Cidadãos!
Antes de entrar no assunto, permiti que faça algumas observações preliminares.
Reina actualmente no Continente uma verdadeira epidemia de greves e um clamor geral exigindo aumento de salários. O problema há-de ser levantado no nosso Congresso. Vós, como dirigentes da Associação Internacional, deveis manter um critério firme perante este problema fundamental. Da minha parte julguei-me, por isso, no dever de tratar a fundo a matéria, embora com o risco de submeter a vossa paciência a uma dura prova.
Tenho a fazer uma outra observação prévia que respeita ao cidadão Weston. Atento ao que julga ser o interesse da classe operária, ele não só expôs perante vós, como também defendeu publicamente, opiniões que ele sabe serem profundamente impopulares no seio da classe operária. Esta demonstração de coragem moral deve merecer o alto apreço de todos nós. Confio que, apesar do estilo da minha conferência, o cidadão Weston verá que afinal me encontro de acordo com as acertadas ideias que, no meu entender, servem de base às suas teses que, por sua vez e na sua forma actual, não posso deixar de considerar falsas teoricamente e perigosas na prática.
Com isto, passo directamente ao assunto que nos interessa.
O argumento do cidadão Weston baseia-se, na realidade, em duas premissas:
1ª) que o volume da produção nacional é algo de fixo, uma quantidade ou grandeza constante, como diriam os matemáticos;
2ª) que o montante total dos salários reais, isto é, dos salários medidos pelo volume de mercadorias que permitem adquirir, é também uma soma fixa, uma grandeza constante.
Pois bem, a sua primeira afirmação é manifestamente falsa. Vereis que o valor e o volume da produção aumentam de ano para ano, que as forças produtivas do trabalho nacional crescem e que a quantidade de dinheiro necessária para pôr em circulação esta crescente produção varia sem cessar. O que é exacto no fim de cada ano e para diferentes anos comparados entre si, também o é no que respeita a cada dia médio do ano. O volume ou a grandeza da produção nacional varia continuamente. Não é uma grandeza constante, mas variável, e assim tem que ser, mesmo sem levar em conta as flutuações da população, devido às contínuas mudanças que se operam na acumulação de capital e nas forças produtivas do trabalho. É inteiramente certo que se hoje sobreviesse um aumento geral da proporção dos salários na produção líquida, este aumento, por si só, e quaisquer que fossem os seus resultados ulteriores, não alteraria imediatamente o volume da produção. Em primeiro lugar, teria que brotar do estado de coisas existente. E se a produção nacional, antes da subida dos salários era variável e não fixa, continuaria a sê-lo, também, depois.
Admitamos, porém, que o volume da produção nacional fosse constante em vez de variável. Ainda neste caso, aquilo que o nosso amigo Weston considera uma conclusão lógica, permaneceria como uma afirmação gratuita. Se tomo um determinado número, digamos 8, os limites absolutos deste algarismo não impedem que variem os limites relativos dos seus componentes. Por exemplo: se o lucro fosse igual a 6 e os salários a 2, os salários poderiam aumentar até 6 e o lucro baixar a 2, que o número total não deixaria por essa razão de ser 8. Desta maneira, o volume fixo da produção jamais conseguirá provar que seja fixo o montante total dos salários. Como demonstra, então, o nosso amigo Weston essa fixidez? Simplesmente afirmando-a.
Mas mesmo dando como boa a sua afirmação, ela teria efeito nos dois sentidos, ao passo que ele quer fazê-la vigorar apenas num. Se o volume dos salários representa uma quantidade constante, não poderá aumentar, nem diminuir. Portanto, se os operários agem como tolos, ao arrancarem um aumento temporário de salários, não menos tolamente agiriam os capitalistas, ao impor, ao contrário, uma baixa também temporária dos salários. O nosso amigo Weston não nega que, em certas circunstâncias, os operários podem impor aumentos de salários; mas, como segundo ele, a soma dos salários é fixa por lei natural, este aumento provocará necessariamente uma reacção. Por outro lado, ele sabe também que os capitalistas podem, do mesmo modo, impor uma baixa de salários, e tanto assim é que o tentam continuamente. De acordo com o princípio da constância dos salários, neste caso deveria ter lugar uma reacção, exactamente como no caso anterior. Por conseguinte, os operários agiriam com acerto reagindo contra as baixas de salários ou contra as tentativas em tal sentido. Procederiam, portanto, acertadamente ao arrancar aumentos de salários, pois qualquer reacção contra uma baixa de salários é uma acção a favor do seu aumento. Logo, mesmo que aceitássemos o princípio da estabilidade salarial, como sustenta o cidadão Weston, vemos que os operários devem, em certas circunstâncias, unir-se e lutar pelo aumento dos seus salários.
Para negar esta conclusão ele teria que renunciar à premissa em que se baseia. Não deveria dizer que o volume dos salários é uma grandeza constante, mas sim, que embora não possa nem deva aumentar, pode e deve baixar sempre que isso apeteça ao capital. Se o capitalista vos quer alimentar com batatas em vez de carne, ou com aveia em vez de trigo, deveis acatar a sua vontade como uma lei da economia política submetendo-vos a ela. Se num país, por exemplo, nos Estados Unidos, a proporção dos salários no produto líquido nacional é mais alta do que noutro, por exemplo na Inglaterra, deveis explicar esta diferença no nível dos salários como uma diferença entre a vontade do capitalista norte-americano e a do capitalista inglês; método este que, sem dúvida, simplificaria imenso não só o estudo dos fenómenos económicos, como também o de todos os demais fenómenos.
Ainda assim caberia perguntar: por que razão difere a vontade do capitalista norte-americano da do capitalista inglês? E para responder a esta questão, não teriam outro remédio senão ir para além dos domínios da vontade. É possível que um padre me diga que Deus quer uma coisa na França e outra na Inglaterra. E se o convido a explicar esta dualidade de vontade, ele poderá ter a impudência de responder que está nos desígnios de Deus ter uma vontade em França e outra na Inglaterra. Mas o nosso amigo Weston será, com certeza, a última pessoa a converter em argumento esta negação completa de todo o raciocínio.
Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o carácter desses limites.
A conferência proferida pelo cidadão Weston poderia ser condensada a ponto de caber numa casca de noz.
Toda a sua argumentação se reduz ao seguinte: se a classe operária obriga a classe capitalista a pagar-lhe, sob a forma de salário em dinheiro, 5 xelins em vez de 4, o capitalista devolver-lhe-á sob a forma de mercadorias, o valor de 4 xelins em vez do valor de 5. Então a classe operária terá que pagar 5 xelins pelo que antes da subida dos salários lhe custava apenas 4. E por que razão ocorre isto? Porque o capitalista só entrega o valor de 4 xelins por 5? Porque o montante total dos salários é fixo. Mas por que razão se fixa precisamente no valor de 4 xelins em mercadorias? Por que não em 3 ou em 2, ou noutra qualquer quantia? Se o limite do montante dos salários está fixado por uma lei económica, independente tanto da vontade do capitalista como da do operário, a primeira coisa que deveria ter feito o cidadão Weston era expor e demonstrar essa lei. Deveria provar, além disso, que a soma de salários efectivamente pagos em cada momento dado, corresponde sempre, exactamente, à soma necessária dos salários, sem nunca se desviar dela. Em compensação, se o limite dado da soma de salários depende da simples vontade do capitalista, ou das proporções da sua avareza, trata-se de um limite arbitrário, que nada tem em si de necessário. Tanto pode ser modificado pela vontade do capitalista, como também pode fazer-se variar contra a sua vontade.
O cidadão Weston ilustrou a sua teoria dizendo-nos que se uma terrina contém determinada quantidade de sopa, destinada a determinado número de pessoas, a quantidade de sopa não aumentará, aumentando o tamanho das colheres. Seja-me permitido considerar esse exemplo pouco substancioso. Ele faz-me lembrar um pouco aquele apólogo de que se valeu Menménio Agripa. Quando a plebe romana entrou em luta contra os patrícios, o patrício Agripa disse-lhes que a pança patrícia é que alimentava os membros plebeus do organismo político. Mas Agripa não conseguiu demonstrar como se alimentam os membros de um homem quando se enche a barriga de outro. O cidadão Weston, por sua vez, esquece-se que a terrina da qual comem os operários, contém todo o produto do trabalho nacional, e o que os impede de tirar dela uma ração maior não é nem o tamanho reduzido da terrina, nem a escassez do seu conteúdo, mas unicamente a pequena dimensão de suas colheres.
Graças a que artifício consegue o capitalista devolver um valor de 4 xelins por aquilo que vale 5? À subida de preço das mercadorias que vende. Mas então, a alta dos preços, ou falando em termos mais gerais, as variações nos preços das mercadorias, os próprios preços destas, porventura dependem da simples vontade do capitalista? Ou, ao contrário, são necessárias determinadas circunstâncias para que prevaleça essa vontade? Se não fosse assim, as altas e baixas, as incessantes oscilações dos preços no mercado seriam um enigma indecifrável.
Se admitimos que não se operou em absoluto alteração alguma, nem nas forças produtivas do trabalho, nem no volume do capital e do trabalho empregues ou no valor do dinheiro em que se expressam os valores dos produtos, mas que se alterou somente a proporção dos salários no valor criado, de que maneira poderia esta alta de salários influir nos preços das mercadorias? Somente influindo na proporção real entre a oferta e a procura dessas mercadorias.
É inteiramente certo que a classe operária, considerada em conjunto, gasta e será forçosamente obrigada a gastar a sua receita em artigos de primeira necessidade. Uma alta geral da proporção dos salários no valor criado provocaria, portanto, um aumento da procura de artigos de primeira necessidade e, consequentemente, um aumento dos seus preços no mercado. Os capitalistas que produzem estes artigos de primeira necessidade compensariam o aumento de salários por meio da alta dos preços dessas mercadorias. Mas que sucederia com os demais capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? E podeis estar certos que o seu número não é pequeno. Se levardes em conta que duas terças partes da produção nacional são consumidas por um quinto da população – um deputado da Câmara dos Comuns declarou, recentemente, que tais consumidores constituem apenas a sétima parte da nação –, podereis imaginar que enorme parcela da produção nacional se destina a artigos de luxo ou a ser trocada por objectos de luxo, e que uma imensa quantidade de artigos de primeira necessidade se desperdiça em criadagem, cavalos, gatos, etc., esbanjamento esse que, como nos ensina a experiência, diminui consideravelmente com a elevação dos preços dos artigos de primeira necessidade.
Pois bem, qual seria a situação desses capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade? Não poderiam compensar a queda na taxa de lucro, após uma alta geral de salários, elevando os preços das suas mercadorias, visto que a procura destas não teria aumentado. As suas receitas diminuiriam; e com estas receitas diminuídas teriam de pagar mais pela mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, que subiriam de preço. Mas a coisa não pararia aí. Diminuídas as suas receitas, menos teriam para gastar em artigos de luxo, com o que também se reduziria a procura recíproca das suas respectivas mercadorias. E como consequência desta diminuição da procura, cairiam os preços das suas mercadorias. Portanto nestes ramos da indústria, a taxa de lucros cairia, não só em proporção simplesmente à taxa do aumento geral de salários, como, também, essa queda seria proporcional à acção conjunta da alta geral de salários, do aumento de preços dos artigos de primeira necessidade e da baixa de preços dos artigos de luxo.
Qual seria a consequência desta diferença entre as taxas de lucro dos capitais colocados nos diversos ramos da indústria? Ora, a mesma que se produz sempre que, seja qual for a causa, se verificam diferenças nas taxas médias de lucro dos diversos ramos da produção. O capital e o trabalho deslocar-se-iam dos ramos menos rentáveis para os que o fossem mais; e este processo de deslocamento iria durar até que a oferta num ramo industrial aumentasse a ponto de se nivelar com a maior procura e nos demais ramos industriais diminuísse proporcionalmente à menor procura. Uma vez operada esta mudança, a taxa geral de lucro voltaria a igualar-se nos diferentes ramos da indústria. Como todo esse desarranjo obedecia originariamente a uma simples mudança na relação entre a oferta e a procura de diversas mercadorias, cessando a causa, cessariam também os efeitos, e os preços voltariam ao seu antigo nível e ao anterior equilíbrio. A redução da taxa de lucro, por efeito dos aumentos de salários, em vez de limitar-se a uns quantos ramos da indústria, tornar-se-ia geral. Segundo a suposição de que partimos, nenhuma alteração ocorreria, nem nas forças produtivas do trabalho, nem no volume global da produção, sendo que o volume de produção dado apenas teria mudado de forma. Agora, uma maior parte do volume de produção estaria representada por artigos de primeira necessidade, ao passo que diminuiria a parte dos artigos de luxo, ou, o que vem a ser o mesmo, diminuiria a parte destinada à troca por artigos de luxo importados do estrangeiro e consumida desta forma; ou, o que é ainda o mesmo mas em outros termos, uma parte maior da produção nacional seria trocada por artigos importados de primeira necessidade, em lugar de ser trocada por artigos de luxo. Isto quer dizer que, depois de transtornar temporariamente os preços do mercado, a alta geral na proporção dos salários no valor criado só conduziria a uma baixa geral da taxa de lucro, sem introduzir nenhuma alteração permanente nos preços das mercadorias.
Se me disserem que na anterior argumentação dou por estabelecido que todo o aumento de salários se gasta em artigos de primeira necessidade, replicarei que fiz a suposição mais favorável ao ponto de vista do cidadão Weston. Se o aumento dos salários fosse aplicado em objectos que antes não entravam no consumo dos trabalhadores, seria inútil que nos detivéssemos a demonstrar que o seu poder aquisitivo havia experimentado um aumento real. Sendo porém mera consequência da subida de salários, este aumento do poder aquisitivo dos operários terá de corresponder, exactamente, à diminuição do poder aquisitivo por parte dos capitalistas. Quer isto dizer, portanto, que a procura global de mercadorias não aumentaria e apenas mudariam os elementos integrantes dessa procura: o incremento da procura de um lado seria contrabalançado pela diminuição da procura do outro lado. Deste modo, como a procura global permaneceria invariável, não se operaria qualquer mudança nos preços das mercadorias.
