" entre a oferta e a procura ou a parte proporcional do produto relativa ao total da produção; são as variações na oferta e na procura que mostram ao produtor que quantidade de uma determinada mercadoria deve produzir para receber em troca, pelo menos, o custo de produção. E como estas variações são contínuas, ocorrem também movimentos contínuos de retirada e aplicação de capital nos diferentes ramos da indústria.
"É apenas em consequência de tais variações que o capital é aplicado, precisamente na proporção necessária e não mais, na produção dos diferentes produtos que têm procura. Com a alta e a baixa de preços, os lucros sobem acima e descem abaixo do seu nível geral, e o capital ou é incentivado a entrar, ou é avisado para se afastar do emprego específico em que a variação tenha ocorrido. Quando se olha para os mercados de uma grande cidade, e se observa como são fornecidos regularmente de mercadorias, tanto nacionais como estrangeiras, na quantidade requerida, em todas as circunstâncias de variação da procura, decorrentes quer do capricho do gosto quer de uma alteração na quantidade de população, sem produzir com frequência quer efeitos de excesso por fonte muito abundante, quer preços muito altos por fornecimento pequeno em relação à procura, tem que se reconhecer que o princípio que reparte o capital por cada ramo da indústria na proporção exacta necessária, é mais activo do que geralmente se supõe.” (Ricardo, Vol.I, pp.105 e 108)
Se o Sr. Proudhon admite que o valor dos produtos é determinado pelo tempo de trabalho, então deve igualmente admitir que é apenas o movimento oscilatório que, na sociedade fundada em trocas individuais, faz do trabalho a medida do valor. Não há "relação de proporcionalidade" pronta a usar, constituída, mas apenas um movimento constituinte.
Acabámos de ver em que sentido é correcto falar de "proporcionalidade" como consequência de um valor determinado pelo tempo de trabalho. Veremos agora como esta medida pelo tempo, chamada pelo Sr. Proudhon "lei de proporcionalidade", se transforma em lei de desproporcionalidade.
Cada nova invenção, que permita a produção numa hora daquilo que antes era produzido em duas, deprecia todos os produtos semelhantes no mercado. A concorrência força o produtor a vender o produto de duas horas tão barato quanto o produto de uma hora. A concorrência realiza a lei segundo a qual o valor relativo de um produto é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzi-lo. O tempo de trabalho que serve como medida do valor venal torna-se desta forma na lei da depreciação contínua do trabalho. Diremos mais: haverá depreciação não só das mercadorias introduzidas no mercado, mas também dos instrumentos de produção e de toda a fábrica. Este facto foi já apontado por Ricardo quando disse:
"Ao aumentar constantemente a facilidade de produção, diminuímos constantemente o valor de alguns dos produtos antes produzidos." (Vol.II, p.59)
Sismondi vai mais longe: vê, neste "valor constituído" pelo tempo de trabalho, a fonte de todas as contradições da indústria e do comércio modernos.
"O valor mercantil", diz ele, "é sempre determinado a longo prazo, pela quantidade de trabalho necessário para obter a coisa avaliada: não o que realmente custa, mas o que talvez custaria com meios, a partir de hoje, mais aperfeiçoados, e esta quantidade, embora difícil de avaliar, é sempre fielmente estabelecida pela competição.... É nesta base que são calculadas tanto a procura pelo vendedor, como a oferta pelo comprador. O primeiro declara, talvez, que a coisa lhe custou 10 dias de trabalho, mas se o outro percebe que pode passar a ser produzida em oito dias de trabalho e a concorrência provar isso às duas partes contratantes, o valor será reduzido e o preço de mercado fixado em apenas oito dias. Claro que cada uma das partes acredita que a coisa é útil, que é desejada e que sem desejo não haveria venda, mas a fixação do preço nada tem a ver com a utilidade". (Etudes, etc. , Vol.II, p.267)
É importante salientar este ponto: o que determina o valor não é o tempo necessário para produzir uma coisa, mas o tempo mínimo em que poderia ser produzida, e este mínimo é determinado pela concorrência. Suponhamos, por um momento, que deixa de haver concorrência e, consequentemente, deixa de haver um meio para determinar o mínimo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria; o que acontecerá? Bastará aplicar seis horas de trabalho na produção de um objecto para, de acordo com o Sr. Proudhon, poder exigir em troca seis vezes mais do que quem aplicou apenas uma hora na produção do mesmo objecto.
Em vez de uma "relação de proporcionalidade", temos uma relação de desproporcionalidade, se insistirmos em entrar em relações, boas ou más.
A depreciação contínua do trabalho é apenas um aspecto, uma das consequências da avaliação das mercadorias pelo tempo de trabalho. O aumento excessivo de preços, a superprodução e muitos outros expedientes da anarquia industrial têm a explicação neste modo de avaliação.
Mas o tempo de trabalho usado como medida do valor dá, pelo menos, origem à variedade proporcional de produtos que tanto deleita o Sr. Proudhon?
Muito pelo contrário: o monopólio, com a sua monotonia, segue na sua esteira e invade o mundo dos produtos, assim como invadiu, à vista de todos, o mundo dos instrumentos de produção. É apenas em alguns ramos da indústria, como a indústria do algodão, que se pode fazer um progresso muito rápido. A consequência natural desse progresso é que os produtos do fabrico de algodão caem rapidamente de preço; mas como o preço do algodão desce, o preço do linho será substituído pelo do algodão. Foi desta forma que o linho foi expulso de quase toda a América do Norte. E obteve-se, em vez da variedade proporcional de produtos, a dominância do algodão.
O que resta da "relação de proporcionalidade"? Nada, além do desejo piedoso de um homem honesto que gostaria que as mercadorias fossem produzidas em proporções que permitissem ser vendidas a um preço honesto. Os burgueses de boa índole e os economistas filantropos sempre gostaram de expressar esse desejo inocente.
Ouçamos o que o velho Boisguillebert diz:
"O preço das mercadorias", diz ele, "deve ser sempre proporcional, pois é este entendimento mútuo que pode permitir-lhes coexistir de modo a trocarem-se entre si em qualquer momento [aqui está a permutabilidade contínua do Sr. Proudhon] e reciprocamente se reproduzirem. ... Na medida em que a riqueza nada mais é que este intercâmbio permanente entre homens, entre profissões, etc., é uma cegueira terrível procurar a causa da miséria fora do fim de tal tráfego provocado por desordem na proporcionalidade dos preços.” (Dissertation sur la nature des richesses, ed Daire da. [pp.405 e 408] Este trabalho de Boisguillebert é citado a partir da antologia Economistes-Financiers du XVIII siècle. Précédés de Notes Historiques sur Chaque Auteur et Accompagnés de Commentaires et de Notes Explicatives par Eugene Daire, Paris 1843).
Ouçamos também um economista moderno:
"A grande lei que se deve aplicar à produção é a lei da proporcionalidade, a única que pode preservar a continuidade do valor. ... O equivalente deve ser garantido... Todas as nações tentaram, em vários períodos de sua história, instituir diversos regulamentos e restrições comerciais, para realizar, em algum grau, o objectivo aqui explicado... mas o egoísmo inerente à natureza do homem... exortou-o a quebrar todas essas regulamentações. Uma produção proporcional é a realização de toda a verdade da ciência da Economia Social.” (W. Atkinson, Princípios de Economia Política… , Londres 1840, pp.170-95)
Fuit Troja! [Tróia já não existe!] Esta justa proporção entre a oferta e a procura, que volta a ser objecto do voto de tantos, deixou há muito de existir. Passou a velharia. Só foi possível enquanto os meios de produção foram limitados, enquanto a troca ocorreu dentro de limites muito estreitos. Com o nascimento da grande indústria, esta justa proporção teve de acabar, e a produção vê-se inevitavelmente compelida a passar, numa sucessão contínua, pelas vicissitudes da prosperidade, estagnação, crise, depressão, nova prosperidade, e assim por diante.
Aqueles que, como Sismondi, têm o desejo de retornar à justa proporção da produção preservando a base actual da sociedade, são reaccionários porque, para serem coerentes, deveriam também querer restabelecer todas as outras condições da indústria dos tempos passados.
O que manteve a produção nas proporções justas ou quase justas? Uma procura que determinava a oferta e a precedia. A produção seguia de perto o consumo. A grande indústria, forçada pelos instrumentos à sua disposição a produzir em escala sempre crescente, não pode esperar pela procura. A produção precede o consumo, a oferta pressiona a procura.
Na sociedade actual, na indústria com base na troca individual, a anarquia da produção, que é fonte de tanto sofrimento, é, ao mesmo tempo, a fonte de todo o progresso.
Assim, das duas uma:
- ou quer-se a justa proporção dos séculos passados com os meios de produção actuais, e é-se ao mesmo tempo reaccionário e utópico.
- ou quer-se progresso sem anarquia e, nesse caso, para preservar as forças produtivas, é-se obrigado a abandonar a troca individual.
A troca individual só é compatível com a pequena indústria dos séculos passados, e o seu corolário de " justa proporção ", ou com a grande indústria e o seu cortejo de miséria e anarquia.
Afinal de contas, a determinação do valor pelo tempo de trabalho – a fórmula que o Sr. Proudhon aponta como fórmula regeneradora do futuro – não passa da expressão científica das relações económicas da sociedade actual, como foi demonstrado clara e precisamente por Ricardo muito antes do Sr. Proudhon.
Mas será que, pelo menos, o adjectivo "igualitário" desta fórmula pertence ao Sr. Proudhon? Não será ele o primeiro a pensar reformar a sociedade transformando todos os homens em trabalhadores reais que trocam entre si quantidades iguais de trabalho? Não terá ele o direito de censurar os comunistas – essa gente carente de todo o conhecimento de economia política, esses "homens obstinadamente tolos", esses "sonhadores do paraíso" – por não terem encontrado, antes dele, esta solução "do problema do proletariado"?
Qualquer pessoa que esteja de alguma forma familiarizada com as correntes da economia política na Inglaterra não pode deixar de saber que quase todos os socialistas desse país têm, em diferentes períodos, proposto a aplicação igualitária da teoria ricardiana. Poderíamos citar ao Sr. Proudhon: Economia Política de Hodgskin, 1827; An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth, most conducive to Human Happiness de William Thompson, 1824; TR Edmonds: Practical Moral and Political Economy, 1828, etc., etc., e mais quatro páginas de etc.s. Contentamo-nos em fazer ouvir um comunista Inglês, o Sr. Bray. Citaremos passagens decisivas da sua notável obra, Labour's Wrongs and Labour's Remedy, Leeds, 1839, e vamos dedicar-lhe algum tempo, em primeiro lugar, porque o Sr. Bray ainda é pouco conhecido na França, e em segundo lugar, porque pensamos ter descoberto nela a chave para as obras passadas, presentes e futuras do Sr. Proudhon.