Chegamos, assim, a um dilema: ou o incremento dos salários se gasta por igual em todos os artigos de consumo, caso em que o aumento da procura por parte da classe operária tem que ser compensado pela diminuição da procura por parte da classe capitalista; ou o incremento dos salários só se gasta em determinados artigos cujos preços no mercado aumentarão temporariamente. Neste caso, a consequente elevação da taxa de lucro em alguns ramos da indústria e a consequente baixa da taxa de lucro em outros provocarão uma mudança na distribuição do capital e do trabalho, que persiste até que a oferta se tenha ajustado à maior procura em alguns ramos da indústria e à menor procura nos outros. Na primeira hipótese não se produzirá nenhuma mudança nos preços das mercadorias. Na outra hipótese, após algumas oscilações dos preços do mercado, os valores de troca das mercadorias baixarão ao nível anterior. Em ambos os casos, chegaremos à conclusão de que a subida geral dos salários, afinal de contas, conduzirá apenas a uma baixa geral da taxa de lucro.
Para espicaçar o vosso poder de imaginação, o cidadão Weston convidava-vos a pensar nas dificuldades que acarretaria à Inglaterra uma alta geral de 9 para 18 xelins nas jornas dos trabalhadores agrícolas. Meditai, exclamou ele, no enorme acréscimo da procura de artigos de primeira necessidade que isso implicaria e, como consequência, na terrível subida dos preços a que daria lugar! Pois bem, todos sabeis que os salários médios dos trabalhadores agrícolas da América do Norte são mais do dobro dos salários dos trabalhadores agrícolas ingleses, apesar de ali os preços dos produtos agrícolas serem mais baixos do que na Inglaterra, apesar de reinarem nos Estados Unidos as mesmas relações gerais entre o capital e o trabalho que na Inglaterra e apesar de o volume anual da produção norte-americana ser muito mais reduzido do que o da inglesa. Por que razão, então, toca o nosso amigo a rebate este sino? Simplesmente para desviar a nossa atenção do verdadeiro problema. Um aumento repentino de 9 para 18 xelins nos salários representaria um acréscimo repentino de 100 por cento. Ora, não estamos aqui a discutir se seria possível duplicar na Inglaterra, de súbito, a proporção dos salários no valor criado. Não nos interessa em nada a grandeza do aumento, que em cada caso concreto depende das circunstâncias e tem que se adaptar a elas. Apenas nos interessa investigar quais os efeitos em que se traduziria uma alta geral dos salários, mesmo que não fosse além de um por cento.
Pondo de lado este aumento imaginário de 100 por cento do amigo Weston, desejo chamar a vossa atenção para o aumento efectivo de salários operado na Grã-Bretanha na década de 1849 a 1859.
Todos vós conheceis a Lei das Dez Horas ou, mais precisamente, das dez horas e meia, promulgada em 1848. Foi uma das maiores alterações económicas que já presenciámos. Representou um aumento súbito e obrigatório de salários não em umas quantas indústrias locais, mas nos ramos industriais mais eminentes, por meio dos quais a Inglaterra domina os mercados do mundo. Foi uma alta de salários em circunstâncias singularmente desfavoráveis. O dr. Ure, o prof. Senior e todos os demais porta-vozes oficiais da burguesia no campo da economia demonstraram e, devo dizer, com razões muito mais sólidas do que as do nosso amigo Weston, que aquilo era o dobre de finados da indústria inglesa. Demonstraram que não se tratava de um simples aumento de salário, mas de um aumento de salários provocado pela redução da quantidade de trabalho empregue e nessa redução fundamentado. Afirmaram que a duodécima hora que se queria arrebatar ao capitalista era precisamente aquela em que este obtinha o seu lucro. Ameaçaram com o decréscimo da acumulação, a alta dos preços, a perda dos mercados, a redução da produção, a consequente reacção sobre os salários e, por fim, a ruína. Sustentavam que a lei do máximo de Maximiliano Robespierre era uma ninharia comparada com esta; e, até certo ponto, tinham razão. Mas qual foi, na realidade, o resultado? Os salários em dinheiro dos operários fabris aumentaram, apesar de se haver reduzido a jornada de trabalho; cresceu consideravelmente o número de operários em actividade nas fábricas; baixaram constantemente os preços dos seus produtos; desenvolveram-se às mil maravilhas as forças produtivas do seu trabalho e expandiram-se progressivamente, em proporções nunca vistas, os mercados para os seus artigos. Em Manchester, na assembleia da Sociedade pelo Progresso da Ciência, em 1860, eu próprio ouvi o sr. Newman confessar que ele, o dr. Ure, o professor Senior e todos os demais representantes oficiais da ciência económica se haviam equivocado, ao passo que o instinto do povo não falhara. Cito neste passo o sr. W. Newman e não o prof. Francis Newman, porque ele ocupa na ciência económica um lugar proeminente, como colaborador e editor da History of Prices (História dos Preços) da autoria do sr. Thomas Tooke, essa obra magnífica, que estuda a história dos preços desde 1793 a 1856. Se a ideia fixa do nosso amigo Weston sobre um volume fixo dos salários, um volume fixo de produção, um grau fixo de produtividade do trabalho, uma vontade fixa ou constante dos capitalistas e tudo o mais que há de fixo e imutável em Weston, fosse exacta, o prof. Senior teria acertado nos seus sombrios presságios, e Robert Owen ter-se-ia equivocado, ele que já em 1816 pedia uma limitação geral da jornada de trabalho como primeiro passo preparatório para a emancipação da classe operária, implantando-a efectivamente, por conta e risco próprios, na sua fábrica têxtil de New Nanark, contra o preconceito generalizado.
Na mesmíssima época em que entrava em vigor a Lei das Dez Horas e se produzia o subsequente aumento dos salários, ocorreu na Grã-Bretanha, por motivo que não vem ao caso relatar, uma subida geral dos salários dos trabalhadores agrícolas.
Embora não seja indispensável ao meu objectivo imediato, farei algumas observações preliminares, a fim de clarificar alguns aspectos.
Se um homem recebe 2 xelins de salário por semana e o seu salário aumenta para 4 xelins, a taxa de aumento do salário será 100 por cento. Isto, expresso como taxa de aumento de salário, pareceria algo maravilhoso, ainda que na realidade a quantia efectiva do salário, ou seja, os 4 xelins por semana, continue a ser um ínfimo, um mísero salário de fome. Portanto, não vos deveis fascinar pelas altissonantes percentagens da taxa de aumento de salário. Deveis perguntar sempre: qual era a quantia original?
Outra coisa que também compreendereis é que, se há dez operários que ganhem, cada um, 2 xelins por semana, 5 que ganhem 5 xelins cada um e outros 5 que ganhem 11, todos eles, então os 20 ganharão 100 xelins, ou 5 libras esterlinas por semana. Logo, se a soma global destes salários semanais aumentar, digamos uns 20 por cento, haverá uma subida de 5 para 6 libras. Tomando a média, poderíamos dizer que a taxa geral de aumento dos salários foi de 20 por cento, embora na realidade os salários de dez dos operários não variassem, os salários de um dos dois grupos de cinco operários só aumentassem de 5 para 6 xelins por cabeça e os do outro grupo de 5 operários se elevassem, ao todo, de 55 para 70 xelins. Metade dos operários não melhoraria absolutamente nada de situação, a quarta parte deles teria uma melhoria insignificante e somente a quarta parte restante obteria um benefício sensível. Mas, calculando a média, a soma global dos salários destes 20 operários aumentaria em 20 por cento e no que se refere ao capital global, para o qual trabalham, bem como no concernente aos preços das mercadorias que produzem, o efeito seria exactamente o mesmo como se todos participassem por igual na subida média dos salários. No caso dos trabalhadores agrícolas, como os salários médios pagos nos diversos condados da Inglaterra e Escócia diferem consideravelmente, o aumento foi muito desigual.
Enfim, durante a época em que ocorreu aquele aumento de salários, manifestaram-se, também, influências que o contrabalançavam, tais como os novos impostos lançados no cortejo da Guerra da Crimeia, a demolição extensiva das habitações dos trabalhadores agrícolas, etc.
Depois destes prolegómenos, passo a referir que de 1849 a 1859 a taxa de aumento dos salários agrícolas na Grã-Bretanha registada foi de cerca de 40 por cento. Poderia dar-vos amplos detalhes em apoio da minha afirmação, mas para o objectivo em vista creio que bastará indicar-vos a obra de crítica, tão conscienciosa, lida em 1860 pelo finado Sr. John C. Morton, na Sociedade de Artes e Ofícios de Londres, sobre As Forças Aplicadas na Agricultura. Nela o Sr. Morton expõe os dados estatísticos colhidos nas contas e outros documentos autênticos de, aproximadamente, uns cem agricultores em doze condados da Escócia e trinta e cinco da Inglaterra.
Segundo o ponto de vista do nosso amigo Weston, em harmonia com a subida simultânea operada nos salários dos operários fabris, durante o período 1849-1859, os preços dos produtos agrícolas deveriam ter registado um aumento enorme. Mas o que aconteceu realmente? Apesar da Guerra da Crimeia e das péssimas colheitas consecutivas de 1854 a 1856, os preços médios do trigo, o produto agrícola mais importante da Inglaterra, baixaram de cerca de 3 libras esterlinas por quarter, como eram cotados de 1838 a 1848, para cerca de 2 libras e 10 xelins por quarter, nas cotações do período de 1849 a 1859. Isto representa uma descida de mais de 16 por cento no preço do trigo, em simultaneidade com um aumento médio de 40 por cento nos salários agrícolas. Durante a mesma época, se compararmos o final com o começo, quer dizer, o ano de 1859 com o de 1849, o valor oficial do número de indigentes desceu de 934 419 para 860 470, o que supõe uma diferença de 73 949 pobres; reconheço que é um decréscimo muito pequeno, e que se voltou a perder nos anos seguintes, mas, em todo caso, é sempre uma diminuição.
Pode-se objectar que, em consequência da revogação das leis sobre os cereais, a importação de trigo estrangeiro mais que duplicou, no período de 1849-1859, comparada com a de 1838-1848. E que significa isso? Do ponto de vista do cidadão Weston, dever-se-ia supor que esta enorme procura, repentina e incessantemente crescente sobre os mercados estrangeiros tivesse feito subir a uma altura espantosa os preços dos produtos agrícolas, posto que os efeitos de uma crescente procura são os mesmos, quer venham de fora ou de dentro do país. Mas o que ocorreu na realidade? Afora alguns anos de más colheitas, durante todo este período a ruinosa baixa no preço do trigo constituiu um motivo permanente de queixas na França; os norte-americanos viram-se várias vezes obrigados a queimar excedentes da produção; e a Rússia, se acreditarmos no Sr. Urquhart, atiçou a guerra civil nos Estados Unidos, porque a concorrência ianque paralisava a sua exportação de produtos agrícolas para os mercados da Europa.
Reduzido à sua forma abstracta, o argumento do cidadão Weston traduzir-se-ia no seguinte: todo aumento da procura opera sempre na base de um dado volume de produção. Portanto, não pode fazer aumentar nunca a oferta dos artigos procurados, mas unicamente fazer subir o seu preço em dinheiro. Ora, a mais comum das observações demonstra que, em alguns casos, o aumento da procura deixa inalterados os preços das mercadorias e provoca, em outros casos, uma alta passageira dos preços do mercado, à qual se segue um aumento da oferta, por sua vez seguido pela queda dos preços até ao nível primitivo e, em muitos casos, abaixo dele. Que o aumento da procura obedeça à alta dos salários, ou a outra causa qualquer, em nada modifica os dados do problema. Do ponto de vista do cidadão Weston, é tão difícil explicar o fenómeno geral como o que se revela sob as circunstâncias excepcionais de um aumento de salários. Portanto, a sua argumentação não tem nenhum valor para o assunto de que tratamos. Apenas exprimiu a sua perplexidade ante as leis em virtude das quais um acréscimo da procura engendra um acréscimo da oferta, em vez de um aumento definitivo dos preços no mercado.
No segundo dia de debate, nosso amigo Weston vestiu as suas velhas afirmações com novas formas. Disse ele: ao verificar-se uma alta geral dos salários em dinheiro, será necessária maior quantidade de moeda corrente para os pagar. Mas sendo fixa a quantidade de moeda em circulação, como podeis pagar com esta soma fixa, um montante maior de salários em dinheiro? Primeiro, a dificuldade surgia de que, embora subisse o salário em dinheiro do operário, a quantidade de mercadorias que lhe cabia era fixa; e agora surge do aumento de salários em dinheiro, apesar do volume fixo de mercadorias. Naturalmente, se rejeitardes o seu dogma original, desaparecerão também as dificuldades dele resultantes.
Vou demonstrar, contudo, que este problema da circulação do dinheiro não tem absolutamente nada a ver com o tema em questão.
No vosso país, o mecanismo dos pagamentos está muito mais aperfeiçoado do que em qualquer outro país da Europa. Graças à extensão e à concentração do sistema bancário, necessita-se de muito menos moeda para pôr em circulação a mesma quantidade de valores e realizar o mesmo ou um maior número de negócios. No que, por exemplo, respeita aos salários, o operário fabril inglês entrega semanalmente o seu salário ao logista, que semanalmente o envia ao banqueiro, este devolve-o semanalmente ao fabricante, que volta a pagá-lo aos seus operários, e assim por diante. Graças a este processo o salário anual de um operário que se eleva, vamos supor, a 52 libras esterlinas, pode ser pago com um único soberano que percorra o mesmo ciclo todas as semanas. Na própria Inglaterra, este mecanismo de pagamento não é tão perfeito como na Escócia, nem apresenta a mesma perfeição em todos os lugares; por isso vemos que, por exemplo, em alguns distritos agrícolas, comparados com os distritos fabris, muito mais moeda é necessária para fazer circular um menor volume de valores.
Se atravessardes a Mancha, observareis que no Continente os salários em dinheiro são muito mais baixos do que na Inglaterra e, apesar disso, na Alemanha, na Itália, na Suíça e na França, estes salários são postos em circulação mediante uma quantidade muito maior de moeda. O mesmo soberano não vai parar com tanta rapidez às mãos do banqueiro, nem retorna com tanta presteza ao capitalista industrial; por isso, em vez de um soberano fazer circular 52 libras anualmente, talvez sejam necessários três soberanos para movimentar um salário anual no montante de 25 libras. Deste modo, comparando os países do Continente com a Inglaterra, vereis imediatamente que salários baixos em dinheiro podem exigir, para a sua circulação, quantidades muito maiores de moeda do que salários altos e que isso, na realidade, é uma questão meramente técnica e, como tal, estranha ao nosso assunto.