"A única maneira de chegar à verdade é abordar frontalmente os primeiros princípios ... Vamos ... directamente à fonte de onde os governos têm surgido ... Indo assim à origem da coisa, veremos que cada forma de governo, e toda a injustiça social e governamental, tem origem no sistema social existente – da instituição da propriedade tal como existe actualmente – e que, portanto, se quisermos acabar com as actuais injustiças e misérias de uma vez e para sempre, as actuais disposições da sociedade devem ser totalmente subvertidas ... Combatendo os economistas no seu próprio campo, e com as suas próprias armas, evita-se o barulho sem sentido sobre visionários e teóricos, com o qual estão sempre prontos a atacar quem se atreve a dar um passo fora da trilha que “a autoridade” pronunciou ser a certa. A não ser que se retractem ou contestem as verdades estabelecidas e os princípios em que os seus argumentos são fundados, os economistas não poderão rejeitar as conclusões a que chegámos por tal método.” (Bray, pp.17 e 41)
"Só o trabalho confere valor ... Cada homem tem o direito inquestionável a tudo o que pode obter com trabalho honesto. Quando assim se apropria dos frutos de seu trabalho, não comete nenhuma injustiça contra qualquer outro ser humano, pois não interfere com direito a nenhum outro homem de fazer o mesmo ... Todas as ideias de superioridade – do patrão sobre o homem – podem ser atribuídas à negligência dos primeiros princípios, e ao consequente aumento da desigualdade de posses, e tais ideias não serão subvertidas se essa desigualdade se mantiver. Os homens mantêm uma esperança cega de poder corrigir o actual estado natural das coisas ... destruindo a desigualdade existente, mas ver-se-á em breve ... que o desgoverno não é uma causa, mas uma consequência – que não é o criador, mas o criado – que é um resultado da desigualdade de posses, e que a desigualdade de posses está ligada inseparavelmente ao sistema social actual ".(Bray, pp.33, 36 e 37)
"Um sistema de igualdade não só tem do seu lado as maiores vantagens como também é de estrita justiça... Cada homem é um elo, numa cadeia de efeitos que parte duma ideia, e no final, talvez, conduza à produção de uma peça de tecido. Assim, embora se possa entreter sentimentos diferentes pelas várias profissões, isso não significa que um trabalho deva ser melhor remunerado que outro. O inventor nunca deixará de receber, além da sua justa recompensa pecuniária, o que o génio só pode obter de nós – o tributo da nossa admiração ...." (Bray, p.45)
"Pela própria natureza do trabalho e da troca, uma estrita justiça requer que todos os trocadores devam ser não só mutuamente mas também igualmente beneficiados. Os homens têm apenas duas coisas que podem trocar entre si, a saber, o trabalho e o produto do trabalho ... Se as trocas se efectuassem segundo um sistema justo, o valor dos artigos seria determinado pelo custo total de produção, e valores iguais seriam sempre trocados por valores iguais. Se, por exemplo, um chapeleiro levasse um dia para fazer um chapéu, e um sapateiro o mesmo tempo para fazer um par de sapatos – supondo a matéria-prima empregue por cada um de igual valor – e se trocarem estes artigos entre si, os benefícios são não só mútuos, mas também iguais: a vantagem obtida por qualquer das partes não pode constituir uma desvantagem para a outra, porque cada um forneceu a mesma quantidade de trabalho, e os materiais usados por cada um foram de igual valor. Mas se o chapeleiro obtivesse dois pares de sapatos por um chapéu – com o tempo e o valor dos materiais como antes – a troca seria claramente injusta. O chapeleiro usurparia o trabalho de um dia ao sapateiro, e se agisse assim em todas as suas trocas, iria receber, pelo trabalho de meio ano, o produto do trabalho de um ano inteiro de outra pessoa. Tem-se, até agora, posto em prática o sistema mais injusto de trocas – os trabalhadores fornecem o capitalista com o trabalho de um ano inteiro, em troca do valor de apenas metade de um ano – e é disso, e não de uma desigualdade de forças físicas e intelectuais entre indivíduos, que surgiu a desigualdade de riqueza e poder que, actualmente, existe. Esta desigualdade de trocas – de comprar por um preço e vender por outro – é inevitável enquanto os capitalistas continuarem a ser capitalistas, e os trabalhadores permanecerem trabalhadores – uns, uma classe de tiranos e, os outros, uma classe de escravos ... portanto, esta transacção prova claramente que os capitalistas e os proprietários apenas oferecem ao trabalhador, pelo trabalho de uma semana, uma parte da riqueza que dele obtiveram uma semana antes! – ou seja, dão-lhe nada por alguma coisa ... A transacção entre o trabalhador e o capitalista é um engano concreto, uma mera farsa: não passa, de facto e em muitas circunstâncias, de um roubo descarado embora legalizado." (Bray, pp.45, 48, 49 e 50)
"... o lucro do empregador nunca deixará de ser uma perda do trabalhador até que as trocas entre as partes sejam iguais, e as trocas nunca podem ser iguais, enquanto a sociedade for dividida em capitalistas e produtores – estes a viverem do seu trabalho e os primeiros a incharem do lucro desse trabalho. É claro que, estabelecer qualquer forma de governo que pregue a moral e o amor fraterno ... não faz existir reciprocidade onde há trocas desiguais. A desigualdade nas trocas, como causa da desigualdade de posses, é o inimigo secreto que nos devora.” (Bray, pp.51 e 52)
"Tem sido deduzido, também, a partir da consideração sobre a finalidade e a utilidade da sociedade, não só que todos os homens devem trabalhar e, assim, poder trocar, e que valores iguais devem sempre trocar-se por valores iguais – e que, como o ganho de um homem nunca deve ser a perda de um outro, o valor deve ser determinado pelo custo de produção. Mas vimos que, sob o regime social actual ... o ganho do capitalista e do homem rico é sempre a perda do trabalhador – resultado que ocorre invariavelmente, com o homem pobre deixado inteiramente à mercê do homem rico, qualquer que seja a forma de governo enquanto subsistir desigualdade nas trocas – e que a igualdade nas trocas só pode ser assegurada em regimes sociais em que o trabalho é universal .... Se existir igualdade nas trocas, a riqueza dos capitalistas actuais passará, gradualmente, destes para as classes trabalhadoras." (Bray, pp.53-55)
"Enquanto o sistema de desigualdade nas trocas for tolerado, os produtores serão sempre tão pobres, tão ignorantes e tão sobrecarregados com trabalho, como são hoje, mesmo que sejam abolidas todos os impostos e eliminadas todas as taxas ... somente uma mudança total do sistema – igualdade no trabalho e nas trocas – pode alterar este estado de direito ... Os produtores só têm que fazer um esforço – e são eles que devem fazer todos os esforços para a sua própria redenção – e as suas cadeias serão rompidas para sempre ... Como objectivo, a igualdade política é um fracasso; como meio, fracasso é.” (Bray, pp.67, 88-89, 94)
"Onde é mantida a igualdade nas trocas, o ganho de um homem nunca é a perda de outro, pois cada troca é, nessas condições, simplesmente uma transferência, e não um sacrifício de trabalho e de riqueza. Assim, sob um sistema social baseado na igualdade nas trocas, um homem parcimonioso pode tornar-se rico, mas a sua riqueza não será mais do que o produto acumulado do seu próprio trabalho. Pode trocar a sua riqueza, ou pode doá-la ... mas é impossível um homem rico continuar rico por um período mais longo se deixar de trabalhar. Sob igualdade nas trocas, a riqueza não consegue ter, como agora tem, um poder procriador aparentemente auto-gerado, como o de repor-se quando é consumida; pois, a menos que seja renovada pelo trabalho, a riqueza, uma vez consumida, perde-se em definitivo. Aquilo que hoje se chama lucros e juros não pode existir como tal se existir igualdade nas trocas; o produtor e o distribuidor serão igualmente remunerados, e a soma destes trabalhos determinará o valor total do artigo criado e posto à disposição do consumidor ...
"O princípio da igualdade nas trocas, pela sua própria natureza, determina, portanto, a garantia do trabalho universal." (Bray, pp.109-110)
Depois de refutar as objecções dos economistas contra o comunismo, o Sr. Bray prossegue:
"Se uma mudança de carácter é essencial para o sucesso de um sistema social da comunidade na sua forma mais perfeita – para mais quando o presente sistema não proporciona nem circunstâncias nem facilidades para se efectuar essa mudança necessária de carácter e preparar o homem para o estado maior e melhor desejado – é evidente que estas coisas necessariamente permanecem como estão .... a não ser que se descubra e se aplique algum passo preparatório – um movimento composto em parte do sistema presente e em parte do desejado –, um estágio intermédio, ao qual a sociedade possa chegar, com todos os seus defeitos e loucuras, e do qual possa avançar, imbuída das qualidades e atributos sem os quais o sistema de comunidade e de igualdade não pode, como tal, ter existência.” (Bray, p.134)
"Todo este movimento exigiria apenas a cooperação na sua forma mais simples .... Os custos de produção determinariam, em todas as circunstâncias, o valor dos produtos, e as trocas realizar-se-iam sempre entre valores iguais. Se uma pessoa trabalhasse uma semana inteira, e outra apenas meia semana, a primeira receberia o dobro da remuneração da segunda; mas o pagamento excedente de uma não seria feito à custa da outra, nem a perda sofrida pela segunda cairia em benefício da primeira. Cada pessoa trocaria o salário que recebeu individualmente por mercadorias do mesmo valor, e em nenhum caso poderia o ganho de um homem ou de um comércio ser uma perda para outro homem ou outro comércio. O trabalho de cada indivíduo seria a única medida dos seus ganhos e das suas perdas ... (Bray, pp.158 e 160)
"... Através de escritórios comerciais gerais e locais... as quantidades das diversas mercadorias necessárias ao consumo, o valor relativo de cada uma em relação às outras, o número de operários a empregar em cada função e cada ramo do trabalho, e todas as outras questões relacionadas com a produção e distribuição, poderiam, num curto espaço de tempo ser tão facilmente determinados para uma nação como o são para uma empresa individual sob o regime presente ... Da mesma forma que no sistema existente, os indivíduos agrupar-se-iam em famílias, e as famílias em comunas. Não haveria interferência directa na distribuição actual de pessoas entre cidade e campo, apesar desta ser má, .... Sob este sistema de acções comunitárias cada indivíduo teria a liberdade de acumular tanto quanto quisesse, e de desfrutar de tal acumulação quando e onde pensasse ser adequado, da mesma forma que sob o sistema actualmente existente, ... A nossa sociedade seria, por assim dizer, uma grande holding, composta por um número infinito de pequenas empresas todas trabalhando, produzindo e trocando os seus produtos sob o pé da mais perfeita igualdade... E a mudança para acções comunitárias (que nada mais é que uma concessão da sociedade actual, a fim de alcançar o comunismo), por ser estabelecida de forma a admitir a propriedade individual dos produtos em conexão com a propriedade comum das forças produtivas – e fazer todos os indivíduos dependentes dos seus próprios esforços, ao mesmo tempo, que lhes permite uma participação igualitária em todas as vantagens proporcionadas pela natureza e pela arte – está equipada para ser aplicada à sociedade tal como esta é, e para preparar o caminho para outras e melhores transformações". (Bray, pp. 162, 163, 168, 170 e 194)
Bastam poucas palavras para responder ao Sr. Bray que, sem nós e apesar de nós, suplantou o Sr. Proudhon, com a diferença de que o Sr. Bray, longe de reivindicar a última palavra em nome da humanidade, apenas propõe medidas que acha boas para um período de transição entre a sociedade actual e um regime de comunidade.