De acordo com os melhores cálculos que conheço, a receita anual da classe operária deste país pode ser estimada nuns 250 milhões de libras esterlinas. Esta soma imensa põe-se em circulação com uns 3 milhões de libras. Suponhamos que se verifica um aumento de salários de 50 por cento. Em vez de 3 milhões seriam precisos 4 milhões e meio de libras em dinheiro circulante. Como uma parte considerável dos gastos diários do operário é coberta em prata e cobre, isto é, em meros símbolos monetários, cujo valor relativo ao ouro é arbitrariamente fixado por lei, tal como o papel-moeda inconvertível, resulta que essa alta de 50 por cento nos salários em dinheiro exigiria, no pior dos casos, a circulação adicional, digamos, de um milhão de soberanos. Lançar-se-ia em circulação, digamos um milhão, agora inactivo, em barras de ouro ou em metal amoedado, nos subterrâneos do Banco da Inglaterra ou de bancos particulares. Poder-se-ia inclusivamente poupar, e efectivamente poupar-se-ia, o insignificante gasto na cunhagem suplementar, ou o maior desgaste deste milhão em moedas, se a necessidade de aumentar a moeda em circulação o ocasionasse. Todos vós sabeis que a moeda deste país se divide em dois grandes grupos. Uma parte, suprida em notas de banco de diversas categorias, é usada nas transacções entre comerciantes, e também entre comerciantes e consumidores, para saldar os pagamentos mais importantes; enquanto outra, a moeda metálica, circula no comércio retalhista. Embora distintas, estas duas classes de moeda misturam-se e combinam-se mutuamente. Assim, as moedas de ouro circulam em boa proporção, mesmo em pagamentos importantes, para cobrir as quantias fraccionárias inferiores a 5 libras. Se amanhã se emitissem notas de 4 libras, de 3 libras ou de 2 libras, o ouro que enche estes canais de circulação seria imediatamente expulso deles, refluindo para os canais em que fosse necessário a fim de atender ao aumento dos salários em dinheiro. Com este processo poderia ser mobilizado o milhão adicional exigido por um aumento de 50 por cento nos salários, sem que se acrescentasse um único soberano ao meio circulante. E o mesmo resultado seria obtido, sem que fosse preciso emitir uma só nota de banco adicional, com o simples aumento de circulação de letras de câmbio, conforme ocorreu no condado de Lencaster, durante muito tempo.
Se um aumento da proporção dos salários no valor criado, vamos dizer, de uns 100 por cento, como supõe o cidadão Weston relativamente aos salários agrícolas, provocasse uma grande alta nos preços dos artigos de primeira necessidade e exigisse, segundo os seus conceitos, uma soma adicional de meios de pagamento, que não se poderia conseguir, logo uma redução geral de salários deveria provocar o mesmo resultado em idêntica proporção, se bem que em sentido contrário. Pois bem, sabeis todos que os anos de 1858 a 1860 foram os mais favoráveis para a indústria algodoeira e que, sobretudo, o ano de 1860 ocupa a este respeito um lugar único nos anais do comércio; foi também um ano de grande prosperidade para os outros ramos industriais. Em 1860, os salários dos operários do algodão e dos demais trabalhadores relacionados com esta indústria chegaram ao seu ponto mais elevado até então. Veio, porém, a crise norte-americana e viram-se todos estes salários de pronto reduzidos aproximadamente a uma quarta parte do seu montante anterior. Em sentido inverso isto teria significado um aumento de 300 por cento. Quando os salários sobem de 5 para 20 xelins dizemos que sobem 300 por cento; se baixam de 20 para 5, dizemos que caem 75 por cento, mas a quantia da subida num caso e da baixa no outro é a mesma, a saber: 15 xelins. Sobreveio, assim, uma mudança repentina na proporção dos salários no valor criado, como jamais se conhecera anteriormente e, essa mudança afectou um número de operários que – não incluindo apenas aqueles que trabalham directamente na indústria algodoeira, mas também os que indirectamente dependiam desta indústria – excedia em cerca de metade o número de trabalhadores agrícolas. Acaso baixou o preço do trigo? Ao contrário, subiu de 47 xelins e 8 pence por quarter, preço médio no triénio de 1858-1860, para 55 xelins e 10 pence por quarter, segundo a média anual referente ao triénio de 1861-1863. Pelo que diz respeito aos meios de pagamento, durante o ano de 1861, cunharam-se na Casa da Moeda 8 673 232 libras contra 3 378 102 cunhadas em 1860. O que vale dizer oue em 1861 se cunharam mais 5 295 130 libras que em 1860. É certo que o volume de papel-moeda em circulação em 1861 foi inferior em 1 319 000 libras ao de 1860. Mas mesmo deduzindo esta soma, ainda persiste para o ano de 1861, comparado com o ano anterior de prosperidade, 1860, um excesso de moeda no valor de 3 976 130 libras, quase 4 milhões de libras; em contrapartida, a reserva de ouro do Banco da Inglaterra neste período de tempo diminuiu; não exactamente na mesma proporção, mas aproximadamente.
Comparai agora o ano de 1862 com o de 1842. Sem contar o formidável aumento do valor e do volume de mercadorias em circulação, o capital desembolsado apenas para cobrir as transacções regulares de acções, empréstimos, etc., de valores dos caminhos-de-ferro, ascendeu, na Inglaterra e Gales, em 1862, à soma de 320 milhões de libras esterlinas, quantia que em 1842 pareceria fabulosa. No entanto as somas globais de meios de circulação foram aproximadamente as mesmas nos anos de 1862 e 1842; e, em termos gerais, haveis de verificar, ante um aumento enorme de valor não só das mercadorias como em geral das operações em dinheiro, uma tendência à diminuição progressiva dos meios de pagamento. Do ponto de vista do nosso amigo Weston, isto é um enigma indecifrável.
Se aprofundasse um pouco mais o assunto, contudo, teria constatado que, independentemente dos salários e supondo a sua fixidez, o valor e o volume das mercadorias postas em circulação e, em geral, o montante das transacções efectuadas com dinheiro, variam diariamente; que o montante das notas de banco emitidas varia diariamente; que o montante dos pagamentos efectuados sem ajuda de dinheiro, por meio de letras, de cheques, de contas correntes, clearing house, etc., varia também diariamente; que, na medida em que se necessita de recorrer à moeda metálica, a proporção entre as moedas que circulam e as moedas e lingotes guardados de reserva ou entesourados nas caves dos bancos, varia diariamente; que a soma do ouro absorvido pela circulação nacional e a soma enviada para o estrangeiro para fins de circulação internacional, variam diariamente. Teria percebido que o seu dogma de um volume fixo dos meios de pagamento é um erro monstruoso, incompatível com a realidade quotidiana. Ter-se-ia informado das leis que permitem aos meios de pagamento adaptar-se a condições que variam permanentemente em lugar de converter a sua falsa concepção das leis da circulação monetária em argumento contra o aumento dos salários.
Nosso amigo Weston faz seu o provérbio latino “repetitio est mater studiorum”, que significa "a repetição é a mãe do estudo", razão pela qual nos repete o seu dogma inicial sob a nova forma de que a redução dos meios de pagamento, resultante de um aumento dos salários, determinaria uma diminuição do capital, etc. Depois de haver tratado de sua fantasiosa teoria da moeda, considero de todo inútil deter-me a examinar as consequências imaginárias que ele crê emanarem da sua imaginária catástrofe dos meios de pagamento. Passo, pois, imediatamente, a reduzir à forma teórica mais simples o seu dogma, que é único e sempre o mesmo, embora repetido sob tantas formas diferentes.
Uma única observação evidenciará a ausência de sentido crítico com que ele trata o tema. Declara-se contrário ao aumento de salários ou aos salários altos, obtidos em consequência deste aumento. Pois bem, pergunto eu: o que são salários altos e o que são salários baixos? Porque é que, por exemplo, 5 xelins semanais são considerados como um salário baixo e 20 por semana são reputados de um salário alto? Se um salário de 5 é baixo, em comparação com um de 20, o de 20 será também mais baixo comparado com um de 200. Se alguém fizesse uma conferência sobre o termómetro e se pusesse a declamar sobre graus altos e graus baixos, nada nos ensinaria. A primeira coisa que teria de explicar é como se encontra o ponto de congelamento e o ponto de ebulição, e como estes dois pontos-padrão obedecem às leis naturais e não à fantasia dos vendedores ou dos fabricantes de termómetros. Ora, no que se refere a salários e lucros, o cidadão Weston não só se esqueceu de deduzir das leis económicas esses pontos-padrão, como também não sentiu sequer a necessidade de procurá-los. Contenta-se com admitir as expressões vulgares e correntes de alto e baixo, como se estes termos tivessem algum significado fixo, apesar de que salta à vista que os salários só podem ser qualificados de altos ou baixos através de alguma norma que nos permita medir a sua grandeza.
O cidadão Weston não poderá dizer-me por que se paga uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho. Se me respondesse que isso é regulado pela lei da oferta e da procura, eu pedir-lhe-ia antes de mais nada que me dissesse qual a lei que, por sua vez, regula a da oferta e da procura. E esta réplica pô-lo-ia imediatamente fora de combate. As relações entre a oferta e a procura de trabalho acham-se sujeitas a constantes modificações e com elas flutuam os preços do trabalho no mercado. Se a procura excede a oferta, sobem os salários; se a oferta supera a procura, os salários baixam, ainda que em certas circunstâncias possa ser necessário comprovar o verdadeiro estado da procura e da oferta por uma greve, por exemplo, ou outro procedimento qualquer. Mas tomar a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, torna tão pueril quanto inútil clamar contra uma elevação de salários, visto que, de acordo com a lei suprema invocada, as altas periódicas dos salários são tão necessárias e tão legítimas como as suas baixas. E se não considerais a oferta e a procura como lei reguladora dos salários, então repito a minha pergunta: por que se dá uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho?
Focalizemos o assunto de forma ampla: equivocar-vos-eis absolutamente, caso acrediteis que o valor do trabalho ou de qualquer outra mercadoria se determina, em última análise, pelo jogo da procura e da oferta. A oferta e a procura só regulam as oscilações temporárias dos preços no mercado. Explicam porque o preço de um artigo no mercado se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas nunca explicam esse valor em si mesmo. Suponhamos que a oferta e a procura se equilibrem ou, como dizem os economistas, se cobrem mutuamente. No preciso instante em que estas duas forças contrárias se nivelam, paralisam-se mutuamente e deixam de actuar num ou noutro sentido. No mesmo instante em que a oferta e a procura se equilibram e deixam, portanto, de actuar, o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor real, com o preço normal em torno do qual oscilam seus preços no mercado. Por conseguinte, se queremos investigar o carácter deste valor, não nos devemos preocupar com os efeitos transitórios que a oferta e a procura exercem sobre os preços do mercado. E outro tanto caberia dizer dos salários e dos preços de todas as demais mercadorias.
Reduzidos à sua expressão teórica mais simples, todos os argumentos de nosso amigo se traduzem num só e mesmo dogma: "os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários".
Ante esta heresia antiquada e desacreditada, eu poderia invocar o testemunho da observação prática. Poderia dizer-vos que os operários fabris, os mineiros, os estivadores e outros operários ingleses, cujo trabalho é relativamente bem pago, vencem a todas as demais nações pela barateza dos seus produtos, enquanto, por exemplo, o trabalhador agrícola inglês, cujo trabalho é relativamente mal pago, é batido por quase todos os demais países, em consequência da carestia de seus produtos. Comparando uns artigos com outros, dentro do mesmo país, e as mercadorias de países distintos entre si, poderia demonstrar que, se abstrairmos algumas excepções mais aparentes que reais, em termos médios o trabalho bem remunerado produz mercadorias baratas e o trabalho mal pago, mercadorias caras. Isto, naturalmente, não demonstraria que o elevado preço do trabalho em certos casos e, em outros, o seu preço baixo, sejam as respectivas causas desses efeitos diametralmente opostos mas, em todo caso, serviria para provar que os preços das mercadorias não são determinados pelos preços do trabalho. Todavia, prescindiremos perfeitamente deste método empírico.
Poder-se-ia, talvez, negar que o cidadão Weston sustente o dogma de que "os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários". De facto, ele jamais formulou este dogma. Disse, ao contrário, que o lucro e a renda do solo são também partes integrantes dos preços das mercadorias, posto que destes têm de sair não só os salários dos operários como os lucros dos capitalistas e as rendas dos proprietários da terra. Porém, no seu modo de ver, como se formam os preços? Formam-se, em primeiro lugar, pelos salários; em seguida, soma-se ao preço uma percentagem adicional em benefício do capitalista e outros tantos por cento adicionais em benefício do proprietário da terra. Suponhamos que os salários do trabalho investido na produção de uma mercadoria ascendem a 10. Se a taxa de lucro fosse de 100 por cento, o capitalista acrescentaria 10 aos salários desembolsados, e se a taxa de renda fosse também de 100 por cento sobre os salários, ter-se-ia que acrescentar mais 10, com o que o preço total da mercadoria viria a cifrar-se em 30. Semelhante determinação do preço, porém, estaria presidida unicamente pelos salários. Se estes, no nosso exemplo, subissem a 20, o preço da mercadoria elevar-se-ia a 60 e assim sucessivamente. Eis porque todos os antigos escritores de economia política que alvitravam a tese de que os salários regulam os preços, intentavam prová-la apresentando o lucro e a renda do solo como simples percentagens adicionais sobre os salários. Nenhum deles era, naturalmente, capaz de reduzir os limites dessas percentagens a uma lei económica. Pareciam, ao contrário, acreditar que os lucros se fixavam pela tradição, costume, vontade do capitalista, ou por qualquer outro método igualmente arbitrário e inexplicável. Quando afirmavam que os lucros são determinados pela concorrência entre os capitalistas não explicavam absolutamente nada. Esta concorrência por certo nivela as diferentes taxas de lucros das diversas indústrias, ou seja, redu-las a um nível médio, porém jamais pode determinar este nível, ou a taxa geral de lucro.
Que queremos dizer quando afirmamos que os preços das mercadorias são determinados pelos salários? Como o salário não é mais do que uma denominação do preço do trabalho, queremos dizer com isso que os preços das mercadorias são regulados pelo preço do trabalho. E como "preço" é valor de troca expresso em dinheiro – e quando falo de valor refiro-me sempre ao valor de troca –, aquela afirmação equivale à seguinte: "o valor das mercadorias é determinado pelo valor do trabalho", ou, o que vem a dar no mesmo, "o valor do trabalho é a medida geral do valor".
Mas, por sua vez, como se determina o "valor do trabalho"? Aqui, chegamos a um ponto morto. A um ponto morto, sem dúvida, se tentarmos raciocinar com lógica. Porém, os proponentes desta teoria não têm lá grandes escrúpulos em matéria de lógica. Tomemos o nosso amigo Weston, como exemplo. Primeiro, dizia-nos que os salários regulavam os preços das mercadorias e que, portanto, quando os salários subiam, estes deviam subir também. Depois, dava meia volta para nos demonstrar que um aumento de salários não serviria para nada, visto que também subiriam os preços das mercadorias, e os salários se mediam, na realidade, pelos preços das mercadorias com eles compradas. Assim, partindo da afirmativa de que o valor do trabalho determina o valor da mercadoria, viemos parar na afirmativa de que o valor da mercadoria determina o valor do trabalho. Nada mais fazemos do que mover-nos num círculo vicioso, sem chegar a nenhuma conclusão.
No geral, é evidente que, tomando a valor de uma mercadoria, por exemplo, o trabalho, o trigo ou outra mercadoria qualquer, como medida e regulador geral do valor, apenas iludimos a dificuldade, já que determinamos um valor por outro, que, por sua vez, também necessita ser determinado.
Expresso na sua forma mais abstracta, o dogma de que "os salários determinam os preços das mercadorias" equivale a dizer que "o valor se determina pelo valor", e esta tautologia só demonstra, na realidade, que nada sabemos a respeito do valor. Se admitíssemos semelhante premissa, toda a argumentação acerca das leis gerais da economia política converter-se-ia em mera tagarelice. Por isso devemos reconhecer a Ricardo o grande mérito de haver destruído até aos fundamentos, com a sua obra sobre os Princípios da Economia Política, publicada em 1817, o velho erro, tão divulgado e gasto, de que "os salários determinam os preços", falácia já rechaçada por Adam Smith e seus predecessores franceses na parte verdadeiramente científica de suas investigações, mas que, não obstante, eles reproduziram nos seus capítulos mais comuns e vulgarizados.
Cidadãos! Cheguei ao ponto em que devo necessariamente entrar no verdadeiro desenvolvimento do tema. Não posso assegurar que o faça de maneira muito satisfatória, pois isso, obrigar-me-ia a percorrer todo o campo da economia política. Apenas posso, como dizem os franceses, a effleurer la question, tocar os aspectos fundamentais do problema.
A primeira pergunta que há a fazer é esta: o que é o valor de uma mercadoria? Como se determina esse valor?
À primeira vista, parecerá que o valor de uma mercadoria é algo completamente relativo, que não se pode determinar sem pôr uma mercadoria em relação com todas as outras. Com efeito, quando falamos do valor, do valor de troca de uma mercadoria, entendemos as quantidades proporcionais nas quais é trocada por todas as demais mercadorias. Isto, porém, leva-nos a perguntar: como se regulam as proporções em que umas mercadorias se trocam por outras?
Sabemos por experiência que essas proporções variam até ao infinito. Tomemos uma única mercadoria, por exemplo, o trigo, e veremos que um quarter de trigo se permuta por outras mercadorias numa série quase infinita de graus de proporção diferentes. E, não obstante, como o seu valor é sempre o mesmo, quer se expresse em seda, em ouro, ou qualquer outra mercadoria, este valor tem que ser forçosamente algo de distinto e independente dessas diferentes proporções em que se troca por outros artigos. Tem que ser possível exprimir, de uma forma muito diferente, estas diversas equações com várias mercadorias.
De resto, quando digo que um quarter de trigo se troca por ferro numa determinada proporção ou que o valor de um quarter de trigo se expressa numa determinada quantidade de ferro, digo que o valor do trigo ou seu equivalente em ferro são iguais a uma terceira coisa, que não é trigo nem ferro, pois suponho que ambos exprimem a mesma grandeza sob duas formas distintas. Portanto, cada um destes dois objectos, tanto o trigo como o ferro, deve poder reduzir-se, independentemente um do outro, àquela terceira coisa, que é a medida comum de ambos.
Para esclarecer este ponto, recorrerei a um exemplo geométrico muito simples. Quando comparamos a área de vários triângulos das mais diversas formas e grandezas, ou quando comparamos triângulos com rectângulos, ou com outra qualquer figura rectilínea, qual é o processo que empregamos? Reduzimos a área do triângulo qualquer a uma expressão completamente distinta da sua forma visível. E como, pela natureza do triângulo, sabemos que a área desta figura geométrica é sempre igual à metade do produto de sua base pela sua altura, conseguimos comparar entre si os diversos valores de toda classe de triângulos e de todas as figuras rectilíneas, já que todas elas se podem reduzir a um certo número de triângulos.
Devemos seguir o mesmo processo para os valores das mercadorias. Temos que poder reduzi-los todos à mesma expressão, distinguindo-os unicamente pela proporção em que contêm essa mesma e idêntica medida.
Como os valores de troca das mercadorias não passam de funções sociais das mesmas, e nada têm a ver com suas propriedades naturais, devemos antes de mais nada perguntar: qual é a substância social comum a todas as mercadorias? É o trabalho. Para produzir uma mercadoria tem que se empregar nela ou a ela incorporar uma determinada quantidade de trabalho. E não simplesmente trabalho, mas trabalho social. Aquele que produz um objecto exclusivamente para seu uso pessoal, para consumi-lo, cria um produto, mas não uma mercadoria. Como produtor que se mantém a si mesmo, nada tem a ver com a sociedade. Mas para produzir uma mercadoria, não só se tem de criar um artigo que satisfaça uma necessidade social qualquer, como também o trabalho nele incorporado deverá representar uma parte integrante da soma global de trabalho investido pela sociedade. Tem que estar subordinado à divisão de trabalho dentro da sociedade. Não existe sem os demais sectores do trabalho e, por sua vez, tem de integrá-los.
Quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, fixado ou, se assim quiserdes, cristalizado. Consideradas deste modo, só se podem distinguir umas das outras enquanto se representam quantidades maiores ou menores de trabalho; assim, por exemplo, num lenço de seda pode encerrar-se uma quantidade maior de trabalho do que num tijolo. Mas como se medem as quantidades de trabalho? Pelo tempo que dura o trabalho, medido em horas, dias, etc. Naturalmente, para aplicar esta dimensão, todas as espécies de trabalho se reduzem a trabalho médio ou simples, como a sua unidade de medida.
Chegamos, assim, a esta conclusão: uma mercadoria tem um determinado valor por ser a cristalização de um trabalho social. A grandeza de seu valor, ou o seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessa substância social que encerra, quer dizer, da quantidade relativa de trabalho indispensável à sua produção. Portanto, os valores relativos das mercadorias determinam-se pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho investidas, realizadas, ou nelas fixadas. As quantidades de mercadorias correspondentes, que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho, são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho fixada numa está para a quantidade de trabalho fixada na outra.
Suspeito que muitos de vós perguntareis: existirá uma diferença tão grande, supondo que exista alguma, entre a determinação dos valores das mercadorias com base dos salários e sua determinação pelas quantidades relativas de trabalho indispensáveis à sua produção? Não deveis perder de vista que a retribuição do trabalho e a quantidade de trabalho são realidades completamente distintas. Suponhamos, por exemplo, que num quarter de trigo e numa onça de ouro se fixam quantidades iguais de trabalho (valho-me deste exemplo porque já foi usado por Benjamin Franklin no seu primeiro ensaio, publicado em 1729, sob o título de Uma Modesta Investigação Sobre a Natureza e a Necessidade do Papel-Moeda, que é um dos primeiros livros em que o autor reconhece a verdadeira natureza do valor). Pois bem, suponhamos, como ficou dito, que um quarter de trigo e uma onça de ouro são valores iguais ou equivalentes, por serem cristalizações de quantidades iguais de trabalho médio, de tantos dias ou semanas de trabalho fixado em cada uma delas. Acaso, ao calcular desta forma os valores relativos do ouro e do trigo, fazemos qualquer referência aos salários que recebem os operários agrícolas e os mineiros? Absolutamente nenhuma. Não dizemos, nem sequer remotamente, como se paga o trabalho diário ou semanal destes trabalhadores, nem ao menos dizemos se foi empregue ou não trabalho assalariado. Ainda supondo que se emprega trabalho assalariado, os salários podem ser muito desiguais. Pode acontecer que o operário cujo trabalho se fixa no quarter de trigo só receba dois bushels enquanto que o operário que trabalha na mina pode ter recebido metade da onça de ouro. Ou, supondo que os seus salários sejam iguais, podem diferir nas mais diversas proporções dos valores das mercadorias por eles produzidas. Podem representar a metade, a terça, quarta ou quinta parte, ou outra fracção qualquer daquele quarter de trigo, ou daquela onça de ouro. Naturalmente, os seus salários não podem exceder os valores das mercadorias por eles produzidas, não podem ser maiores que estes, mas podem ser inferiores em todos os graus imagináveis. Os seus salários ver-se-ão limitados pelos valores dos produtos, mas os valores dos produtos não se verão limitados pelos salários. E sobretudo aqueles valores, os valores relativos do trigo e do ouro, do exemplo, serão fixados sem atentar em nada no valor do trabalho neles investido, isto é, sem atender em nada aos salários. A determinação dos valores das mercadorias pelas quantidades relativas de trabalho nelas fixado difere, como se vê, radicalmente, do método tautológico da determinação dos valores das mercadorias pelo valor do trabalho, ou seja pelos salários. Teremos oportunidade de esclarecer melhor este ponto no decurso da nossa investigação.
Para calcular o valor de troca de uma mercadoria, temos de acrescentar à quantidade de trabalho empregue nela em último lugar, a que antes se incorporou nas matérias-primas com que se elabora a mercadoria bem como o trabalho incorporado nos meios de trabalho – ferramentas, maquinaria e edifícios – necessários à produção. Por exemplo, o valor de uma determinada quantidade de fio de algodão é a cristalização da quantidade de trabalho incorporada ao algodão durante o processo da fiação e, além disso, da quantidade de trabalho anteriormente fixado nesse algodão, da quantidade de trabalho encerrada no carvão, no óleo e em outras matérias auxiliares empregues, bem como da quantidade de trabalho realizado, na máquina a vapor, nos fusos, no edifício da fábrica, etc. Os instrumentos de produção propriamente ditos, tais como ferramentas, maquinaria e edifícios, utilizam-se constantemente, durante um período de tempo mais ou menos longo, em processos repetidos de produção. Se se consumissem de uma vez, como acontece com as matérias-primas, transferir-se-ia imediatamente todo o seu valor para a mercadoria que ajudam a produzir. Mas como um fuso, por exemplo, só se desgasta aos poucos, calcula-se um termo médio tomando por base a sua duração média, o seu aproveitamento médio ou a sua deterioração ou desgaste médio durante um determinado tempo, digamos, um dia. Deste modo calculamos qual a parte do valor dos fusos que passa ao fio fabricado durante um dia e que parte, portanto, dentro da soma global de trabalho realizado, por exemplo, numa libra de fio, corresponde à quantidade de trabalho anteriormente incorporado nos fusos. Para o objectivo que visamos é desnecessário insistir mais neste ponto.
Poderia parecer que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho que se investe na sua produção, quanto mais preguiçoso ou inábil fosse um operário, mais valiosa seria a mercadoria por ele produzida, pois que o tempo de trabalho necessário para produzi-la seria proporcionalmente maior. Mas aquele que assim pensa incorre num erro lamentável. Lembrai-vos que eu empregava a expressão “trabalho social” e nesta denominação de “social” cabem muitas realidades. Ao dizer que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho nela incorporado ou cristalizado, temos presente a quantidade de trabalho necessário para produzir essa mercadoria num dado estado social, sob determinadas condições sociais médias de produção, com uma dada intensidade social média e com uma destreza média aplicada ao trabalho. Quando, na Inglaterra, o tear a vapor começou a competir com o tear manual, para converter uma determinada quantidade de fio numa jarda de tecido de algodão ou pano, bastava a metade da duração de trabalho que anteriormente se investia. Agora o pobre tecelão manual tinha que trabalhar 17 ou 18 horas diárias, em vez das 9 ou 10 de antes. Não obstante, o produto das suas 20 horas de trabalho só representava 10 horas de trabalho social, isto é, 10 horas de trabalho socialmente necessário para converter uma determinada quantidade de fio em tecidos. Portanto, o seu produto de 20 horas não tinha mais valor do que aquele antes elaborado em 10.
Por conseguinte, se a quantidade de trabalho socialmente necessário, materializado nas mercadorias, é o que determina o seu valor de troca, ao crescer a quantidade de trabalho exigível para produzir uma mercadoria, aumenta necessariamente o seu valor e vice-versa, diminuindo aquela, baixa este.
Se as respectivas quantidades de trabalho necessárias para produzir as respectivas mercadorias permanecessem constantes, seriam também constantes seus valores relativos. Porém, não sucede assim. A quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria varia constantemente, ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado. Quanto maiores são as forças produtivas, mais produtos se elaboram num dado tempo de trabalho e quanto menores, menos produtos são produzidos no mesmo tempo. Por exemplo, se ao crescer a população se tornasse necessário cultivar terras menos férteis, teríamos que investir uma quantidade maior de trabalho para obter a mesma produção, o que provocaria uma subida no valor dos produtos agrícolas. Por outro lado, se um só fiandeiro, com os modernos meios de produção, ao fim do dia converte em fio mil vezes mais algodão que antes fiava no mesmo espaço de tempo com auxílio da roca, é evidente que agora cada libra de algodão absorverá mil vezes menos trabalho de fiação que dantes e, por consequência, o valor que o novo processo de fiação incorpora em cada libra de algodão será mil vezes menor. Na mesma proporção baixará o valor do fio.
Descontadas as diferenças nas energias naturais e na destreza adquirida para o trabalho entre os diversos povos, as forças produtivas dependerão principalmente:
1. – Das condições naturais do trabalho: fertilidade do solo, riqueza dos jazigos minerais, etc.