Uma hora de trabalho de Pedro troca-se por uma hora de trabalho de Paulo. Este é axioma fundamental do Sr. Bray.
Suponhamos que Pedro tem 12 horas de trabalho a seu favor, e Paulo apenas seis. Pedro terá, consequentemente, seis horas de trabalho de sobra. O que fará com elas?
Ou não fará nada com eles – caso em que terá trabalhado seis horas inutilmente – ou fica ocioso por outras seis horas para chegar ao equilíbrio, ou então, como último recurso, vai dar o trabalho dessas seis horas a Paulo, já que para ele não tem utilidade.
O que, no final, vai Pedro ganhar mais que Paulo? Algumas horas de trabalho? Não! Terá ganho apenas algumas horas de lazer; será forçado à preguiça por seis horas. E para que este novo direito ao ócio possa ser não só apreciado, mas também popular na nova sociedade, esta teria que encontrar a mais alta felicidade na preguiça, e olhar para o trabalho como um castigo do qual deve livrar-se a qualquer custo. E, voltando ao nosso exemplo, se, ao menos, essas horas de lazer que Pedro tinha ganho em relação a Paulo fossem realmente um ganho! Nem isso. Paulo, começando por trabalhar apenas seis horas, atinge pelo trabalho constante e regular o resultado que Pedro apenas assegura começando com um excesso de trabalho. Todos vão querer ser Paulo, haverá competição para conquistar o lugar de Paulo, uma competição na preguiça.
Pois bem! O que nos trouxe a troca de quantidades iguais de trabalho? Depreciação, superprodução, excesso de trabalho, seguido de desemprego, enfim, as relações económicas, como as vemos na sociedade actual, excepto a concorrência pelo trabalho.
Mas não! Estamos errados! Há ainda um expediente que pode salvar essa nova sociedade de Pedros e Paulos. Pedro consumirá sozinho o produto do trabalho de seis horas que lhe resta. Mas a partir do momento em que deixa de trocar porque produziu, não tem necessidade de produzir para trocar, e toda a hipótese de uma sociedade fundada sobre a troca e a divisão do trabalho cairá ao chão. Salva-se a igualdade nas trocas simplesmente devido ao facto das trocas deixarem de existir: Paulo e Pedro ficam na posição de Robinson.
Portanto, supondo todos os membros da sociedade trabalhadores imediatos, a troca de quantidades iguais de horas de trabalho só é possível na condição de o número de horas a usar na produção material ser acordado de antemão. Mas um tal acordo nega a troca individual.
Obtém-se o mesmo resultado, tomando como ponto de partida não a distribuição de produtos, mas o acto de produzir. Na indústria em grande escala, Pedro não é livre de fixar para si mesmo o tempo de trabalho, já que este não vale nada sem a cooperação de todos os Pedros e de todos os Paulos que formam a fábrica. É isto que explica muito bem a resistência obstinada dos proprietários das fábricas inglesas à Lei das Dez Horas. Eles sabiam perfeitamente que uma redução de duas horas na jornada de trabalho concedida a mulheres e crianças implicaria uma redução igual nas horas de trabalho dos homens adultos. É da natureza da grande indústria que o horário de trabalho seja igual para todos. O que hoje resulta do capital e da concorrência dos operários entre si será amanhã, rompendo a relação entre trabalho e capital, a consequência de uma convenção com base na relação entre a soma das forças produtivas e a soma das necessidades existentes.
Mas uma tal convenção é uma condenação da troca individual, e assim chegamos à nossa primeira conclusão!
A princípio, não há troca de produtos; há troca de trabalhos que concorrem para a produção. O modo de troca de produtos depende do modo de troca das forças produtivas. No geral, a forma de troca de produtos corresponde à forma de produção. Altere-se esta última, e a primeira mudará em consequência. Assim, na história da sociedade, vemos que o modo de troca dos produtos é regulado pelo modo de os produzir. A troca individual corresponde também a um dado modo de produção que corresponde à existência de antagonismos entre classes. Assim, não há troca individual sem antagonismo entre classes.
Mas consciências honestas recusam esta evidência. Quando se é burguês, não se pode ver, nessa relação de antagonismo, mais que uma relação de harmonia e justiça eterna, que não permite a ninguém ganhar à custa de outro. Para o burguês a troca individual pode existir sem qualquer antagonismo de classes: para ele, estas são duas coisas completamente dispares. A troca individual, tal como a burguesia a representa, está longe de ser semelhante à troca individual tal como é praticada.
O Sr. Bray faz da ilusão da respeitável burguesia o ideal que gostaria de alcançar. Ele vê, na troca individual purificada, livre de todos os elementos de antagonismo que encontra nela, uma relação "igualitária" que quereria a sociedade adoptasse.
Sr. Bray não vê que essa relação igualitária, esse ideal correctivo que gostaria de aplicar ao mundo, é, em si mesmo, um reflexo do mundo real, e que, portanto, é totalmente impossível reconstituir a sociedade sobre a base do que é apenas uma sombra embelezada de si mesma. Conforme esta sombra se vai materializando, percebemos que o resultado, longe de ser a transfiguração sonhada, é o corpo real da sociedade.[1]
3. Aplicação da lei da proporcionalidade do valor
[1] A teoria do Sr. Bray, como todas as teorias, tem encontrado adeptos que se deixaram enganar pelas aparências. Foram criadas em Londres, Sheffield, Leeds e muitas outras cidades da Inglaterra lojas para a justa troca de produtos do trabalho. Estas lojas faliram escandalosamente depois de terem absorvido um capital considerável. O gosto por elas passou definitivamente: este é um aviso, M. Proudhon! [Nota de Marx]
Sabe-se que Proudhon não tomou esta advertência a sério. Em 1849 ele mesmo fez uma tentativa com um novo banco de trocas em Paris. O banco, entretanto, faliu antes de iniciar actividade: perseguições judiciais a Proudhon encobriram este colapso. [Nota de Engels à edição alemã 1885]
“O valor (venal) é a pedra angular do edifício económico” (T1, p. 90). O valor "constituído" é a pedra angular do sistema de contradições económicas.
O que é, então, este "valor constituído", a descoberta do Sr. Proudhon em economia política?
Uma vez admitida a utilidade, o trabalho é a fonte de todo o valor. A medida do trabalho é o tempo. O valor relativo dos produtos é determinado pelo tempo de trabalho necessário para a sua produção. O preço é a expressão monetária do valor relativo de um produto. Finalmente, o valor constituído de um produto é, pura e simplesmente, o valor que se constitui pelo tempo de trabalho nele incorporado.
Assim como Adam Smith descobriu a divisão do trabalho, o Sr. Proudhon afirma ter descoberto o "valor constituído". Não se trata exactamente de "algo inédito", mas também se deve admitir que nada há de inédito em qualquer descoberta da ciência económica. Mas, o Sr. Proudhon, que reconhece toda a importância de sua própria invenção, procura atenuar o próprio mérito "a fim de tranquilizar o leitor acerca das suas pretensões à originalidade, e para conquistar os espíritos cuja timidez os torna pouco favorável às ideias novas". No entanto, à medida que reparte por cada um de seus antecessores as contribuições para a compreensão do valor, vê-se obrigado a confessar abertamente que a maior parte, a parte do leão, do mérito recai sobre si mesmo.
"A ideia sintética de valor,… foi vagamente percebida por A. Smith...
Mas esta ideia de valor era totalmente intuitiva em Adam Smith; ora, a sociedade não modifica os seus hábitos apenas por intuições, ela decide-se apenas sob a autoridade dos factos. Era preciso que a antinomia se exprimisse de uma maneira mais sensível e mais nítida e J. B. Say foi o seu principal intérprete". [I, 66]
Eis a história completa da descoberta do valor sintético: Adam Smith – vaga intuição; JB Say – antinomia; ao Sr. Proudhon – a verdade constituinte e "constituída". E que ninguém se equivoque: todos os outros economistas, de Say a Proudhon, apenas se arrastaram na trilha da antinomia.