2. – Do aperfeiçoamento progressivo das forças sociais do trabalho por efeito da produção em grande escala, da concentração do capital, da combinação do trabalho, da divisão do trabalho, da maquinaria, do aperfeiçoamento dos métodos, da aplicação dos meios químicos e de outras forças naturais, da redução do tempo e do espaço graças aos meios de comunicação e de transporte, e todos os demais inventos pelos quais a ciência obriga as forças naturais a servir o trabalho e pelos quais desenvolve o carácter social e cooperativo do trabalho. Quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, menos trabalho se emprega numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é o valor destes produtos. Quanto menores são as forças produtivas, mais trabalho se emprega na mesma quantidade de produtos e, por consequência, maior é o seu valor. Podemos, então, estabelecer como lei geral o seguinte:
Os valores das mercadorias estão na razão directa do tempo de trabalho investido na sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregue.
Como até aqui só temos falado do valor, acrescentarei algumas palavras acerca do preço, que é uma forma particular assumida pelo valor.
Em si mesmo, o preço não é senão a expressão do valor em dinheiro. Os valores de todas as mercadorias deste país, por exemplo, exprimem-se em preços-ouro, enquanto que no Continente se expressam quase sempre em preços-prata. O valor do ouro ou o da prata, determina-se como o de qualquer mercadoria, pela quantidade de trabalho necessário à sua extracção. Permutais uma certa quantidade dos vossos produtos nacionais, na qual se cristaliza uma determinada quantidade do vosso trabalho nacional, pelos produtos dos países produtores de ouro e de prata, nos quais se cristaliza uma determinada quantidade do seu trabalho. É por este processo, na verdade pela simples troca, que aprendeis a expressar em ouro e prata os valores de todas as mercadorias, isto é, as respectivas quantidades de trabalho empregues na sua produção. Aprofundando mais a expressão “valor do dinheiro” ou, o que vem a ser o mesmo, “conversão do valor em preço”, vereis que se trata de um processo por meio do qual dais aos valores de todas as mercadorias uma forma independente e homogénea, por meio da qual exprimis estes valores como quantidades iguais de trabalho social. Na medida em que é apenas a expressão do valor em dinheiro, o preço foi denominado “preço natural” por Adam Smith e prix nécessaire pelos fisiocratas franceses.
Que relação guardam pois o valor e os preços do mercado ou os preços naturais e os preços do mercado? Todos sabeis que o preço do mercado é o mesmo para todas as mercadorias da mesma espécie, por muito que variem as condições de produção dos produtores individuais. Os preços do mercado não fazem mais que expressar a quantidade média de trabalho social que, nas condições médias de produção, é necessária para abastecer o mercado com determinada quantidade de um certo artigo. Calculam-se conforme a quantidade global de uma mercadoria de determinada espécie.
Até agora, o preço de uma mercadoria no mercado coincide com o seu valor. Por outra lado, as oscilações dos preços do mercado que umas vezes excedem o valor e outras ficam abaixo, dependem das flutuações da oferta e da procura. Os preços do mercado desviam-se constantemente dos valores mas, como diz Adam Smith:
"O preço natural é... o preço central em torno do qual gravitam constantemente os preços das mercadorias. Diversos factos circunstanciais podem mantê-los erguidos muito acima desse ponto e, por vezes, precipitá-los um pouco abaixo. Contudo, quaisquer que sejam os obstáculos que os impeçam de se deter neste centro de repouso e estabilidade, eles tendem continuamente para ele."
Não posso agora esmiuçar este assunto. Basta dizer que se a oferta e a procura se equilibram, os preços das mercadorias no mercado corresponderão aos seus preços naturais, isto é, aos seus valores, os quais se determinam pelas respectivas quantidades de trabalho indispensável à sua produção. Mas a oferta e a procura devem tender constantemente para o equilíbrio, embora só o alcancem compensando uma flutuação com outra, uma alta com uma baixa e vice-versa. Se em vez de considerar somente as flutuações diárias, analisardes o movimento dos preços do mercado durante um período mais longo, como o fez, por exemplo, o Sr. Tooke, na sua História dos Preços, descobrireis que as flutuações dos preços no mercado, os seus desvios de valor, as suas altas e baixas, se compensam mutuamente e neutralizam-se de tal maneira que, postas à margem da influência exercida pelos monopólios e algumas outras restrições que aqui temos de passar por alto, todas as espécies de mercadorias se vendem, em média, pelos respectivos valores ou preços naturais. Os períodos médios de tempo, durante os quais se compensam entre si as flutuações dos preços no mercado, diferem segundo as diversas espécies de mercadorias porque a adaptação da oferta à procura numas é mais fácil do que nas outras.
Então, falando de um modo geral e abarcando períodos de tempo bastante longos, se todas as espécies de mercadorias se vendem pelos respectivos valores, é absurdo supor que o lucro – não em casos isolados, mas o lucro constante e normal das diversas indústrias – brote de uma majoração dos preços das mercadorias, ou do facto de se venderem por um preço que exceda o seu valor. O absurdo desta ideia fica evidente quando a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, teria de o perder constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O que estes pagassem ao produtor, havê-lo-iam recebido anteriormente dele gratuitamente. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercadorias, nunca enriquecereis por mais caro que as vendais. Esta espécie de negócios poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro.
Portanto, para explicar o carácter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado. Se não conseguis explicar o lucro nesta base, de nenhum outro modo conseguireis explicá-lo. Isto parece um paradoxo e contrário à observação de todos os dias. Mas também parece paradoxal que a Terra gire ao redor do Sol e que a água seja formada por dois gases altamente inflamáveis. As verdades científicas serão sempre paradoxais quando julgadas pela experiência quotidiana, a qual só apreende a aparência enganadora das coisas.
Depois de termos analisado, na medida em que podíamos fazê-lo num exame tão rápido, a natureza do valor, do valor de uma mercadoria qualquer, devemos virar a nossa atenção para o valor particular do trabalho. E aqui tenho que, novamente, vos surpreender com outro aparente paradoxo. Todos vós estais completamente convencidos de que aquilo que vendeis todos os dias é o vosso trabalho, de que, portanto, o trabalho tem um preço e de que, uma vez que o preço de uma mercadoria mais não é que a expressão do seu valor em dinheiro, deve existir, sem dúvida alguma, qualquer coisa parecida com o valor do trabalho. E, no entanto, não existe tal coisa como o valor do trabalho, no sentido corrente da palavra. Vimos que a quantidade de trabalho necessário cristalizado numa mercadoria constitui o seu valor. Aplicando agora este conceito de valor, como poderíamos, por exemplo, determinar o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas? Quanto trabalho está contido nessa jornada? Dez horas de trabalho. Se disséssemos que o valor de uma jornada de trabalho de 10 horas equivale a 10 horas de trabalho, ou à quantidade de trabalho nela contido, faríamos uma afirmação tautológica e, além disso, sem sentido. Naturalmente, depois de haver desentranhado o sentido verdadeiro, embora oculto, da expressão “valor do trabalho”, estaremos em condições de interpretar esta aplicação irracional e aparentemente impossível do valor, do mesmo modo que podemos explicar os movimentos aparentes ou somente perceptíveis em certas formas dos corpos celestes, depois de termos descoberto os seus movimentos reais.
O que o operário vende não é propriamente o seu trabalho, mas sim a sua força de trabalho, cedendo temporariamente ao capitalista o direito de dispor dela. Tanto é assim que – não sei se nas leis inglesas também – algumas leis continentais fixam o máximo de tempo pelo qual uma pessoa tem o direito de vender a sua força de trabalho. Se lhe fosse permitido vendê-la sem limitação de tempo, teríamos imediatamente restabelecida a escravatura. Se o operário se vendesse, por exemplo, por toda a vida, semelhante venda convertê-lo-ia, sem demora, em escravo do patrão até ao final dos seus dias.
Thomas Hobbes, um dos mais antigos economistas e dos mais originais filósofos da Inglaterra, já havia assinalado instintivamente no seu Leviathan, um ponto que escapou a todos os seus sucessores imediatos. Dizia ele: "o valor de um homem é, como o de todas as coisas, o seu preço; quer dizer, o que se pagaria pelo uso da sua força".
Partindo desta base podemos determinar o valor do trabalho, como o de qualquer outra mercadoria.
Mas, antes de fazê-lo, é justo perguntar: qual a origem desse fenómeno singular de, no mercado, encontrarmos um grupo de compradores que possuem terras, maquinaria, matérias-primas e meios de vida, coisas essas que, excepto a terra virgem, são produtos do trabalho e, por outro lado, um grupo de vendedores que nada têm a vender senão a sua força de trabalho, os seus braços laboriosos e cérebros? Como se explica que um dos grupos compre constantemente para obter lucro e enriquecer, enquanto o outro vende constantemente para ganhar o pão do cada dia? A investigação deste problema seria uma investigação do que os economistas chamam "acumulação prévia ou originária", mas que deveria chamar-se “expropriação originária”. E veríamos que esta chamada acumulação originária não é senão uma série de processos históricos que resultaram na decomposição da unidade originária existente entre o homem trabalhador e os seus instrumentos de trabalho. Todavia, esta observação sai fora da órbita do nosso tema actual. Uma vez consumada a separação entre o trabalhador e os seus instrumentos de trabalho, este estado de coisas manter-se-á e reproduzir-se-á em escala sempre crescente, até que uma revolução do sistema de produção, nova e radical, a deite por terra e restaure a primitiva unidade sob uma forma histórica moderna.
O que é, pois, o valor da força de trabalho? Como o de qualquer outra mercadoria, este valor é determinado pela quantidade de trabalho necessário para produzi-la. A força de trabalho de um homem consiste, pura e exclusivamente, na sua individualidade viva. Para poder fazê-la desenvolver e manter, um homem precisa de consumir uma determinada quantidade de meios de subsistência. O homem, como a máquina, desgasta-se e tem que ser substituído. Além da soma de artigos de primeira necessidade indispensáveis para o seu próprio sustento, ele precisa de outra quantidade dos mesmos artigos para criar determinado número de filhos, que o hão-de substituir no mercado de trabalho e perpetuar a raça dos trabalhadores. Além disso, tem que gastar outra soma de valores no desenvolvimento da sua força de trabalho e na aquisição de uma certa destreza. Para o nosso objectivo bastar-nos-á considerar o trabalho médio, cujos gastos de educação e aperfeiçoamento são grandezas insignificantes. Contudo, devo aproveitar a ocasião para constatar que, assim como diferem os custos de produção de força de trabalho de diferente qualidade, assim têm, também, que ser diferentes os valores das forças de trabalho aplicadas nas várias indústrias. Por consequência, o grito pela igualdade de salários assenta num erro, é um desejo absurdo, que jamais se realizará. É um rebento desse falso e superficial radicalismo que admite as premissas mas procura fugir às conclusões. No regime de salariato, o valor da força de trabalho fixa-se como o de outra mercadoria qualquer; e como espécies distintas da força de trabalho possuem valores distintos ou exigem para a sua produção distintas quantidades de trabalho, necessariamente hão-de ter preços diferentes no mercado de trabalho. Pedir uma retribuição igual ou simplesmente uma retribuição justa, em regime de salariato, é o mesmo que pedir liberdade num sistema baseado na escravatura. O que pudésseis considerar justo ou equitativo não vem ao caso. O problema está em saber o que é necessário e inevitável num dado sistema de produção.
Depois do que dissemos, o valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho.
Suponhamos agora que a quantidade média diária de artigos de primeira necessidade imprescindíveis à vida de um operário exige seis horas de trabalho médio para a sua produção. Suponhamos, além disso, que estas 6 horas de trabalho médio se materializam numa quantidade de ouro equivalente a 3 xelins. Nestas condições, os 3 xelins seriam o preço ou a expressão em dinheiro do valor diário da força de trabalho desse homem. Trabalhando 6 horas diárias, ele produziria diariamente um valor suficiente para comprar a quantidade média diária de artigos de primeira necessidade para se manter como operário.
Mas o nosso homem é um assalariado. Portanto, precisa de vender a sua força de trabalho a um capitalista. Se a vende por 3 xelins diários, ou 18 semanais, vende-a pelo seu valor. Vamos supor que se trata de um fiandeiro. Trabalhando 6 horas por dia, incorporará diariamente no algodão um valor de 3 xelins. Este valor diariamente incorporado representaria o equivalente exacto do seu salário, ou o preço de sua força de trabalho, o valor que receberia em cada dia. Mas neste caso não restaria para o capitalista qualquer mais-valia ou sobreproduto. É aqui, então, que tropeçamos com a verdadeira dificuldade.
Ao comprar a força de trabalho do operário e ao pagá-la pelo seu valor, o capitalista adquire, como qualquer outro comprador, o direito de consumir ou usar a mercadoria comprada. A força de trabalho de um homem é consumida, ou usada, fazendo-o trabalhar, assim como se consome ou se usa uma máquina fazendo-a funcionar. Deste modo, o capitalista, ao comprar pelo valor diário ou semanal a força de trabalho do operário, adquire o direito de servir-se dela ou de fazê-la funcionar durante todo o dia ou toda a semana. A jornada ou a semana de trabalho têm, naturalmente, certos limites, assunto ao qual voltaremos detalhadamente mais adiante. Neste momento, peço a vossa atenção para um ponto decisivo.
O valor da força de trabalho é determinado pela quantidade de trabalho necessário à sua reprodução e conservação, mas o uso desta força de trabalho só é limitado pela energia vital e a força física do operário. O valor diário ou semanal da força de trabalho e o seu funcionamento diário ou semanal, são duas realidades completamente distintas, como o são a ração consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quantidade de trabalho que serve de limite ao valor da força de trabalho do operário não limita de modo algum a quantidade de trabalho que sua força de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso fiandeiro. Vimos que, para recompor diariamente a sua força de trabalho, este fiandeiro precisava reproduzir um valor diário de 3 xelins, o que realizava com um trabalho diário de 6 horas. Isto, porém, não lhe tira a capacidade de trabalhar 10 ou 12 horas e mais, diariamente. O capitalista ao pagar o valor diário ou semanal da força de trabalho do fiandeiro, adquire o direito de usá-la durante todo o dia ou toda a semana. Fá-lo-á trabalhar, digamos por hipótese, 12 horas diárias. Quer dizer, além das 6 horas necessárias à reposição do seu salário ou do valor de sua força de trabalho, terá que trabalhar outras 6 horas, a que chamarei de sobretrabalho, e que se traduz numa mais-valia ou num sobreproduto. Se, por exemplo, o nosso fiandeiro, com o seu trabalho diário de 6 horas, acrescenta ao valor do algodão 3 xelins, equivalente exacto de seu salário, em 12 horas incorporará 6 xelins no valor algodão, produzindo a correspondente quantidade adicional de fio. E como vendeu sua força de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence ao capitalista, que é dono da sua força de trabalho ainda que por tempore. Por conseguinte, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizará o valor de 6, pois com o desembolso de um valor no qual se cristalizam 6 horas de trabalho receberá em troca um valor no qual estão cristalizadas 12 horas. Repetindo diariamente esta operação, o capitalista desembolsará 3 xelins por dia e embolsará 6, metade dos quais voltará a investir no pagamento de novos salários, enquanto a outra metade formará a mais-valia, pela qual o capitalista não paga equivalente algum. Este tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista e ao sistema de salariato e obrigatoriamente conduz à reprodução incessante do operário e do capitalista como tais.