"É incrível que tantos homens de bom senso se agitem há mais de quarenta anos contra uma ideia tão simples. Mas não: a comparação de valores efectua-se sem que haja entre eles qualquer ponto de comparação e sem unidade de medida. Eis o que os economistas do séc. XIX resolveram sustentar contra tudo e contra todos, ao invés de abraçar a teoria revolucionária da igualdade. O que dirá disso a posteridade?" (Vol.I, p.68)
A posteridade, tão abruptamente invocado, começará por ficar confusa com a cronologia. Ela é obrigada a perguntar-se: não são Ricardo e os economistas da sua escola do século XIX? O sistema de Ricardo, fundado no princípio segundo o qual "o valor relativo das mercadorias corresponde exclusivamente à quantidade de trabalho requerido para a sua produção", remonta a 1817. Ricardo lidera uma escola dominante na Inglaterra desde a Restauração. [A Restauração começou após o término das guerras napoleónicas e da restauração da dinastia Bourbon na França, em 1815] A doutrina ricardiana resume severamente, sem piedade, o ponto de vista de toda a burguesia inglesa, que é, em si mesma, o modelo da burguesia moderna. "O que dirá disso a posteridade?" Ninguém dirá que o Sr. Proudhon não sabia de Ricardo, pois fala, e muito, sobre ele, concluindo que o sistema dele é uma "mistura incoerente". Se alguma vez a posteridade intervier nisto, talvez diga que o Sr. Proudhon, com medo de ofender a anglofobia dos seus leitores, preferiu fazer-se o editor responsável das ideias de Ricardo. Em qualquer caso, parecerá à posteridade muito ingénuo que o Sr. Proudhon exiba como "teoria revolucionária do futuro" o que Ricardo expôs cientificamente como a teoria da sociedade actual, da sociedade burguesa, bem como o facto de considerar como a solução da antinomia entre a utilidade e o valor de troca aquilo que Ricardo e sua escola apresentaram, muito antes dele, como a fórmula científica de um único termo dessa antinomia, do valor de troca. Mas deixemos de lado a posteridade, de uma vez por todas, e confrontemos o Sr. Proudhon com o seu predecessor Ricardo. Eis alguns trechos deste autor que resumem a sua doutrina sobre o valor:
"Não é… a utilidade que é a medida do valor de troca, embora lhe seja absolutamente essencial" (Vol.I, p. 3, Principes de l'économie politique, etc., traduzido do Inglês por F.S. Constancio, Paris 1835)
"As mercadorias possuindo utilidade, o seu valor de troca deriva de duas fontes: da sua escassez, e da quantidade de trabalho necessária para obtê-las. Existem alguns produtos cujo valor é determinado apenas pela sua escassez. Como não há trabalho que possa aumentar a quantidade de tais bens, o seu valor não se pode baixar aumentando a oferta. É o caso de estátuas, de pinturas preciosas, etc. em que o valor varia de acordo com a riqueza, o gosto e o humor dos que desejam possuí-las.” (Vol.I, pp.4 e 5)
"Estes produtos, no entanto, formam uma parte muito pequena da massa de mercadorias trocada diariamente. São, de longe, a maior parte dos bens objecto de desejo, os que são produtos da indústria, e podem ser multiplicados, não num só país, mas em vários, e, querendo dispor do trabalho necessário para produzi-los, quase sem limite atribuível." (Vol.I, p. 5)
"Portanto, ao falar de mercadorias, do seu valor de troca e das leis que regulam os seus preços relativos, queremos falar dos produtos cuja quantidade pode ser aumentada pelo esforço da indústria humana, e em cuja produção a concorrência opera sem restrição.” (Vol.I, p. 5)
Ricardo cita Adam Smith, que, segundo o próprio, "definiu com grande precisão a fonte original do valor de troca" (Adam Smith, Riqueza das Nações, Livro I, Cap. 5 [Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, edição aparecida em Londres em primeiro lugar, 1776]), e acrescenta:
"Que este [ou seja, o tempo de trabalho] é realmente a base do valor de troca de todas as coisas, com excepção daquelas que não podem ser multiplicadas pela indústria humana, é uma doutrina de extrema importância na economia política, pois não existe outra fonte maior de erros, e de diferença de opinião nesta ciência, do que a que parte de ideias vagas ligadas à palavra valor.” (Vol.I, p.8)
"Se a quantidade de trabalho fixado nas mercadorias regular o seu valor de troca, a cada aumento da quantidade de trabalho exercido numa mercadoria deve corresponder um crescimento do seu valor, da mesma forma que a toda diminuição deve corresponder uma redução." (Vol.I, p.8)
Ricardo continua, censurando Smith:
1. Por "erigir outra medida padrão de valor diferente do trabalho. Por vezes fala de valor do grão, por vezes da quantidade de trabalho que pode comprar algo, etc." (Vol.I, pp.9 e 10)
2. Por "admitir o princípio, sem reservas, e, ao mesmo tempo, restringir a sua aplicação ao estado primitivo e rude da sociedade que precede a acumulação de capitais e da propriedade privada da terra." (Vol.I, p.21)
Ricardo prepara-se para provar que a propriedade da terra, isto é, a renda da terra, não pode alterar o valor relativo dos produtos agrícolas e que a acumulação de capital tem apenas um efeito passageiro e perturbador nos valores relativos que são determinados pela quantidade comparativa de trabalho despendido na sua produção. Em apoio desta tese, formula a sua famosa teoria da renda da terra, analisa o capital, e acaba por encontrar nele apenas trabalho acumulado. Em seguida, desenvolve toda uma teoria do salário e do lucro, demonstrando que salários e lucros sobem e descem na razão inversa uns dos outros, sem afectar o valor relativo do produto. Ele não negligencia a influência que a acumulação de capital e seus diferentes aspectos (capital fixo e capital circulante), como também a taxa de salários, podem exercer sobre o valor proporcional dos produtos. Na verdade, estes são os principais problemas com que Ricardo se ocupa.
"Nunca a economia no uso de trabalho deixa de reduzir o valor relativo[1] de uma mercadoria, quer a poupança esteja no trabalho necessário para o fabrico do próprio produto, quer no trabalho necessário para a formação do capital, pela ajuda do qual é produzida.” (Vol.I, p.28)
"Sob tal circunstância, o valor da caça, produto do trabalho no dia do caçador, seria exactamente igual ao valor do peixe, o produto do trabalho no dia do pescador. O valor comparativo do peixe e da caça seria inteiramente regulada pela quantidade de trabalho realizado por cada um, qualquer que seja a quantidade da produção, ou quaisquer que possam ser as altas ou as baixas dos salários ou dos lucros.” (Vol.I, p.28)
"Considerar o trabalho o fundamento do valor das mercadorias, e a quantidade relativa de trabalho necessária à sua produção, a regra que determina as respectivas quantidades de bens pelas quais devem ser dadas em troca, não é negar a possibilidade que o preço real ou de mercado das mercadorias sofra desvios acidentais e temporários desse seu preço primário e natural.” (Vol.I, p.105, lc)
"É o custo de produção que regula, em última análise, o preço das mercadorias, e não, como tem sido dito muitas vezes, a relação entre a oferta e a procura." (Vol.II, p.253)
O senhor Lauderdale tinha explicado as variações do valor de troca de acordo com a lei da oferta e da procura, ou da escassez e da abundância em relação à procura. Na sua opinião, o valor de uma coisa pode aumentar quando escasseia ou quando a procura cresce, e pode diminuir quando abunda ou quando a procura se reduz. Assim, o valor de uma coisa pode variar por oito causas diferentes, a saber, quatro causas referentes à própria coisa e outras quatro que se aplicam ao dinheiro ou a qualquer outra mercadoria que sirva como medida do seu valor. Eis a refutação de Ricardo:
"As mercadorias que são monopolizadas por um indivíduo ou por uma empresa variam de valor de acordo com a lei que o Senhor Laudersdale formulou: ele cai na medida em que são oferecidas em maior quantidade, e aumenta na proporção em que escasseiam ou que a procura aumenta; o seu preço não tem uma relação necessária com o seu valor natural, mas os preços das mercadorias que estão sujeitos à concorrência, e cuja quantidade pode ser aumentada, de forma moderada, dependem, em última análise, não do estado da procura e da oferta, mas do aumento ou da diminuição dos custos de produção.” (Vol.II, p.259)
Deixamos ao leitor fazer a comparação entre a linguagem simples, clara e precisa de Ricardo e as tentativas retóricas do Sr. Proudhon para chegar à determinação do valor relativo pelo tempo de trabalho.
Ricardo mostra-nos o movimento real da produção burguesa, aquilo que constitui o valor. O Sr. Proudhon, abstraindo-se do movimento real que conta, “debate-se" para inventar novos processos e alcançar a reorganização do mundo segundo uma fórmula pretensamente original, que, na verdade, não passa da expressão teórica do movimento real existente e que já tinha sido tão bem descrito por Ricardo. Ricardo parte da sociedade actual para demonstrar como se constitui o valor; o Sr. Proudhon parte do valor constituído para, através desse valor, constituir um novo mundo social. Para o Sr. Proudhon, o valor constituído deve movimentar-se e tornar-se o factor constituinte num mundo já completamente constituída de acordo com este modo de avaliação. A determinação do valor pelo tempo de trabalho é, para Ricardo, a lei do valor de troca; para o Sr. Proudhon, é a síntese do valor de uso e do valor de troca. A teoria de valores de Ricardo é a interpretação científica da vida económica real; a teoria de valores do Sr. Proudhon é a interpretação utópica da teoria de Ricardo. Ricardo verifica a verdade da sua fórmula, derivando-a de todas as relações económicas, e, explica desta forma todos os fenómenos, mesmo aqueles como a renda da terra, a acumulação de capital e a relação entre salários e lucros, que, à primeira vista, parecem contradizê-la; é precisamente isto que faz da sua doutrina um sistema científico. O Sr. Proudhon, que redescobriu esta fórmula de Ricardo através de hipóteses inteiramente arbitrárias, é forçado depois a procurar factos económicos isolados que torce e falsifica para fazer passá-los como exemplos, aplicações já existentes, realizações iniciais da sua ideia regeneradora. (Cfr., adiante, o ponto 3. Aplicação da lei da proporcionalidade do valor)
Vejamos agora as conclusões que o Sr. Proudhon retira do valor constituído (pelo tempo de trabalho):
– uma certa quantidade de trabalho equivale ao produto criado por essa mesma quantidade de trabalho.
– qualquer jornada de trabalho equivale a outra jornada de trabalho; ou seja, se as quantidades forem iguais, o trabalho de um homem vale tanto quanto o trabalho de outro homem: não há diferenças qualitativas. Dado que as quantidades de trabalho são iguais, o produto de um homem pode ser dado em troca pelo produto de outro. Todos os homens são trabalhadores assalariados recebendo igual remuneração por igual tempo de trabalho. É a perfeita igualdade que rege as trocas.
São estas as conclusões rigorosas, as consequências naturais do valor "constituído" ou determinado pelo tempo de trabalho?
Se o valor relativo de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho necessária para produzi-lo, segue-se naturalmente que o valor relativo do trabalho, o salário, é igualmente determinado pela quantidade de trabalho necessária para produzir esse salário. O salário, isto é, o valor relativo ou o preço do trabalho é assim determinado pelo tempo de trabalho requerido para produzir tudo o que é necessário para a manutenção do operário.
"Diminua-se o custo de produção de chapéus, e o seu preço acabará por cair para um novo preço natural, mesmo que a procura possa ter duplicado, triplicado, ou quadruplicado. Diminua-se o custo de subsistência dos homens, pela diminuição do preço natural dos alimentos e vestuário, pelos quais a vida é sustentada, e os salários, em última análise, irão cair não obstante a procura por trabalhadores possa crescer consideravelmente.” (Ricardo, Vol.II, p.253)
Sem dúvida que a linguagem de Ricardo não pode ser mais cínica. Colocar o custo de fabricação de chapéus e o custo de manutenção dos homens no mesmo plano é transformar os homens em chapéus. Mas não se proteste contra o cinismo dessa linguagem. O cinismo está nos factos, não nas palavras que os expressam. Escritores franceses como os Srs. Droz, Blanqui, Rossi e outros, obtêm uma satisfação inocente provando a sua superioridade sobre os economistas ingleses, ao observarem a etiqueta de uma fraseologia "humanitária". Se atiram à cara de Ricardo e da sua escola que estes usam uma linguagem cínica, é porque os irrita ver as relações económicas expostos em toda a sua crueza e os mistérios da burguesia desmascarados.