A taxa de mais-valia dependerá, se todas as outras circunstâncias permanecerem invariáveis, da proporção existente entre a parte da jornada de trabalho necessária para repor o valor da força de trabalho e o sobretempo ou sobretrabalho realizado para o capitalista. Dependerá, por isso, da proporção em que a jornada de trabalho se prolongue para além do tempo durante o qual o operário, com o seu trabalho, se limita a repor o valor da sua força de trabalho ou o seu salário.
Temos que voltar agora à expressão "valor ou preço do trabalho".
Vimos que, na realidade, este valor não é mais do que o da força de trabalho, medido pelos valores das mercadorias necessárias à sua manutenção. Mas como o operário só recebe o seu salário depois de realizar o seu trabalho e, além disso, como sabe que o que entrega realmente ao capitalista é o seu próprio trabalho, necessariamente imagina que o valor ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu próprio trabalho. Se o preço de sua força de trabalho é 3 xelins, nos quais se materializam 6 horas de actividade, se trabalha 12 horas, forçosamente o operário considerará esses 3 xelins como o valor ou preço de 12 horas de trabalho, se bem que estas 12 horas representem um valor de 6 xelins.
Daqui se chega a duas conclusões:
Primeira: o valor ou preço da força de trabalho toma a aparência do preço ou valor do próprio trabalho, ainda que, em rigor, as expressões de valor e preço do trabalho careçam de sentido.
Segunda: ainda que só se retribua uma parte do trabalho diário do operário, ficando a outra parte sem remuneração, e apesar de ser este trabalho não remunerado ou sobretrabalho precisamente o fundo do qual se forma a mais-valia ou lucro, parece que todo o trabalho é trabalho pago.
Esta aparência enganadora distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Dentro do sistema de salariato até o trabalho não remunerado parece trabalho pago. Ao contrário, no trabalho dos escravos parece ser trabalho não remunerado até a parte do trabalho que se retribui. Claro está que para poder trabalhar, o escravo tem que viver e uma parte de sua jornada de trabalho serve para repor o valor de seu próprio sustento. Mas como entre ele e seu senhor não houve qualquer contrato, nem se celebra entre eles nenhum acto de compra e venda, todo o seu trabalho parece gratuito.
Tomemos, por outro lado, o camponês servo, tal como existia, quase diríamos, ainda ontem em todo o Oriente da Europa. Este camponês, por exemplo, trabalhava três dias para si, na sua própria terra ou na que lhe havia sido atribuída, e nos três dias seguintes realizava um trabalho obrigatório e gratuito na propriedade de seu senhor. Como vemos, aqui as duas partes do trabalho, a paga e a não paga, aparecem visivelmente separadas, no tempo e no espaço, e os nossos liberais ficam capazes de indignação moral ante a ideia vergonhosa de obrigar um homem a trabalhar de graça.
Mas, na realidade, tanto faz uma pessoa trabalhar três dias na semana para si, na sua própria terra, e outros três dias de graça na propriedade do senhor como trabalhar diariamente na fábrica, ou na oficina, 6 horas para si e 6 para o seu patrão, ainda que neste caso a parte do trabalho pago e a do não remunerado apareçam inseparavelmente confundidas e o carácter de toda a transacção se disfarce por completo com a interferência de um contrato e o pagamento semanal. No primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente. Eis a única diferença.
Sempre que eu empregue a expressão "valor do trabalho", empregá-la-ei como termo popular, sinónimo de "valor da força de trabalho".
Suponhamos que uma hora de trabalho médio materializa um valor de 6 pence ou, o que é o mesmo, 12 horas de trabalho médio um valor de 6 xelins. Suponhamos ainda, que o valor do trabalho representa 3 xelins ou o produto de 6 horas de trabalho. Se nas matérias-primas, maquinaria, etc., consumidas para produzir uma determinada mercadoria se materializaram 24 horas de trabalho médio, o seu valor elevar-se-á a 12 xelins. Se, além disso, o operário ao serviço do capitalista junta a estes meios de produção 12 horas de trabalho, teremos que estas 12 horas se materializam num valor adicional de 6 xelins. Portanto, o valor total do produto elevar-se-á a 36 horas de trabalho cristalizado, equivalente a 18 xelins. Porém, como o valor do trabalho ou o salário recebido pelo operário só representa 3 xelins, decorre daí que o capitalista não pagou equivalente algum pelas 6 horas de sobretrabalho realizado pelo operário e materializadas no valor da mercadoria. Vendendo esta mercadoria pelo seu valor, 18 xelins, o capitalista obterá, portanto, um valor de 3 xelins, para o qual não pagou o equivalente. Estes 3 xelins representarão a mais-valia ou lucro que o capitalista embolsa. O capitalista obterá, por consequência, um lucro de 3 xelins, não por vender a sua mercadoria a um preço que exceda o seu valor, mas por vendê-la pelo seu valor real.
O valor de uma mercadoria determina-se pela quantidade total de trabalho que encerra. Mas uma parte desta quantidade de trabalho representa um valor pelo qual se pagou um equivalente em forma de salários; outra parte materializa-se num valor pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria é trabalho remunerado; a outra parte, trabalho não remunerado. Logo, quando o capitalista vende a mercadoria pelo seu valor, isto é, como cristalização da quantidade total de trabalho nela investido, o capitalista deve necessariamente vendê-la com lucro. Vende não só o que lhe provocou despesa, como também o que não lhe custou nada, embora haja exigido o trabalho do operário. O custo da mercadoria para o capitalista e o valor verdadeiro da mercadoria são realidades inteiramente distintas. Repito, por isso, que lucros normais e médios obtêm-se vendendo as mercadorias não acima do que valem mas sim pelo seu verdadeiro valor.
Chamo lucro ou mais-valia àquela parte do valor total da mercadoria materializado pelo sobretrabalho ou trabalho não remunerado. O empresário capitalista não embolsa este lucro na sua totalidade. O monopólio do solo permite ao proprietário da terra embolsar uma parte desta mais-valia sob a denominação de renda, quer o solo seja utilizado na agricultura ou se destine à construção de edifícios, vias-férreas ou a outro qualquer fim produtivo. Por outro lado, o facto de ser a posse dos meios de trabalho o que possibilita ao empresário capitalista produzir mais-valia, ou, o que é o mesmo, apropriar-se de uma determinada quantidade de trabalho não remunerado, é precisamente o que permite ao proprietário de meios de trabalho, que os empresta total ou parcialmente ao empresário capitalista, numa palavra, ao capitalista que empresta o dinheiro, reivindicar para si outra parte da mais-valia sob o nome de juro, de modo que, ao empresário capitalista enquanto tal, só lhe fica o chamado lucro industrial ou comercial.
A questão de saber a que leis está submetida essa divisão da totalidade da mais-valia entre as três categorias de pessoas aqui mencionadas, é inteiramente estranha ao nosso tema. Mas, do que deixamos exposto depreende-se, pelo menos o seguinte: a renda, o juro e o lucro industrial nada mais são que nomes diferentes para exprimir as diferentes partes da mais-valia de uma mercadoria ou do trabalho não remunerado que nela se materializa e todas provêm por igual desta fonte e só dela. Não provêm do solo como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem aos seus possuidores obterem a parte que lhes corresponde na mais-valia que o empresário capitalista extorque ao operário. Para o próprio operário, é uma questão de importância secundária que esta mais-valia, fruto do seu trabalho não remunerado ou sobretrabalho, seja exclusivamente embolsada pelo empresário capitalista ou que este se veja obrigado a ceder uma parte a terceiros, com o nome de renda do solo ou de juro. Suponhamos que o empresário utiliza apenas capital próprio e seja ele mesmo o proprietário do solo; neste caso, toda a mais-valia irá parar ao seu bolso.
É o empresário capitalista quem extrai directamente do operário esta mais-valia, seja qual for a parte que, em última análise, possa reservar para si. Por isto, a relação entre o empresário capitalista e o operário assalariado é a pedra angular de todo o sistema de salariato e de todo o actual regime de produção. Alguns dos intervenientes no nosso debate ao intentarem atenuar a dimensão da questão e apresentar a relação fundamental entre o empresário capitalista e o operário como uma questão secundária, cometeram, portanto, um erro, embora, por outro lado, tivessem razão ao afirmar que, em dadas circunstâncias, um aumento dos preços pode afectar de um modo muito desigual o empresário capitalista, o dono da terra, o capitalista que empresta dinheiro e, se quiserdes, o cobrador de impostos.
Do exposto resulta ainda outra consequência: a parte do valor da mercadoria que representa unicamente o valor das matérias-primas e das máquinas, numa palavra, o valor dos meios de produção consumidos, não gera nenhum rendimento, porque se limita a repor o capital. Afora isso, é falso que a outra parte do valor da mercadoria, que constitui o rendimento distribuído sob a forma de salário, lucro, renda territorial e juro, seja formada pelos valores dos salários, da renda territorial, do lucro, etc. Por ora deixaremos de lado os salários e só trataremos do lucro industrial, do juro e da renda da terra. Acabámos de ver que a mais-valia contida na mercadoria, ou a parte do valor desta na qual está incorporado o trabalho não remunerado, por sua vez se decompõe em várias partes, designadas por três nomes diferentes. Afirmar, porém, que o seu valor se acha integrado, ou formado pela soma dos valores independentes destas três partes constituintes, seria afirmar o inverso da verdade.
Se uma hora de trabalho se realiza num valor de 6 pence e se a jornada de trabalho do operário é de 12 horas e metade deste tempo for trabalho não pago, este sobretrabalho acrescentará à mercadoria uma mais-valia de 3 xelins, isto é, um valor sem despesa equivalente. Esta mais-valia de 3 xelins representa todo o fundo que o empresário capitalista pode repartir, seja na proporção que for, com o proprietário da terra e com o emprestador de dinheiro. O valor destes 3 xelins forma o limite do valor que eles podem repartir entre si. Mas não é o empresário capitalista que acrescenta ao valor da mercadoria um valor arbitrário para seu lucro, em seguida outro valor para o proprietário da terra e assim por diante, de tal maneira que a soma desses valores fixados arbitrariamente constituísse o valor total. Vedes, portanto, o erro da ideia corrente que confunde a divisão de um dado valor em três partes, com a formação desse valor pela soma de três valores independentes, convertendo desta maneira o valor total numa grandeza arbitrária de onde saem a renda territorial, o lucro e o juro.
Se o lucro total obtido por um capitalista for de 100 libras esterlinas, chamamos a esta quantia, considerada como grandeza absoluta, o montante do lucro. Mas se calcularmos a proporção entre estas 100 libras e o capital desembolsado, a esta grandeza relativa chamamos taxa de lucro. É evidente que se pode expressar esta taxa de lucro sob duas formas.
Suponhamos que o capital desembolsado em salários é 100 libras. Se a mais-valia obtida for também de 100 libras – o que demonstraria que metade da jornada de trabalho do operário seria trabalho não remunerado – e se medíssemos o lucro pelo valor do capital desembolsado em salários, diríamos que a taxa de lucro era de 100 por cento, já que o valor gasto seria 100 e o valor produzido 200.
Se, por outro lado, não só considerássemos o capital desembolsado em salários, mas todo o capital investido, digamos, por exemplo, 500 libras, das quais 400 representassem valor das matérias-primas, maquinaria, etc., diríamos que taxa de lucro seria apenas de 20 por cento, visto o lucro de 100 não ser mais que a quinta parte do capital total desembolsado.
O primeiro modo de expressar a taxa de lucro é o único que nos revela a proporção real entre trabalho remunerado e não remunerado, o grau real da "exploitation" do trabalho (permiti-me o uso desta palavra francesa). A outra forma é a usual, e para certos fins é, com efeito, a mais indicada. Em todo caso, prova ser muito útil, porque oculta o grau em que o capitalista arranca ao operário trabalho gratuito.
Na restante exposição, empregarei a palavra lucro para exprimir a massa total de mais-valia extorquida pelo capitalista, sem me preocupar com a divisão desta mais-valia entre as diversas partes interessadas, e quando usar o termo taxa de lucro medirei sempre o lucro pelo valor do capital investido em salários.
Se do valor de uma mercadoria descontarmos a parte que se limita a repor o das matérias-primas e dos outros meios de produção empregues, isto é, se descontarmos o valor que representa o trabalho passado nela encerrado, o valor restante reduzir-se-á à quantidade de trabalho acrescentada pelo operário que por último se ocupa nela. Se este operário trabalha 12 horas diárias e 12 horas de trabalho médio se cristalizam numa soma de ouro igual a 6 xelins, este valor adicional de 6 xelins será o único valor criado pelo seu trabalho. Este valor, determinado pelo seu tempo de trabalho, é o único fundo do qual tanto ele como o capitalista podem retirar a respectiva parte ou dividendo, é o único valor a ser dividido entre salários e lucros. É evidente que este valor não será em si mesmo alterado pelas proporções variáveis em que possa dividir-se entre ambas as partes. Tão-pouco haverá alteração se, em vez de um operário isolado, considerarmos toda a população trabalhadora e, em vez de uma só jornada de trabalho, 12 milhões de jornadas de trabalho, por exemplo.
Como o capitalista e o operário só podem dividir este valor limitado, isto é, o valor medido pelo trabalho total do operário, quanto mais receba um deles, menos receberá o outro, e reciprocamente. Partindo de uma dada quantidade, uma das partes aumentará sempre na mesma proporção em que a outra diminui. Se os salários se modificam, modificar-se-ão em sentido oposto aos lucros. Se os salários baixam, subirão os lucros; e se os salários sobem, baixarão os lucros. Se o operário, partindo da suposição anterior, ganha 3 xelins, equivalentes a metade do valor criado por ele, ou se metade da sua jornada de trabalho total é trabalho pago e a outra não pago, a taxa de lucro será de 100 por cento, visto que o capitalista obterá também 3 xelins. Se o operário só recebe 2 xelins, ou só trabalha para ele a terça parte da jornada total, o capitalista obterá 4 xelins e a taxa de lucro será, neste caso, de 200 por cento. Se o operário percebe 4 xelins, o capitalista só poderá embolsar 2, e a taxa de lucro descerá, portanto, para 50 por cento. Mas todas estas variações não influem no valor da mercadoria. Logo, um aumento geral de salários determinaria uma diminuição da taxa geral de lucro, mas não afectaria os valores.
No entanto, apesar de os valores das mercadorias que, em última análise, hão-de regular os seus preços no mercado, serem determinados exclusivamente pela quantidade total de trabalho fixado nelas, e não pela divisão desta quantidade em trabalho remunerado e não remunerado, não se pode concluir de forma alguma que os valores das diversas mercadorias ou lotes de mercadorias fabricadas em 12 horas, por exemplo, sejam sempre os mesmos. O número, ou a massa das mercadorias fabricadas num determinado tempo de trabalho, ou mediante uma determinada quantidade de trabalho, depende da força produtiva do trabalho empregue e não da sua extensão ou duração. Com um dado grau de forças produtivas do trabalho de fiação, por exemplo, poderão ser produzidas 12 libras-peso de fio numa jornada de trabalho de 12 horas; com um grau mais baixo de força produtiva produzir-se-ão somente duas. Portanto, no primeiro caso, se as 12 horas de trabalho médio se materializam num valor de 6 xelins, as 12 libras-peso de fio custarão 6 xelins, justamente o que custariam, no segundo caso, as duas libras-peso. Quer dizer que no primeiro caso a libra-peso de fio sairá por 6 pence e no segundo, por 3 xelins. Esta diferença de preço seria uma consequência da diferença existente entre as forças produtivas do trabalho empregue. Com a maior força produtiva, uma hora de trabalho materializar-se-ia numa libra-peso de fio, ao passo que, com a força produtiva menor, para obter uma libra-peso de fio haveria necessidade de materializar 6 horas de trabalho. No primeiro caso, o preço da libra de fio não excederia 6 pence mesmo que os salários fossem relativamente altos e a taxa de lucro baixa; no segundo caso, subiria para 3 xelins, mesmo com salários baixos e com uma taxa de lucro elevada. Assim sucederia porque o preço da libra-peso de fio é determinado pelo total do trabalho que encerra e não pela proporção em que este total se divide em trabalho pago e não pago. O facto, anteriormente apontado por mim, de que um trabalho bem pago pode produzir mercadorias baratas e um trabalho mal pago mercadorias caras, perde, com isto, a sua aparência paradoxal. Não é mais que a expressão da lei geral de que o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho nela investido e de que esta quantidade de trabalho depende exclusivamente da sua força produtiva, variando, por conseguinte, com a variação da produtividade do trabalho.
Examinemos agora seriamente os casos principais em que se tenta obter um aumento dos salários, ou se opõe resistência à sua redução.
1. – Vimos que o valor da força de trabalho ou, em termos mais populares, o valor do trabalho, é determinado pelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pela quantidade de trabalho indispensável à sua produção. Por conseguinte, se num determinado país o valor dos artigos de primeira necessidade que, em média, são consumidos por um operário em cada dia representa 6 horas de trabalho, expressas em 3 xelins, este operário terá que trabalhar 6 horas por dia a fim de produzir o equivalente do seu sustento diário. Sendo de 12 horas a jornada de trabalho o capitalista pagar-lhe-ia o valor do seu trabalho entregando-lhe 3 xelins. Metade da jornada será trabalho não remunerado e, portanto, a taxa de lucro atingirá 100 por cento. Mas vamos supor agora que, em consequência de uma diminuição da produtividade, se necessita de mais trabalho para produzir, digamos, a mesma quantidade de produtos agrícolas que dantes, com o que o preço médio dos artigos de primeira necessidade diariamente indispensáveis subirá de 3 para 4 xelins. Neste caso, o valor do trabalho aumentaria um terço, ou seja, 33 por cento. Para produzir o equivalente ao sustento diário do trabalhador dentro do nível de vida anterior, seriam precisas 8 horas de jornada de trabalho. Logo, o sobretrabalho diminuiria de 6 para 4 horas e a taxa de lucro reduzir-se-ia de 100 para 50 por cento. O operário que nestas condições pedisse um aumento de salário limitar-se-ia a exigir que lhe pagassem o valor do aumento do seu trabalho, como qualquer outro vendedor de uma mercadoria que, quando aumenta o custo da sua produção, age de modo a conseguir que o comprador lhe pague esse incremento de custo. E se os salários não sobem, ou não sobem na proporção suficiente para compensar o incremento do valor aos artigos de primeira necessidade, o preço do trabalho descerá abaixo do seu valor e o nível de vida do operário piorará.
Mas também pode operar-se uma mudança em sentido contrário. Ao elevar-se a produtividade do trabalho, pode acontecer que a mesma quantidade de artigos de primeira necessidade, que em média são consumidos diariamente, baixe de 3 para 2 xelins, ou que, em vez de 6 horas de jornada de trabalho, bastem 4 para produzir o equivalente do valor dos artigos de primeira necessidade consumidos num dia. O operário poderia, então, comprar com 2 xelins exactamente os mesmos artigos de primeira necessidade que antes lhe custavam 3. Na realidade diminuiria o valor do trabalho; mas este valor mais baixo disporia da mesma quantidade de mercadorias que antes. O lucro subiria de 3 para 4 xelins e a taxa de lucro, de 100 para 200 por cento. Ainda que o nível de vida absoluto do trabalhador continuasse o mesmo, o seu salário relativo e, portanto, a sua posição social relativa, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a esta redução do seu salário relativo, o trabalhador não faria mais que lutar para obter uma parte do incremento das forças produtivas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa na escala social. Assim, após a abolição das Leis Cerealistas e violando, flagrantemente, as promessas soleníssimas que haviam feito, na sua campanha de propaganda contra aquelas leis, os donos das fábricas inglesas diminuíram em geral os salários nuns 10 por cento. No princípio, a oposição dos operários foi frustrada; porém, mais tarde, lograram recuperar os 10 por cento perdidos, em consequência de circunstâncias que não me posso deter a examinar agora.
2. – Os valores dos artigos de primeira necessidade e, por conseguinte, o valor do trabalho, podem permanecer invariáveis, mas o seu preço em dinheiro pode sofrer alteração desde que se opere uma modificação prévia no valor do dinheiro.
Com a descoberta de jazigos mais abundantes, etc., 2 onças de ouro, por exemplo, não suporiam mais trabalho do que antes exigia a produção de uma onça. Neste caso o valor do ouro baixaria à metade, a 50 por cento. E como, em consequência disto, os valores das demais mercadorias se expressariam no dobro do seu anterior preço em dinheiro, o mesmo aconteceria com o valor do trabalho. As 12 horas de trabalho, que antes se expressavam em 6 xelins, expressar-se-iam agora em 12. Logo, se o salário do operário continuasse a ser de 3 xelins, em vez de subir para 6, resultaria que o preço em dinheiro do seu trabalho só corresponderia a metade do valor do seu trabalho, e o seu nível de vida pioraria assustadoramente. O mesmo ocorreria, em maior ou menor grau, se o seu salário aumentasse, mas não proporcionalmente à baixa do valor do ouro. Em tal caso, não se teria operado qualquer mudança, nem nas forças produtivas do trabalho, nem na oferta e na procura, nem nos valores. Só teria mudado o nome em dinheiro destes valores. Dizer, neste caso, que o operário não deve lutar pelo aumento proporcional do seu salário, equivale a pedir-lhe que se resigne ao pagamento do seu trabalho com nomes em vez de bens. Toda a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os capitalistas se aprestam a aproveitar essa conjuntura para defraudar os operários. Uma numerosa escola de economistas assevera que, em consequência de novas descobertas de terras auríferas, da melhor exploração das minas de prata e do embaratecimento do fornecimento de mercúrio, voltou a depreciar-se o valor dos metais preciosos. Isto explicaria as tentativas generalizadas e simultâneas que se fazem no Continente para conseguir um aumento de salários.
3. – Até aqui partimos da suposição de que a jornada de trabalho tem dados limites. Mas, na realidade, essa jornada em si mesma, não tem limites constantes. O capital tende constantemente a dilatá-la até ao máximo da possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro dele derivado. Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apropriará. Durante o século XVII, e até mesmo durante os primeiros dois terços do XVIII, a jornada normal de trabalho, em toda Inglaterra, era de 10 horas. Durante a guerra contra os jacobitas, que foi na realidade, uma guerra dos barões ingleses contra as massas trabalhadoras inglesas, o capital viveu dias de orgia e prolongou a jornada de 10 para 12, 14 e 18 horas. Malthus, que não é quem possa infundir suspeitas de terno sentimentalismo, declarou num folheto, publicado por volta de 1815, que a vida da nação estava ameaçada nas suas raízes, caso as coisas continuassem assim. Alguns anos antes da generalização dos novos inventos mecânicos, cerca de 1765, veio à luz na Inglaterra um folheto intitulado An Essay on Trade ["Um Ensaio Sobre o Comércio"]. O autor anónimo desse folheto, inimigo jurado da classe operária, clama pela necessidade de alargar os limites da jornada de trabalho. Com este objectivo e entre outras coisas propõe criar casas de trabalho para pobres que, como ele mesmo diz, deveriam ser "casas de terror". E qual é a duração da jornada de trabalho que ele propõe para estas "casas de terror"? Doze horas, quer dizer, precisamente a jornada que, em 1832, os capitalistas, os economistas e os ministros declaravam não só vigentes de facto, mas também como o tempo de trabalho necessário para as crianças menores de 12 anos.
Ao vender a sua força de trabalho, – e é obrigado a fazê-lo no regime actual – o operário cede ao capitalista o direito de empregar essa força, porém dentro de certos limites racionais. Vende a sua força de trabalho para conservá-la ilesa, salvo o natural desgaste, porém não para destruí-la. E como a vende pelo seu valor diário ou semanal, subentende-se que num dia ou numa semana não há-de submeter a sua força de trabalho a um uso ou desgaste de dois dias ou de duas semanas. Tomemos uma máquina que valha 1 000 libras. Se ela se gasta em dez anos, transferirá, no fim de cada ano, 100 libras para o valor das mercadorias que ajuda a produzir. Gastando-se em 5, o valor transferido por ela será de 200 libras anuais, isto é, o valor do seu desgaste anual está na razão inversa da rapidez com que se consome. Mas há uma diferença entre o operário e a máquina: não se esgota exactamente na mesma proporção em que se usa. Ao contrário, o homem esgota-se numa proporção muito superior à que o mero aumento numérico do tempo de trabalho levaria a supor.
Nas tentativas para reduzir a jornada de trabalho à sua antiga duração racional e, onde não podem conseguir uma fixação legal da jornada normal de trabalho, nas tentativas para contrabalançar o trabalho excessivo por meio de um aumento de salário – aumento que não basta estar em proporção com o aumento do sobretrabalho que os exaure, mas que deve estar numa proporção maior –, os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles e para com a sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, excluindo as interrupções puramente físicas do sono, das refeições, etc., está totalmente absorvida pelo trabalho para o capitalista, é ainda menos que uma besta de carga. Fisicamente destroçado e espiritualmente embrutecido, é uma simples máquina para produzir a riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da indústria moderna demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio, lutará sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a esse nível de mais baixa degradação.
Pode acontecer que o capitalista, ao prolongar a jornada de trabalho, pague salários mais altos, mas isso não impede que o valor do trabalho diminua se o aumento dos salários não corresponder ao aumento da quantidade de trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí resulte. Isto pode ainda ocorrer de outro modo. Os estatísticos burgueses dir-vos-ão, por exemplo, que os rendimentos médios das famílias que trabalham nas fábricas do Lancashire subiram. Mas esqueceram-se que actualmente, em vez de ser só o homem, o chefe de família, são também a sua mulher e talvez três ou quatro filhos que se vêem lançados sob as rodas do carro de Jagannath do capital e que a subida no somatório dos salários não corresponde à subida no sobretrabalho total arrancado à família.
Mesmo com uma jornada de trabalho de limites determinados, como existe hoje em dia em todas as indústrias sujeitas às leis fabris, pode-se tornar necessário um aumento de salários, ainda que, apenas com a pretensão de manter o antigo nível do valor do trabalho. Mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se obrigar um homem a gastar numa hora tanta força vital corno antes em duas. É o que tem acontecido, até certo ponto, nas indústrias submetidas às leis fabris quando é acelerada a marcha das máquinas ou aumentado o número de máquinas a que, agora, deve atender um só indivíduo. Se o aumento da intensidade do trabalho ou da quantidade de trabalho despendida numa hora se mantém abaixo da diminuição da jornada de trabalho, será então beneficiado o operário. Alcançado este limite, perderá por um lado o que ganhou por outro, e 10 horas de trabalho fatigá-lo-ão tanto como antes 12. Ao contrabalançar esta tendência do capital, por meio da luta pelo aumento dos salários, na medida correspondente à crescente intensidade do trabalho, o operário não faz mais que opor-se à depreciação do seu trabalho e à degeneração da sua raça.