Resumindo: o trabalho, sendo ele próprio uma mercadoria, é medido como tal pelo tempo de trabalho necessário para produzir o trabalho-mercadoria. E o que é necessário para tanto? Exactamente o tempo de trabalho necessário para produzir os bens indispensáveis à manutenção contínua do trabalho, isto é, para manter o trabalhador vivo e em condições de propagar a sua raça. O preço natural do trabalho não é outro senão o salário mínimo.[2] Se o preço corrente dos salários ultrapassa este preço natural, é precisamente porque a lei do valor, que o Sr. Proudhon coloca como princípio, é compensada pelas consequências das variações da relação entre oferta e procura. Mas o salário mínimo não deixa de ser o centro em torno do qual gravitam os preços correntes dos salários.
Assim, o valor relativo, medido pelo tempo de trabalho, é, fatalmente, a fórmula da escravidão actual do operário, em vez de ser, como o Sr. Proudhon pretende, a "teoria revolucionária" da emancipação do proletariado.
Vejamos, agora em que casos, a aplicação do tempo de trabalho como medida de valor é incompatível com o antagonismo entre classes existente e com a distribuição desigual do produto entre o trabalhador imediato e o proprietário de trabalho acumulado.
Suponhamos um produto qualquer, por exemplo, tecido de linho. Este produto, como tal, encerra uma dada quantidade de trabalho. Esta será sempre a mesma qualquer que seja a situação recíproca daqueles que concorreram para criar o produto.
Tomemos um outro produto: um pano de lã que tenha exigido a mesma quantidade de trabalho que o tecido de linho.
Se houver uma troca destes dois produtos, existe uma troca de quantidades iguais de trabalho. Numa troca de quantidades iguais de tempo de trabalho, nada muda na posição recíproca dos produtores, assim como permanece inalterada a situação dos operários e dos fabricantes entre si. Afirmar que esta troca de produtos medidos pelo tempo de trabalho resulta em igualdade de retribuição a todos os produtores é supor que a igualdade de participação no produto existia antes da troca. Quando a troca de pano de lã pelo tecido de linho se realiza, os produtores de pano de lã passam a compartilhar o tecido numa proporção igual àquela em que anteriormente compartilhavam o pano de lã.
A ilusão do Sr. Proudhon é provocada por tomar como consequência o que poderia ser, no máximo, uma suposição gratuita.
Prossigamos.
O tempo de trabalho, como medida de valor, supõe, pelo menos, que as jornadas são equivalentes, e que a jornada de um homem vale tanto quanto a de outro? Não.
Admitamos, por um momento, que a jornada de um joalheiro equivale a três jornadas de um tecelão; permanece o facto de qualquer alteração no valor das jóias em relação ao dos tecidos, a menos que seja um resultado transitório de flutuações na oferta e na procura, dever ser consequência de uma redução ou de um aumento do tempo de trabalho despendido na produção de um ou de outro artigos. Se três jornadas de trabalho de trabalhadores diferentes estiverem relacionadas entre si na proporção de 1:2:3, qualquer variação no valor relativo dos seus produtos corresponderá a uma mudança nessa proporção de 1:2:3. Assim, os valores podem ser medidos pelo tempo de trabalho, apesar da disparidade de valor das diferentes jornadas de trabalho; mas, para aplicar uma tal medida, é necessário ter uma escala comparativa das diferentes jornadas de trabalho –e é a competição que define essa escala.
A sua hora de trabalho vale tanto quanto a minha? Essa é a questão que é decidida pela competição.
A competição, de acordo com um economista americano, determina quantas jornadas de trabalho simples estão contidas numa jornada de trabalho complexo. Esta redução da jornada de trabalho complexo a jornadas de trabalho simples não suporá que o trabalho simples é tomado como medida de valor? Por outro lado tomar apenas a quantidade de trabalho como medida de valor, independentemente da qualidade, pressupõe que o trabalho simples se tornou o pivô da indústria. Pressupõe que os trabalhos foram equalizados pela subordinação do homem à máquina ou pela extrema divisão do trabalho; que os homens se apagam diante do trabalho; que o pêndulo do relógio se tornou na medida exacta da actividade relativa de dois trabalhadores como o é da velocidade de duas locomotivas. Portanto, não devemos dizer que uma hora de um homem vale uma hora de outro homem, mas sim que um homem de uma hora vale tanto quanto outro homem de uma hora. O tempo é tudo, o homem não é nada, ele é, no máximo, a carcaça do tempo. A qualidade já não importa. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada. Mas esta equalização do trabalho não resulta da realização da justiça eterna do Sr. Proudhon, é pura e simplesmente um facto da indústria moderna.
Na fábrica, o trabalho de um operário mal se distingue de qualquer forma de trabalho de outro operário: os operários só se distinguem entre si pela quantidade de tempo que despendem. No entanto, essa diferença quantitativa torna-se, de um certo ponto de vista, qualitativa, já que o tempo que despendem depende, em parte, de causas puramente materiais, tais como a constituição física, a idade e o sexo; e em parte, de causas morais puramente negativas, como a paciência, a diligência e a imperturbabilidade. Em suma, se há diferença de qualidade no trabalho de operários diferentes, ela é, no máximo, na qualidade do pior tipo, o que está longe de ser uma especialidade distintiva. Em última análise, este é o que o estado de coisas da quantidade na industria moderna. E é sobre esta igualdade, já realizada pelo trabalho mecanizado, que o Sr. Proudhon aplica a sua plaina da "equalização", a cumprir-se universalmente em "tempo que há-de vir!"
Todas as consequências "igualitárias" que o Sr. Proudhon deduz da doutrina de Ricardo são baseadas num erro fundamental. Ele confunde o valor das mercadorias medido pela quantidade de trabalho incorporado nelas com o valor das mercadorias medido pelo "valor do trabalho". Se estas duas formas de medir o valor das mercadorias forem equivalentes, pode-se dizer indiferentemente em relação ao valor de qualquer mercadoria que é medido pela quantidade de trabalho incorporado na mesma, ou que é medido pela quantidade de trabalho que se pode comprar com essa mercadoria; ou, de outra forma, que é medido pela quantidade de trabalho que pode adquiri-la. Mas está longe de ser assim. O valor do trabalho não serve como uma medida do valor de qualquer outra mercadoria. Alguns exemplos bastarão para explicar ainda melhor o que acabamos de afirmar.
Se o moio de trigo custasse duas jornadas de trabalho em vez de uma, teria o dobro do seu valor original, mas não colocaria em acção o dobro da quantidade de trabalho, porque não conteria mais valor nutritivo do que antes. Assim, o valor do moio de trigo, medido pela quantidade de trabalho usado para produzi-lo, teria dobrado; mas medido quer pela quantidade de trabalho que pode comprar quer pela quantidade de trabalho com que pode ser comprado, estaria muito longe de ter dobrado. Por outro lado, se o mesmo trabalho produzir o dobro da roupa que antes, o seu valor relativo cairá para metade, no entanto, essa quantidade de vestuário não exigirá metade da quantidade de trabalho anterior, nem a mesma quantidade de trabalho comprará o dobro da roupa, pois metade destas roupas continuará a servir o trabalhador da mesma forma que antes servia a mesma quantidade.
Assim, determinar o valor relativo das mercadorias pelo valor do trabalho contradiz os factos económicos. É mover-se num círculo vicioso: é determinar um valor relativo por outro valor relativo que, por sua vez, tem de ser determinado.
Sem dúvida que o Sr. Proudhon confunde as duas medidas, a medida pelo tempo de trabalho necessário à produção da mercadoria e a medida pelo valor do trabalho. "O trabalho de qualquer homem", diz ele, "pode comprar o valor que ele encerra". Assim, segundo ele, uma certa quantidade de trabalho incorporado num dado produto é equivalente ao pagamento do trabalhador, isto é, ao valor do trabalho. É o mesmo raciocínio que o leva a confundir custos de produção com salários.
"… no fundo, o que é o salário? É o preço de venda do trigo, [etc.] ..., é o preço integrado de todas estas coisas. Mas iremos um pouco mais longe: o salário é a proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza…" O que é o salário? É o valor do trabalho.
Adam Smith toma como a medida do valor ora o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria, ora o valor do trabalho. Ricardo expõe esse erro, mostrando claramente a disparidade dessas duas formas de medir. O Sr. Proudhon vai mais longe do que Adam Smith no erro, identificando as duas coisas que o último tinha apenas colocado em justaposição.
É com o fim de encontrar a proporção adequada em que os trabalhadores devem participar dos produtos, ou, por outras palavras, para determinar o valor relativo do trabalho, que o Sr. Proudhon procura uma medida para o valor relativo das mercadorias. Para calcular o valor relativo das mercadorias, imagina que o melhor é considerar como equivalente de uma certa quantidade de trabalho a soma total dos produtos que ele cria, que significa supor que toda a sociedade consiste apenas em trabalhadores que recebem como salário a sua própria produção. Em segundo lugar, assume a equivalência entre as jornadas dos diversos trabalhadores. Em suma, procura a medida do valor relativo das mercadorias para encontrar a retribuição igual dos trabalhadores, e toma a igualdade de salários como um facto já estabelecido para encontrar o valor relativo das mercadorias. Que dialéctica admirável!
"Say, e os economistas que o seguiram, observaram que o próprio trabalho estava sujeito à avaliação; [seria] uma mercadoria como as outras, enfim, e haveria portanto um círculo vicioso em tomá-lo por princípio e causa eficiente do valor…
“Estes economistas, que eles me permitam dizê-lo, deram mostras com isso de uma prodigiosa desatenção. Diz-se que o trabalho vale, não enquanto mercadoria em-si mas em função dos valores que se supõem encerrados potencialmente nele. O valor do trabalho é uma expressão figurada, uma antecipação da causa sobre o efeito. É uma ficção, da mesma forma que a produtividade de capital. O trabalho produz, o capital vale e quando, por uma espécie de elipse, diz-se valor do trabalho... O trabalho, como a liberdade ... é uma coisa vaga e indeterminada na sua natureza, mas que se define qualitativamente pelo seu objecto, quer dizer, torna-se uma realidade pelo seu produto.” [I 61]
Seria necessário insistir? A partir do momento em que o economista [leia-se Sr. Proudhon] muda o nome das coisas, vera rerum vocabula [nomes reais das coisas], confessa implicitamente a sua impotência e põe-se fora de causa. (Cft. Proudhon, I, 188)
Vimos que o Sr. Proudhon faz do valor do trabalho a "causa determinante" do valor dos produtos, de tal forma que, para ele, o salário, nome oficial do "valor que encontra problemas na objecção de Say. Na mercadoria trabalho, que é uma triste realidade, ele não vê mais que uma elipse gramatical. Assim, toda a sociedade existente, baseada na mercadoria trabalho, passa, doravante, a ser baseada numa permissividade poética, numa expressão figurada. A sociedade quer "eliminar todos os inconvenientes" que a atormentam? Pois bem, basta-lhe eliminar os termos que soam mal, alterar a linguagem, e com esse fim, dirigir-se à Academia para uma nova edição do seu dicionário! Depois disto tudo, é fácil entender por que o Sr. Proudhon, num trabalho de economia política, teve que entrar em longas dissertações sobre etimologia e outras partes da gramática. Por isso, ainda não superou a fase da velha sábia polémica sobre a derivação de servus [escravo, servo] a partir de servare [preservar, conservar]. Estas dissertações filológicas têm um profundo significado, um significado esotérico, formando uma parte essencial da argumentação do Sr. Proudhon.
O trabalho, a força de trabalho, na medida em que é comprado e vendido, é uma mercadoria como qualquer outra, e tem, em consequência, um valor de troca. Mas o valor do trabalho, ou o trabalho, enquanto mercadoria, produz tão pouco quanto o valor do trigo, ou o trigo, enquanto mercadoria, serve como alimento.
O trabalho "vale" mais ou menos, consoante os produtos alimentares são mais ou menos caros, segundo o grau em que a oferta e a procura de mão-de-obra existem, etc., etc..
O trabalho não é uma "coisa vaga", é sempre um trabalho determinado, nunca é um trabalho em geral o que é comprado ou vendido. Não é só o trabalho que é qualitativamente definido pelo objecto; também o objecto é determinado pela qualidade específica do trabalho.
O trabalho, na medida em que é comprado e vendido, é ele próprio uma mercadoria. É comprado em função de quê? "Em função dos valores que se supõem encerrados potencialmente nele". Mas quando se diz que certa coisa é uma mercadoria, não há dúvida quanto à razão pela qual é comprada, ou seja, quanto à utilidade que se pretende extrair dela, da aplicação que se fará dela. É mercadoria enquanto objecto de tráfego. Os argumentos do Sr. Proudhon limitam-se ao seguinte: o trabalho não é comprado como um objecto de consumo imediato. Não, ele é comprado como um instrumento de produção, da mesma forma que uma máquina é comprada. Enquanto mercadoria, o trabalho vale mas não produz. O Sr. Proudhon poderia muito bem ter dito que não existem mercadorias, uma vez que cada produto é comprado com uma dada finalidade utilitária, e não enquanto mercadoria.
Na medição do valor das mercadorias pelo trabalho, o Sr. Proudhon vislumbra vagamente a impossibilidade de excluir o trabalho dessa mesma medida, dado que encerra um valor, enquanto mercadoria trabalho. Ele pressente que significa fazer do salário mínimo o preço natural e normal do trabalho imediato, e que equivale a aceitar o estado actual da sociedade. Então, para escapar desta consequência fatal, faz meia-volta e afirma que o trabalho não é uma mercadoria, que não pode ter valor. Esquece-se que ele próprio tomou o valor do trabalho como medida, esquece-se que todo o seu sistema repousa sobre o trabalho como mercadoria, sobre o trabalho que se troca, compra, vende, permuta por produtos, etc., sobre o trabalho que é uma fonte imediata de rendimento para o trabalhador. Esquece-se de tudo.
Para salvar o seu sistema, ele consente em sacrificar a sua base. Et propter vitam, vivendi perdere causas!
Chegamos, agora, a uma nova definição de "valor constituído": “é a relação de proporcionalidade dos elementos que compõem a riqueza".
Notemos, em primeiro lugar que a única frase "valor relativo ou troca" implica a ideia de uma relação em que os produtos são trocados reciprocamente. Designando esta relação por "relação de proporcionalidade", nada se modifica no valor relativo, excepto a sua expressão. Nem a depreciação nem o aumento do valor de um produto destroem a propriedade de entrar numa "relação de proporcionalidade" com os outros produtos que constituem a riqueza.
Qual a razão desta nova designação que não introduz uma ideia nova?
A "relação de proporcionalidade" sugere muitas outras relações económicas, tais como a proporcionalidade da produção, a justa proporção entre oferta e procura, etc., e o Sr. Proudhon pensou em tudo isso quando formulou esta paráfrase didáctica de valor comercial.
Em primeiro lugar, o valor relativo dos produtos a ser determinado pela quantidade comparativa de trabalho utilizado na produção de cada um deles, a relação de proporcionalidade, aplicada a este caso especial, repousa na respectiva quota de produtos que podem ser fabricados num dado tempo, e que, consequentemente, são trocáveis entre si.
Vejamos o que o Sr. Proudhon extrai a partir desta relação de proporcionalidade.
Todos sabem que, quando a oferta e a procura se equilibram, o valor relativo de qualquer produto é determinado com precisão pela quantidade de trabalho nele incorporado, que é dizer, que este valor relativo expressa a relação de proporcionalidade precisamente no sentido de que acabámos de esclarecer. O Sr. Proudhon inverte a ordem das coisas. Comece-se, diz ele, por medir o valor relativo de um produto pela quantidade de trabalho incorporado no mesmo, e a oferta e a procura infalivelmente se equilibrarão; a produção corresponderá ao consumo, o produto será sempre permutável; o seu preço actual expressará exactamente o seu verdadeiro valor. Em vez de dizer como todos os outros – quando faz bom tempo, vemos muita gente a passear – o Sr. Proudhon manda as pessoas passearem para lhes assegurar o bom tempo.
O que o Sr. Proudhon dá como consequência do valor comercial determinado a priori pelo tempo de trabalho só poderia ser obtido por uma lei expressável mais ou menos nos seguintes termos: os produtos serão, de agora em diante, trocados na proporção exacta do tempo de trabalho que custam; qualquer que seja a relação entre a oferta e a procura, a troca de mercadorias será sempre feita como se tivessem sido produzidos proporcionalmente à procura. Se o Sr. Proudhon formular e fizer aplicar uma tal lei, então dispensamos as provas. Mas se, ao contrário, insiste em justificar a teoria, não como legislador, mas como economista, então terá de provar que o tempo necessário para criar um produto indica exactamente o grau da sua utilidade e marca a sua relação de proporcionalidade com a procura e, por consequência, com o conjunto da riqueza. Neste caso, se um produto é vendido a um preço igual ao seu custo de produção, a oferta e a procura serão sempre equilibradas, porque se pressupõe que o custo de produção expressa a verdadeira relação entre a oferta e a procura.
Na verdade, o Sr. Proudhon esforça-se para provar que o tempo de trabalho necessário para criar um produto expressa a sua verdadeira relação de proporcionalidade com as necessidades, de modo que as coisas quanto menos tempo de produção exigem, mais imediatamente úteis são, e assim por diante, gradualmente. A mera produção de um objecto de luxo comprovaria, de acordo com esta doutrina, que a sociedade teria tempo livre para permitir satisfazer uma necessidade de luxo.
O Sr. Proudhon encontra a prova de sua tese na observação de que as coisas mais úteis custam menos tempo a produzir, que a sociedade começa sempre com as indústrias mais fáceis e progressivamente "se inicia na produção de objectos que exigem mais tempo de trabalho e correspondem a necessidades de uma ordem superior”.
O Sr. Proudhon toma emprestado do Sr. Dunoyer o exemplo da indústria extractiva – colecta, pastoreio, caça, pesca, etc. – que é a mais simples, a menos dispendiosa, e aquela pela qual o homem começou "o primeiro dia da sua segunda criação”. O primeiro dia da sua primeira criação está registado no Génesis, que apresenta Deus como o primeiro fabricante do mundo.
As coisas acontecem de uma maneira bem diferente do que o Sr. Proudhon imagina. No começo da civilização, a produção é fundada no antagonismo entre as ordens, as classes, os estamentos e, finalmente, no antagonismo entre o trabalho acumulado e o trabalho em realização. Sem antagonismo, não há progresso. Esta é a lei que a civilização tem seguido até hoje. Até agora as forças produtivas desenvolveram-se graças ao sistema de antagonismos de classes. Afirmar agora que seria porque todas as necessidades de todos os trabalhadores estavam satisfeitas, que os homens se poderiam dedicar à criação de produtos de uma ordem superior – com indústrias mais complexas – é desprezar os antagonismos entre classes e inverter tudo no desenvolvimento histórico. É como dizer que, como sob os imperadores romanos havia moreias mantidas em viveiros artificiais, então estava provado que toda a população romana era fartamente alimentada. A verdade era o contrário, enquanto o povo romano não tinha o suficiente para comprar pão, aos aristocratas romanos sobravam escravos suficientes para os jogar como forragem às moreias.
[1] Ricardo, como é bem conhecido, determina o valor de uma mercadoria pela quantidade de trabalho necessário para a sua produção. No entanto, devido à forma predominante de troca em cada modo de produção baseado na produção de mercadorias, incluindo, portanto, o modo de produção capitalista, este valor não se expressa directamente na quantidade de trabalho, mas em quantidades de algumas outras mercadorias. O valor de uma mercadoria expressa numa quantidade de outra mercadoria (seja ela dinheiro ou não) é denominado por Ricardo valor relativo. [Nota de Engels à edição alemã 1885]
[2] A tese de que o preço "natural", isto é, o preço normal da força de trabalho coincide com o salário mínimo, ou seja, com o equivalente em valor dos meios de subsistência absolutamente indispensável à vida e à procriação do operário, foi apresentada pela primeira vez por mim em Esboços para uma Crítica da Economia Política ( Deutsch-Französische Jahrbücher , Paris 1844) e n’ A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1844 . Como aqui se vê, Marx adoptou, naquela época, esta tese; Lassalle tomou-a de nós dois. Mas, mesmo que, na realidade, os salários tendam constantemente a aproximarem-se do mínimo, a tese acima é incorrecta. É verdade que, no geral e em média, a força de trabalho é paga abaixo do seu valor, mas não é esse facto que altera o seu valor. N’O Capital (Secção “Compra e Venda de Força de Trabalho” e também no Capítulo XXIII: “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”) Marx corrigiu esta tese, analisando as condições que permitem à produção capitalista reduzir progressivamente o preço da força de trabalho, pagando abaixo do seu valor. [Nota de Engels à edição alemã 1885]
O Sr. Proudhon tem a infelicidade de ser peculiarmente incompreendido na Europa. Em França, tem o direito a ser um mau economista, porque tem fama de ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito a ser um mau filósofo, porque tem fama de ser um dos mais competentes economistas franceses. É nas qualidades de alemão e economista ao mesmo tempo que queremos protestar contra esse duplo erro.
O leitor compreenderá a ingratidão da tarefa. Frequentemente fomos obrigados a abandonar a nossa crítica ao Sr. Proudhon, para criticar a filosofia alemã e, simultaneamente, para tecer algumas observações sobre economia política.
Karl Marx
Bruxelas, em 15 de Junho de 1847
A obra do Sr. Proudhon não é apenas um tratado de economia política, um livro comum: é uma bíblia. "Mistérios", "Segredos Arrancados ao Seio de Deus", "Revelações" – nada falta. Mas como, hoje em dia, os profetas são discutidos mais conscientemente que os escritores profanos, o leitor deve resignar-se a atravessar connosco as erudições áridas e sombrias do "Génesis", a fim de ascender mais tarde, com Sr. Proudhon, ao reino etéreo e fecundo do Supra-socialismo. (Ver Proudhon: Philosophie de la misère, prólogo, p.III, linha 20).