4. – Todos sabeis que, por motivos que não me cabe aqui explicar, a produção capitalista se move em determinados ciclos periódicos. Passa por fases de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação. Os preços das mercadorias no mercado e a taxa de lucro seguem essas fases; ora descem abaixo de seu nível médio, ora ultrapassam-no. Se considerardes todo o ciclo, vereis que uns desvios dos preços do mercado são compensados por outros e que, tirando a média do ciclo, os preços das mercadorias são regulados pelos seus valores. Pois bem: durante as fases de baixa de preços e durante as fases de crise ou de estagnação, o operário ou é posto na rua ou pode estar certo de ver o seu salário baixar. Para que não o defraudem, mesmo nas fases de baixa de preços no mercado, ver-se-á compelido a discutir com o capitalista em que medida se torna necessário reduzir os salários. E se durante a fase de prosperidade, na qual o capitalista obtém lucros extraordinários, o operário não lutar por uma alta de salários, ao tirar a média de todo o ciclo industrial, veremos que ele nem sequer recebe o salário médio, ou seja, o valor do seu trabalho. Seria o cúmulo da loucura exigir ao operário, cujo salário se vê forçosamente afectado nas fases adversas do ciclo, que renunciasse ao direito de ser compensado durante as fases prósperas. Geralmente, os valores de todas as mercadorias só se realizam por meio da compensação que se opera entre os preços constantemente variáveis do mercado, submetidos que estão às flutuações constantes da oferta e da procura. Dentro do sistema actual, o trabalho é uma mercadoria como outra qualquer. Tem, portanto, que passar pelas mesmas flutuações, até obter o preço médio que corresponde ao seu valor. Seria um absurdo considerá-lo como mercadoria para certas coisas e, para outras, querer exceptuá-lo das leis que regem os preços das mercadorias. Um escravo obtém uma quantidade constante e fixa de meios de subsistência; o operário assalariado não. Por isso não tem alternativa senão tentar impor, em alguns casos, um aumento de salários, ainda que seja apenas para compensar a sua baixa noutros casos. Se espontaneamente se resignasse a acatar a vontade e os ditames do capitalista como uma lei económica permanente, compartilharia de toda a miséria do escravo, sem compartilhar em troca da sua segurança.
5. – Em todos os casos que considerei, e que representam 99 por cento da totalidade, vistes que a luta pelo aumento de salários vai sempre na pista de modificações anteriores, sendo o resultado lógico das modificações prévias operadas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor deste, no valor do dinheiro, na maior extensão ou intensidade do trabalho extorquido, nas flutuações dos preços, que por sua vez dependem das flutuações da oferta e da procura e produzidas de acordo com as diversas fases do ciclo industrial; numa palavra, é a reacção dos operários contra a acção anterior do capital. Se focássemos a luta pelo aumento de salários não fazendo caso de todas estas circunstâncias, considerando apenas as modificações operadas nos salários, e passando por alto as restantes modificações, das quais elas provêm, partiríamos de uma premissa falsa para chegar a conclusões falsas.
1. – Após demonstrar que a resistência periódica oposta pelos operários à redução dos salários e que as suas tentativas periódicas para conseguir um aumento de salários são fenómenos inseparáveis do sistema de salariato e ditadas pelo próprio facto de o trabalho se achar equiparado às mercadorias e, por conseguinte, submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços; tendo demonstrado, ainda, que um aumento geral de salários resultaria numa diminuição da taxa geral de lucro, sem afectar, porém, os preços médios das mercadorias, nem os seus valores, surge a questão de saber até que ponto, na luta incessante entre o capital e o trabalho, este tem possibilidade de êxito.
Poderia responder com uma generalização, dizendo que o preço do trabalho no mercado, da mesma forma que o das demais mercadorias, tem que se adaptar, no decorrer do tempo, ao seu valor; que, portanto, a despeito de todas as altas e baixas e do que possa fazer, o operário acabará por receber sempre, em média, somente o valor de seu trabalho, que se reduz ao valor da sua força de trabalho, a qual, por sua vez, é determinada pelo valor dos meios de subsistência necessários à sua manutenção e reprodução, valor esse regulado, em última análise, pela quantidade de trabalho necessária para produzi-los.
Mas há certos traços peculiares que distinguem o valor da força de trabalho, ou valor do trabalho, dos valores das outras mercadorias. O valor da força de trabalho é formado por dois elementos, um dos quais puramente físico, o outro de carácter histórico e social. O seu limite mínimo é determinado pelo elemento físico, quer isto dizer que, para se poder manter e reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade absolutamente indispensáveis às suas vida e multiplicação. O valor destes meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho. Por outro lado, a extensão da jornada de trabalho também tem o seu limite máximo, se bem que possa ser muito elástico. Este limite máximo é dado pela força física do trabalhador. Se o esgotamento diário das suas energias vitais excede um certo grau, não poderá fornecê-las de novo, dia após dia. Mas, como dizia, este limite é muito elástico. Uma sucessão rápida de gerações raquíticas e de vida curta manterá abastecido o mercado de trabalho tão bem como uma série de gerações robustas e de vida longa.
Além deste elemento meramente físico, na determinação do valor do trabalho entra o nível de vida tradicional de cada país. Não se trata somente da vida física, mas também da satisfação de certas necessidades que emanam das condições sociais em que vivem e se educam os homens. O nível de vida inglês poderia baixar ao nível irlandês; o nível de vida de um camponês alemão ao de um camponês livónio. A importância do papel que, a este respeito, desempenham a tradição histórica e o costume social podereis vê-la no livro do sr. Thornton sobre a "Superpopulação", onde demonstra que, em distintas regiões agrícolas da Inglaterra dos nossos dias, os salários médios continuam a ser hoje diferentes, conforme as condições mais ou menos favoráveis em que essas regiões saíram da servidão.
Este elemento histórico ou social, que entra no valor do trabalho, pode acentuar-se, ou debilitar-se e, até mesmo, extinguir-se de todo, de tal modo que só fique de pé o limite físico.
Durante a guerra anti-jacobina – que, como costumava dizer o incorrigível devorador de impostos e prebendas, o velho George Rose, foi empreendida para que esses descrentes franceses não destruíssem os consolos da nossa santa religião –, os honestos fazendeiros ingleses, a quem tratámos com tanto carinho num capítulo anterior, fizeram baixar os salários dos trabalhadores do campo para além daquele mínimo estritamente físico, completando a diferença indispensável para assegurar a perpetuação física da raça, mediante as leis dos pobres. Era um glorioso método para converter o trabalhador assalariado em escravo e o orgulhoso yeoman (lavrador abastado) de Shakespeare em mendigo.
Se comparardes os salários normais ou valores do trabalho em diferentes países e dentro do mesmo país, em épocas históricas distintas, vereis que o valor do trabalho não é por si uma grandeza constante, mas variável, mesmo supondo que os valores das demais mercadorias permanecem fixos.
Uma semelhante comparação das taxas de lucro no mercado provaria que não só estas variam como também as suas taxas médias.
Mas, no que se refere ao lucro, não existe lei nenhuma que lhe fixe um mínimo. Não se pode dizer qual é o limite extremo da sua diminuição. Porque é que não é possível estabelecer esse limite? Porque, embora se possa fixar o salário mínimo, não se pode fixar o salário máximo. Só podemos dizer que, dados os limites da jornada de trabalho, o máximo de lucro corresponde ao mínimo físico dos salários e que, partindo de uns dados salários, o lucro máximo corresponde ao prolongamento da jornada de trabalho na medida em que seja compatível com as forças físicas do operário. Portanto, o lucro máximo só está limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho. É evidente que, entre os dois limites extremos da taxa máxima de lucro, cabe uma escala imensa de variantes. A determinação do seu grau efectivo só se estabelece pela luta incessante entre o capital e o trabalho; o capitalista, pugna constantemente por reduzir os salários ao seu mínimo físico e prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto que o operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário.
O problema reduz-se, portanto, à relação de forças entre os combatentes.
2. – No que concerne à limitação da jornada de trabalho, tanto em Inglaterra como em todos os outros países, nunca foi regulamentada senão por intervenção legislativa. Sem a constante pressão exterior dos operários, nunca se daria essa intervenção. Em todo o caso, este resultado não teria sido alcançado por meio de convénios privados entre os operários e os capitalistas. É precisamente esta necessidade de uma acção política geral que demonstra que, no terreno puramente económico, o capital é a parte mais forte. Quanto aos limites do valor do trabalho, a sua fixação efectiva depende sempre da oferta e da procura, e refiro-me à procura de trabalho por parte do capitalista e à oferta de trabalho por parte dos operários. Nos países coloniais, a lei da oferta e da procura favorece os operários. Daqui resulta o nível relativamente elevado dos salários nos Estados Unidos. Nestes países, faça o que fizer, o capital não pode evitar que o mercado de trabalho esteja constantemente desabastecido pela constante transformação de operários assalariados em lavradores independentes com fontes próprias de subsistência. Para grande parte da população norte-americana, a posição de assalariado não é mais do que uma estado transitório, que estão seguros de abandonar, mais cedo ou mais tarde. Para remediar este estado de coisas colonial, o paternal governo britânico adoptou, há tempos, a chamada teoria moderna da colonização, que consiste em atribuir aos terrenos coloniais um preço artificialmente elevado para, deste modo, obstar à transformação demasiado rápida do trabalhador assalariado em trabalhador independente.
Mas passemos agora aos velhos países civilizados onde o capital domina todo o processo de produção. Tomemos, por exemplo, o aumento dos salários agrícolas ingleses, de 1849 a 1859. Quais foram as suas consequências? Os agricultores não puderam subir o valor do trigo, nem sequer o seu preço de mercado, como lhes teria aconselhado nosso amigo Weston. Ao contrário, tiveram que resignar-se a vê-lo baixar. Mas durante estes onze anos introduziram máquinas de todos os tipos e novos métodos científicos, transformaram uma parte das terras de lavoura em pastagens, aumentaram a extensão das suas fazendas e com ela a escala da produção; e por estes e outros processos, fazendo diminuir a procura de trabalho graças ao aumento de suas forças produtivas, voltaram a criar um excedente relativo da população de trabalhadores rurais. Tal é o método geral segundo o qual o capital actua nos países antigos, de bases sólidas, para reagir, mais rápida ou mais lentamente, contra os aumentos de salários. Ricardo observou, com exactidão, que a máquina está em contínua concorrência com o trabalho e, frequentemente, só pode ser introduzida quando o preço do trabalho alcança um certo limite; mas a aplicação da maquinaria é apenas um dos muitos métodos empregues para aumentar as forças produtivas do trabalho. Este mesmo processo, que cria uma superabundância relativa de trabalho simples, simplifica muito o trabalho qualificado, depreciando-o portanto.
A mesma lei faz-se sentir sob outra forma. Com o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, acelera-se a acumulação do capital, mesmo quando o peso dos salários no produto criado é relativamente alto. Daqui poderia inferir-se, conforme fez Adam Smith, em cujos tempos a indústria moderna ainda estava na infância, que a acumulação acelerada do capital tem forçosamente que fazer pender a balança a favor do operário, por garantir uma procura crescente de seu trabalho. Situando-se no mesmo ponto de vista, muitos autores contemporâneos admiram-se de, apesar de nos últimos vinte anos o capital inglês ter crescido mais rapidamente do que a população inglesa, os salários não terem registado por isso um aumento maior. Mas é que, simultaneamente com a acumulação progressiva, opera-se uma mudança também progressiva na composição do capital. A parte do capital global formada por elementos fixos: maquinaria, matérias-primas, meios de produção de todo género, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital destinada a salários, ou seja, à compra de trabalho. Esta lei foi formulada, sob uma forma mais ou menos precisa, pelos senhores Barton, Ricardo, Sismondi, os professores Richard Jones, Ramsey, Cherbuliez e outros.
Se a proporção entre estes dois elementos do capital era, originariamente, de 1 para 1, com o desenvolvimento da indústria será de 5 para 1, e assim sucessivamente. Se de um capital global de 600 são desembolsados 300 para instrumentos, matérias-primas, etc., e 300 para salários, basta dobrar o capital global para ser possível absorver 600 operários em vez de 300. Mas, se de um capital de 600 se investirem 500 em maquinaria, materiais, etc., e somente 100 em salários, este capital tem de aumentar de 600 para 3 600, para criar uma procura de 600 operários em lugar de 300. Portanto, ao desenvolver-se a indústria, a procura de trabalho não cresce ao mesmo ritmo que a acumulação do capital. Aumenta, sem dúvida, mas aumenta numa proporção constantemente decrescente quando comparada com o crescimento do capital.
Estas poucas indicações bastarão para realçar que o próprio desenvolvimento da indústria moderna contribui forçosamente para inclinar cada vez mais a balança a favor do capitalista contra o operário e que, em consequência disso, a tendência geral da produção capitalista não é para elevar o nível médio dos salários mas, ao contrário, para fazê-lo baixar, empurrando o valor do trabalho para, mais ou menos, o seu limite mínimo. Porém, se tal é a tendência dentro deste sistema, isto quer dizer que a classe operária deve renunciar a defender-se contra as usurpações do capital e abandonar os seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar pontualmente a sua situação? Se o fizesse, ver-se-ia degradada numa massa informe de homens famintos e arrasados, sem possibilidade de salvação. Creio haver demonstrado que as lutas da classe operária em torno do nível de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema de salariato; que, em 99 por cento dos casos, os seus esforços para elevar os salários não são mais do que esforços destinados a manter de pé um dado valor do trabalho e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como uma mercadoria. Se os operários, nos seus conflitos diários com o capital cedessem cobardemente ficariam, sem dúvida, desclassificados para empreender outros movimentos de maior envergadura.
Ao mesmo tempo e abstraindo totalmente a escravização geral que o sistema de salariato implica, a classe operária não deve ter grandes expectativas no resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos; que consegue conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direcção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado. A classe operária deve saber que o sistema actual, mesmo com todas as misérias que lhe inflige, engendra simultaneamente as condições materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução económica da sociedade. Em vez do lema conservador de: "Um salário justo por uma justa jornada de trabalho!", deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: "Abolição do sistema de trabalho assalariado!".
Depois desta exposição tão longa e, receio eu, fatigante, mas que julguei indispensável para esclarecer um pouco o nosso tema principal, vou concluir, propondo a aprovação da seguinte resolução:
"esquerdismo" - a doença infantil do com
a catastrofe iminente e os meios de a co
a classe operária e o neo-malthusianismo
as possibilidades de êxito da guerra
as tarefas dos destacamentos do exército
carta ao comité de combate junto do comi
chile: lição para os revolucionários de
discurso radiodifundido em 3 de julho de
do socialismo utópico ao socialismo cien
editorial do bandeira vermelha nº1
imperialismo - estádio supremo do capita
jornadas sangrentas em moscovo
karl marx (breve esboço biográfico...
manifesto do partido comunista
mensagem do comité central à liga dos co
o exército revolucionário e o governo re
o materialismo dialéctico e o materialis
os ensinamentos da insurreição de moscov
para uma linha política revolucionária
pensar agir e viver como revolucionários
reorganizar o partido revolucionário do
sobre o que aconteceu com o rei de portu