"Ora, a capacidade que possuem todos os produtos, sejam naturais ou industriais, de servir para a subsistência do homem denomina-se particularmente valor de uso; a capacidade que têm de se darem uns pelos outros, valor de troca”...
“Mas como o valor de uso se transforma em valor de troca?” ...
“Esta génese da ideia de valor, não é notada pelos economistas com o cuidado suficiente: é importante que nos detenhamos sobre ela.
Posto que, de entre os objectos dos quais um homem tem necessidade, um número muito elevado encontra-se na natureza em quantidade medíocre, ou simplesmente não se encontra de forma alguma, ele é forçado a auxiliar na produção daquilo que lhe falta; e como não pode pôr mãos à obra em tantas coisas, proporá a outros homens, seus colaboradores em diversas funções, a ceder-lhe uma parte dos seus produtos em troca do seu" (Proudhon, vol. I, Chap.II)
O Sr. Proudhon propõe-se explicar-nos em primeiro lugar a natureza dupla do valor, a "distinção no interior do valor", o processo pelo qual o valor de uso se transforma em valor de troca. Necessitamos debruçar-nos com o Sr. Proudhon sobre este acto de transubstanciação. E eis como este acto se realiza, de acordo com o nosso autor: um número muito grande de produtos não se encontra na natureza mas existe graças à indústria. Se as necessidades do homem vão além da produção espontânea da natureza, ele é forçado a recorrer à produção industrial. Mas, na suposição do Sr. Proudhon, o que é esta indústria? Qual é a sua origem? Um único indivíduo, sentindo a necessidade de um grande número de objectos, "não pode pôr mãos à obra em tantas coisas". Tantas necessidades a satisfazer supõem tantas coisas a produzir – não há produtos sem produção –; e tantas coisas a produzir pressupõem, por sua vez, mais que a mão de um homem auxiliando a produzi-las. Ora, a partir do momento em que se pressupõe mais de uma mão na produção, supõe-se já toda a produção baseada na divisão do trabalho. Suposta a divisão do trabalho, está admitida a troca e, consequentemente, o valor de troca. Com o mesmo fundamento poder-se-ia supor o valor de troca desde o início.
Mas Sr. Proudhon preferiu dar voltas. Seguindo-o em todos os desvios, voltamos sempre ao seu ponto de partida.
Para sair da condição em que cada um produz isoladamente e chegar à troca, volta-se para os “seus colaboradores em diversas funções", diz o Sr. Proudhon. Logo tem colaboradores, todos com funções diferentes, embora, apesar disso, ele e todos os outros, sempre de acordo com a suposição de Sr. Proudhon, estejam na posição solitária e pouco social de Robinsons. Os colaboradores e as diversas funções, a divisão do trabalho e da troca implícita, tudo já está a jeito.
Resumindo: têm-se certas necessidades que se fundam na divisão do trabalho e na troca. Pressupondo essas necessidades, o Sr. Proudhon pressupôs a troca e o valor de troca, precisamente o valor cuja ideia se propôs tratar na “génese” com mais “cuidado” do que “os economistas”.
O Sr. Proudhon poderia muito bem ter invertido a ordem das coisas sem, com isso, afectar a exactidão das suas conclusões. Para explicar o valor de troca, é necessária a troca. Para explicar troca, é necessária a divisão do trabalho. Para explicar a divisão do trabalho, devemos ter necessidades que exijam a divisão do trabalho. Para explicar essas necessidades, precisamos "supô-las", o que não é negá-las – ao contrário do primeiro axioma no prólogo do Sr. Proudhon: "supor Deus é negá-lo" (Prólogo, p.1)
Como é que o Sr. Proudhon, que assume a divisão do trabalho como conhecida, consegue explicar o valor de troca que, para ele, é sempre desconhecido?
"Um homem" "proporá a outros homens, seus colaboradores em diversas funções", que se estabeleçam trocas e se distinga entre valor de uso e valor de troca. Ao aceitarem a distinção proposta, os colaboradores não deixaram ao Sr. Proudhon senão o "cuidado" de reconhecer o facto, de assinalá-lo, de "notar" no seu tratado sobre economia política "esta génese da ideia de valor". Mas ainda tem para nos explicar a "génese" dessa proposta, e dizer-nos, finalmente, como esse homem solitário, esse Robinson Crusoe II, de repente teve a ideia de fazer "aos seus colaboradores" uma proposta semelhante e como esses colaboradores a aceitaram sem o menor protesto.
O Sr. Proudhon não entra nesses detalhes genealógicos. Ele simplesmente coloca uma espécie de selo histórico sobre o facto da troca, apresentando-o na forma de um movimento, proposto por um terceiro, tendente a que a troca seja estabelecida.
Eis uma amostra do "método histórico-descritivo" do Sr. Proudhon, que professa um desdém soberbo pelo "método histórico-descritivo" dos Adam Smith e Ricardo.
A troca tem a sua própria história que passou por diferentes fases.
Há um tempo, como na Idade Média, em que apenas o supérfluo, o excedente de produção sobre o consumo, era trocado.
Há também um outro tempo, em que não só o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial, passam pelo comércio, um tempo em que a totalidade da produção passa a depender da troca. Como se pode explicar esta segunda fase da troca – o valor comercial elevado à segunda potência?
O Sr. Proudhon teria uma resposta já pronta: basta supor que um homem haja "proposto a outros homens, seus colaboradores em diversas funções", a elevação do valor comercial à sua segunda potência.
Finalmente, chegou um momento em que tudo o que os homens consideravam inalienável se tornou objecto de troca, de tráfego e passou a poder ser alienado. Esse é o momento em que as próprias coisas que até então eram transmitidas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; conquistadas, mas nunca compradas – a virtude, o amor, a convicção, o conhecimento, a consciência, etc. – em que tudo, em suma, passa para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o momento em que tudo, moral ou físico, tornando-se valor comercial, é levado ao mercado para ser avaliado pelo seu justo valor.
Como explicar, ainda, esta última fase da troca – o valor comercial elevado à sua terceira potência?
O Sr. Proudhon teria uma resposta pronta: basta supor que um homem haja "proposto a outros homens, seus colaboradores em diversas funções", fazer da virtude, do amor, etc., um valor comercial e, assim, elevar o valor de troca à sua terceira e última potência.
Como se vê "o método histórico-descritivo" do Sr. Proudhon é aplicável a tudo, responde tudo, explica tudo. Especialmente quando se trata de explicar historicamente "a génese de uma ideia económica", postulando que um homem propõe a outros homens "seus colaboradores em diversas funções", que realizem esse acto criador, ficando tudo dito.
Vamos seguir, aceitando a "génese" do valor de troca como um acto consumado; resta, então, expor a relação entre o valor de troca e o valor de uso. Escutemos o Sr. Proudhon:
"Os economistas relevaram muito bem o carácter duplo do valor, mas o que não explicaram com a mesma nitidez é a sua natureza contraditória. E aqui começa a nossa crítica. ...
"Mas é pouco ter assinalado no valor de uso e no valor de troca este estranho contraste, no qual os economistas estão acostumados a ver algo de muito simples: é preciso mostrar que esta aparente simplicidade oculta um mistério profundo que é nosso dever penetrar. ...
"Em termos técnicos, o valor útil e o valor de troca, necessários um ao outro, estão na razão inversa um do outro".
Se compreendemos bem o pensamento do Sr. Proudhon, ele propõe-se estabelecer os quatro pontos seguintes:
Nós, também, vamos começar pelo fim, e, para limpar os economistas das acusações do Sr. Proudhon, vamos deixar dois economistas suficientemente bem conhecidos falar por eles.
Sismondi: "O comércio reduziu todas a coisas à oposição entre valor de uso e valor de troca”, etc. (Etudes, Volume II, p.162, edição de Bruxelas)
Lauderdale: "No geral, a riqueza nacional [valor de uso] diminui na proporção em que as fortunas individuais crescem pelo aumento do seu valor comercial; e, à medida que estas se reduzem, pela diminuição deste valor, aquela geralmente aumenta" (Recherches sur la nature et l'origine de la richesse publique; traduzido por Langentie de Lavaisse, Paris 1808 [p.33])
Sismondi fundamentou a sua doutrina principal, segundo a qual diminuição da receita é proporcional ao aumento da produção, na oposição entre o valor de uso e o valor de troca.
Lauderdale fundamentou o seu sistema na razão inversa dos dois tipos de valor, e a sua doutrina era tão popular no tempo de Ricardo, que este último pôde falar dela como de algo do conhecimento geral.
"É através da confusão das ideias de valor e de riqueza que tem sido afirmado, que, ao diminuir a quantidade de commodities, isto é, do que é necessário, das conveniências e prazeres da vida humana, a riqueza pode ser aumentada." (Ricardo, Des principes de l'économie politique et de l’impôt traduzido de Constancio, anotações por JB Say. Paris 1835; Volume II, Capítulo Sur la valeur et les richesses)
Como se vê, os economistas "assinalaram" o mistério profundo da oposição e da contradição antes do Sr. Proudhon. Vamos agora ver como o Sr. Proudhon explica, a seu modo, este mistério, depois dos economistas.
O valor de troca de um produto cai à medida que aumenta a oferta, permanecendo a mesma a procura; por outras palavras, quanto mais abundante é um produto em relação à procura, menor é o seu valor de troca ou preço. Vice-versa: quanto menor é a oferta face à procura, mais aumenta o valor de troca ou o preço de um produto; noutras palavras, quanto maior for a escassez de um produto relativamente à procura, maior será o seu preço. O valor de troca de um produto depende da sua abundância ou da sua escassez, mas sempre em relação à procura. Tome-se um produto mais que raro, único no seu tipo, se for possível: esse produto único será mais do que abundante, será supérfluo, se não houver procura para isso. Por outro lado, se se tomar um produto multiplicado por milhões, será sempre escasso, se não satisfizer a procura, isto é, se houver uma procura para ele demasiado grande.
São estas verdades, quase truísmos, que é necessário repetir aqui, para tornar compreensíveis os mistérios do Sr. Proudhon.
"Desta forma, seguindo este princípio até às últimas consequências, acabaríamos por concluir, da maneira mais lógica do mundo, que as coisas cujo uso é necessário e a quantidade ilimitada devem ser dadas a troco de nada, e aqueles cuja utilidade é nula e escassez extrema devem ter um preço incalculável. Mais ainda, para cúmulo do embaraço, estes extremos são impossíveis na prática: por um lado, nenhum produto humano jamais poderia ter quantidade ilimitada, por outro, mesmo as coisas mais escassas devem forçosamente ser úteis em certo grau, sem o que não seriam susceptíveis de ter algum valor. O valor de uso e o valor de troca encontram-se, desta forma, inexoravelmente ligados um ao outro, embora tendam, pela sua natureza, a excluir-se mutuamente." (Volume I, p. 39)
O que conduz o Sr. Proudhon ao cúmulo da confusão? O facto de ele, simplesmente, ter esquecido a procura, e que uma coisa só é escassa ou abundante apenas na medida em que for procurada. No momento em que esquece a procura, identifica valor de troca com escassez e valor de uso com abundância. Na realidade, ao dizer que as coisas "cuja utilidade é nula e escassez extrema devem ter um preço incalculável", está simplesmente a declarar que o valor de troca é a escassez. "Utilidade nula e escassez extrema" – eis a escassez pura. "Preço incalculável" – eis o máximo do valor de troca, o valor de troca puro. Ele iguala os dois termos. Portanto o valor de troca e escassez são termos equivalentes. Para chegar a estas pretensas “consequências extremas", o Sr. Proudhon, de facto, leva ao extremo, não as coisas, mas os termos que as expressam, o que mostra mais proficiência na retórica do que na lógica. Ele simplesmente redescobre as suas primeiras hipóteses em toda a sua nudez, quando pensa que descobriu novas consequências. Mercê do mesmo procedimento consegue identificar valor de uso com abundância pura.
Depois de ter igualado o valor de troca à escassez, e o valor de uso à abundância, o Sr. Proudhon fica surpreso por não encontrar valor de uso na escassez e no valor de troca, nem valor de troca na abundância e no valor de uso, e vendo que esses extremos são impossíveis na prática, não pode fazer mais nada senão acreditar em mistério. Segundo ele, há um preço incalculável porque não existem compradores; pois nunca os encontrará enquanto deixar de fora a procura.
Por outro lado, a abundância do Sr. Proudhon parece ser algo de espontâneo. Ele esquece completamente que há pessoas que a produzem, pessoas cujo interesse é nunca perder de vista a procura. Se não fosse assim, como poderia o Sr. Proudhon ter dito que as coisas mais úteis devem ser as mais baratas, ou até mesmo não custarem nada? Pelo contrário, ele deveria concluir que é preciso limitar a abundância, a produção das coisas mais úteis, se se quer elevar o seu preço, o seu valor de troca.
Os antigos viticultores da França em petição de uma lei que proibisse o plantio de novas vinhas, os holandeses na queima de especiarias asiáticas e no arranque das mudas de cravo nas Molucas, simplesmente tentavam reduzir a abundância para elevar o valor de troca. Durante toda a Idade Média, esse mesmo princípio foi posto em prática, na limitação por lei do número de companheiros que um único mestre podia empregar e o número de instrumentos que poderia usar. (cfr. Anderson, História do Comércio ). [A. Anderson, uma dedução Histórica e Cronológica da Origem do Comércio dos primeiros relatos até ao presente momento. Primeira edição publicada em Londres em 1764. p. 33]
Depois de apresentar a abundância como valor de uso e a escassez como valor de troca – nada, na verdade, é mais fácil provar do que a razão inversa entre a abundância e a escassez – o Sr. Proudhon identifica o valor de uso com oferta e valor de troca com procura. Para tornar a antítese ainda mais clara, ele substitui os termos, e coloca um "valor estimado" na vez do valor de troca. A batalha agora mudou de terreno: passámos a ter, de um lado, a utilidade (valor de uso, oferta), do outro lado, a opinião (valor de troca, a procura).
Quem conciliará essas duas forças opostas? Como harmonizá-las? É possível encontrar nelas um ponto de comparação? Claro, exclama o Sr. Proudhon, há um: o livre-arbítrio… O preço resultante desta batalha entre a oferta e a procura, entre a utilidade e a opinião não será uma expressão da justiça eterna.
O Sr. Proudhon continua a desenvolver esta antítese:
"Portanto, é apenas pela minha qualidade de comprador livre, que eu sou juiz das minhas necessidades, juiz da conveniência de um objecto, juiz do preço que estou disposto a pagar por ele. Por outro lado, sois vós, na vossa qualidade de produtores livres, os amos dos meios de execução, e, em consequência, sois quem tem o poder de reduzir os vossos custos." (Volume I, p. 41)
E como a procura ou o valor de troca se identificam à opinião, o Sr. Proudhon é levado a afirmar:
"Ora, está provado que é o livre-arbítrio do homem que dá origem à oposição entre valor de uso e valor de troca: como resolver tal questão enquanto existir o livre-arbítrio? E como sacrificá-lo sem sacrificar com ele o homem?" (Volume I, p. 41)
Assim, não há saída possível. Há uma luta entre duas potências, por assim dizer incomensuráveis, entre a utilidade e a opinião, entre o comprador livre e o produtor livre.
Vejamos as coisas um pouco mais de perto.
Nem a oferta representa exclusivamente a utilidade, nem a procura representa exclusivamente a opinião. Quem procura não oferece também um determinado produto ou o símbolo que representa todos os produtos, ou seja, o dinheiro? E oferecendo-o, não representa, de acordo com o Sr. Proudhon, a utilidade ou o valor de uso?
Por outro lado, quem oferece também não procura um determinado produto ou o símbolo que representa todos os produtos – ou seja, dinheiro? E não se torna, assim, no representante da opinião, da estimativa ou do valor de troca?
A procura é, ao mesmo tempo, uma oferta; a oferta é, ao mesmo tempo, uma procura. Assim, a antítese do Sr. Proudhon, consistente em simplesmente identificar a oferta ao que tem utilidade, e a procura à opinião, é baseada apenas numa abstracção fútil.
O que o Sr. Proudhon chama valor de uso é chamado por outros economistas, e com igual direito, opinião. Citaremos apenas Storch (Cours d'économie politique, Paris 1823, pp.48 e 49).
Segundo ele, as necessidades são coisas de que necessitamos; e os valores são coisas a que atribuímos valor. A maioria das coisas só tem valor porque satisfazem necessidades geradas pela opinião. A opinião sobre as nossas necessidades pode mudar, por isso a utilidade das coisas, que expressa apenas a relação dessas coisas com as nossas necessidades, também pode mudar. As próprias necessidades naturais mudam continuamente – na verdade, o que poderia ser mais variado do que os objectos que formam a base da alimentação dos diversos povos?
O conflito não ocorre entre a utilidade e a opinião, mas entre o valor venal proposto por quem oferece e o valor venal oferecido por quem procura. O valor de troca do produto é, em cada caso, o resultante destas apreciações contraditórias.
Em última análise, a oferta e a procura põem em presença a produção e o consumo, mas a produção e o consumo com base em trocas individuais.
O produto oferecido não é útil em si mesmo. É o consumidor quem determina a sua utilidade. E mesmo quando a sua qualidade de ser útil é reconhecida, o produto não representa exclusivamente utilidade. No decurso da produção, foi trocado por todos os custos de produção, tais como matérias-primas, salários de operários, etc., os quais são valores venais. O produto, portanto, representa, aos olhos do produtor, uma soma de valores venais; o que ele oferece não é somente um objecto útil, mas também e sobretudo um valor venal.
Quanto à procura, ela só será efectiva se tiver meios de troca à sua disposição, meios que são eles próprios produtos, valores venais.
Na oferta e na procura encontramos, então, por um lado um produto que custou valores venais, e a necessidade de vender, pelo outro, meios que custaram valores venais, e o desejo de comprar.
O Sr. Proudhon opõe ao comprador livre o produtor livre. Atribui aos dois qualidades puramente metafísicas. É isso que lhe permite exclamar: "está provado que é o livre-arbítrio do homem que dá origem à oposição entre valor de uso e valor de troca". [Volume I, p. 41]
O produtor, no momento em que produz numa sociedade fundada na divisão do trabalho e na troca (e esta é hipótese do Sr. Proudhon), é forçado a vender. O Sr. Proudhon faz dele o dono dos meios de produção; mas concordará connosco em que esses meios de produção não dependem do livre-arbítrio. Além disso, muitos desses meios de produção são produtos que ele recebe do exterior, e na produção moderna ele nem sequer é livre de produzir a quantidade que quer. O grau actual de desenvolvimento das forças produtivas compele a produzir em tal ou tal escala.
O consumidor não é mais livre do que o produtor. A sua opinião depende dos seus meios e das suas necessidades. Ambos são determinados pela sua posição social, que por sua vez depende de toda a organização social. É verdade que o operário que compra batatas e a concubina que compra rendas, seguem ambos as respectivas opiniões. Mas a diferença nas suas opiniões é explicada pela diferença nas posições que ocupam no mundo, e que resultam da organização social.
É na opinião ou na organização global da produção que se funda todo o sistema de necessidades? Na maioria das vezes, as necessidades emergem directamente da produção ou de um estado de coisas baseado na produção. O comércio universal gira quase inteiramente em torno das necessidades, não do consumo individual, mas a produção. Assim, para escolher um outro exemplo: não faz a necessidade de tabeliões supor uma dada lei civil, que é apenas uma expressão de um certo desenvolvimento da propriedade, quer dizer, da produção?
Não é suficiente, ao Sr. Proudhon, eliminar os elementos já mencionados na relação entre oferta e procura. Ele conduz a abstracção aos limites mais extremos, fundindo todos os produtores num único produtor, e todos os consumidores num único consumidor, e definindo uma luta entre esses dois personagens quiméricos. Mas no mundo real, as coisas acontecem de outra forma. A competição entre quem oferece e a concorrência entre quem procura formam uma parte necessária da luta entre compradores e vendedores, da qual resulta o valor comercial.
Depois de eliminar a concorrência e os custos de produção, o Sr. Proudhon pode, à vontade, reduzir a fórmula da oferta e da procura ao absurdo:
“a oferta e a procura… nada mais são que formas cerimoniais que servem para colocar em presença o valor de uso e o valor de troca e para provocar a sua conciliação. São os dois pólos eléctricos, cujo contacto deve produzir o fenómeno de afinidade económica denominado TROCA.” (Volume I, pp.49 e 50)
Isto equivale a dizer que a troca é apenas uma "forma cerimonial" para colocar frente a frente o consumidor e o objecto de consumo. Significa também dizer que todas as relações económicas são "formas cerimoniais" que servem o consumo imediato como intermediárias. A oferta e a procura não são senão as relações de uma determinada produção, tanto como as trocas individuais.
Então, em que consiste toda a dialéctica do Sr. Proudhon? Consiste na substituição do valor de uso e do valor de troca, da oferta e da procura, por noções abstractas e contraditórias como escassez e abundância, utilidade e opinião, e um produtor e um consumidor, ambos cavaleiros do livre-arbítrio.
E com que objectivo?
Com o objectivo de introduzir, mais tarde, um dos elementos que tinha reservado, os custos de produção, como síntese entre o valor de uso e o valor de troca. É assim que, aos seus olhos, os custos de produção constituem o valor sintético ou valor constituído.
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